8956 População de Rugendas Vs. República do Tamoio MEMORIAL DO ESTADO SUMÁRIO LISTA DE ABREVIATURAS ...................................................................................................... iii ÍNDICE DE AUTORIDADES ...................................................................................................... iv DECLARAÇÃO DOS FATOS....................................................................................................... 1 ADMISSIBILIDADE ..................................................................................................................... 2 MÉRITO ......................................................................................................................................... 3 1. TVB é mecanismo de desenvolvimento sustentável para as gerações presentes e futuras .. 3 1.1. A TVB é um empreendimento que respeita e busca garantir direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos ........................................................................................... 4 1.2 A TVB atende o princípio da não-exaustão de recursos naturais ................................. 5 1.3 A TVB é um empreendimento ciente de sua responsabilidade por não causar danos ambientais ................................................................................................................................ 6 2. O Estado não pode ser responsabilizado pela violação do artigo 11 do PSS, em função da sua não-justiciabilidade ............................................................................................................... 8 3. O Estado garantiu a tríade de direitos procedimentais em matéria ambiental, porque garantiu o acesso à informação, a participação popular e o devido processo legal .................. 10 3.1 O Estado respeitou o direito à liberdade de expressão em suas esferas individual e coletiva................................................................................................................................... 11 3.2 O Estado garantiu a participação popular no processo de tomada de decisão ........... 13 3.3 O Estado respeitou os artigos 8º e 25 da CADH ........................................................ 15 4. O Estado não violou o artigo 4º da CADH, porque não infringiu o direito à vida digna, nem provocou óbitos ................................................................................................................. 20 5. O Estado reconhece responsabilidade parcial por violar o artigo 5.1 da CADH, em função da não-interrupção das atividades da TVB após o aparecimento de contaminações ................ 21 REPARAÇÕES............................................................................................................................. 22 1. O Estado se compromete a paralisar as atividades da TVB............................................... 22 2. Não cabem medidas de reparação a indivíduos ou à população de Rugendas, por conta da falta de individualização das vítimas ........................................................................................ 22 3. O Estado se compromete a divulgar a sentença da CtIDH, promover uma campanha de conscientização dos agentes públicos e criar o dia da sustentabilidade .................................... 24 SOLICITAÇÃO DE ASSISTÊNCIA ........................................................................................... 25 ii LISTA DE ABREVIATURAS CADH Convenção Americana de Direitos Humanos CIDH Comissão Interamericana de Direito Humanos CtEDH Corte Européia de Direitos Humanos CtIDH Corte Interamericana de Direitos Humanos DIDH Direito Internacional dos Direitos Humanos DIMA Direito Internacional do Meio Ambiente EMT Empresa de Mineração da República de Tamoio ESC Econômicos, sociais e culturais IDH Interamericana/interamericano ITMA Instituto Tamoiano do Meio Ambiente ONG Organização Não-Governamental ONU Organização das Nações Unidas OIT Organização Internacional do Trabalho PIDCP Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 PIDESC Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 PSS Protocolo de San Salvador SDT Secretaria de Desenvolvimento da República de Tamoio SEDH Sistema Europeu de Direito Humanos SIDH Sistema Interamericano de Direitos Humanos SMRN Secretaria de Mineração e Recursos Naturais da República de Tamoio TVB Tamoio-Volta Baterias UE União Européia iii ÍNDICE DE AUTORIDADES TRATADOS E OUTROS DOCUMENTOS INTERNACIONAIS Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (Carta de Banjul, 1986) ......................... 9, 23 Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) .......................................................... 4, 24 Convenção sobre Efeitos Transfronteiriços de Acidentes Industriais (1992) ................................. 5 Convenção sobre o Acesso à Informação, a Participação do Público na Tomada de Decisões e o Acesso à Justiça no Domínio do Ambiente (1998, Aarhus) ......................................... 10, 12, 14 Declaração de Caracas (1954) ........................................................................................................ 4 Diretiva do Conselho das Comunidades Européias 90/313/EEC, 07/06/1990 sobre a liberdade de acesso à informação ambiental .................................................................................................. 12 OEA, AG/RES 1219 (XXXI-O/01), 05/06/2001 .......................................................................... 10 OEA, AG/RES 1803 (XVII), 14/12/1962 ....................................................................................... 5 OEA, AG/RES. 1932 (XXXIII-O/03), 10/06/2003 ...................................................................... 11 OEA, AG/RES. 2057 (XXXIV-O/04), 08/06/2004 ...................................................................... 11 OEA, AG/RES. 2121 (XXXV-O/05), 07/06/2005 ....................................................................... 11 OEA, AG/RES. 2252 (XXXVI-O/06), 06/06/2006 ...................................................................... 11 iv OEA, AG/RES. 2288 (XXXVII-O/07), 05/06/2007 ..................................................................... 11 OEA, AG/RES. 2418 (XXXVIII-O/08), 03/06/2008 ................................................................... 11 OEA, AG/RES. 2514 (XXXIX-O/09), 04/06/2009 ...................................................................... 11 OEA, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948) .................................... 23 Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos (2009) ........................................... 23 UE, Recomendação 1614 (2003) sobre meio ambiente e direitos humanos ................................. 12 DOCUMENTOS E RESOLUÇÕES DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS Comentário Geral No. 23 (1994) sobre o direito das minorias (art. 27 do PIDCP, 1966)............ 14 Comentário Geral No. 6 (1982) sobre o direito à vida (artigo 6º do PIDCP, 1966) ..................... 20 Comitê de Direitos Humanos, Caso Apirana Mahika e outros Vs. Nova Zelândia (2000), Comunicação No. 547/1992 ...................................................................................................... 14 Comitê de Direitos Humanos, Caso Hamilton Vs. Jamaica (1994), Comunicação No. 333/198818 Comitê de Direitos Humanos, Caso Länsman e outros Vs. Finlândia (1994), Comunicação No. 511/1992 .................................................................................................................................... 14 Convenção 169 da OIT - Convenção Relativa aos Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes (1989) ................................................................................................................ 13 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969) ........................................................... 17 v Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano (1972) .............................................. 5 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) ................................... 10, 12 Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (1986) ................................................................ 3 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) ..................................... 4 DOCUMENTOS DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS Informe Nº 76/09, Admissibilidade, Caso Comunidade de la Oroya Vs. Perú, 05/08/2009 . 12, 13, 16 Informe sobre a Situação dos Direitos Humanos no Equador, OEA/SerieL/V/II.96, 24/04/1997 ............................................................................................................................................. 