PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
Izabel Cristina Goudart da Silva
Cartografias da aprendizagem em rede:
rastros das dinâmicas comunicacionais do Visualizar’11, Medialab Prado
DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
SÃO PAULO
2012
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
Izabel Cristina Goudart da Silva
Cartografias da aprendizagem em rede:
rastros das dinâmicas comunicacionais do Visualizar’11, Medialab Prado
DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Doutor em
Comunicação e Semiótica sob a orientação da Prof.ª.
Drª. Maria Lucia Santaella Braga.
SÃO PAULO
2012
Banca Examinadora
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Dedico esta tese a meus pais, Durval (in
memoriam) e Judite.
Por todas as nossas relações
Eu agradeço, eu agradeço, eu agradeço
Ao Universo que conspirou a meu favor na construção deste trabalho;
A meus amados e queridos pais, por todo amor, cuidado e dedicação empregada na educação
de seus quatro filhos biológicos e muitos outros de coração; a meus dois sobrinhos e a meus
alunos, que me ensinam a transitar nesse novo mundo; e às minhas irmãs e a meu irmão com
os quais cresci compartilhando outros universos;
À Lucia Santaella, amiga e orientadora, por me conduzir à autoria de um modo delicado,
amoroso e inteligente, qualidades tão preciosas no exercício da formação e direcionamento
para o crescimento e evolução humana;
À Marcia Marinho, pelo amor e cuidado nesses quatro anos em que caminhamos juntas, pela
confiança inabalável em minha capacidade para chegar até aqui;
Às minhas amigas, Vick Alves e Alexandra Supranni, pelo apoio incondicional.
Aos queridos amigos, Marcelo Moraes e Renata Lemos, pela estimulante e amorosa
convivência;
A meus amigos, Felipe Campos, Javier Lópes, Ale Galasso, Cecília Araújo, Paula Salazar e
Gustavo Rick, que me acolheram em suas casas e em seus corações;
A meus colegas do CAP/UFRJ e ao amigo e diretor do Colégio Estadual Souza Aguiar (RJ),
Marcio Soledade, pelo apoio e pelo compromisso como educadores na luta pela qualidade e
inovação na educação;
A todos os artistas, programadores, hackers, designers, ciberativistas, que conheci nesses
quatro anos e com os quais aprendi novos valores, em especial, aos integrantes do laboratório
nômade LaboCA, Jarbas Jácome, Jeraman, Ricardo Brazileiro e Felipe Caligário, e à Desirée
Santos, por sua generosidade e sua dedicação no desenvolvimento e na parceria no projeto
Aprender Brincando.
À CAPES pelo incentivo `a pesquisa na concessão de bolsa parcial para o PEPGCOS
PUC/SP.
Ao Instituto Claro, pelo reconhecimento e pelo apoio para a concretização no ambiente
escolar de um laboratório cidadão aberto, participativo e colaborativo, o Aprender Brincando.
Projeto premiado na 3.a edição (2011) do prêmio Instituto Claro, Novas Formas de Aprender e
Empreender.
GOUDART, Izabel Cristina da Silva. Cartografias da aprendizagem em rede: rastros das
dinâmicas comunicacionais do Visualizar’11, Medialab Prado. São Paulo, 2012. Tese
(Doutorado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo, 2012.
Resumo
Nas últimas três décadas, presenciamos um crescente e evolutivo processo de multiplicação,
hibridização, produção e disseminação de signos e linguagens propiciados pela digitalização.
Novos ambientes cognitivos, comunicacionais e culturais surgem como frutos de uma
ecologia midiática e, assim, configuram um ecossistema comunicacional, que ganha
importância tal qual o ecossistema verde. Mutações perceptivas e cognitivas, relacionadas ao
impacto da tecnologia moderna e das tecnologias digitais, ganham maior visibilidade por
meio das sensibilidades juvenis e da des-ordem cultural provocada pela difusão e pela
descentralização do saber. Mudanças que problematizam os sistemas de transmissões
educativas da modernidade, centralizados em torno da escola e do livro, acentuam uma
espécie de fosso geracional e uma inversão de papéis, em que a juventude, por sua maior
empatia, plasticidade neuronal e apropriação das tecnologias digitais, assume a condução
desse processo. A hipótese proposta por Margaret Mead de uma cultura pré-figurativa ganha
força no surgimento de subjetividades juvenis que transitam por outros ambientes e por
dinâmicas cognitivas mediados pela linguagem hipermídia e por softwares culturais. Uma
ecologia cognitiva, expressa nas dinâmicas próprias da aprendizagem em rede, desponta como
uma expressão de mentes conectadas, mentes que permanecem sustentadas por uma ecologia
digital. Corpos e espaços, caracterizados por sua capacidade de interconexão e de trocas,
produzem fluxos comunicativos e têm, na ética hacker, na cultura livre e nos commons
digitais, um fundamento no qual ancoram as possibilidades abertas para a participação, para a
partilha e para a colaboração e, assim, realizam uma comunicação multimídia e multimodal
em rede. Objetivando mapear essas novas condições da subjetividade dos jovens, foi realizado
o estudo de caso do Visualizar' 11, programa concebido pelo Medialab Prado como um
projeto de pesquisa aberto, participativo e colaborativo, que aborda as teorias, as ferramentas
e as estratégias de visualização de dados. Fundamentado teoricamente e metodologicamente
pela Teoria Ator-Rede, o estudo de caso do Visualizar’11 possibilitou elaborar uma
cartografia de dinâmicas da aprendizagem em rede e rastrear sua indissociável relação com
um ecossistema comunicacional, cognitivo e digital, por meio da reconstrução das associações
entre actantes humanos e não humanos, que agem como mediadores tecendo uma rede de
conexões. Dessas relações, foram extraídas as bases para uma reflexão que utiliza uma
abordagem ecossistêmica-semiótica para identificar padrões presentes na apropriação e na
mediação da linguagem hipermídia na construção de dinâmicas cognitivas realizadas em rede.
Novos padrões, que potencializam e propiciam o surgimento de ambientes de aprendizagem
cooperativos, surgem a partir da reciprocidade interativa, no reconhecimento da
interdependência entre os processos de pensamento e de construção de conhecimento e o
ambiente geral, voltados para uma educação para a era relacional, que não separe o indivíduo
do mundo em que vive e de seus relacionamentos.
Palavras-chave: Comunicação. Educação. Aprendizagem em rede. Teoria ecossistêmica.
Teoria ator-rede.
GOUDART, Izabel Cristina da Silva. Networked learning maps: traces of communicational
dynamics at Visualizar'11, Medialab Prado. São Paulo, 2012. Thesis (Ph. D. in
Communication and Semiotics) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2012.
