CONSTRUINDO UM SABER GEOMÉTRICO ESPACIAL
Lourenço de Lima Peixoto – U.F.U. [email protected]
No concurso “Matemática é uma Boa Temática” promovido pela Faculdade
de Matemática da Universidade Federal de Uberlândia (FAMAT-UFU) e pelo PET-MAT,
concorri com o projeto interdisciplinar “A Construção do Pensamento Geométrico Sobre o
Princípio de Cavalieri através da Lei da Alavanca”1.
O concurso consistia num plano de aula que trabalhasse Modelagem
Matemática e também interdisciplinaridade para alunos de Ensino Fundamental ou Médio.
Logo pensei em desenvolver uma aula que abordasse o Princípio de Cavalieri (Se dois
sólidos têm a mesma altura e se os planos paralelos à base, determinam nos sólidos seções
que estão sempre numa mesma razão, então os volumes dos sólidos também estão nesta
mesma razão), tema central de pesquisa e de um projeto de Mestrado em Educação
elaborados sob a orientação do professor Arlindo José de Souza Jr2.
A grande motivação para pesquisar sobre este tema aloja-se na omissa
construção do pensamento a respeito deste princípio no 2º grau. Em livros pesquisados
observamos que este princípio é apresentado como mais um conteúdo a ser apresentado ou
ferramenta útil para se calcular volumes de sólidos, tanto em exercícios como em
demonstrações. Mas será simples e intuitivo o saber do Princípio de Cavalieri para
estudantes do Ensino Médio? Veja que teorema é a proposição que para ser admitida ou se
tornar evidente, necessita de demonstração, enquanto que, princípio é na dedução, a
proposição que lhe serve de base, ainda que de modo provisório e cuja verdade não é
questionada.
1
O projeto está publicado em FAMAT EM REVISTA, endereço: http://www.famat.ufu.br/revista/index.html
Clicar em Seção 5)Em sala de aula
2
Professor da Faculdade de Matemática
Professor do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Federal de Uberlândia
Anais do VIII ENEM – Relato de Experiência
GT 5 – História da Matemática e Cultura
2
A disciplina que me pareceu mais apropriada para trabalhar nesta
modelagem foi Física, devido à verificação do matemático grego Arquimedes (287 - 212
AC), a respeito da razão em que se encontram os volumes do cilindro, da semi-esfera e do
cone, de mesmas bases e alturas: 3:2:1, respectivamente. Esta conclusão foi obtida usandose a Lei da Alavanca3 também descoberta por Arquimedes.
Reanalisando a verificação acima, comecei a pensar em uma maneira de se
usar a alavanca como uma ferramenta, para se chegar a alguma conclusão a respeito do
volume de alguns sólidos de mesma altura, e concomitantemente comparar com a área das
seções obtidas ao se secionar planos paralelos à base nos dois sólidos. Observando a Lei da
Alavanca vemos que a Força F exercida pelo sólido sobre a Alavanca nada mais é do que
seu próprio Peso. Fazendo duas simples associações: P = mg e m = d/V, onde m: massa, g:
gravidade, d: densidade e V: volume, podemos chegar a uma relação entre os volumes dos
sólidos que estão sendo trabalhados sobre a Alavanca. Agora o novo desafio estava em
analisar a área das seções nos sólidos, para isto deveria dispor de sólidos compostos em
fatias, para se calcular as áreas das seções. Com a ajuda de um compasso e de uma régua é
possível calcular a área destas fatias, como está descrito no Plano de Aula. Constatei que
poderia calcular as áreas secionais dos sólidos e depois comparar com os volumes dos
sólidos em questão, numa tentativa concreta e potencialmente significativa de modelar o
Princípio de Cavalieri para o estudante de Ensino Médio, construindo este saber.