17, 20 Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, O direito de acesso à informação no marco jurídico interamericano, 2010 ................................................................................................... 11 Relatório Anual No. 39/96, Caso 11.673 Marzioni Vs. Argentina, 15/10/1996 .......................... 19 SENTENÇAS DA CORTE IDH Caso "Instituto de Reeducação do Menor" Vs. Paraguai, 02/09/2004, Série C, No. 112 ............. 23 Caso “A Última Tentação de Cristo” Vs. Chile, 05/02/2001, Série C, No. 73 ............................. 11 Caso “Cinco Pensionistas” Vs. Peru, 28/02/2003, Série C, No. 98 .............................................. 13 Caso 19 Comerciantes, 23/11/2009, Série C, No. 209.................................................................. 19 vi Caso Abrill Alosilla e outros Vs. Perú, 04/03/2011, Série C, No. 223 ......................................... 19 Caso Apitz Barbera e outros Vs. Venezuela, 05/08/2008, Série C, No. 182 ................................ 11 Caso Baena Ricardo e Outros Vs. Panamá, 02/02/2001, Série C, No. 72 .................................... 15 Caso Baldeón García Vs. Perú, 06/04/2006, Série C, No. 147 ..................................................... 17 Caso Cabrera García e Montiel Flores Vs. México, 26/11/2010, Série C, No. 220 ....................... 9 Caso Caso Durand e Ugarte Vs. Perú, 03/12/2001, Série C, No. 89 ............................................ 23 Caso Castillo Páez Vs. Perú, 27/11/1998, Série C, No. 43 ........................................................... 22 Caso Castillo Petruzzi e outros, 30/05/1999, Série C, No. 52 ...................................................... 18 Caso Chitay Nech e outros Vs. Guatemala, 25/05/2010, Série C, No. 212 .................................. 17 Caso Chocrón Chocrón Vs. Venezuela, 01/07/2011, Série C, No. 227 .......................................... 9 Caso Claude Reyes e outros Vs. Chile, 19/07/2006, Série C, No. 151................................... 11, 13 Caso Comunidad Mayagna(Sumo) Awas Tingni Vs. Nicarágua, 31/08/2001, Série C, No. 79 .. 13 Caso Comunidade Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguai, 29/03/2006, Série C, No. 146 22, 23, 24 Caso Comunidade Indígena Xákmok Kásek Vs. Paraguai, 24/08/2010, Série C, No. 214 ...... 9, 24 Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs. Paraguai, 17/06/2005, Série C, No. 125....... 9, 20, 24 Caso Dacosta Cadogan Vs. Barbados, 24/09/2009, Série C, No. 204 ............................................ 3 vii Caso Genie Lacayo, 29/01/1997, Série C, No. 30 ........................................................................ 17 Caso Goiburú e Outros Vs. Paraguai, 22/07/2006, Série C, No. 153 ........................................... 17 Caso Gomes Lund e outros Vs. Brasil, 24/11/2010, Série C, No. 219 ......................... 9, 11, 22, 23 Caso Hermanas Serrano Cruz Vs. El Salvador, 01/03/2005, Série C, No. 120 ............................ 19 Caso Herrera Ulloa Vs. Costa Rica, 02/07/2004, Série C, No. 107.............................................. 11 Caso Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña Vs. Bolívia, 01/09/2010, Série C, No. 217............................ 22 Caso Ivcher Bronstein Vs. Perú, 06/02/2001, Série C, No. 74 ..................................................... 11 Caso Kimel Vs. Argentina, 02/05/2008, Série C, No. 177 ........................................................... 11 Caso Las Palmaras Vs. Colômbia, 06/12/2001, Série C, No. 90 .................................................. 19 Caso López Álvarez Vs. Honduras, 01/02/2006, Série C, No. 141 ........................................ 11, 17 Caso López Mendoza Vs. Venezuela, 01/07/2011, Série C, No. 233 .................................... 18, 19 Caso Masacre de la Rochela Vs. Colômbia, 11/05/2007, Série C, No. 163 ................................... 3 Caso Mejía Idrovo Vs. Equador, 05/07/2011, Série C, No. 228................................................... 19 Caso Neira Alegría e outros Vs. Perú, 11/12/1991, Série C, No. 13 .............................................. 3 Caso Radilla Pacheco Vs. México, 23/11/09, Série C, No. 209 ................................................... 18 Caso Ricardo Canese Vs. Paraguai, 31/08/2007, Série C, No. 111 .............................................. 11 viii Caso Rosendo Cantú e outra Vs. México, 31/08/2010, Série C, No. 216 .............................. 22, 23 Caso Salvador Chiriboga Vs. Equador, 06/05/2008, Série C, No. 179 ........................................ 18 Caso Suárez Rosero Vs. Equador, 12/11/1997, Série C, No. 35 .................................................. 17 Caso Tibi Vs. Equador, 07/09/2004, Série C, No. 114 ........................................................... 18, 19 Caso Ticona Estrada e outros Vs. Bolívia, 27/11/2008, Série C, No. 191 ................................... 23 Caso Tristán Donoso Vs. Panamá, 27/01/2009, Série C, No. 193 ................................................ 18 Caso Valle Jaramillo e outros Vs. Colômbia, 27/11/ 2008, Série C, No. 192 .............................. 18 Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras, 21/07/1989, Série C, No. 7 ....................................... 22 Caso Velez Loor Vs. Panamá, 23/11/2010, Série C, No. 218 ...................................................... 15 Opinião Consultiva, Garantias Judiciais em Estados de Emergência, OC-9/87, 06/10/1987, Série A, No. 9 ..................................................................................................................................... 15 Opinião Consultiva, La Colegiación Obligatoria de Periodistas, OC-5/85, 19/11/1985, Séria A, No. 5 .......................................................................................................................................... 11 Opinião Consultiva, Responsabilidade internacional pela expedição e aplicação de leis violatórias da Convenção, OC-14/94, 09/12/1994, Série A, No. 14 ........................................... 9 JURISPRUDÊNCIA DA CORTE EDH E DE OUTROS TRIBUNAIS Caso Hatton and others Vs. Reino Unido, 08/07/2003 ................................................................. 22 ix Caso Buckley Vs. Reino Unido, 25/09/1996 ................................................................................ 22 Caso Gaygusuz Vs. Austria, 16/09/1996 ...................................................................................... 18 Caso Giacomelli Vs. Itália, 26/03/2007 ........................................................................................ 10 Caso Guerra and others Vs. Itália, 19/02/1998 ....................................................................... 10, 16 Caso H. Vs. Bélgica, 30/11/1987 .................................................................................................. 25 Caso H. Vs. Reino Unido, 08/07/1987 ......................................................................................... 24 Caso Handyside Vs. Reino Unido, 07/12/1976 ............................................................................ 20 Caso Kyrtatos Vs.Grécia, 22/08/2003 .......................................................................................... 10 Caso Landvreugd Vs. Holanda, 04/06/2002 ................................................................................. 21 Caso López Ostra Vs. Espanha ..................................................................................................... 10 Caso Maestri Vs. Itália, 17/02/2004 ............................................................................................. 21 Caso Malone Vs. Reino Unido, 02/08/1984 ................................................................................. 21 Caso Motta Vs. Itália, 19/02/1991 ................................................................................................ 24 Caso Powell and Rayner Vs. Reino Unido, 21/02/1990 ......................................................... 10, 22 Caso Silva Pontes Vs. Portugal, 23/03/1994 ................................................................................ 24 Caso Taskin and others Vs. Turquia, 30/03/2005 ................................................................... 20, 22 x Caso Velikovi and Others Vs. Bulgária, 15/03/2007 .................................................................... 21 Caso X. Vs. França, 31/03/1992 ................................................................................................... 24 Comissão Africana, Caso Social and Economic Rights Action Center & the Center for Economic and Social Rights Vs. Nigeria, Comunicação No. 155/96, 27/10/2001 ........................ 