Abstract
Over the last three decades, we have witnessed a growing and evolving process of
multiplication, hybridization, production and dissemination of signs and languages enabled by
digitalization. New cognitive, communicative and cultural objects emerge as a media ecology,
configuring a new communication ecosystem, which becomes as important as natural
ecosystems. Perceptual and cognitive mutations related to the impact of modern digital
technologies are achieving greater visibility via processes of knowledge diffusion and
decentralization around youth sensibilities and their countercultures. These cultural mutations
challenge modern systems of educational broadcast centered around the school and the book,
and emphasize what might be understood as a generational gap or role reversal, wherein youth
- by virtue of their greater empathy and neuronal plasticity - assume ownership of digital
technologies and therefore become the main driving force in this process. A cognitive ecology
that expresses itself in the dynamics of networked learning emerges as an expression of
connected minds, minds that remain supported by a digital ecology. Bodies and spaces
become marked by their interconnection, communicative flow capacity, against the
background of Hacker ethics and free culture. The digital commons becomes a shared ground
for the possibilities of open participation, sharing and collaboration, and the implementation
of a multimedia, multimodal network. In order to map these new digital features of youth
subjectivity, a study about Visualizar'11 was conducted. Visualizar'11 is a Medialab Prado
program designed as an open research project, participatory and collaborative, which
addresses theories, tools and strategies for data visualization. Theoretically and
methodologically based upon Actor-Network Theory, this research studied Visualizar'11 as a
case of inquiry, mapping the development of a learning network by following its traces within
a cognitive and digital ecosystem of communication, and reconstructing the associations
between human and nonhuman actants, which act as mediators weaving a web of connections.
The inseparability of communicative, cognitive and digital ecosystems is evidenced within a
system-integrated environment that fosters the emergence of a collective mind as a shared
property. These relationships were used as references for theoretical reflections based on an
ecosystemic, semiotic approach which identified patterns present in the appropriation and
mediation of hypermedia language in dynamic cognitive networks. These new standards
enhance and foster the emergence of cooperative learning environments, which arise from
interactive reciprocity, in recognition of the interdependence between thought processes,
knowledge building and the environment; and are oriented toward an education which
belongs to the relational era, one that does not separate the individual from her relationships
and the world.
Keywords: Communication. Education. Networked learning. Ecosystemic theory. Actornetwork theory.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Mapa interativo on-line aberto para coleta colaborativa de dados sobre a
estrutura, tipo de atividades e interconexão entre os diversos laboratórios de mídia no
mundo ............................................................................................................................ 7
Figura 2: M. C. Escher Bond of Union (1956) …………………………………….. 25
Figura 3: Possíveis campos de aplicação da convergência tecnológica ...................... 54
Figura 4: Oneness ........................................................................................................ 60
Figura 5: Estudo da NSFNET de visualização do tráfego de entrada, medido em
bilhões de bytes, do backbone T1 para o mês de setembro de 1991. A faixa de volume
de tráfego é retratado de roxo (zero bytes) ao branco (100 bilhões de bytes). Ele
representa os dados coletados por Mérito Network, Inc. Os nós de backbone NSFNET
são mostrados no topo, redes regionais abaixo ............................................................ 68
Figura 6: Um modelo de inteligência coletiva a serviço do desenvolvimento humano
...................................................................................................................................... 86
Figura 7: Deitch Projects ............................................................................................. 92
Figura 8: Estrutura ressonante do anel benzênico ou aromático ................................. 93
Figura 9: Estrutura proposta por Kékule baseada no sonho com o Ouroboro.............. 93
Figura 10: Imagem obtida pelo captura da tela do software interativo disponibilizado
no site www.uff.br/cdme/platonicos/platonicos-html/tetraedro-br.html, que possibilita
a visualização tridimensional do tetraedro, incluir esferas circunscritas e inscritas,
planificar e girar o polígono ....................................................................................... 111
Figura11: Molécula do Metano (CH4) ....................................................................... 111
Figura 12: As quatro faces do tetraedro ..................................................................... 113
Figura 13: Tetraedro planificado contendo uma esfera circunscrita (semiosfera) e uma
esfera inscrita (aprendizagem em rede) ..................................................................... 113
Figura 14: As quatro faces do tetraedro ..................................................................... 129
Figura 15: Tetraedro planificado ............................................................................... 130
Figura 16: Relações e agenciamentos da linguagem hipermídia ............................... 140
Figura 17: Ecologia cognitiva e comunicacional ....................................................... 141
Figura 18: Ecologia digital ........................................................................................ 147
Figura 19: Captura de tela da interface da Pearltrees nomeada Cartografias da
aprendizagem em Rede, em que foi aberta a pearl Visualizar’11. É possível agrupar
diversas pearls em uma única, que pode ser fechada clicando no x, ao lado do círculo.
A imagem capturada é do dia 19/08 e não corresponde à versão final ...................... 154
Figura 20: Detalhe capturado da Figura 19, janela aberta com a interação do mouse
sobre a pearl correspondente. A janela permite uma visualização ágil do conteúdo da
pearl, além de: disponibilizar recursos para comentários e partilha nas redes google+,
twitter e facebook; obter o código que permite postá-la em outra página ou enviar um
convite por e-mail; e obter a url completa ou reduzida para uma postagem no twitter,
por exemplo, bastando clicar em cada ícone correspondente. Essa janela se difere das
demais, pois corresponde à pearltree que nomeia o coletivo. Pode ser adicionado um
editorial para descrevê-la. O número de pearls conectados é disponibilizado, bem
como o número de visualizações (hits) e picks (uma variação do curtir do facebook).
Convites para editar a pearltree podem ser feitos, compondo o team up ................. 156
Figura 21: Janela de comentários do pearl da página Processing.org. Quando foi
adicionada, a página continha 7 comentários de usuários. Os comentários abordam o
software Processing, disponibilizado para download na plataforma processing.org. O
usuário Trackingnewtech descreve o software e Noncom acrescenta suas críticas e
outras opções de programas para o mesmo fim. Essa página é um dos itens coletados
na pearl Cartografias da aprendizagem em rede visualizada no iPad ...................... 157
Figura 22: Curiosidade + escolha .............................................................................. 168
Figura 23: Intenção + atenção ................................................................................... 168
Figura 24: Vista a partir da Plaza de las Letras ........................................................ 175
Figura 25: Detalhes do projeto da fachada digital, vista lateral ................................. 175
Figura 26: Plaza das Letras, vista frontal da fachada digital .................................... 176
Figura 27: Apresentação do AVLAB ........................................................................ 180
Figura 28: Segundo dia de trabalho da oficina internacional Visualizar’ 11:
compreender as infraestruturas; dedicado a visualização de infraestruturas
compreendidas como grandes sistemas que suportam processos globais, desde os que
produzem energia e água aos que possibilitam a comunicação global e mobilidade
.................................................................................................................................... 181
Figura 29: Imagem capturada da tela de computador da janela do Flickr, busca
Visualizar’11, na lateral direita motores de busca relacionam outros participantes,
redirecionando para imagens correlatas ao tema ....................................................... 182
Figura 30: Mesa realizada em 05/05/2011 sobre o tema dados abertos .................... 182
Figura 31: Recorte da página da convocatória, vídeo apresentando o programa ...... 185
Figura 32: Storyboard elaborado para apresentação final e exposição dos projetos do
Visualizar’11 .............................................................................................................. 192
SUMÁRIO
MITAKUYE OYASIN (POR TODAS AS NOSSAS RELAÇÕES) .................
