08/31-03/113
Rev. bras. alerg. imunopatol.
Copyright © 2008 by ASBAI
ARTIGO ORIGINAL
Teste de provocação em indivíduos com suspeita
de hipersensibilidade a anestésicos locais – Proposta
de uma abordagem prática
Provocation test in patients with suspected local anesthetics
hypersensitivity – A practical proposal approach.
Luciana Kase Tanno1, Luiz Felipe Chiaverina Ensina2,
Jorge Kalil3, Antônio Abílio Motta4
Resumo
Abstract
Objetivo: Os anestésicos locais (AL) podem desencadear
grande variedade de eventos adversos, mas raramente são
responsáveis por hipersensibilidade alérgica IgE mediada.
Ainda são causa de grande preocupação para profissionais de
saúde e para pacientes. O teste de provocação com a droga
(TPD) constitui método de escolha para prover alternativa segura para estes pacientes. Outras causas de hipersensibilidade
alérgica, como a alergia ao látex, podem mimetizar as reações
aos AL e devem ser investigadas. Propomos uma abordagem
prática para a realização do TPD diante da suspeita de hipersensibilidade alérgica aos AL.
Pacientes e Métodos: Foram estudados 33 pacientes com
suspeita de hipersensibilidade a AL, submetidos a TPD. Estes
pacientes foram atendidos em nosso serviço entre julho de
2003 e julho de 2006. Os TPD foram indicados e realizados de
acordo com as orientações da European Network for Drug
Allergy (ENDA) e a droga testada foi escolhida a partir da história clínica. Todos os pacientes foram avaliados (história clínica e testes in vivo e vitro) para se verificar alergia ao látex
previamente à realização do TPD. Foi procedido contato telefônico com estes pacientes em abril de 2007 a fim de verificar se
a droga disponibilizada havia sido utilizada e se houve intercorrências com a sua utilização.
Resultados: Foram realizadas 33 provocações em pacientes com suspeita de reação a AL (18 com Bupivacaína e 15
com Lidocaína), todos negativos. Dois desses pacientes tiveram avaliação para látex positiva. Foi verificado por contato
telefônico que todos os pacientes utilizaram sem intercorrências o AL testado.
Conclusão: Demonstramos que o TPD é um método importante para prover alternativa medicamentosa segura aos pacientes com suspeita de hipersensibilidade alérgica aos AL e a
investigação para alergia ao látex deve ser sempre procedida.
Assim, a abordagem prática que utilizamos nos auxilia a prover
uma orientação correta, segura e individualizada para os pacientes.
Rev. bras. alerg. imunopatol. 2008; 31(3):113-118 Anestésicos locais, teste de provocação com droga, látex, hipersensibilidade alérgica, Lidocaína, Bupivacaína, ésteres, amida
1.
2.
3.
4.
Objective: Although local anesthetic (LA) drugs can elicit a
variety of adverse reactions, but true allergic hypersensitivity
reactions are uncommon. It still constitutes a concern for
health professionals and for patients. The drug provocation test
(DPT) is a determinant method to provide a safe alternative to
these patients. Other allergic hypersensitive causes (eg. latex
allergy) can mimic LA reactions and must be investigated. We
suggest a practical approach based on DPT to be used when a
LA allergic hypersensitivity is suspected.
Pacients and Methods: We studied 33 patients with suspicion of local anesthetic hypersensitivity evaluated in our clinic
between July 2003 and July 2006. All of them underwent DPT,
which was performed based on European Network for Drug
Allergy (ENDA) orientations and the choice of the drug to be
tested was based on the clinical history. All patients were
avallied (clinical history and in vivo and in vitro tests) in order
to investigate latex allergy before the drug provocation. We
proceeded phone contact to all these patients in April 2007 in
order to check if the medication we tested was used and if they
had reactions with it.
Results: We proceeded 33 drug provocation tests in patients with suggestive history of local anesthetic reaction (18
with Bupivacaine and 15 with Lidocaine), all negative. Two of
these patients, who underwent DPT with Bupivacaine and with
Lidocaine, had positive evaluation to latex allergy. We contacted all patients and verified that the tested drug was used by
all of them with no problems.
Conclusion: We demonstrated that DPT is an important
method to provide a safe alternative drug to patients with suspicion of allergic hypersensitivity to LA and latex allergy Investigation has always to be proceeded. Therefore, the practical
approach we use helps us to provide a correct, safe and individualized orientation to each patient.