17, 19, 21 DOUTRINA ARAÚJO, Luiza Athayde de. O Direito ao Meio Ambiente Sadio como um Direito Humano: uma Análise da Jurisprudência dos Sistemas Regionais de Proteção de Direitos Humanos. 2011 ............................................................................................................................... 12, 15, 23 FITZMAURICE, Malgosia A. International protection of the environment. Recueil des cours, The Hague, v. 293, 2009 ............................................................................................... 4, 5, 8, 21 KOURY, Ana Beatriz Costa; SOUSA, Daniel Leão. O Direito Ambiental sob a Perspectiva da Proteção Internacional à Pessoa Humana. Revista do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, Fortaleza, a. 9, v. 9, n. 9, 2009 ............................................................................................ 10, 19 LEE, John. The Underlying Legal Theory to Support a Well-Defined Human Right to a Healthy Environment as a Principle of Customary International Law. Columbia Journal of Environmental Law, New York, v. 25, 2000 ................................................................ 10, 22, 24 SHELTON, Dinah L. The Jurisprudence of the Interamerican Court of Human Rights, American University International Law Review, Washington, v. 10, 1994 ............................................ 4, 9 xi SHELTON, Dinah. Derechos ambientales y obligaciones en el sistema interamericano de derechos humanos. In: Anuario de Derechos Humanos 2010 del Centro de Derechos Humanos de la Facultad de Derecho de la Universidad de Chile. Santiago: Centro de Derechos Humanos de la Universidad de Chile, 2010 ........................................................................................ 10, 24 SHELTON, Dinah. Human Rights, Health and Environmental Protection: Linkages in Law and Practice. Human Rights & International Legal Discourse ......................................................... 8 SINGER, H. W. The distribution of gains between investing and borrowing countries. The American Economic Review, Pittsburgh , v. 40, 1950 ................................................................ 5 SPIELER, Paula. The La Oroya Case: the Relationship Between Environmental Degradation and Human Rights Violations. Human Rights Brief, Washington, v. 18, n. 1, Fall 2010 .............. 10 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Jus Cogen - The Determination and the Gradual Expansion of its Material Content. Revista do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, Fortaleza, a. 9, v. 9, n. 9, 2009 .................................................................................................. 17 xii DECLARAÇÃO DOS FATOS 1. A República do Tamoio é uma democracia latino-americana, com cerca de 35 milhões de habitantes, que reconheceu a jurisdição contenciosa da CtIDH em 1991 e ratificou todos os tratados interamericanos de direitos humanos, bem como a maioria dos tratados da ONU. 2. Rugendas é uma cidade situada ao longo do rio Kaikang, no interior do vale do Carajá. A maioria da sua população, de cerca de 95.000 habitantes, vive abaixo da linha da pobreza. 3. Em 2004, enfrentando uma crise econômica, o Estado lançou uma estratégia internacional para atrair investidores por meio de incentivos diversos. 4. Nas montanhas de Coroado há jazidas de lítio, cobre e chumbo, sendo os locais mais promissores de exploração próximos a Rugendas. Até 2005, não houve extração de minérios no local. Porém, em 2006, a SDT permitiu que a EMT os extraísse e comercializasse. Simultaneamente, a empresa italiana Volta Baterias decidiu instalar fábricas para produção de baterias perto do local de extração desses minérios. Para tanto, formou-se a joint venture TVB, em que o governo é sócio majoritário. As obras foram concluídas em dezembro de 2008. 5. Seguindo um histórico de políticas ambientais, Tamoio promulgou a Lei Tamoiana do Meio Ambiente de 2001, que regula o licenciamento ambiental de indústrias. Essa lei requer que uma empresa independente produza relatórios de prováveis impactos ambientais (emissão de poluentes, desmatamento e demanda das populações afetadas). 6. Em fevereiro de 2007, a TVB finalizou essa análise conforme as diretrizes do ITMA e previu o reflorestamento das margens do Kaikang. A licença foi concedida em maio de 2007. 7. Em junho de 2007, a ONG local ajuizou uma ação requerendo a revogação da licença e a concessão de uma medida cautelar para parar a construção. No final deste ano, o tribunal deu ganho de causa à TVB, a qual iniciou as construções. Insatisfeita, a ONG recorreu da decisão e, 1 em abril de 2008, o tribunal de apelações reverteu a decisão. O Estado recorreu à Suprema Corte que, em agosto de 2008, decidiu em favor da empresa, tendo em conta a necessidade de crescimento econômico. 8. Em janeiro de 2010, hospitais públicos de Rugendas passaram a relatar casos de contaminação por chumbo. Imediatamente, a SMRN divulgou relatórios atestando a inexistência de metais pesados no rio Kaikang e destacando a regularidade da construção das fábricas. Autoridades locais afirmaram não ter certeza da procedência da poluição e alegaram que não haviam sido divulgadas todas as implicações da TVB. 9. No mesmo momento, a ONG ajuizou uma ação pedindo a interrupção das operações da TVB e a reparação dos contaminados. Em março de 2010, o tribunal interrompeu totalmente as atividades da empresa. Após apelação do governo, o tribunal de segunda instância decidiu manter a decisão, e diante disso, Tamoio recorreu à Suprema Corte. Por fim, em janeiro de 2011, a Suprema Corte decidiu em favor da TVB e permitiu que as operações reiniciassem, requerendo ainda medidas protetoras do meio ambiente. 10. Descontente, a ONG ingressou com uma ação na CIDH, alegando a violação de artigos da CADH e do artigo 11 do PSS. Em 20 de março de 2011, a CIDH emitiu relatório de admissibilidade. Tamoio reiterou a inexistência das violações alegadas, e, após tentativa fracassada de solução amistosa, a Comissão enviou o caso à Corte IDH. ADMISSIBILIDADE 11. A República do Tamoio reconhece a admissibilidade deste caso pela CtIDH, na forma dos artigos 62.3 e 46(a) da CADH, bem como reconhece a renúncia à interposição de exceções 2 preliminares, tendo em conta o princípio do estoppel1. Cabe a Tamoio, em sua contestação, analisar as questões de mérito do caso. MÉRITO 1. TVB é mecanismo de desenvolvimento sustentável para as gerações presentes e futuras 12. O desenvolvimento voltado à plena realização das liberdades fundamentais é um direito humano inalienável, cujo alcance deve ser favorecido pelo Estado por meio da formulação de políticas adequadas2. Sob esta perspectiva, como a TVB representa um empreendimento do Estado em um contexto de política macroeconômica de desenvolvimento pela industrialização, deve-se reconhecer que Tamoio observou seus direitos e deveres quanto ao desenvolvimento. 13. Contudo, avanços no bem-estar da população dependem do arranjo compatível entre as conquistas de ordem econômica e social e as necessidades ambientais das gerações presentes e futuras. Também neste aspecto, o Estado cumpriu com suas obrigações internacionais, uma vez que adotou a sustentabilidade como parâmetro para sua política de desenvolvimento. 14. Por isso, Tamoio não negou o direito a um meio ambiente limpo, nem agora tenta justificar sua suposta violação com o argumento da promoção dos demais direitos humanos3. O Estado ponderou e harmonizou tanto a ameaça da exaustão de recursos naturais, quanto o risco de que o direito a um meio ambiente limpo fosse afetado (daí os custos gerados nas áreas de prevenção legislativa e administrativa, avaliação de impacto ambiental e devida diligência) com os inúmeros benefícios projetados para a efetivação dos direitos econômicos, sociais e à educação, 1 CtIDH, Caso Dacosta Cadogan Vs. Barbados, 24/09/2009, Série C, No. 204, § 16; Caso Neira Alegría e outros Vs. Perú, 11/12/1991, Série C, No. 13, § 29; Caso Masacre de la Rochela Vs. Colômbia, 11/05/2007, Série C, No. 163, § 46. 2 ONU, Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (1986), artigos 1.1, 2.3, 3.1, 4º, 10. 3 ONU, Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (1986), considerando. 3 ciência e cultura, constantes da Carta da OEA4. 15. Seguem as provas do caráter sustentável da TVB como mecanismo de desenvolvimento. 1.1. A TVB é um empreendimento que respeita e busca garantir direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos 16. De acordo com o princípio 5º da Declaração do Rio e a doutrina5, o respeito e o exercício irrestrito dos direitos ESC e, sobretudo, dos direitos civis e políticos são pré-condições para a efetividade da proteção ambiental. 