1
CARTOGRAFIAS DA APRENDIZAGEM EM REDE .........................................
5
CONTEXTUALIZANDO: CAMINHOS E DESCAMINHOS DE UMA
AVENTURA NÔMADE ........................................................................................
11
COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO: O CRESCIMENTO DOS SIGNOS .............
20
UM SOBREVOO: JUSTIFICATIVA E LIMITES .................................................
27
1.0 MUTAÇÕES DA ERA DIGITAL .................................................................
30
1.1 MUTAÇÕES E A DES-ORDEM CULTURAL ................................................
40
1.2 CAINDO NA REDE .........................................................................................
47
1.3 MUTAÇÕES EM EDUCAÇÃO .......................................................................
54
2.0 REDES, CONECTIVIDADE E APRENDIZAGEM ...................................
60
2.1 CONECTIVISMO .............................................................................................
61
2.2 REDES E CONECTIVIDADE NA EDUCAÇÃO ...........................................
67
2.2.1 Ciberespaço como um ambiente virtual de aprendizagem .......................
70
2.2.2 Interatividade, fluxos informacionais e os nós da rede .............................
76
2.2.3 Os objetos técnicos começam a ganhar vida... ...........................................
83
2.2.4 Redes sociais da internet ..............................................................................
87
2.2.5 Colaboração em foco ....................................................................................
89
2.3 APRENDIZAGEM EM REDE: UM CONCEITO QUE ESCAPA AO
PENSAMENTO DA REPRESENTAÇÃO? ...........................................................
90
2.4 REDES E MEDIAÇÃO: SOCIAL X COLETIVO ...........................................
94
2.5 APRENDIZAGEM, CONECTIVIDADE E SEMIOSE ...................................
103
2.5.1 Complexidade e aprendizagem em rede .....................................................
103
2.5.2 Conectividade e mediação ............................................................................
106
2.5.3 Aprendizagem e semiose ..............................................................................
114
2.5.4 Aprendizagem em rede como um processo evolutivo ...............................
119
3.0 AS TRÊS ECOLOGIAS E A APRENDIZAGEM EM REDE ....................
127
3.1 ECOLOGIA COGNITIVA E COMUNICACIONAL: A LINGUAGEM
HIPERMÍDIA .........................................................................................................
131
3.2 O SOFTWARE: ATOMIZANDO A CULTURA ..............................................
136
3.3 ECOLOGIA DIGITAL .....................................................................................
142
4.0 SEGUINDO OS RASTROS: ..........................................................................
149
4.1 METODOLOGIA .............................................................................................
149
4.2 CARTOGRAFIAS DA APRENDIZAGEM EM REDE ...................................
158
5.0 CARTOGRAFIAS DA APRENDIZAGEM EM REDE ..............................
161
5.1 ESTUDO DE CASO DO VISUALIZAR’11 ....................................................
160
5.2 LINGUAGENS LÍQUIDAS .............................................................................
163
5.3 MEDIALAB PRADO: PLATAFORMA ABERTA DE PROTOTIPADO
COLABORATIVO ................................................................................................... 172
5.4 VISUALIZAR’11: PLATAFORMA DE INVESTIGAÇÃO E
APRENDIZAGEM .................................................................................................
184
6.0 IVY-MARÃEN: A TERRA SEM MALES, ANO 2297 ...............................
190
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................
197
ANEXO 1 ................................................................................................................
222
MITAKUYE OYASIN1: POR TODAS AS NOSSAS RELAÇÕES
A saudação nativa que convoca o estar atento ao princípio de interconexão entre tudo e
todos, sejam humanos ou não-humanos, é aqui o ponto de partida e de chegada, que se fez
eixo norteador deste estudo. Um caminho que teve início na interface entre arte, ciência e
tecnologia, resultando em uma gama de associações, algumas levadas pelo acaso, outras fruto
de seguir os rastros deixados pelas pistas da experimentação e abertura da experiência
estética.
Acolhendo o conceito de partilha do sensível de Jacques Rancière (2005, p. 13),
consideramos as práticas artísticas como um campo de partilha do comum no que estas,
“articulando maneiras de fazer, formas de visibilidade de maneiras de fazer e modos de
pensabilidade de suas relações”, intervêm na experiência coletiva. Um modo de ser específico
daquilo que pertence à arte, ao modo de ser de seus objetos, configurando um regime estético
que a desobriga de qualquer regra especifica, hierarquias, temas, gêneros e artes, e remete
para a invenção de formas sensíveis, para os possíveis modos de transformação que estas
assinalam, as linhas de passagem e rotas de fuga que possibilitam. “São os artistas que
sinalizam rotas para a adaptação humana às novas paisagens a serem habitadas pela
sensibilidade” (SANTAELLA, 2007, p. 67).
Num sentido mais abrangente, compreendemos a estética como um princípio universal
de razoabilidade direcionada para o crescimento e corporificação da razão criativa. Na
filosofia de Charles Sanders Peirce2, a estética, a ética e a lógica ou semiótica3 reúnem os
1
Mitakuye Oyasin (Eu sou aparentado com tudo o que existe) é uma oração tradicional da tribo Lacota Sioux,
com a sua frase de abertura usada como refrão em muitas outras orações e canções da tribo. Reflete a crença
inerente da maioria das tradições nativas americanas de que tudo está interconectado.
2
“A obra de Peirce é oceânica, de uma imensidão tamanha que seus limites se perdem de vista” (SANTAELLA,
1994, p. 112). No presente estudo, não apresentaremos sua filosofia e conceitos em capítulo à parte, mas
inseridos ao longo da argumentação. Para um maior aprofundamento de sua filosofia consultar Santaella (1994,
1995; 2005). A abreviação CP será utilizada quando nos referirmos aos Collected Papers.