No Plano de Aula que elaborei foram dados com exemplo dois cones A e B
de mesma altura h, onde a área da base do cone B é o dobro da área da base do cone A e
uma pirâmide também de altura h cuja área da base igual à área da base do cone A. Tomei
estes sólidos apenas para exemplificar a idéia da aula, na verdade pode-se usar vários
outros cones ou pirâmides com áreas da base em outras razões (2/3 ou 4/5 por exemplo),
desde que eles tenham as mesmas alturas e respeitando as condições das proporções da
Alavanca.
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Chama-se de alavanca a barra rígida apoiada sobre um fulcro. A Lei da Alavanca diz que, tendo um corpo
de peso F² suspenso em uma das extremidades, é possível que equilibremos este peso ao exercemos na outra
extremidade da alavanca uma força F¹ tal que F¹d¹ = F²d², onde d¹ e d² são as distâncias dos pontos em que
estão sendo aplicadas as forças, ao fulcro.
Anais do VIII ENEM – Relato de Experiência
GT 5 – História da Matemática e Cultura
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Segue abaixo o Plano de Aula elaborado para o Concurso:
“Título: A Construção do Pensamento sobre o Princípio de Cavalieri através da Lei da
Alavanca
Autor: Lourenço de Lima Peixoto – 1001409-3
Série: 2º ou 3º ano do Ensino Médio
Duração: 50 minutos
Material necessário:
2 cones A e B, de mesma altura h, sendo que a área da base do cone B é o dobro da
área da base do cone A. Uma pirâmide de altura h cuja área da base é igual à do
cone A. Os três sólidos deverão ser feitos de algum metal (aço, por exemplo) e
serão constituídos de fatias em iguais alturas.
Uma Alavanca de Arquimedes e dois saquinhos para comportar os sólidos sobre a
alavanca e também alguns “pesos” (argolas) para se verificar a lei da alavanca.
Régua, compasso, lápis, borracha (alunos). Giz (professor)
Objetivo: Fazer com que os alunos trabalhem uma modelagem matemática sobre o
Princípio de Cavalieri (para volumes), auxiliando-se da Lei da Alavanca, e compreendam o
que diz este Princípio.
Introdução: Os teoremas, princípios, axiomas ou postulados exercem papel de ferramentas
para se obter resultados e conclusões, também podem facilitar ou simplificar a resolução de
um problema matemático. Infelizmente, observa-se que estudantes do Ensino Médio,
apenas decoram uma fórmula ou teorema que servem como chave para solucionar uma
questão, tornando a resolução de problemas um mero exercício mecânico. O processo
cognitivo da formação estruturante do pensamento sobre a construção de um teorema
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matemático muitas vezes não é trabalhado, ora por negligência do professor, ora por falta
de informações nos livros didáticos.
O matemático italiano Bonaventura Cavalieri (1598-1647) modelou um teorema
que hoje nos é conhecido como Princípio de Cavalieri (P.C.): “Se dois sólidos têm a mesma
altura e se os planos paralelos à base, determinam nos sólidos seções que estão sempre
numa mesma razão, então os volumes dos sólidos também estão nesta mesma razão”.
Observe que teorema é a proposição que para ser admitida ou se tornar evidente, necessita
de demonstração, ao passo que, princípio é na dedução, a proposição que lhe serve de base,
ainda que de modo provisório e cuja verdade não é questionada. Em alguns livros pode se
encontrar o P.C. como axioma.
Nos livros pesquisados, de terceiro e segundo ano do colegial, encontramos a
demonstração do volume da esfera e do cone, utilizando o P.C. Os livros apresentam este
princípio como ferramenta para se calcular volumes de sólidos, mas onde se encontra a
modelagem matemática desta ferramenta no saber discente? A motivação desta aula alojase na omissa construção deste pensamento. Interdisciplinarmente usaremos uma lei física
descoberta pelo matemático grego Arquimedes (287-212 AC) chamada Lei da Alavanca
(que é dada no 1º ano colegial).