17. Tendo em vista sua preocupação com a sustentabilidade, o Estado reconheceu a necessidade de reverter a situação de pobreza sob a qual viviam mais de 47.000 rugendianeses6. 18. Neste contexto, a joint venture, por meio da geração de emprego e renda em Rugendas, tende a melhorar as condições de vida7 da população local – que até então, sem alternativas, viajava em grande número para a capital, a fim de trabalhar na indústria pesada. 19. Desse fomento aos direitos ESC decorrem avanços relativos ao direito civil a uma vida digna8. Adicionalmente, acredita-se que apenas com os benefícios econômicos e sociais advindos da TVB, o Estado conseguiria fortalecer suas instituições democráticas9 (direitos políticos), em superação ao histórico de instabilidade política. 4 Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), artigo 26. 5 FITZMAURICE, Malgosia A. International protection of the environment. Recueil des cours, The Hague, v. 293, 2009, p. 313. 6 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), preâmbulo. 7 Idem, artigo 11, §1º. 8 Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), artigos 4º e 11. 9 SHELTON, Dinah L. The Jurisprudence of the Interamerican Court of Human Rights, American University International Law Review, Washington, v. 10, 1994, p. 334; Declaração de Caracas (1954). 4 20. Em suma, essas conquistas de direitos, além de representarem ganhos para as gerações presentes e futuras, potencializam a capacidade de tutela, pelo Estado, de outro direito humano fundamental – o direito intra e inter geracional a um meio ambiente limpo, descrito na seqüência. Recorde-se, por exemplo, que o desenvolvimento social permite que o Estado aprimore tecnologias capazes de prevenir acidentes ambientais e limitar suas consequências10. 1.2 A TVB atende o princípio da não-exaustão de recursos naturais 21. Quanto à natureza da atividade da TVB, questiona-se a sustentabilidade de indústrias supridas por recursos minerais não-renováveis. Porém, tal acusação não procede por três razões. 22. Primeiramente, o direito das nações à soberania sobre seus recursos naturais 11 respalda a noção do meio ambiente como via para o desenvolvimento do homem12. Logo, é legítima a exploração de minérios para fortalecer a economia e melhorar o bem-estar da população. 23. Em segundo lugar, as nações pobres não dispõem de (muitas) opções para estimular seu desenvolvimento econômico13, restando-lhes confirmar a tendência da venda de commodities e compra de produtos manufaturados e agravar o fenômeno da deterioração dos termos de troca14. Contra isso, Tamoio adotou estratégia louvável, porque fez com que, por meio da TVB e em seu próprio território, suas commodities sejam transformadas em produtos de maior valor agregado. 24. Por fim, a exploração dos recursos naturais tem sido realizada em atenção à capacidade de assimilação das intervenções pelo meio ambiente, já que o volume de minério extraído, embora 10 Convenção sobre Efeitos Transfronteiriços de Acidentes Industriais (1992), artigo 14. 11 OEA, AG/RES 1803 (XVII), 14/12/1962, preâmbulo e artigo 1º. 12 Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano (1972), artigo 1º. 13 14 FITZMAURICE, supra nota 5, p. 60. SINGER, H. W. The distribution of gains between investing and borrowing countries. The American Economic Review, Pittsburgh , v. 40, 1950, pp. 473-485. 5 pudesse abastecer a demanda do mercado exterior, manteve-se restrito à demanda da TVB. 25. Com o exposto, constata-se que o plano de resgate da economia tamoiana procura driblar a ameaça da exaustão de recursos naturais por meio da transição do foco do setor primário para os setores secundário e terciário da economia. 1.3 A TVB é um empreendimento ciente de sua responsabilidade por não causar danos ambientais 26. Conforme o 3º princípio da Declaração do Rio, o direito ao desenvolvimento engloba o atendimento das necessidades das gerações presentes e futuras, tanto em termos específicos de desenvolvimento, quanto de meio ambiente. 27. Demonstrou-se que o Estado respeitou os princípios 8º, 9º e 10 da Declaração de Estocolmo, ao concentrar esforços para suprimir o subdesenvolvimento e a pobreza extrema, causas recorrentes de problemas ambientais. Agora será comprovado que, em momento algum, o Estado preteriu o meio ambiente só para cumprir seu plano de resgate da economia com a TVB. 1.3.1 A TVB cumpriu com o dever de conduta preventiva quanto a danos ambientais 28. Tamoio historicamente se preocupa com o aprimoramento de sua legislação ambiental. Foi a solidez dessa preocupação que impediu, no pior momento da crise, a sucumbência do Estado ao poder de barganha dos investidores estrangeiros – que, nos momentos decisivos da negociação, negligenciam os interesses do Estado provedor de recursos, ferindo sua soberania ao atá-lo a um regime de investimento que depois se revela injusto. 29. No conflito de interesses entre o Estado e os investidores italianos, essa tendência não se confirmou. O Estado não apenas cumpriu a Lei de Política Energética de Tamoio, relativa à regularização das atividades da empresa Volta Baterias, como também a Lei Tamoiana do Meio Ambiente, acerca do licenciamento ambiental para a instalação das fábricas. Essas medidas de 6 prevenção indicam, pela via legislativa, o caráter sustentável da política tamoiana de desenvolvimento através da industrialização. 30. Ademais, Tamoio cumpriu com seu dever de organizar estruturas governamentais para assegurar o exercício pleno dos direitos humanos15. Tanto que, com esse objetivo, criou-se o ITMA, instituto responsável pela implementação da legislação ambiental tamoiana. Assim, também essa medida de prevenção demonstra a integração entre meio ambiente e desenvolvimento, perseguida e conquistada pelo Estado. 31. Ainda baseado no escopo preventivo, além dessas regulamentações legislativas e administrativas, o Estado tomou providências após o aparecimento dos casos de envenenamento, buscando pela atuação da SMRN identificar a causa das contaminações. 32. Portanto, o Estado não fez da ausência de certeza científica quanto ao nexo de causalidade entre as contaminações e as atividades da TVB um pretexto para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. 1.3.2 A TVB cumpriu com o requisito da realização da avaliação de impactos ambientais 33. A avaliação de impacto ambiental é um processo de estudo direcionado à identificação de eventuais impactos ambientais decorrentes de uma ação proposta em nível econômico. Logo, é útil como instrumento de auxílio às autoridades competentes para decidir sobre a aceitação de uma atividade sob a jurisdição estatal. 34. Com esta definição fica claro que, durante o procedimento de licenciamento ambiental para a instalação das fábricas da TVB, o Estado cumpriu com o princípio 17 da Declaração do Rio. Isto porque, conforme as diretivas do ITMA, contratou uma consultoria independente, a fim de que esta realizasse os estudos sobre possíveis impactos ambientais significativos. 15 SHELTON, supra nota 9, p. 359. 7 35. Tamoio, inclusive, reforçou o cumprimento deste dispositivo ao decretar a Lei Tamoiana do Meio Ambiente, dando status de norma interna à necessidade de estudos de impactos ambientais. 36. No limite, o Estado reduziu ao mínimo os riscos de danos ao meio ambiente – conforme o imperativo da prevenção e a solicitação da avaliação de impacto ambiental –, sendo descabida a exigência de que eliminasse tal risco, intrínseco às atividades econômicas16. 37. Demonstrou-se que, com relação à TVB, Tamoio pautou seus atos na devida diligência requerida nas atividades com impactos ambientais17, sobretudo ao adotar técnicas que permitiram avaliar o risco potencial e prevenir danos. Reafirmou este seu compromisso com os tamoianos ao traçar um planejamento estatal que, conforme o princípio 4º da Declaração do Rio e os artigos 14 e 15 da Declaração de Estocolmo, conciliou as exigências do desenvolvimento e a necessidade de proteção do meio ambiente. Assim, a TVB é mecanismo de desenvolvimento sustentável. 2. O Estado não pode ser responsabilizado pela violação do artigo 11 do PSS, em função da sua não-justiciabilidade 38. Para a garantia do desenvolvimento sustentável, além do desenvolvimento econômico e da proteção ao meio ambiente, é necessário o resguardo dos direitos humanos. Assim, a defesa do Estado se concentra agora na demonstração da não-violação dos direitos protegidos pelo SIDH. 39. No DIDH, há três perspectivas de análise para a responsabilização internacional de um Estado pelo desrespeito ao meio ambiente18, visto a aproximação de seus objetivos com o DIMA. 40. Primeiramente, há a abordagem direta, ou seja, a inserção do direito a um meio ambiente saudável no rol dos direitos humanos. Como segunda e terceira opções, estão as abordagens 16 FITZMAURICE, supra nota 5 , pp. 265-266. 