Antologia Poética
Vinícius de Moraes
O que é uma antologia?
Antologia significa, etimologicamente,
"coletânea de flores"; o termo remete à
ideia de escolha, coleção. Sendo assim,
antologia é uma coleção de trabalhos
literários; neste caso, coleção de trabalhos
poéticos.
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Vinicius de Moraes
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Sensualismo erótico, “carpe diem”, Classicismo (sonetos), poesia social,
MPB (Bossa Nova), Teatro (Orfeu da Conceição), música infantil.
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Forma e Exegese; Poemas, Sonetos e Baladas; Livro de Sonetos; A
Arca de Noé;
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“De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.”
(Soneto de Fidelidade)
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SONETO DE SEPARAÇÃO
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De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
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De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
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De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
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Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
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FELICIDADE
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Tristeza não tem fim
Felicidade sim...
A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar.
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A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei, ou de pirata, ou jardineira
E tudo se acabar na quarta-feira.
“Antologia Poética”, de Vinícius de Moraes,
mostra diferentes fases do poeta. A
primeira, nos anos 30, associa a mulher à
tentação.
 Já na fase seguinte, dos anos 40 em diante,
Vinícius enfoca a realidade social e retrata o
sexo sem pecado.
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Ausência
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são
doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente
exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande
íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
Rio de Janeiro, 1935
Este é um dos primeiros poemas em
que aparece a tentativa de representar
a mulher amada e a experiência
amorosa como ponto de encontro
entre a transcendência e os apelos
terrenos, entre espírito e matéria.
A rosa de Hiroxima
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Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada
Numa postura humanista, em que cria figuras com fortes
tintas, o poeta canta contra a guerra. Usando o verbo
"pensar" no imperativo ("pensem"), "convida-nos" a todos
a refletir diante das atrocidades causadas pela guerra; e,
principalmente, a causada pelo mais novo rebento
gerado pelo ser humano: a bomba atômica. A culpa não
é apenas de um indivíduo ou outro. A culpa, a
responsabilidade da destruição não é de um país X ou Y,
mas de toda a humanidade. O que está em jogo aqui é a
própria existência, ou melhor dizendo, a própria
sobrevivência humana.
É a bomba atômica
Vem-me uma angústia
Quisera tanto
Por um momento
Tê-la em meus braços
A coma ao vento
Descendo nua
Pelos espaços
Descendo branca
Branca e serena
(...)
Coitada da bomba atômica
Que não gosta de matar
Mas que ao matar mata tudo
Animal e vegetal
Que mata a vida na terra
E mata a vida do ar
Mas que também mata a guerra...
Bomba atômica que aterra!
Bomba atômica da paz!
A bomba adquire formas variadas, tais como pomba,
flor e arcanjo. O emprego de vocabulário científico em
várias passagens sugere a visão técnica da criação do
artefato de destruição: “Oh energia, eu te amo, igual à massa/
Pelo quadrado da velocidade/ Da luz!.” São ainda empregados
termos ligados à poética parnasiana, que se misturam
ao tom coloquial e momentos de lirismo quase infantil:
“Vem caindo devagar / Tão devagar vem caindo / Que dá tempo a um
passarinho / De pousar nela e voar...” O uso das reticências no
final desse verso sugere o voo do passarinho. A
construção heterogênea do poema pelo emprego de
versos fixos em partes diversas, linguagens variadas,
intertextualidades, soma-se aos recursos sonoros
variados, tais como assonâncias (“Pomba tonta,
bomba atômica”) e aliterações (“Radiosa rosa radical”)
Sonetos
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O soneto, forma literária clássica fechada, é
uma composição de quatorze versos, dispostos
em dois quartetos e dois tercetos, seguindo
variavelmente os seguintes esquemas de rima:
abab / abab / ccd / ccd; abba / abba / cde / cde
ou abba / abba / cdc / dcd., sendo que o metro
mais utilizado tem sido o decassílabo (com
acento na 4ª, 7ª e 10ª). Por encerrar o conceito
fundamental do poema, o último verso constitui
o que chamamos de "fecho de ouro" ou a
"chave de ouro".