3
A estética, ética e lógica são ciências normativas para Peirce, aquelas que estudam o que deve ser, isto é, fins,
propósitos, valores, metas e ideais que atraem e guiam a conduta deliberada (SANTAELLA, 1994). A lógica lida
com o raciocínio sob a tutela do autocontrole e da autocrítica, o que implica em direcionar a conduta de forma
deliberada em direção a um propósito último do pensamento, sendo este determinado pela ética. A ética vem
responder às perguntas: “Para onde a forca da minha vontade deve ser dirigida?” (CP 2.198), que normas e ideais
1 princípios que orientam a sensibilidade, a vontade e a mente para um ideal admirável: “metas
ou ideias que descobrimos porque somos atraídos por eles, empenhando-nos na sua realização
concreta” (SANTAELLA, 2003, p. 329). Num movimento tríplice, a razão inteligente é
orientada pela ética, que pergunta para que fim todo esforço deve ser dirigido. Esta, por sua
vez, apela para a estética para ajudá-la a determinar um fim último, o summum bonum (CP
1.191, 1.573-575, 2.116, 5.566 e 6.290). A estética ganha um outro contorno com Peirce, é a
ciência geral do admirável contida na espontaneidade da vida, na variedade e diversidade
características do universo, na tendência da natureza para o crescimento, aprendizagem,
aquisição e mudança de hábitos, leis gerais que são resultados de um processo evolutivo (CP
7.515).
Seguindo o princípio de interconexão de todas as coisas, o eixo ético que orienta este
estudo vem do aprendizado com a natureza, dos seus ecossistemas e do reconhecimento de
que é necessária uma profunda mudança de percepção e pensamento que possa garantir a
sobrevivência desse complexo sistema que organiza a permanência da vida em nosso planeta.
Uma ética ecológica alicerçada em valores ecocêntricos, na qual “a percepção ecológica
profunda reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos, e o fato de que,
enquanto indivíduos e sociedades, estamos todos encaixados nos processos cíclicos da
natureza” (CAPRA, 1995, p. 16). Na ecologia, a metáfora da rede é uma questão central – “a
teia da vida consiste em redes dentro de redes” (CAPRA, 1995, p. 35), nas quais conexões de
diferentes tipos se alternam, se sobrepõe ou se combinam, sem hierarquias. A passagem de
uma visão de organização hierárquica da sociedade para o padrão de redes é proposta por
Capra (1995) como uma mudança de paradigma, em que a interdependência ecológica funda
uma ciência das relações.
Guatarri (1990) é outro autor que nos adverte para a necessidade de uma articulação
ético-política, que denomina de ecosofia, entre três registros ecológicos: o do meio ambiente,
o das relações sociais e o da subjetividade. Articulação que propicie uma re-invenção do meio
ambiente, não apenas no contexto do que, no senso comum, se compreende por natureza, mas
guiam nossas ações? Por sua vez, compete à estética responder que fins últimos são estes. “O que é que se deve
deliberadamente admirar per se, em si mesmo, independentemente daquilo a que se é conduzido e
independentemente das suas aplicações sobre a conduta humana?” Essa investigação Peirce chamou de Estética.
(CP 5.36 apud SANTAELLA, 1994, p. 125).
2 no sentido de uma re-singularização individual e/ou coletiva dos dispositivos de produção de
subjetividade, afetando os domínios moleculares de sensibilidade, de inteligência e de desejo.
“Precisamos aprender a pensar transversalmente as interações entre ecossistemas,
mecanosferas e Universos de referências sociais e individuais” (GUATARRI, 1990, p. 25),
fazer emergir uma eco-lógica que detecte vetores potenciais de subjetivação e singularização,
modos de agenciamentos processuais provocando desterritorializações suaves e produtivas,
que coloque em causa os modos de produção de subjetividade – conhecimento, cultura,
sensibilidade e sociabilidade – e provoque a instauração de novos sistemas de valorização. “O
princípio particular à ecologia ambiental é o de que tudo é possível tanto as piores catástrofes
quanto as evoluções flexíveis” (GUATARRI, 1990, p. 52).
Nessa linha de pensamento, Moraes (1997; 2008) propõe a adoção de um paradigma
educacional ecossistêmico. Paradigma que reconhece a complexidade existente no universo,
cujas qualidades emergem a partir de uma rede de relações e conexões definidoras das
propriedades do sistema, perspectiva que a autora extrai, principalmente, do pensamento de
Morin (1995; 1996). Da física quântica, acrescenta a inseparabilidade dos fluxos entre matéria
e energia, o dinamismo constante das mudanças e transformações, onde tudo está em
processo, em fluxo, incluindo o pensamento:
Assim, pensar sistemicamente é pensar de maneira complexa, de maneira
global, de maneira ecológica. É compreender os contextos como sendo
contextos ecologizados e as ações como sendo ações ecologizadas,
lembrando que toda a ação individual é também influenciada pelos
pensamentos, pelos sentimentos e ações dos outros. Uma ação que não
envolve apenas a intenção de quem atua, já que o resultado pode ser
diferente do esperado ou da intenção inicial. Toda ação envolve interação e,
para Morin, ela estaria também sujeita ao princípio de incerteza e do acaso.
(MORAES, 2008, p. 83).
Pensar e agir a partir de contextos e ações ecologizadas é voltar a intenção e atenção
para a configuração de espaços de convivência mais harmoniosos, alegres, amorosos, criando
um ambiente agradável e emocionalmente sadio para o desenvolvimento do aprendiz.
3 A era das relações requer, por sua vez, uma nova ecologia cognitiva,
traduzida na criação de novos ambientes de aprendizagem que privilegiem a
circulação de informações, a construção de conhecimento pelo aprendiz, o
desenvolvimento e compreensão e, se possível, o alcance e a sabedoria
objetivada pela evolução da consciência individual e coletiva. Uma nova
ecologia cognitiva significa uma nova relação com a cognição, com o
conhecimento e com os outros, uma nova dinâmica nos processos de
construção do saber, que esclareça a existência de relações, diálogos e
interações entre diferentes organismos, que indique que tudo o que existe
coexiste e que nada existe fora das conexões e relações. (MORAES, 2008, p.
27)
“Novas figuras da razão” (MARTÍN-BARBERO, 2006; OROZCO GÓMEZ, 2006;
SANTAELLA, 2010) estão emergindo fruto de uma tecnicidade ou mediação tecnológica que
vem gerando mutações comunicacionais e culturais observáveis no fluxo evolutivo do reino
dos signos e nos novos modos de percepção e de linguagem, novas sensibilidades e escritas.
Mutação que se manifesta na circulação do saber fora da escola e dos livros (descentramento),
na dissolução das fronteiras que separam o conhecimento acadêmico do saber comum
(disseminação) e na semiodiversidade cada vez maior, expressa na lógica característica da
hipermídia (SANTAELLA, 2010), propondo uma redefinição do sujeito da educação
(MARTÍN-BARBERO, 2003).