17 Idem, p. 288. 18 SHELTON, Dinah. Human Rights, Health and Environmental Protection: Linkages in Law and Practice. Human Rights & International Legal Discourse, v. 1, n. 1, 2007, p. 10. 8 indiretas que consistem, respectivamente, na análise de direitos procedimentais que permitem melhores decisões ambientais e na identificação do meio ambiente saudável como elemento/ condição ao gozo de outros direitos substanciais, como a vida e a integridade pessoal19. 41. Acerca da abordagem direta, o artigo 11 do PSS consagra o meio ambiente sadio como um direito humano e estatui o dever do Estado de preservá-lo. Esse Protocolo, complementando o artigo 26 da CADH, tem por finalidade a inclusão progressiva de outros direitos no regime interamericano de proteção aos direitos humanos, na busca de sua plena efetividade. 42. Da leitura dos dispositivos do PSS, constata-se que no SIDH a justiciabilidade de diretos ESC ainda é limitada aos direitos à educação e à liberdade sindical, ao contrário do que ocorre no Sistema Africano20. 43. O artigo 11 do PSS possui importância interpretativa21, mas não pode ser submetido à apreciação jurisdicional da CtIDH, sob pena de ofensa ao princípio pacta sunt servanda22. Assim, o Estado não pode ser responsabilizado pela violação deste dispositivo. 44. Afastada a possibilidade de responsabilização pelo PSS, segue a análise da proteção ao meio ambiente pelas duas vias por meio das quais ele é indiretamente protegido no Sistema IDH. 19 CtEDH, Caso López Ostra Vs. Espanha, 09/12/1994; §51; Caso Giacomelli Vs. Itália, 26/03/2007; Caso Kyrtatos Vs.Grécia, 22/08/2003, §§ 51-54; Caso Guerra and others Vs. Itália, 19/02/1998, §§ 56-60; Caso Powell and Rayner Vs. Reino Unido, 21/02/1990, §§ 37-43; CtIDH, Caso Comunidade Indígena Xákmok Kásek Vs. Paraguai, 24/08/2010, Série C, No. 214, § 217. 20 Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (Carta de Banjul, 1986), artigo 24. 21 CtIDH, Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs. Paraguai, 17/06/2005, Série C, No. 125, § 163. 22 CtIDH, Opinião Consultiva, Responsabilidade internacional pela expedição e aplicação de leis violatórias da Convenção, OC-14/94, 09/12/1994, Série A, No. 14, § 35; Caso Chocrón Chocrón Vs. Venezuela, 01/07/2011, Série C, No. 227, § 175; Caso Gomes Lund e outros Vs. Brasil, 24/11/2010, Série C, No. 219, § 177; Caso Cabrera García e Montiel Flores Vs. México, 26/11/2010, Série C, No. 220, § 59. 9 3. O Estado garantiu a tríade de direitos procedimentais em matéria ambiental, porque garantiu o acesso à informação, a participação popular e o devido processo legal 45. A impossibilidade de a CtIDH conhecer casos envolvendo a violação do direito a um meio ambiente saudável não obsta a apreciação de possíveis violações a outros direitos conexos23. 46. Segundo uma abordagem dessa relação, o exercício de determinados direitos procedimentais constitui meio fundamental para a proteção ambiental24. Tais direitos são o acesso à informação, a participação pública e o acesso efetivo aos procedimentos administrativos e judiciais25, compondo a chamada “tríade de direitos procedimentais”26. 47. Assim, tendo em conta essa perspectiva instrumental da relação entre direitos humanos e meio ambiente, o Estado passa à demonstração de que o acesso à informação em matéria ambiental, conforme o artigo 13 da CADH, foi garantido aos rugendianeses. Em seguida, evidencia que houve a participação popular nos processos de tomada de decisão para construção 23 LEE, John. The Underlying Legal Theory to Support a Well-Defined Human Right to a Healthy Environment as a Principle of Customary International Law. Columbia Journal of Environmental Law, New York, v. 25, 2000, p. 290; SPIELER, Paula. The La Oroya Case: the Relationship Between Environmental Degradation and Human Rights Violations. Human Rights Brief, Washington, v. 18, n. 1, Fall 2010, p. 19. 24 SHELTON, Dinah. Derechos ambientales y obligaciones en el sistema interamericano de derechos humanos. In: Anuario de Derechos Humanos 2010 del Centro de Derechos Humanos de la Facultad de Derecho de la Universidad de Chile. Santiago: Centro de Derechos Humanos de la Universidad de Chile, 2010, p. 112. 25 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), princípio 10; Convenção sobre o Acesso à Informação, a Participação do Público na Tomada de Decisões e o Acesso à Justiça no Domínio do Ambiente (1998, Aarhus), art. 1º; OEA, AG/RES 1219 (XXXI-O/01), 05/06/2001, sobre Direitos Humanos e Meio Ambiente. 26 KOURY, Ana Beatriz Costa; SOUSA, Daniel Leão. O Direito Ambiental sob a Perspectiva da Proteção Internacional à Pessoa Humana. Revista do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, Fortaleza, a. 9, v. 9, n. 9, 2009, p. 15. 10 da TVB e, por fim, que os artigos 8º e 25 da CADH foram respeitados nos processos internos. 3.1 O Estado respeitou o direito à liberdade de expressão em suas esferas individual e coletiva 48. O acesso à informação é requisito indispensável ao funcionamento da democracia e a uma gestão pública mais transparente27. Em assuntos de interesse público, o direito à liberdade de expressão consiste na pedra angular da existência de uma sociedade democrática28. 49. O artigo 13 da CADH protege não apenas a liberdade de expressar livremente seus pensamentos, mas também o direito e a liberdade de receber e difundir informações de toda índole29, ou seja, há uma dimensão individual e uma social30. Para a efetiva garantia do acesso à informação, é necessário que o Estado se paute pelo princípio da máxima divulgação31, pelo qual toda informação estatal se presume pública e acessível, submetida a limitadas restrições. 27 OEA, AG/RES. 1932 (XXXIII-O/03), 10/06/2003; OEA, AG/RES. 2057 (XXXIV-O/04), 08/06/2004; OEA, AG/RES. 2121 (XXXV-O/05), 07/06/2005; OEA, AG/RES. 2252 (XXXVI-O/06), 06/06/2006; OEA, AG/RES. 2288 (XXXVII-O/07), 05/06/2007; OEA, AG/RES. 2418 (XXXVIII-O/08), 03/06/2008; OEA, AG/RES. 2514 (XXXIX-O/09), 04/06/2009. Todas sobre “Acceso à Informacão Pública: Fortalecimiento da Democracia”. 28 CtIDH, Opinião Consultiva, La Colegiación Obligatoria de Periodistas, OC-5/85, 19/11/1985, Séria A, No. 5, §70; Caso Herrera Ulloa Vs. Costa Rica, 02/07/2004, Série C, No. 107, §112; Caso Ricardo Canese Vs. Paraguai, 31/08/2007, Série C, No. 111, §82; Caso Apitz Barbera e outros Vs. Venezuela, 05/08/2008, Série C, No. 182,§131. 29 CtIDH, Caso López Álvarez Vs. Honduras, 01/02/2006, Série C, No. 141, §163; Caso Claude Reyes e outros Vs. Chile, 19/07/2006, Série C, No. 151, §76. Caso Kimel Vs. Argentina, 02/05/2008, Série C, No. 177, §53. 30 CtIDH, Caso “A Última Tentação de Cristo” Vs. Chile, 05/02/2001, Série C, No. 73, §64; Caso Ivcher Bronstein Vs. Perú, 06/02/2001, Série C, No. 74, §146. 31 CtIDH, Caso Gomes Lund e outros Vs. Brasil, 24/11/2010, Série C, No. 219, §199. CIDH, Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, O direito de acesso à informação no marco jurídico interamericano, 2010. 11 50. Sobre o acesso à informação ambiental, diversas normativas internacionais32 requerem que toda pessoa tenha acesso a esses dados relativos às atividades que ameaçam suas comunidades. 51. No SIDH, a Comissão entende que a inexistência ou manipulação de informações acerca de contaminação ambiental, bem como atitudes hostis do Estado diante daqueles que tentam disseminar informações podem violar o artigo 1333. Já para a CtEDH a liberdade de expressão apenas proíbe que o Estado impeça uma pessoa de receber informações, não implicando um dever estatal de coletar e disseminar dados ambientais34. 52. A legislação tamoiana, em prol da máxima divulgação, prevê que haja a realização de um relatório de impactos ambientais prévio à instalação de indústrias. Essa previsão foi cumprida, uma vez que foram realizados estudos acerca da emissão de metais pesados. Em respeito ao princípio da veracidade, o relatório foi elaborado por instituições independentes e imparciais. 53. Além disso, diante da possibilidade de os prejuízos à saúde dos rugendianeses serem decorrentes da TVB, o ITMA diligentemente procurou averiguar tal relação. 54. Tais fatos demonstram a garantia da perspectiva coletiva do direito à liberdade de expressão, tendo sido possibilitado à população o conhecimento dos eventuais impactos ambientais. 32 UE, Convenção sobre o Acesso à Informação, a Participação do Público na Tomada de Decisões e o Acesso à Justiça no Domínio do Ambiente (1998, Aarhus); Diretiva do Conselho das Comunidades Européias 90/313/EEC, 07/06/1990 sobre a liberdade de acesso à informação ambiental; UE, Recomendação 1614 (2003) sobre meio ambiente e direitos humanos; ONU Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), princípio 10. 