Rev. bras. alerg. imunopatol. 2008; 31(3):113-118 Local
anesthetics, drug provocation test, latex, allergic hypersensitivity, Lidocaine, Bupivacaine, Ester, Amide
Médica Alergista e Colaboradora do Serviço de Imunologia Clínica e Alergia do Hospital das Clínicas da FMUSP.
Mestre em Alergia e Colaborador do Serviço de Imunologia Clínica e Alergia do Hospital das Clínicas da FMUSP.
Professor Titular da Disciplina de Imunologia Clínica e Alergia da FMUSP.
Doutor em Alergia e Imunopatologia pela Faculdade de Medicina da USP. Assistente do Serviço de Imunologia Clínica e Alergia do Hospital
das Clínicas da FMUSP. Responsável pelo Ambulatório de Reações Adversas a Drogas do HC-FMUSP.
Artigo submetido em 23.05.2007, aceito em 19.06.2008.
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Rev. bras. alerg. imunopatol. – Vol. 31, Nº 3, 2008
Teste de provocação em indivíduos
Quadro 1 - Classificação farmacológica dos grupos de anestésicos
locais e suas principais formulações comerciais
Introdução
Os bloqueadores neurais, mais conhecidos como anestésicos locais (AL), são utilizados amplamente na prática
clínica desde 1884. Os primeiros AL sintéticos produzidos
para utilização clínica foram os ésteres do ácido benzóico,
usados principalmente na formulação tópica. O primeiro
relato de alergia a este grupo de AL data de 1920, descrito
como eczema de contato alérgico1. Seguiram-se muitos
outros relatos semelhantes, fazendo com que a dermatite
de contato alérgica se tornasse o principal evento adverso
imputado a este grupo de medicamentos. Devido à grande
freqüência destas reações, novas pesquisas resultaram na
descoberta de uma nova geração de AL, o grupo amida1.
Sua utilização foi sendo cada vez maior devido à sua eficácia e à sua segurança clínica e logo foi substituindo o uso
da maioria dos AL do grupo dos ésteres do ácido benzóico.
Os AL do grupo amida são empregados amplamente em
pequenas cirurgias, procedimentos odontológicos e oftalmológicos por via subcutânea e reações alérgicas verdadeiras (IgE-mediadas) aos AL deste grupo são raras2,3.
Os AL são alérgenos incompletos de baixo peso molecular (200 a 300 kDa) e as reações adversas imediatas a eles
referidas são, em sua maioria, vasovagais, tóxicas,
psicogênicas ou efeitos colaterais dos vasoconstritores
como a epinefrina1,3. Eventualmente, as manifestações clínicas sugerem uma reação alérgica imediata, mas a maioria dos estudos mostra que este tipo de evento é extremamente raro, ocorrendo em 1% de todas as reações relatadas2-4. Manifestações agudas, como desorientação ou convulsão, estão associadas à superdosagem, à injeção intravenosa inadvertida e à utilização de AL contendo vasoconstritor1,4,5. Alguns aditivos químicos utilizados como veículo
ou conservante dos AL podem causar reações alérgicas
verdadeiras, mimetizando um quadro de hipersensibilidade
ao AL2, 6.
Do ponto de vista farmacológico, os AL são constituídos
por um anel aromático conectado a uma amina terciária via
cadeia intermediária ligada por uma amida ou por um éster1 (figura 1). Essa ligação determina os dois principais
grupos de AL, os ésteres do ácido benzóico e o grupo amida (quadro 1). Baseando-se em estudos com testes de
contato, sabe-se que os anestésicos do grupo éster reagem
de forma cruzada entre si, mas não reagem com os anestésicos do grupo amida. Os medicamentos deste último
grupo não reagem cruzadamente entre si e são menos
sensibilizantes3,4.
ESTER
Grupo ésteres de ácido benzóico
Grupo amida
Benzocaína
Lidocaína
Tetracaína
Bupivacaína
Procaína
Mepivacaína
2 – Cloroprocaína
Levobupivacaína
Cocaína
Ropivacaína
Propacacaina
Etidocaína
Prilocaína
Articaína
Adaptado de 13.
Muitos pacientes encaminhados ao nosso ambulatório
vêm rotulados equivocadamente como alérgicos a anestésicos locais e por isso passaram a evitar procedimentos
médicos e dentários por insegurança, e alguns foram submetidos a procedimentos sem anestesia. Por outro lado, o
histórico de reação com o uso deste grupo farmacológico
faz com que muitos profissionais de saúde privem ou posterguem a resolução cirúrgica destes pacientes. Em ambos
os casos, há necessidade de orientação adequada e/ou de
definição diagnóstica. Para tanto, é possível a realização de
TPD, durante o qual o paciente é exposto a concentrações
e volumes gradativamente maiores do anestésico a fim de
se comprovar a real sensibilidade ou prover uma alternativa adequada ao paciente7.