Pensar em termos de mutação, enquanto fluxo contínuo de mudança, conduz-nos a um
princípio evolutivo universal. Os ideogramas do I Ching4 (Livro de Mutações) são compostos
por linhas inteiras e interrompidas, superpostas em conjuntos de três e seis linhas, chamadas
“Kua” (signo). Associa-se aos Kuas o ideograma I que, segundo alguns autores, teria sua
origem na imagem do camaleão, significando movimento (devido à agilidade dos lagartos) e
mutação (em virtude do mimetismo), fluir contínuo da mudança. “Não há o que mude, não há
quem mude, só ha o mudar” (WILLEIN, 1999, XII). Segundo o Livro de Mutações, se algo ou
alguém muda, significa supor esse algo ou alguém fora da mutação, sofrendo-lhe a ação.
4
Plaza (2008, p. 187-204) apresenta no livro Tradução Intersemióitca uma síntese de estudos e traduções sobre
o I Ching, que possibilita uma introdução ao pensamento oriental, entre elas considera o I Ching como “um largo
poema circular de 64 textos, flutuando entre a sutil alusão e a referência direta, cujo tema é a transformação de
todas as coisas que formam o universo ou uma descrição da mudança apresentada como verdadeira imagem da
realidade. Esta última consideração levou John Blofeld a titular sua tradução para o inglês como The Book of
Change e a assinalar que o aspecto mais interessante da obra é a forma como as coisas se sucedem e vão se
transformando em outras, seguindo os princípios ordenadores da realidade.”
4 Atribuindo à mutação uma universalidade, não se pode propriamente falar de algo que mude
ou alguém que muda, é preciso compreender os modos e estágios da mutação.
Antes de tudo, é preciso reconhecer que a convergência da globalização e da
revolução tecnológica configura novo ecossistema de linguagens e escritas.
A cada avanço que se opera no mundo da linguagem, passamos a habitar em
novas ecologias comunicacionais e culturais que apresentam uma
semiodiversidade cada vez maior. As estruturas digitas híbridas de textos,
imagens, áudios, vídeos e programação têm possibilitado a criação de uma
lógica nunca antes explorada, uma lógica característica da hipermídia que é
própria das redes nas quais os meios de produção, de armazenamento, de
distribuição e de recepção se fundem em um todo complexo. Neste, borramse as tradicionais bordas comunicativas entre produção, de um lado e
recepção, de outro. Não são poucas as consequências culturais e cognitivas
que isso traz para os modos de se produzir informação, conhecimento,
ciência, arte e entretenimento, trazendo para o foro dos debates questões
candentes que precisam ser exploradas, livres de preconceitos e
saudosismos. (SANTAELLA, 2010, p. 63)
CARTOGRAFIAS DA APRENDIZAGEM EM REDE
“A reflexividade para ter algum peso tem que ser coletiva”
(SANTOS, 1996, p.22)
No fluxo das transformações e mudanças impulsionadas pelo crescimento e profusão
das tecnologias e linguagens digitais, fomos levados em direção aos ambientes onde as
comunicações e as artes se cruzam na contemporaneidade, articulando um complexo
ecossistema comunicacional, cultural e cognitivo. Ambientes onde transitam as linguagens
interativas da era digital e que sinalizam rotas para adaptação humana às novas paisagens...
Considerando que linguagem e pensamento5 andam de mãos dadas, tais rotas são como um
“decalque que capta pontos de estruturação, entendidos como estabilizações temporárias do
funcionamento e criação dos rizomas” (KASTRUP, 2010, p. 82). A figura do rizoma de
5
A linguagem compreendida como sinônimo de pensamento é um conceito extraído da filosofia de Peirce. A
semiose ou ação dos signos compreende o próprio movimento do pensamento em processo. A exteriorização do
pensamento é mediada pela produção de linguagem e processo comunicacionais e culturais que originam,
transcriação de formas, tradução intersemióticas, na profusão e diversidade de signos que originam.
5 Deleuze e Guatarri (2000) vem sendo adotada como a metáfora que captura as características
e propriedades dessas novas paisagens, cuja topologia descreve a lógica das redes. Lógica que
também podemos compreender como semiose ou pensamento, cuja mediação tecnológica
remete a “novos modos de percepção e de linguagens, novas sensibilidades e escritas, que
vem modificando o estatuto cognitivo e institucional das condições do saber e das figuras da
razão” (MARTÍN-BARBERO, 2006, p. 54). Motivos pelos quais traçar os contornos e
desenhos dos rizomas em sua multiplicidade de formas e caminhos é realizar uma cartografia
das associações, das relações e conexões, das traduções e mediações operadas pelos processos
sígnicos que ocorrem nos entremeios da vida que pulsa no acoplamento entre humanos e nãohumanos. Andanças por trilhas que permitiram tornar visível o que aqui denominamos de
cartografias da aprendizagem em rede.
Novos ambientes de produção de conhecimento e aprendizagem que se multiplicam a
cada dia, entre os quais encontramos os medialabs − laboratórios de experimentação em novas
mídias − sejam no formato de instituições culturais (Medialab Prado, LabMIS-SP) e
científicas (MIT) ou uma mistura das duas, bem como na forma de coletivos artísticos
(LaboCa, Metareciclagem, Garoa Hackerlab), pontos de cultura etc. Laboratórios concebidos
menos como espaços físicos e mais como uma atitude coletiva, fundada na disposição de
exercitar novos modos de relacionar pessoas, informação, sociedade e o planeta. Labs que se
vaporizam na dinâmica dos dispositivos móveis e das conexões sem fio, na diversidade de
formatos, finalidades e concepções (FONSECA, 2012).
Iniciativas de compreender a dinâmica emergente desses laboratórios. seu papel e
função na sociedade contemporânea têm articulado reflexões que buscam identificar pontos
comuns, diferenças fundamentais e possibilidades de intercâmbio. No Brasil, resultou na
criação da plataforma Rede//Labs6, uma plataforma de pesquisa e desenvolvimento com o
objetivo de buscar pontos de contato entre o referencial internacional de medialabs e as
características únicas do que vem se desenvolvendo como uma cultura digital brasileira. No
âmbito da América Latina, resultou na criação do LabSurLab, organização autônoma que
6
Conferir: http://redelabs.org
6 reúne laboratórios oficiais, marginais, institucionais e independentes da América Latina com o
objetivo de analisar os possíveis vetores e estratégias culturais da sociedade em rede7.
Figura 1: Mapa interativo on-line aberto para coleta colaborativa de dados sobre a estrutura,
tipo de atividades e interconexão entre os diversos laboratórios de mídia no mundo8.