33 CIDH, Informe Nº 76/09, Admissibilidade, Caso Comunidade de la Oroya Vs. Perú, 05/08/2009, §75. 34 ARAÚJO, Luiza Athayde de. O Direito ao Meio Ambiente Sadio como um Direito Humano: uma Análise da Jurisprudência dos Sistemas Regionais de Proteção de Direitos Humanos. 2011, p. 8; CtEDH, Caso Guerra and others Vs. Itália, 19/02/1998, §§ 53-54. 12 55. A esfera individual desse direito também foi respeitada, pois, ao contrário do ocorrido em casos semelhantes35, Tamoio, defensor do pluralismo informativo, não restringiu a manifestação e disseminação de opiniões contrárias ao projeto. Ao invés, forneceu os mecanismos suficientes à tutela dos direitos dos opositores nos órgãos jurisdicionais, conforme vem demonstrado abaixo. 56. Em suma, o Estado não se valeu da interpretação restritiva da CtEDH, preferindo adotar uma postura de proteção integral ao artigo 13 da CADH, em ambas suas facetas. Esse fato reflete sua crença de que uma sociedade que não é adequadamente informada não é plenamente livre36. 57. Demonstrado o respeito ao artigo 13, o Estado analisa a seguir em que medida a população de Rugendas foi contemplada no processo de concessão da licença ambiental. 3.2 O Estado garantiu a participação popular no processo de tomada de decisão 58. A participação popular qualifica as decisões e contribui para a sensibilização popular em matéria ambiental. Ainda assim, a CADH não traz o dever de os Estados consultarem indivíduos para a tomada de decisões administrativas. Jurisprudencialmente, é recente a análise da consulta e, até o momento, restrita a casos envolvendo terras indígenas ou tribais. A justificativa deste tratamento diferenciado está na ligação que tais grupos têm com suas terras ancestrais37, e que exige um procedimento de participação especial diante de potenciais interferências ambientais38. 35 CIDH, Informe Nº 76/09, Admissibilidade, Caso Comunidade de la Oroya Vs. Perú, 05/08/2009. Comissão Africana, Caso Social and Economic Rights Action Center & the Center for Economic and Social Rights Vs. Nigeria, Comunicação No. 155/96, 27/10/2001, §5. 36 CtIDH, Caso Claude Reyes e outros Vs. Chile, 19/07/2006, Série C, No. 151, §85. 37 CtIDH, Caso Comunidad Mayagna(Sumo) Awas Tingni Vs. Nicarágua, 31/08/2001, Série C, No. 79, §144; Caso “Cinco Pensionistas” Vs. Peru, 28/02/2003, Série C, No. 98, § 88; CtEDH, Caso Gaygusuz Vs. Austria, 16/09/1996, §§39. 38 Convenção 169 da OIT - Convenção Relativa aos Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes (1989). 13 59. No plano universal, identifica-se o dever de consulta para a proteção de direitos culturais de minorias, principalmente quando há relação particular de uso dos recursos naturais39. Um exemplo é a Convenção 169 da OIT, que estatui o dever de consulta a povos indígenas e tribais. 60. Em um caso paradigmático40, envolvendo uma minoria étnica, a Comissão Africana concluiu que a proteção coletiva de direitos outorgada pela Carta Africana permitiria afirmar a existência de um direito de comunidades participarem de decisões ambientais. Este precedente, porém, não é aplicável ao SIDH, o qual prevê direitos exclusivamente individuais. 61. No Sistema Europeu, vê-se uma abrangência maior do direito de participação em decisões ambientais, independentemente de ligações especiais com os recursos naturais. Todavia, esse direito se fundamenta em diretivas regionais específicas, como a Convenção de Aarhus, que traz os requisitos procedimentais para a participação pública nessas decisões41. 62. Como se vê, no SIDH não há parâmetros normativos ou jurisprudenciais aplicáveis que permitam responsabilizar um Estado por uma eventual inadequação dos seus procedimentos de consulta a indivíduos não integrantes de minorias específicas, sob pena de violação do princípio pacta sunt servanda. 63. Assim, a única análise possível que subsiste é a da adequação entre o procedimento de consulta efetuado e os parâmetros internos previstos. Para essa análise, Tamoio se volta agora. 39 ONU, Comitê de Direitos Humanos, Caso Länsman e outros Vs. Finlândia (1994), Comunicação No. 511/1992, 08/11/1994; Comitê de Direitos Humanos, Caso Apirana Mahika e outros Vs. Nova Zelândia (2000), Comunicação No. 547/1992; Comentário Geral No. 23 (1994) sobre o direito das minorias (art. 27 do PIDCP, 1966). 42 Comissão Africana, Caso Social and Economic Rights Action Center & the Center for Economic and Social Rights Vs. Nigeria, Comunicação No. 155/96, 27/10/2001. 41 Convenção sobre o Acesso à Informação, a Participação do Público na Tomada de Decisões e o Acesso à Justiça no Domínio do Ambiente (1998, Aarhus). 14 64. A Lei Tamoiana de 2001, que estabelece procedimentos para a construção de fábricas, prevê que haja, no relatório de impactos ambientais, a incorporação das demandas locais. Tal disposição foi cumprida pela TVB, que incluiu as demandas rugendianesas no seu relatório. 65. O argumento da inadequação da consulta não deve prosperar, pois cabe ao Estado balancear os interesses público e individual. Em casos envolvendo o meio ambiente, o Estado possui, pela teoria da margem de apreciação42, certa discricionariedade na adoção de medidas compensatórias que busquem um equilíbrio entre desenvolvimento econômico e a proteção ao meio ambiente. 3.3 O Estado respeitou os artigos 8º e 25 da CADH 66. Completando a tríade de direitos procedimentais, é necessário garantir o acesso efetivo a processos judiciais e administrativos. Esse terceiro pilar ainda obriga o Estado a cumprir sua legislação ambiental, mantendo instalações regulares e respeitando os direitos dos indivíduos43. 67. Nesse sentido, analisa-se primeiramente a regularidade do procedimento administrativo de concessão da licença ambiental e em seguida os processos judiciais. 3.3.1 O procedimento administrativo de concessão da licença ambiental foi regular 68. O artigo 8.1 da CADH consagra o devido processo legal, composto pelas garantias processuais necessárias à defesa de direitos44. Elas valem também nos processos administrativos, pois a discricionariedade da administração tem nos direitos humanos alguns limites absolutos45. 69. Acerca do procedimento de concessão de licença à TVB, a garantia central a ser analisada é a legalidade. Esta requer que as etapas do processo estejam previamente estabelecidas em lei por 42 CtEDH, Caso Handyside Vs. Reino Unido, 07/12/1976, §48. 43 ARAÚJO, supra nota 344, p. 8. CtEDH, Caso Taskin and others Vs. Turquia, 30/03/2005. 44 CtIDH, Opinião Consultiva, Garantís Judiciais em Estados de Emergência, OC-9/87, 06/10/1987, Série A, No. 9, §27; Caso Velez Loor Vs. Panamá, 23/11/2010, Série C, No. 218, §142. 45 CtIDH, Caso Baena Ricardo e Outros Vs. Panamá, 02/02/2001, Série C, No. 72, §126. 15 meio de regras claras, específicas e previsíveis46, e que sejam cumpridas. 70. A Lei Tamoiana de 2001 requer a preparação de um relatório de impactos ambientais pelas novas indústrias. Prescreve ainda que haja a incorporação de demandas populares e que o relatório seja feito por consultoria independente. O prazo de análise pelo ITMA é de 6 meses. 71. Ao que se vê, existe em Tamoio um conjunto de regras dotado de clareza, especificidade e previsibilidade. Todavia, além da previsão normativa, é necessária também a sua efetivação47. 72. A joint venture finalizou seu relatório em fevereiro de 2007. Essa análise incluiu estudos de emissão de poluentes e foi realizada por uma empresa independente listada pelo ITMA 48. O relatório incorporou as demandas dos rugendianeses e trouxe ainda a necessidade de reflorestamento das margens do rio Kaikang para sua revitalização. 73. A matéria ambiental é tecnicamente complexa. Logo, compete às autoridades decidirem as medidas de proteção ambiental a serem tomadas, pois são elas que estão em contato com as condições locais49. Dessa forma, não assistiu razão à ONG ao questionar o reflorestamento. 74. Evidenciada a regularidade do relatório da TVB, cabe, por fim, destacar que o ITMA respeitou o prazo estipulado para a concessão da licença, tendo sido ela expedida três meses após a finalização do relatório – celeridade justificável pelo interesse nacional de desenvolvimento. 75. Enfim, o procedimento em tela foi guiado pelo princípio da legalidade, em respeito ao artigo 46 CtEDH, Caso Malone Vs. Reino Unido, 02/08/1984, §66; Caso Maestri Vs. Itália, 17/02/2004, §30; Caso Velikovi and Others Vs. Bulgária, 15/03/2007, § 166; Caso Landvreugd Vs. Holanda, 04/06/2002, § 59. 47 CIDH, Informe Nº 76/09, Admissibilidade, Caso Comunidade de la Oroya Vs. Perú, 05/08/2009. 48 Comissão Africana, Caso Social and Economic Rights Action Center & the Center for Economic and Social Rights Vs. Nigeria, Comunicação No. 155/96, 27/10/2001. 