O TPD se constitui no método padrão ouro para diagnóstico das reações de hipersensibilidade a fármacos, mas
apresenta algumas limitações7. Sua interpretação é difícil,
principalmente quando há queixas subjetivas, possibilitando resultados falso-positivos, não esclarece o mecanismo
fisiopatológico e as reações podem não ser completamente
patognomônicas já que co-fatores para a existência da reação podem estar ausentes7. Deve ser sempre indicado e
realizado por especialista, em ambiente hospitalar, com
material de ressuscitação disponível e conduzido por equipe treinada em situações de emergências, pois são potencialmente perigosos.
A Academia Americana de Alergia e Imunologia tende a
utilizar o TPD como forma de prover alternativa terapêutica
ao paciente, enquanto a European Network for Drug Allergy (ENDA) indica o TPD para confirmar ou excluir reação
de hipersensibilidade ao fármaco suspeito ou a um equivalente químicamente ou farmacologicamente semelhante,
eventualmente, para obter alternativa terapêutica (quadro
2). Apresenta contra-indicação relativa em gestantes e em
pacientes que apresentam co-morbidades como infecções
agudas, asma descompensada, cardiopatia, nefro ou hepatopatia contra-indica o TPD em casos anafilaxia grave, no
entanto, o risco-benefício deve ser avaliado individualmente, principalmente em casos em que o teste cutâneo e os
testes in vitro não são esclarecedores ou não disponíveis7.
AMIDA
Quadro 2: Indicações de testes de provocação com drogas segundo a European Network for Drug Allergy
Anel
Aromático
Ligante
Intermediário
Amina
Terminal
Figura 1 - Estrutura dos anestésicos locais (Adaptado de 1)
I – Excluir reação de hipersensibilidade em paciente sem
história sugestiva.
II – Fornecer alternativas seguras em pacientes sabidamente
alérgicos e comprovar tolerância a determinadas drogas.
III – Excluir reação cruzada com drogas quimicamente
relacionadas em pacientes sabidamente alérgicos.
IV – Estabelecer diagnóstico em pacientes com história
sugestiva e testes in vivo (teste cutâneo) ou in vitro negativos.
Teste de provocação em indivíduos
Rev. bras. alerg. imunopatol. – Vol. 31, Nº 3, 2008
A alergia ao látex é a segunda causa de reações anafiláticas durante procedimentos cirúrgicos, podendo causar
manifestações no peri e pós-operatório de pequenas e
grandes cirurgias. Para sua investigação, existem extratos
para realização de testes cutâneos de leitura imediata com
bom valor preditivo, além da dosagem de IgE específica in
vitro que é disponível comercialmente. Mesmo nos casos
em que há diagnóstico definido de alergia ao látex, alguns
pacientes se mantêm rotulados como alérgicos aos AL2,3,8.
Objetivo
Propor abordagem prática na avaliação do paciente com
suspeita de hipersensibilidade a AL com indicação de TPD,
baseado na experiência de um serviço especializado em reações adversas a fármacos.
115
Pacientes e Métodos
Todos os pacientes com suspeita de reação adversa a
fármacos referendados ao Ambulatório de Reações Adversas a Medicamentos (RAM) do nosso Serviço são avaliados
e submetidos a preenchimento do questionário da European Network for Drug Allergy (ENDA) adaptado9. Foram
estudados 33 pacientes que tiveram indicação de realizar o
teste de provocação com anestésicos locais, no período de
julho de 2003 a julho de 2006.
As indicações obedecem as recomendações da ENDA8.
Os pacientes que foram submetidos aos testes de provocação apresentam história sugestiva de hipersensibilidade
durante ou após procedimento. A insegurança do paciente
ou do profissional de saúde que indicou uma nova intervenção também foi considerada na indicação do TPD (Fluxograma 1).
Suspeita de Hipersensibilidade aos Anestésicos Locais
Investigação para alergia ao látex
História sugestiva de hipersensibilidade aos Anestésicos Locais
SIM
Teste de Provocação com AL
NÃO
Pacientes ou
profissionais inseguros
Orientação de opção de AL
conforme história clínica
Fluxograma1 - Fluxograma utilizado no Ambulatório de Reações Adversas a Medicamentos do HC-FMUSP para orientar conduta nas suspeitas
de hipersensibilidade aos AL
Todos os pacientes foram orientados em relação aos riscos na realização do TPD. Seguiu-se a leitura do termo de
consentimento livre e esclarecido (TCLE) e sua assinatura.