Fonte: http://fictionlab.hu/mappa/
A Figura 1 é uma imagem capturada do Mappa, projeto colaborativo que objetiva
mapear os diversos laboratórios de mídias e reunir informações sobre arte, ciência e
tecnologia e sobre a cultura global DIY (do it your self - faça você mesmo). É possível
realizar um registro e acrescentar informações de localização, estrutura, finalidades, natureza
institucional, etc. Uma espécie de google maps com a localização é gerado, além do diagrama
de conexões entre os diversos labs. Mapas semelhantes estão em construção como o
archivovivo.org9, uma parceria entre o Centro Cultural da Espanha de SP, Hacklab e o projeto
Mapas de Vista.
7
Conferir: http://labsurlab.org. O primeiro encontro foi em abril de 2011 em Medellín, Colômbia, o segundo está
previsto para junho de 2012, em Quito, Equador.
8
Conferir: http://mappa.fictionlab.hu/
9
O Centro Cultural da Espanha em São Paulo, em parceria com o Hacklab e o projeto Mapas de Vista,
desenvolveram um tema de worpress dedicado a realizar cartografias. O tema pode funcionar como um portal de
7 Na busca de formação no uso das tecnologias digitais e suas linguagens, objetivando
incorporá-las na produção de conhecimento escolar, o deslocamento de um ambiente formal
de aprendizagem para os ambientes dos media labs foi uma consequência inerente à condição
própria implícita desses espaços/ambientes. No entanto, o resultado dessa interação foi muito
além do que simplesmente adquirir competências meramente técnicas, propiciou vivenciar a
experiência estética própria da cultura digital, afinal:
Como se pode ver, na era digital, tanto quanto em outras eras, os artistas
lançam-se a frente do seu tempo. Quando surgem novos suportes e recursos
técnicos, são eles que tomam a dianteira da exploração das possibilidades
que se abrem para a criação. Desbravam esses territórios tendo em vista a
regeneração da sensibilidade humana para a habitação e trânsito dos nossos
sentidos e da nossa inteligência em novos ambientes que, longe de serem
meramente técnicos, são também vitais. (SANTAELLA, 2007, p. 67)
Explorando a habitação e trânsito nesses novos ambientes, este estudo se propõe a
realizar: o estudo de caso do Visualizar’11, um dos programas desenvolvidos pelo Medialab
Prado no formato de projeto de pesquisa aberto, participativo e colaborativo que aborda as
teorias, ferramentas e estratégias de visualização de dados. Estudo narrado como cartografia,
segundo o método de Deleuze e Guatarri (2000) e o método da Teoria Ator-Rede (TAR).
Acrescentamos um relato do resultado da participação no Visualizar’11 e sua reverberação
futura no ambiente escolar, na materialização do projeto Aprender Brincando10 e sua conexão
com as oficinas nômades realizadas pelo Laboratório de Computação e Artes (LaboCa), em
2010, - coletivo formado por quatro artistas de software, os brasileiros Jarbas Jácome,
Jeraman, Ricardo Brazileiro e Felipe Calegário e projeto de imersão e experimento em arte
digital com o objetivo de ensinar e pesquisar sobre o uso da computação para fins artísticos.
A cartografia, compreendida tal como Deleuze e Guattari (2000)11 chamaram essa
prática, problematiza um território subjetivo, investiga-o processualmente, sem representá-lo,
mapas e receber de maneira fácil customização de cores, pins, categorias e filtros. Para os desenvolvedores de
software é um tema aberto a mudanças e interferências variadas.
10
Projeto vencedor do III Prêmio Instituto Claro: Novas formas de Aprender e Empreender. O projeto é fruto
dos desdobramentos desta pesquisa, cujos resultados não serão incluídos por ter sua implantação prevista, após
sua finalização.
11
Conferir, especialmente, Deleuze e Guattari (2000), Rizoma, e Rolnik (1989).
8 sem interpretá-lo. Esse método de pesquisa não pretende apreender ou imobilizar ditos
movimentos, mas pensar seus efeitos enquanto eles acontecem, como também seus rastros
pelo terreno12. Criam-se formas de expressão para impactos sofridos por um território
subjetivo, para produzir com eles algum sentido, para produzir conhecimento com e a partir
da experiência (FARINA, 2007). Como diz o artista Olafur Eliasson (2011) a respeito de suas
investigações artísticas: o que é a experiência e o que é o efeito da experiência?
Por sua vez, eleger a Teoria Ator-Rede (TAR) como método e teoria é assumir o ponto
de vista da sociologia das associações e um socius que se estrutura como rede, enfatizando o
papel que as relações e conexões entre actantes humanos e não humanos assumem para
provocar alguma diferença ou tradução. O objetivo principal é confrontar com formas de
conhecimento ainda instáveis, nas quais não existe um guia claro e, assim, narrar suas
relações e construções enquanto elas estão se atualizando.
Ao elegermos este estudo de caso, intencionamos narrar o modo como a cultura digital
articula a autonomia e memória dos ecossistemas comunicacional, cognitivo e digital,
propiciando o surgimento e permanência de novos ambientes de aprendizagem. Ambientes
baseados em dinâmicas colaborativas e comunicacionais, configurados como aprendizagem
em rede.
A hipótese levantada é a de que nessas experiências - que representam um recorte
específico e um microssistema dos laboratórios experimentais de mídias e cultura digital, que
tem se multiplicado pelo mundo e que, no Brasil, tem sua expressão nos diversos pontos de
cultura digital e hacklabs que se difundiram pelo país -, encontraremos traços expressivos e
metodológicos que, explicitando a característica rizomática da linguagem interativa digital
(linguagem hipermídia), revelam um novo padrão perceptivo-cognitivo. Exprimir é envolver e
explicar. A expressão envolve, implica o que ela exprime, ao mesmo tempo ela explica e
desenvolve (CARVALHO, 2007).
Envolver implica dobrar a ordem interna, dobrar para dentro e explicar, em
desenvolver, dobrar para fora. Nesse movimento nos deparamos com a relação entre
linguagem e comunicação, pensamento e expressão. Pensamento é semiose, e semiose, a ação
do signo. Ação de gerar um interpretante que também é um signo que, por sua vez, ao ser
12
Sobre esse método, conferir Kastrup (2007).