49 CtEDH, Caso Powell and Rayner Vs. Reino Unido, 21/02/1990, §44; Caso Buckley Vs. Reino Unido, 25/09/1996, §75; Caso Hatton and others Vs. Reino Unido, 08/07/2003, §101. 16 8.1 da CADH e em garantia do terceiro direito procedimental. 3.3.2 O Estado garantiu o acesso efetivo à justiça e as garantias judiciais 76. O acesso à justiça é uma garantia fundamental no plano nacional. Ele permite que os particulares provoquem as Cortes quando considerarem que seus interesses não foram levados em conta no processo decisório50, e que reivindiquem direitos substanciais como o meio ambiente saudável51. Por força dos artigos 8º, 25 e 1.1 da CADH, os Estados devem garantir o acesso à justiça por meio de recursos simples, rápidos e efetivos52, sendo considerado norma com status de jus cogens53, nos casos de graves violações de direitos humanos54. 77. Tamoio reconhece a relevância da proteção e das garantias judicias como essenciais ao gozo dos direitos de seus cidadãos. Assim, com uma análise conjunta de ambos processos judiciais, passa-se à demonstração do respeito aos artigos 8º e 25 da CADH. 78. Na análise da razoabilidade do prazo, a CtIDH estabelece quatro parâmetros: a complexidade do assunto, a atividade processual do interessado, a conduta das autoridades55 e os efeitos 50 51 CtEHD, Caso Taskin and others Vs. Turquia, 30/03/2005, §119. SHELTON, supra nota 244; CIDH, Informe sobre a Situação dos Direitos Humanos no Equador, OEA/SerieL/V/II.96, 24/04/1997. 52 CtIDH, Caso Chitay Nech e outros Vs. Guatemala, 25/05/2010, Série C, No. 212, §190. 53 ONU, Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969), art. 53. 54 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Jus Cogen - The Determination and the Gradual Expansion of its Material Content. Revista do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, Fortaleza, a. 9, v. 9, n. 9, 2009, p. 35. CtIDH, Caso López Álvarez Vs. Honduras, 01/02/2006, Série C, No. 141, Voto Concorrente do Juiz Cançado Trindade, §§52-55; Caso Baldeón García Vs. Perú, 06/04/2006, Série C, No. 147, Voto Concorrente do Juiz Cançado Trindade, §1. Caso Goiburú e Outros Vs. Paraguai, 22/07/2006, Série C, No. 153, §131. 55 CtIDH, Caso Suárez Rosero Vs. Equador, 12/11/1997, Série C, No. 35 §72; Caso Genie Lacayo, 29/01/1997, Série C, No. 30 §77; CtEDH, Caso Motta Vs. Itália, 19/02/1991, §30. 17 gerados na situação jurídica dos envolvidos no processo56. O interesse dessas pessoas em uma decisão sumária deve ser sopesado frente à exigência de um exame cuidadoso do caso57. 79. No caso em tela, considerando a duração total dos dois processos58, a prestação jurisdicional manteve-se próxima do intervalo de um ano. Ou seja, não houve demora prolongada, apesar da complexidade dos elementos técnicos envolvidos nos litígios. Além disso, houve imediata interposição de recursos e as autoridades judiciais estavam comprometidas com a solução do caso. Por fim, a condição jurídica dos envolvidos não foi agravada pelo tempo transcorrido. Logo, foi observada a garantia do prazo razoável nos processos judiciais. 80. O artigo 8.1 prevê ainda o princípio do juiz natural, o qual requer juízes previamente constituídos por lei, competentes, independentes e imparciais. Ele garante a idoneidade da atividade jurisdicional e projeta-se sobre todas instâncias processuais59. 81. As decisões devem ser motivadas, visto que o contrário resultaria em arbitrariedade60. Tal dever está vinculado à correta administração da justiça, pois outorga credibilidade às decisões, demonstra que as partes foram ouvidas e permite a interposição de recursos 61. 56 CtIDH, Caso Valle Jaramillo e outros Vs. Colômbia, 27/11/ 2008, Série C, No. 192, §155. 57 CtEDH, Caso H. Vs. Reino Unido, 08/07/1987, §§71-86; Caso X. Vs. França, 31/03/1992, §32; Caso Silva Pontes Vs. Portugal, 23/03/1994, §39. 58 CtIDH, Caso Tibi Vs. Equador, 07/09/2004, Série C, No. 114, §168; Caso Salvador Chiriboga Vs. Equador, 06/05/2008, Série C, No. 179, §56. 59 CtIDH, Caso Castillo Petruzzi e outros, 30/05/1999, Série C, No. 52, §161; Caso Radilla Pacheco Vs. México, 23/11/09, Série C, No. 209, §280. 60 CtEDH, Caso H. Vs. Bélgica, 30/11/1987, §53. 61 CtIDH, Caso López Mendoza Vs. Venezuela, 01/07/2011, Série C, No. 233, §148; Caso Tristán Donoso Vs. Panamá, 27/01/2009, Série C, No. 193, §153. ONU, Comitê de Direitos Humanos, Caso Hamilton Vs. Jamaica (1994), Comunicação No. 333/1988. 18 82. Conforme exposto, nos processos judiciais houve divergência entre as decisões nos variados graus de jurisdição, atestando sua independência. Ainda, as decisões foram bem fundamentadas, o que permitiu aos peticionários questionarem o mérito em instâncias superiores. 83. A disponibilização de recursos é um dos pilares da proteção judicial e do Estado Democrático de Direito62. Não basta a mera existência formal de recursos: eles têm de ser efetivos63, sem demoras injustificadas ou falhas que deneguem justiça64. 84. Em contrapartida, a CtIDH já esclareceu que não avalia a efetividade dos recursos internos em função de uma eventual decisão favorável às supostas vítimas65, pois o seu mero descontentamento no âmbito interno não implica violação da CADH66. 85. Tamoio disponibilizou à ONG os meios adequados para a defesa de seus direitos, tendo ela ajuizado ações e obtido uma eficaz prestação jurisdicional, apesar das decisões desfavoráveis. 86. Assim, constata-se o respeito aos artigos 8º e 25 também nos processos judiciais. 87. Finalmente, conforme demonstrado, os três direitos procedimentais possuem um denominador comum, isto é, a proteção do direito a um meio ambiente saudável 67. Restou provado então que o Estado de Tamoio no caso em tela cumpriu com a tríade de direitos procedimentais em matéria ambiental, respeitando os artigos 8º, 25 e 13 da CADH. 62 CtIDH, Caso Hermanas Serrano Cruz Vs. El Salvador, 01/03/2005, Série C, No. 120 § 75; Caso 19 Comerciantes, 23/11/2009, Série C, No. 209, §193. 63 CtIDH, Caso Abrill Alosilla e outros Vs. Perú, 04/03/2011, Série C, No. 223, §75; Caso Mejía Idrovo Vs. Equador, 05/07/2011, Série C, No. 228, §94; Caso Tibi Vs. Equador, 07/09/2004, Série C, No. 114, § 131. 64 Caso Las Palmaras Vs. Colômbia, 06/12/2001, Série C, No. 90, § 58. 65 CtIDH, Caso López Mendoza Vs. Venezuela, 01/07/2011, Série C, No. 233, §184. 66 CIDH, Relatório Anual No. 39/96, Caso 11.673 Marzioni Vs. Argentina, 15/10/1996, §47. 67 KOURY; SOUSA, supra nota 266, p. 18. 19 88. Depois de demonstrada a impossibilidade de responsabilização estatal direta pela violação do artigo 11 do PSS e da ausência de violação dos direitos procedimentais conexos ao meio ambiente, o Estado passa à análise dos direitos que possuem a proteção do meio ambiente como requisito para o seu adequado exercício: os direitos à vida e à integridade pessoal. 4. O Estado não violou o artigo 4º da CADH, porque não infringiu o direito à vida digna, nem provocou óbitos 89. O artigo 4º da CADH consagra o direito à vida como direito humano elementar 68, a ser protegido contra privações arbitrárias69, e capaz de impor aos Estados obrigações positivas destinadas à garantia de uma vida digna. Nessa perspectiva, a CtIDH entende que a degradação ambiental pode implicar a violação do direito à vida, pela ausência de condições sanitárias 70. Demonstra-se, agora, que Tamoio cumpriu essas duas dimensões. 90. A dignidade da vida dos tamoianos foi considerada pela TVB, que conciliou a promoção de direitos sociais (item 1.1) com o dever de não causar danos ambientais (itens 1.2 e 1.3). 91. Ademais, o Estado zelou pelo direito à vida digna ao implementar um sistema de justiça espelhado em parâmetros internacionais. Isso, pois ratificou todos os tratados interamericanos de direitos humanos e a maioria dos tratados correlatos da ONU, como o PIDESC e o PIDCP. 92. Na esfera nacional, Tamoio consultou as populações afetadas (item 3.2), comprovando que o Estado respeitou a esfera coletiva do acesso à informação sobre questões de interesse público e a esfera individual da liberdade de expressão (artigo 13 da CADH, item 3.1) – esta posteriormente 68 Comitê de Direitos Humanos da ONU, Comentário Geral No. 6 (1982) sobre o direito à vida (artigo 6º do PIDCP, 1966). 69 CIDH. Informe sobre a Situação dos Direitos Humanos no Equador, OEA/SerieL/V/II.96, 24/04/1997. 70 CtIDH, Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs. Paraguai, 17/06/2005, Série C, No. 125. 20 reafirmada pelos processos judiciais em prazo razoável, com juiz natural e com recurso efetivo (artigos 8º e 25 da CADH, item 3.3). 93. Ademais, o Estado não apenas tutelou o direito a uma vida digna, como também cumpriu seu dever negativo com relação ao artigo 4º da CADH, pois, logo que constatados casos de envenenamento por chumbo, atendeu a população no sistema público de saúde, evitando mortes. 