Os pacientes foram avaliados em relação à alergia ao
látex, baseado em história clínica, teste cutâneo de leitura
imediata com extrato comercial e dosagem de IgE-específica para látex.
As drogas utilizadas para orientação ou TPD foram a Lidocaína e a Bupivacaína sem vasoconstritor em suas formas comerciais de 2% e 0,5% respectivamente. A escolha
da droga foi baseada na história clínica (fluxograma 2). Os
pacientes que não souberam referir o anestésico associado
à reação foram submetidos a teste de provocação com a
Lidocaína sem vasoconstritor. Por outro lado, havendo história envolvendo anestésico do grupo amida, optou-se por
outro AL do mesmo grupo, no caso, a Bupivacaína sem
vasoconstritor.
Os pacientes foram orientados a evitar medicações que
pudessem falsear o resultado do teste na semana que precedeu o mesmo, como anti-histamínicos e corticosteróides
sistêmicos. Pacientes que estavam em uso de β-bloqueador
foram orientados a procurar o médico prescritor para substituição por outra classe de medicamento.
Antes e a cada etapa do TPD foram verificados os seguintes parâmetros: exame cutâneo, ausculta respiratória,
saturação de O2 em ar ambiente, pico de fluxo expiratório
e freqüência cardíaca.
Os TPD tiveram início com teste cutâneo de leitura imediata (teste de punctura) utilizando a droga pura (concentração 1:1), controles positivo (histamina) e negativo (solução fisiológica 0,9%). Os testes foram realizados na face
volar de antebraço e reavaliados após vinte minutos. Se
negativo, prosseguiu-se para a etapa intradérmica. Nesta
fase, também foram utilizados controles negativo e positivo e a leitura realizada após vinte minutos de cada aplicação nas diferentes concentrações. Inicialmente, foram injetados 0,03 ml da droga na concentração 1:100. Concentrações progressivamente maiores foram aplicadas quando o
resultado se mantinha negativo, então, seguiu-se a aplicação do mesmo volume nas concentrações 1:10 e 1:1, considerando-se positivo o aumento de 3mm do nódulo se
comparado ao diâmetro anterior. Com a etapa intradérmica
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Teste de provocação em indivíduos
finalizada sem positividade, dava-se início ao teste de provocação com aplicação subcutânea da droga. Nesta etapa,
foram administrados 2 ml da droga pura (concentração
1:1) em subcutâneo profundo e o paciente foi reavaliado
após uma hora. Não havendo reações neste período, o pa-
ciente recebe um relatório documentando o procedimento
realizado, o resultado e a orientação de que o risco de reação com o medicamento testado é equivalente ao da população geral. Os pacientes são orientados a relatar qualquer
reação tardia.
História Clínica: anestésico conhecido?
SIM
AL do grupo dos Ésteres de
Ácido Benzóico
AL do grupo Amida
Não
AL do grupo Amida
Lidocaína sem Vasoconstritor
Outro AL do grupo Amida
Fluxograma 2 - Esquematização utilizada no Ambulatório de Reações Adversas a Medicamentos do HC-FMUSP para escolha de AL a ser
orientado ou testado nas suspeitas de hipersensibilidade aos anestésicos locais (AL).
Durante o teste, na vigência de alguma queixa específica ou alteração importante de algum dos parâmetros, o
teste seria interrompido e o paciente receberia tratamento
imediato.
Em abril de 2007, todos os pacientes foram contatados
via telefone a fim de verificar se a droga disponibilizada
havia sido utilizada e se houve intercorrências com a utilização da mesma.
dade alérgica ao látex confirmada (Tabela 1). Estas duas
últimas pacientes, também foram submetidas a testes de
provocação com anestésico local, uma com Licodaína e a
outra com Bupivacaína.
Tabela 1 - Resultados dos testes de provocação com AL e látex nos
diferentes gêneros no Ambulatório de Reações Adversas a Medicamentos do HC-FMUSP
Resultados
Foram estudados 33 pacientes, 25 do gênero feminino e
oito do gênero masculino, com história de reação durante
ou após procedimento em que se utlizou AL.
A maioria (26/33) apresentou manifestações durante
procedimento dentário.