9 realizado como signo, gera outro interpretante, e assim por diante. A teoria semiótica de
Charles Sanders Peirce nos possibilita compreender esse movimento ao localizar o
pensamento nos meios de sua expressão (RANSDELL, 2007). Por esta razão é que a
linguagem hipermídia é a porta de entrada dessa cartografia, no que esta, a partir de suas
mediações e modos de apropriação, revela dos padrões de organização e interdependência dos
ecossistemas cognitivo, comunicativo e digital, de uma mente coletiva, e sua relação com a
construção de dinâmicas cognitivas externalizadas, distribuídas e colaborativas realizadas em
rede. Uma ilimitada rede semiótica, tomando as concepções da teoria da ação dos signos de
Peirce:
As cognições são, consequentemente, nós na rede semiótica ilimitada que
tem suas fundações no princípio de que 'todo pensamento é um signo' que
deve se dirigir a um outro, deve determinar algum outro, visto que essa é a
essência de um signo. (CP 5.253)
Tratando-se de abordar uma rede semiótica, a perspectiva ecossistêmica é adotada
como égide estética-ética-lógica elegendo os seguintes pressupostos:
1. As mutações que estamos presenciando implicam uma consciência da mudança, cuja
manifestação pode ser percebida no “fosso entre as gerações” ou sensibilidades
juvenis, mas que abrange toda a sociedade (MEAD, 1970; MARTÍN-BARBERO,
2000).
2. As mudanças estão relacionadas com uma remodelização do corpo e uma
reconfiguração da mente humana e da consciência (SANTAELLA, 2009).
3. Que a mente não é somente um atributo humano e que está presente em tudo que
cresce com o tempo, evoluí, aprende (PEIRCE, CP).
4. A mente humana tem evoluído, configurando-se com uma mente coletiva conectada.
5. A necessidade de priorizarmos princípios estéticos e éticos que levem em conta a
ecologia como um referente, uma ecosofia (GUATTARI, 1990), princípios que
articulem três dimensões do ecossistema: o ambiental, o social e o subjetivo.
10 6. O princípio de autonomia como possibilidade de criação de novos sentidos. No caso
da autonomia do sistema, a capacidade de elaborar adequadamente seu meio
ambiente, criar estoques de informação e função memória e, assim, permanecer
(VIEIRA, 2008).
7. O papel da educação no sentido de propiciar o desenvolvimento da autonomia
individual, coletiva e sistêmica.
8. A compreensão da educação enquanto processo dialógico, um estar aí em relação.
Relação que envolve cooperação/participação/comunicação.
CONTEXTUALIZANDO: CAMINHOS E DES-CAMINHOS DE UMA AVENTURA
NÔMADE
Foi no SESC da Avenida Paulista que um encontro inesperado e provido pelo acaso13
iniciaria um processo, que designo de uma aventura nômade, encontro que se desdobraria no
ingresso do doutorado em Comunicação e Semiótica na PUC/SP, sob orientação de Lucia
Santaella, em agosto de 2008. Dele derivaram caminhos por estradas e trilhas bem pouco
conhecidas por esta caminhante, seguindo os rastros deixados pelas teorias de comunicação
com foco na análise das mídias, pela semiótica perciana, pelos estudos culturas dos softwares,
pela antropologia, pela filosofia de Deleuze e Guattari (2000) e tantos outros.
No início dessa trajetória, este estudo foi se delineando a partir das teorias da
comunicação, em especial as que abordam os aspectos da cibercultura e tecnologias digitais e
as transformações nas sensibilidades juvenis. Assim, foi dado o primeiro impulso para realizar
uma pesquisa sobre as mudanças de percepção e cognição dos jovens que vem provocando o
que Martín-Barbero (2008) assinala como “des-ordem cultural” e que tem se mostrado como
uma constante exponencial, desde que ingressei no universo da educação básica no início dos
13 Conheci Marcelo Santos de Moraes, aluno da Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica, da PUC/SP, ao
participar de uma oficina no SESC, cuja inscrição fora resultado de um erro. Este viria a se tornar um amigo e
interlocutor presente e fundamental para o desenvolvimento desta pesquisa. O mais interessante é que ambos
participavam de um curso prático de vídeo-arte, cuja dinâmica nos provocava a experimentar o revezamento de
papéis de atores, produtores e editores. Esta foi a primeira de várias oficinas que participei durante quatro anos
de pesquisa com foco nas mídias digitais e suas linguagens e que teriam marcante influência na definição do
corpus desse estudo.
11 anos 9014. Diálogo proposto entre comunicação e educação, uma leitura de processos que
estariam ocorrendo no campo cognitivo e da aprendizagem dos “nativos digitais” a partir do
viés comunicacional e do impacto das “novas tecnologias”15 no cotidiano juvenil.
Propunha realizar um trabalho de campo com um grupo de alunos do ensino médio
com o objetivo de, por meio da elaboração de hipermídia, realizar o que denominei de
cartografia semiótica dos nativos digitais. A partir de relações diagramáticas, tomando o
conceito de hipoícone diagramático de Charles Sanders Peirce, a teoria das matrizes da
linguagem e pensamento de Santaella (2005) e o conceito de tradução intersemiótica
desenvolvido por Plaza (2008), pretendia inferir como a linguagem hipermidiática constitui-se
como uma cartografia da “lógica” dos jovens estudados e em que medida revela alguns
aspectos da mudança de percepção e da estrutura cognitiva operada pela imersão desses
jovens nos ambientes digitais.
No segundo semestre de 2010, realizei um pré-teste no Colégio Estadual Souza
Aguiar/RJ (CESA), convidando alunos do segundo ano do ensino médio para participar do
Laboratório de Hipermídia (Labhiper)16. O Labhiper objetivava ser um espaço de
experimentação do uso da linguagem visual, sonora e verbal e suas misturas no
desenvolvimento de novas formas de escritura por alunos do ensino médio. A metodologia
consistia em realizar oficinas de edição de som, fotografia e vídeo e programação para,
posteriormente, desenvolver um projeto em hipermídia. O confronto com a realidade da
estrutura e funcionamento da escola pública estadual no Rio Janeiro17 e da cultura da
14 Iniciei minhas atividades na educação em 1992, no ensino secundário de Física e Química. Dos laboratórios
de análise e controle, onde trabalhava como técnica em Química, realizei uma transição gradual para as salas de
aula. Do primeiro, trouxe a perspectiva da ciência e da técnica enquanto modo de produção de um mundo socialhistórico marcados pela lógica capitalista e pela eficácia do saber científico. Na educação, me deparei com uma
atividade sem fim em si mesma, por tratar de um outro que se desdobra em busca de singularização. Utopia que
retroalimenta a atividade educativa. Ainda que possamos assumir a institucionalização do saber como um modo
de regulação, um artefato de governamentalidade na perspectiva foucaultiana, “Nós precisamos da utopia, não
para sonhar realizá-la, mas para tê-la conosco e nos dar assim os meios de reinventar o cotidiano.” (AUGÉ,
2010, p. 108).