Com o soneto, o poeta mantém a expressão
de um lirismo controlado, ou seja, o
sentimento e a emoção líricos contêm-se
nos limites do equilíbrio e da harmonia. O
poeta procura atenuar os impulsos do "eu",
isto é, de sua subjetividade particular, em
favor de uma visão impessoal ou objetiva.
Daí dizer que nos sonetos existe a luta de
um "eu" que ama e um "eu" que raciocina.
Soneto de separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
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Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Oceano Atlântico, a bordo do Highland Patriot, a caminho da
Inglaterra, 09.1938
Este soneto, um dos mais populares de Vinícius, é
quase todo composto num jogo antitético, tais como:
riso X pranto; calma X vento; triste X contente e
próximo X distante. O emprego dessa figura de
linguagem, ao longo do poema, revela as mudanças
na relação amorosa que se processam de uma forma
abrupta e inesperada. O poeta utiliza um outro
recurso, num belíssimo arranjo de antíteses, para
acentuar o dinamismo que caracteriza o poema: o
emprego da forma verbal "Fez-se" e de sua forma
contrária "desfez". Esse dinamismo expresso no
soneto revela, sob certo aspecto, a própria
inconstância na vida amorosa de Vinicius.
Soneto da mulher inútil
De tanta graça e de leveza tanta
Que quando sobre mim, como a teu jeito
Eu tão de leve sinto-me no peito
Que o meu próprio suspiro te levanta.
Tu, contra quem me esbato liquefeito
Rocha branca! Brancura que me espanta
Brancos seios azuis, nívea garganta
Branco pássaro fiel com que me deito.
Mulher inútil, quando nas noturnas
Celebrações, náufrago em teus delírios
Tenho-te toda, branca, envolta em brumas.
São teus seios tão tristes como urnas
São teus braços tão frios como lírios
É teu corpo tão leve como plumas.
Soneto com versos decassílabos com rimas
opostas. É um lirismo amoroso, no qual o
eu lírico idealiza e concretiza a mulher
amada na ideia de inutilidade do título.
Entretanto, não há dúvida quanto à
necessidade de concretização do amor
físico pela ideia de posse completa
sugerida pelo verbo TER no presente do
indicativo: “Tenho-a toda” . Interessante
destacar a sonoridade agradável do soneto
pela presença de aliterações e
assonâncias.
Poema enjoadinho
Filhos...filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como os queremos!
Banho de mar
Diz que é um porrete...
Cônjuge voa
Transpõe o espaço
Engole água
Fica salgada
O poema é de um lirismo quase pueril,
mostra a preocupação dos pais com
os filhos, sugerindo que se
soubessem o trabalho que dariam
melhor seria não tê-los, mas como o
poeta conclui:
“Mas se não os teMos /
Como sabê-los?”
Epitáfio
Aqui jaz o Sol
Que criou a aurora
E deu a luz ao dia
E apascentou a tarde
Aqui jaz o Sol
O andrógino meigo
E violento, que
O mágico pastor
Possui a forma
De mãos luminosas
Que fecundou as rosas De todas as mulheres
E as despetalou
E morreu no mar.
É um soneto em versos curtos e brancos,
marcado por intenso lirismo ligado à natureza.
O título sugere a inscrição tumular do pôr do sol.
Uma imagem surpreendente é obtida pela
expressão “andrógino meigo” atribuindo ao sol
um papel tanto masculino quanto feminino,
acentuando este último pelo adjetivo e pelo fato
de possuir a forma de todas as mulheres, como
afirma a estrofe seguinte. Em diferentes
civilizações antigas o sol era visto ora como
masculino, ora como feminino, daí talvez a
imagem ambíqua captada pelo poeta.
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