Deste modo, estaremos modelando empiricamente o P.C. e tornando este princípio
numa ferramenta potencialmente significativa para o estudante.
Procedimento:
Primeiramente iremos trabalhar com as fatias dos três sólidos (pirâmide,
cone A e cone B) a fim de examinar as suas respectivas áreas. Para isto, pode-se dividir a
turma em grupos de modo que cada um fique incumbido de calcular e comparar algumas
áreas das fatias, de igual altura em relação ao plano da base. O valor das áreas deverá ser
anotado num papel indicando também a altura da fatia e o seu respectivo sólido. (A
quantidade de componentes dos grupos fica a critério do professor). Para calcular a área das
fatias deve-se colocá-las sobre um papel e contorná-las a lápis. Com a ajuda de uma régua e
um compasso é possível traçar-se um diâmetro do círculo desenhado e finalmente obter o
comprimento do raio (no caso dos cones). – Este processo deverá ser ensinado pelo
professor. – No caso da pirâmide, as fatias terão formato de quadrado, cuja área é
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facilmente obtida. Os grupos deverão entregar as anotações para o professor que, por sua
vez, irá copiá-las no quadro. Inicia-se então uma comparação, entre as áreas de fatias de
mesma altura dos três sólidos, que deverá ser discutida pelos alunos com a ajuda do
professor. Concluiremos que as áreas das fatias da mesma altura da pirâmide e do cone A
são iguais e que as áreas das fatias do cone A (ou da pirâmide) medem a metade das fatias
do cone B.
Agora é introduzida a Lei da Alavanca para os alunos: Chamamos de
alavanca a barra rígida apoiada sobre um fulcro. A lei da Alavanca diz que, tendo um corpo
de peso F² suspenso em uma das extremidades, é possível que equilibremos este peso ao
exercemos na outra extremidade da alavanca uma força F¹ tal que F¹d¹ = F²d², onde d¹ e d²
são as distâncias dos pontos em que estão sendo aplicadas as forças, ao fulcro. Por esta
equação, verificamos que se d¹ > d², temos F¹ < F², ou seja, é possível, usando uma
alavanca, equilibrar um certo peso com uma força inferior a ele. Veja a ilustração abaixo,
(caso F¹ = F²):
d¹
F¹
d²
F²
Deve-se verificar o fato com os alunos utilizando-se as argolas, onde as
forças F¹ e F² serão iguais ao peso que as argolas exercem sobre a alavanca. Depois dos
alunos terem se familiarizado com a lei física descoberta por Arquimedes, começaremos a
utilizar os nossos sólidos na alavanca. Propõe-se um desafio para os alunos, eles deverão
equilibrar os sólidos na alavanca. Pede-se, de cada vez, um aluno voluntário para ir até a
alavanca colocar dois sólidos sobre ela a fim de que eles se equilibrem. Os dois sólidos
escolhidos ficam a critério do aluno. Depois de várias tentativas, os alunos deverão chegar à
conclusão de que as forças exercidas pela pirâmide e pelo cone A se equilibram quando as
suas distâncias ao fulcro são iguais, e que as forças exercidas pelo cone A (ou pela
pirâmide) e pelo cone B se equilibram quando a distância do cone A ao fulcro é o dobro da
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distância do cone B ao fulcro. Por outro lado, veja que a força exercida por cada um dos
sólidos sobre a alavanca é igual ao seu peso, isto é: F = P, mas P = mg. Logo F = mg (*).