94. Portanto, reafirma-se: o Estado não violou o artigo 4º da CADH, pois com a TVB pôde resguardar e promover o direito a uma vida digna, sem ter incorrido em nenhum caso de óbito. 5. O Estado reconhece responsabilidade parcial por violar o artigo 5.1 da CADH, em função da não-interrupção das atividades da TVB após o aparecimento de contaminações 95. O artigo 5º da CADH protege os indivíduos contra a privação arbitrária de sua integridade pessoal nas dimensões física, psíquica e moral. Tamoio reconhece a violação do primeiro inciso deste artigo, contanto que adstrita ao período posterior ao aparecimento dos primeiros danos à saúde dos rugendianeses, pelas razões explicitadas abaixo. 96. Conforme exposto anteriormente (item 1.3.1), ao permitir a instalação da TVB, o Estado atuou consoante o dever de prevenção, harmonizando a necessidade de desenvolvimento e de vida digna da população local com garantias ambientais destinadas a evitar danos futuros. 97. Entretanto, as obrigações preventivas que o DIMA estabelece não são apenas de conduta, mas também de resultado (princípio da precaução)71. Quanto àquelas, Tamoio observou seus deveres (item 1.3.1). Quanto ao resultado, porém, diante da eventual existência de nexo causal entre os danos constatados e as atividades da TVB, o Estado deveria tê-las cessado. 98. Sendo assim, o Estado admite que – frente à ausência de provas científicas acerca desse nexo e de suas necessidades socioeconômicas – se omitiu diante dos danos à integridade pessoal dos 71 FITZMAURICE, supra nota 5, p. 629. 21 rugendianeses72. Reconhece, pois, responsabilidade parcial pela violação do artigo 5.1 no lapso temporal iniciado com a identificação das primeiras pessoas contaminadas. REPARAÇÕES 99. Para a Corte IDH, à violação de uma obrigação internacional segue o dever de sua adequada reparação73. Este dever é um princípio geral de direito internacional contemporâneo74, concretizado no artigo 63.1 da CADH. Assim, dada a assunção de responsabilidade parcial pela violação do artigo 5.1, analisam-se as reparações cabíveis. 1. O Estado se compromete a paralisar as atividades da TVB 100. Em função da falha no alcance do resultado da prevenção de danos ambientais, o Estado se incumbe da paralisação das atividades da TVB enquanto inexistir prova do nexo causal da origem das contaminações. Se provado o vínculo entre as operações da joint venture e os danos ambientais, Tamoio investirá em novas tecnologias de prevenção de acidentes ambientais. 2. Não cabem medidas de reparação a indivíduos ou à população de Rugendas, por conta da falta de individualização das vítimas 101. A CtIDH requer nexo causal entre fatos, violações declaradas, danos provados e reparações 72 LEE, supra nota 233, p.337. 73 CtIDH, Caso Gomes Lund e outros Vs. Brasil, 24/11/2010, Série C, No. 219, §245; Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras, 21/07/1989, Série C, No. 7, § 25; Caso Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña Vs. Bolívia, 01/09/2010, Série C, No. 217, §23; Caso Comunidade Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguai, 29/03/2006, Série C, No. 146, §195. 74 CtIDH, Caso Gomes Lund e outros Vs. Brasil, 24/11/2010, Série C, No. 219, §245; Caso Castillo Páez Vs. Perú, 27/11/1998, Série C, No. 43, §50; CtIDH, Caso Rosendo Cantú e outra Vs. México, 31/08/2010, Série C, No. 216, §203 22 solicitadas75. Além disso, seu regulamento76 e sua jurisprudência77 são categóricos ao exigir que as vítimas às quais as reparações serão dirigidas sejam determinadas ou determináveis78. 102. Diferentemente do Sistema Africano79, o SIDH baseia sua proteção no indivíduo, conforme a Declaração Americana80 e o entendimento da CtIDH81. Esse Tribunal, portanto, exige a individualização e a identificação das vítimas, com o propósito de garantir a proteção efetiva aos seus direitos e o respeito à participação, estabelecida no artigo 25 de seu Regulamento82. 103. Embora integre um Sistema fundado no indivíduo, a CtIDH dispõe que a obrigação de reparar pode ter caráter comunitário no caso de povos indígenas 83. Entende ainda que sua identidade cultural e sua situação de vulnerabilidade lhes conferem direitos coletivos próprios84. 104. Rugendas não é uma comunidade com essas características. Logo, a especificidade jurisprudencialmente concedida a povos indígenas não se aplica ao caso. Todavia, ainda que o entendimento da CtIDH não restringisse reparações dirigidas a comunidades a casos indígenas, a 75 CtIDH, Caso Ticona Estrada e outros Vs. Bolívia, 27/11/2008, Série C, No. 191, § 110; Caso Rosendo Cantú e outra Vs. México, 31/08/2010, Série C, No. 216, §204. 76 Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos (2009), art. 35.1. 77 CtIDH, Caso Gomes Lund e outros Vs. Brasil, 24/11/2010, Série C, No. 219, §79; CtIDH, Caso "Instituto de Reeducação do Menor" Vs. Paraguai, 02/09/2004, Série C, No. 112, § 106. 78 ARAÚJO, supra nota 344, p.17. 79 Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (Carta de Banjul, 1986). 80 OEA, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948), considerando. 81 CtIDH, Caso Caso Durand e Ugarte Vs. Perú, 03/12/2001, Série C, No. 89, §48; CtIDH, Caso "Instituto de Reeducação do Menor" Vs. Paraguai, 02/09/2004, Série C, No. 112, §106. 82 CtIDH, Caso "Instituto de Reeducação do Menor" Vs. Paraguai, 02/09/2004, Série C, No. 112, §109. 83 CtIDH, Caso Rosendo Cantú e outra Vs. México, 31/08/2010, Série C, No. 216, §206. 84 CtIDH, Caso Comunidade Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguai, 29/03/2006, Série C, No. 146, §196. 23 individualização das vítimas é condição mesmo a este tipo de reparação. Para estabelecê-las, deve-se determinar a parte lesada85, que é constituída pelos indivíduos que formam a comunidade86. 105. A CtIDH atua conforme o sistema internacional de direitos humanos (considerando-se o SADH como exceção), de modo que o indivíduo titular do direito (vítima) é o destinatário das reparações reivindicadas ao grupo87. 106. No presente caso não há vítimas individualizadas às quais as reparações possam ser dirigidas – posto que o único dado apresentado é o número inicial de vítimas, discriminadas por faixa etária. 107. É impossível, portanto, determinar reparações pela violação do artigo 5.1 dirigidas à população de Rugendas, pois i) as características da comunidade não permitem a determinação de reparações de caráter coletivo, já que o SIDH baseia-se na proteção do indivíduo, com exceções dirigidas unicamente a comunidades com forte identidade cultural compartilhada; ii) ainda que fossem pretendidas reparações à comunidade, o SIDH exige que a titularidade do direito à reparação recaia sobre seus membros; e iii) a jurisprudência não admite que, na etapa de reparações, sejam indicadas vítimas não inclusas anteriormente pela CIDH88. 3. O Estado se compromete a divulgar a sentença da CtIDH, promover uma campanha de conscientização dos agentes públicos e criar o dia da sustentabilidade 108. Pelos motivos acima aduzidos, o Estado rejeita qualquer tipo de reparação dirigida 85 Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), art. 63. 86 CtIDH, Caso Comunidade Indígena Xákmok Kásek Vs. Paraguai, 24/08/2010, Série C, No. 214, §278; Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs. Paraguai, 17/06/2005, Série C, No. 125, §189. 87 LEE, supra nota 233, p. 297. 88 CtIDH, Caso Comunidade Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguai, 29/03/2006, Série C, No. 146, §70. 24 diretamente às vítimas. Entretanto, em respeito à obrigação de reparar a violação reconhecida, o Estado compromete-se a adotar medidas voltadas à população de Tamoio como um todo, visando à promoção de uma cultura de respeito aos direitos humanos e de proteção ao meio ambiente. 109. Assim, Tamoio divulgará a sentença logo que vier a ser emitida por esta Corte, em jornais de grande circulação e no site oficial do governo. Além disso, promoverá campanhas de conscientização dos agentes públicos sobre a importância de prevenir danos ambientais e também criará o dia da sustentabilidade com o intuito de informar todos os tamoianos quanto à necessidade de políticas de desenvolvimento sustentável. SOLICITAÇÃO DE ASSISTÊNCIA 110. Diante dessas considerações de fato e de direito, a República do Tamoio respeitosamente solicita que a Corte Interamericana de Direitos Humanos declare: i) a ausência de responsabilidade internacional do Estado pela alegada violação dos artigos 4º, 8º, 13 e 25 juntamente com o artigo 1.1 da CADH, e do artigo 11 do PSS; ii) a responsabilidade parcial do Estado pela violação do artigo 5.1 da CADH; e iii) a improcedência de qualquer pedido de reparações aos afetados pela contaminação. 25