As queixas mais freqüentes foram: dispnéia referida
como sensação de sufocamento (15/33), angioedema
(10/33), urticária (3/33), exantema (2/33), hiperemia local
(2/33), petéquias (1/33), prurido cutâneo (1/33); alguns
dos sintomas concomitantes no mesmo paciente. Todos os
sintomas foram descritos nas primeiras 24 horas após a
aplicação anestésica.
Dos 33 pacientes estudados, dois tiveram teste de
punctura positivo para látex previamente à realização do
teste de provocação, confirmados também por dosagens
de IgE específica.
Quinze pacientes souberam referir qual o anestésico
implicado. Os anestésicos citados foram: Lidocaína (9/15),
Bupivacaína (1/15), Citocaína (1/15), Prilocaína (1/15),
Benzocaína (1/15), Mepivacaína (1/15) e Prilocaína (1/15).
O paciente que referiu reação associada à Bupivacaína foi
submetido a teste de provocação com a Lidocaína sem
vaso-constritor. Os demais foram provocados com a
Bupivacaína sem vasoconstritor. O paciente que tinha
história de queixas associadas à Mepivacaína, realizou
teste de provocação com a Lidocaína, conforme solicitação
do odontólogo que indicou o novo procedimento.
Foram realizadas 18 provocações com Bupivacaína e 15
com Lidocaína, duas pacientes apresentaram hipersensibili-
Gênero
n
Látex
Bupivacaina
Lidocaina
♂
8
0
6
2
♀
25
2
12
13
TOTAL
33
2
18
15
Todos os TPD tiveram resultados negativos, permitindo
a liberação destes anestésicos locais para uso com a orientação de que o teste de provocação negativo indica risco
de reação ao medicamento testado equivalente ao da população geral.
Discussão
Os pacientes encaminhados ao nosso serviço com suspeita de hipersensibilidade a AL foram avaliados com base
em uma história clínica detalhada a fim de caracterizar
adequadamente a reação, possibilitar identificação de fármaco envolvido e orientar a conduta de forma individualizada (fluxograma 1).
Pelo fato da alergia ao látex ser muito freqüente8,10 e,
até mesmo, subnotificada, torna-se mandatória a sua investigação quando há história de reações durante ou após
procedimento. Em nosso serviço, a investigação de hipersensibilidade ao látex, baseada em história clínica e em
Teste de provocação em indivíduos
testes in vivo e in vitro, é rotina antes da avaliação específica para AL. Mesmo com diagnóstico definitivo de alergia
ao látex, muitos pacientes se mantêm inseguros em relação à utilização do fármaco e, nestes casos, a exclusão de
hipersensibilidade ao AL deve ser procedida. Os grupos que
apresentam maior risco de reações a látex são: crianças
com espinha bífida ou anomalias congênitas submetidas a
múltiplos procedimentos cirúrgico, profissionais de saúde e
trabalhadores da indústria da borracha 10. A maior parte
dos insumos hospitalares como luvas, cateteres e sondas
contêm látex e a exposição mucosa ou inalatória durante
uma cirurgia pode ser fatal10. As duas pacientes que tiveram a alergia ao látex documentada pertenciam ao grupo
de risco, uma delas era profissional de saúde e a outra havia sido submetida a múltiplos procedimentos cirúrgicos.
Intervenções têm sido aplicadas para a redução do risco
dessa população, como a troca de luvas de látex em ambiente hospitalar. Atualmente, é preconizada a realização de
procedimentos em salas livres de látex, mas há grande dificuldade em sua padronização, o que pode incorrer em
risco ao paciente8,10. Assim, ainda há indicação de uso de
preparo medicamentoso pré-anestésico, mesmo que isso
não garanta que ocorram reações. As duas pacientes receberam orientações por escrito enfatizando a importância de
ambiente livre de látex em procedimentos subseqüentes. A
paciente profissional de saúde optou por mudar sua atividade para evitar a exposição profissional ao látex.
Foi optado pela utilização de AL sem vasoconstritor devido à possibilidade de eventos adversos a ele imputados.
A epinefrina geralmente é utilizada com os AL e está associada aos efeitos simpaticomiméticos, resultando principalmente em eventos cardiovasculares11,12.
A escolha da droga a ser testada depende da história
clínica. O raciocínio para a escolha do medicamento é a
mesma tanto para a orientação de liberar a droga sem
testes como para a indicação de TPD (fluxograma 2). A Lidocaína e a Bupivacaína sem vasoconstritor foram os medicamentos eleitos para conduzir os TPD pela disponibilidade em setores de saúde público e privado.