Para a relação entre o cone A e a pirâmide temos que F¹d¹ (cone A) = F²d²(pirâmide), onde d¹=d²,
então F¹ = F² e substituindo (*) chegamos que mg(cone
A)=
mg(pirâmide), logo m(cone
A)=
m(pirâmide). Mas d = m/V, onde d é a densidade e V o volume do sólido, portanto: dV(cone A)=
dV(pirâmide), mas a densidade dos sólidos é a mesma, pois são feitos de mesmo material,
então: V(cone A)= V(pirâmide). Já para a relação entre o cone B e a pirâmide temos que F¹d¹(cone
B)
= F²d²(pirâmide), onde 2d¹ = d², então F¹d¹(cone B) = F² 2d¹(pirâmide), logo F¹(cone B) = 2F²(pirâmide)e
substituindo (*) chegamos que mg(cone B) = 2mg(pirâmide)e daí, m(cone B) = m(pirâmide). Mas d =
m/V e portanto, dV(cone
B)
= 2dV(pirâmide), mas a densidade é a mesma, então: V(cone
B)
=
2V(pirâmide)
Conseguimos assim verificar experimentalmente o que ocorre com os
volumes de sólidos cujas áreas das suas seções de mesma altura estão sempre numa mesma
razão, construindo o pensamento sobre o que diz o P.C.
Referências do plano de aula:
1. BIANCHINI, EDWALDO. Matemática, volume 2: versão alfa. SP, Editora
Moderna, 1995
2. PAIVA, MANOEL RODRIGUES. Matemática. SP, Editora Moderna, 1995
3. SMOLE, K.C.S; KIYUKAWA, R; Matemática Ensino Médio. volume 3 e 2,
Editora Saraiva, 1998
4. NETTO, S.D.P; GÓES, C.C. Matemática na Escola Renovada, 2ª série do 2º
grau. Edição Saraiva, 1973
5. YOUSSEF, A.N; FERNANDEZ, V.P; SOARES, E. Matemática Ensino Médio,
volume único. Editora Scipione, 2000
6. FILHO, B.B; SILVA, C.X; Matemática aula por aula: volume único: ensino
médio. Ed. FTD, 2000
7. BIANCHINI, E; PACCOLA, H. Curso de Matemática, volume único. SP. Ed.
Moderna, 1993
8. BONGIOVANNI, V; LEITE, O.R.V; LAUREANO, J.L.T. Matemática, Volume
Único, 2º grau. Editora Ática, 1994
9. TEIXEIRA, J.C; BONGIVANNI,V; FILHO, R.B.A; SILVA, B.C; NEVES, V.L.O.
Aulas Práticas de Matemática, Segundo grau, Volume 2. ED. Ática, 1998
10. SANTOS, C.A.M; GENTIL, N; GRECO, S.E. Matemática Para o Ensino Médio,
Volume Único. ED. Ática, 1999
11. GIOVANNI JR, J.R; BONJORNO, J.R; GIOVANNI, J.R. Matemática
Fundamental 2º grau Volume Único. Ed. FTD 1994
12. GIOVANNI, J.R; BONJORNO, J.R. Matemática Uma Nova Abordagem,
Volume 2, Versão Progressões. Editora FTD, 2000
Anais do VIII ENEM – Relato de Experiência
GT 5 – História da Matemática e Cultura
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13. BOYER, C.B. TRAD. DOMINGUES, H.H. Cálculo (tópicos de história da
Matemática para uso em sala de aula Volume 6). SP, Atual Editora LTDA, 1993
14. EVES, HOWARD. TRAD. DOMINGUES, H.H. Introdução à História da
Matemática, 2ª edição. Campinas, SP. Editora da UNICAMP, 1997
15. BARON, M.E. TRAD. COELHO, J.R.B; MAIER, R; MENDES, M.J.M.M. Curso
de História da Matemática: origens e desenvolvimento do Cálculo. Brasília,
Editora Universidade de Brasília, 1985
16. BOYER, C.B. TRAD. GOMIDE, E.F. História da Matemática, 3ª edição. SP.
Edgard Blücher, 1974
17. LIMA, E.L. A Matemática do Ensino Médio. RJ. Editora SBM, 1998
18. ALVARENGA, B.A; LUZ, A.M; Um curso de Física Volume 1. SP. Editora
Harper & Row do Brasil LTDA., 1979 ”
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construindo um pensamento geométrico espacial