A Lidocaína sem vasoconstritor é disponível comercialmente nas concentrações de 2% e 4% e em várias formulações, sendo a subcutânea a mais empregada. As formulações tópicas têm sido associadas a reações de hipersensibilidade tardia e não foram abordadas no trabalho. A concentração utilizada nos TPD foi de 2%. Esta droga apresenta início de ação rápido, a dose máxima deve ser de
4,5mg/kg para evitar toxicidade e sua eliminação ocorre
em cerca de 120 minutos4. Alguns cirurgiões a utilizam em
associação ao propofol na indução anestésica por via intravenosa e, mesmo nestes casos, as reações alérgicas são
bastante raras13.
A Bupivacaína sem vasoconstritor nas concentrações de
0,5% e 2% apresentam potencial lipofílico, o que proporciona potência anestésica alta, mas início de ação lento1.
Tal fato pode estar associado à administração iatrogênica
de doses deste AL além da dose não tóxica para obter sucesso anestésico breve. Sua dose não tóxica é de até
2,5mg/kg e sua eliminação ocorre em cerca de quatro
horas1. Optamos pela menor concentração da droga para
proceder os TPD.
Nos casos em que a história é bastante sugestiva de hipersensibilidade ao anestésico local, utilizamos o teste de
provocação para prover ao paciente uma opção segura de
AL.
História clínica pouco sugestiva de hipersensibilidade ao
AL não constitui indicação para teste de provocação, exceto se houver necessidade diagnóstica ou se houver insegurança do paciente mesmo após orientação. Número importante de pacientes referiu sintomas respiratórios, como
sensação de sufocamento, entretanto, muitos apresentaram remissão espontânea dos sintomas, sem idas ao pronto atendimento ou mesmo internação hospitalar, podendo
Rev. bras. alerg. imunopatol. – Vol. 31, Nº 3, 2008
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indicar uma possibilidade pequena de hipersensibilidade
alérgica aos AL. Além disso, a maioria dos eventos ocorreu
em clínicas odontológicas, nas quais nem sempre há uma
adequada avaliação médica da reação. Apesar de rara11, a
hipersensibilidade alérgica aos AL vem sendo relatada como caso isolados e a maioria objetiva verificar a existência
de reação cruzada entre os medicamentos do mesmo
grupo ou do grupo de AL não correlacionado. Os estudos
que tentaram comprovar reação IgE-mediada verdadeira
foram raros, poucos excluíram a possibilidade dos
adjuvantes químicos serem componentes envolvidos na
reação descrita1.
Nos casos em que não há referência de qual anestésico
envolvido e quando a história não sugere hipersensibilidade ao AL, é orientada a utilização da Lidocaína sem vasoconstritor. Se o AL relatado é pertencente ao grupo dos ésteres de ácido benzóico, a opção é orientar a troca para um
AL do grupo amida comercialmente disponível (quadro 1),
pelo fato de não haver reação cruzada entre estes grupos
de AL. Caso a história envolva um AL do grupo Amida, sugere-se um outro AL do mesmo grupo já que AL do grupo
amida não apresentam reação cruzada entre si. Nos casos
em que o paciente ou o profissional de saúde que indicou o
novo procedimento ainda se encontram inseguros com a
opção fornecida, o teste de provocação é indicado para documentar a segurança da droga.
Apesar de nenhum dos pacientes ter apresentado queixas durante os testes de provocação, os parâmetros objetivos que utilizamos (medida da pressão arterial, do pico
de fluxo expiratório, da freqüência cardíaca, a ausculta respiratória e a saturação de O2 em ar ambiente) nos auxilia
a avaliar adequadamente os pacientes, principalmente se
há queixas subjetivas no decorrer do teste de provocação.
O contato telefônico posterior foi relevante para verificarmos se a conduta tomada pelo serviço foi adequada e
para confirmarmos a eficácia do teste de provocação com
AL.
Conclusão
Demonstramos que o TPD é método importante para
prover alternativa medicamentosa segura aos pacientes
com suspeita de hipersensibilidade alérgica aos AL. A investigação para alergia ao látex deve ser sempre procedida
nas reações peri e pós-procedimentos. Pudemos evidenciar que a abordagem prática que empregamos nos auxilia
a prover uma orientação correta, segura e individualizada,
promovendo melhora na qualidade de vida destes pacientes.
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Teste de provocação em indivíduos
Correspondência:
Luciana Kase Tanno
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