15 O termo “novas tecnologias” vem sendo empregado de forma generalizada para designar as tecnologias
digitais ou as tecnologias de informação e comunicação (TICs). Não há nada de novo embaixo do céu, as
tecnologias digitais já não são tão “novas”, mas seu caráter mutante e de atualização e inovação constante, seu
estado “beta” parece estar se tornando uma condição universal. A versão beta de um software é a versão
experimental e que é submetida aos usuários para identificação de erros e sugestões de melhorias, essa prática
vem da cultura de desenvolvimento dos softwares livres e tornou-se padrão para maioria dos lançamentos de
softwares.
16
Registros do processo encontram-se em http://labhipermidia.wordpress.com.
17
Minha atividade docente (19 anos) foi desenvolvida, predominantemente, no Colégio de Aplicação da UFRJ,
12 educação formal, da “escolarização”, no contraste com as práticas de produção de
conhecimento da cultura digital, colocaram em questão a viabilidade de desenvolver um
projeto sem que, ao final, reduzisse a pesquisa a um diagnóstico das condições operacionais
da transposição da cultura digital para a cultura escolar. Alves (2008), educadora que realiza
pesquisas com a utilização de games nas práticas pedagógicas escolares, acerca da condição
de se realizar um estudo dessa natureza nas escolas, comenta:
Este cenário tecnológico aquém das necessidades dos sujeitos que nasceram
imersos em uma cultura digital que exigem cada vez mais interatividade e
participação em suas atividades mediadas pelas tecnologias digitais e
telemáticas, pode não despertar o prazer de interagir com tais artefatos,
comprometendo muitas vezes os resultados das pesquisas que intencionam
investigar os processos cognitivos nesses lócus de aprendizagem. (ALVES,
2008, p. 2)
Deparei-me com uma segunda limitação quanto ao tempo necessário para
implantação, desenvolvimento e reformulação do Labhiper18. Este mostrou se exíguo para
superar as dificuldades subjetivas relativas aos modelos de ensino-aprendizagem
interiorizados ao longo de uma vivência e prática escolar centrada na cultura do livro, tanto
como aluna quanto como professora, e, operacionais, no que diz respeito aos entraves
relativos às normas e procedimentos institucionais. Daniel Puig, professor de música do
CAp/UFRJ, relata, no blog do eletriCAp19- projeto de aprendizagem e produção em rede de
cuja natureza universitária o diferencia da estrutura e funcionamento das demais escolas públicas por ser um
espaço de pesquisa aplicada em educação e de formação de professores. O CAp/UFRJ é uma referência nacional
em termos de qualidade em educação. Tratando-se do sistema de educação pública do Estado do Rio de Janeiro,
o IDERJ (Índice de desenvolvimento da Educação Básica do Rio de Janeiro), em uma escala de 0 a 10, obteve o
valor médio de 1,7 para as escolas públicas estaduais, no primeiro semestre de 2011.
18
O primeiro contato coma direção foi realizado no segundo semestre de 2009. No ano de 2010, foi realizado o
planejamento das atividades, no primeiro semestre, e a aplicação do pré-teste, no segundo semestre do mesmo
ano. Em 2011, foi proposto um outro formato resultante das análises parciais do pré-teste. Apesar da inscrição de
40 alunos, somente dois efetivamente iniciaram as atividades, interrompida com a greve das escolas estaduais,
que perdurou até o segundo semestre de 2011. Diante das dificuldades resolvi interromper as atividades e após o
retorno do Visualizar’11, elaborei uma segunda reformulação do Labhiper. Transformado na versão que recebeu
a nomenclatura Aprender Brincando: programando com Processing e Arduíno, o projeto recebeu apoio
financeiro do Instituto Claro para execução no ano de 2012.
19
O projeto teve início em 2007, contudo somente no terceiro ano ganhou forma e estrutura começando a dar
seus frutos e, ao longo do ano de 2010, se estruturou em termos expressivos e metodológicos. O projeto é
desenvolvido no Colégio de Aplicação da UFRJ, Setor Curricular de Música. Ganhou o XII Prêmio Arte na
Escola Cidadã (2011), que privilegia ações que valorizem o “Protagonismo juvenil” entendido por Costa (1996,
p. 90) como a “participação do adolescente em atividades que extrapolam os âmbitos de seus interesses
13 música utilizando recursos digitais -, os entraves institucionais que encontrou ao longo de
quatro anos de desenvolvimento do projeto:
Um dos contras mostrou-se persistente ao longo de todo o projeto: o
despreparo natural de uma instituição de ensino para receber um projeto
dessa natureza. Mesmo com toda preparação possível, houve sempre que
lutar com a falta de material, a necessidade de esclarecimento acerca do tipo
de utilização da tecnologia que estávamos fazendo, as demonstrações da
validade da metodologia empregada para o ensino de música, a dependência
crítica de uma boa administração do laboratório de informática, etc. Todas
essas questões fazem parte do dia a dia de uma escola e amplificam-se
quando se trata de inovar no ensino, esbarrando nas resistências naturais.20
Paralelamente às atividades da pesquisa, desde o início de 2009, vinha procurando
realizar cursos que me capacitassem para desenvolver uma hipermídia. Assim, entrei no
universo da programação e do uso de softwares que, trabalhando com a programação por
objetos, permitiam-me integrar linguagem sonora, visual e verbal. Foi nesses (des)caminhos
que encontrei o LaboCA. Seguindo essa trilha, organizei a exposição de fotografia Gelatina
(abril/junho) - uma experiência de produção colaborativa e em rede - e, logo em seguida,
embarquei para participar, ainda em junho de 2011, do Visualizar' 1121, no Medialab Prado
(Madrid/ES). Aventura que o nomadismo próprio das tecnologias móveis (laptops, celulares,
pads) proporcionou reunindo pessoas de várias nacionalidades e idades no desenvolvimento
colaborativo presencial em rede22 de um projeto de visualização de dados.
No decorrer de cada uma dessas experiências, dessas aventuras nômades, minha
atenção foi fisgada pelo modo de organização dos diversos grupos unidos em torno de uma
motivação comum: a arte e a experimentação e sua mistura com a tecnologia e ciência. As
individuais e familiares e que podem ter como espaço a escola, os diversos âmbitos da vida comunitária”. O
histórico,
metodologia,
processo,
produções
podem
ser
acessados
em
http://www.danielpuig.me/eletriCAp/home.html
20
Conferir :http://www.danielpuig.me/eletriCAp/eletriCAp_historico.html
21
O projeto Visualizar, dirigido por José Luis de Vicente, é concebido como um projeto de pesquisa aberto e
colaborativo que enfoca a teoria, ferramentas e estratégias da visualização de informação.
22
A condição de estar em rede não elimina o caráter presencial, estamos sempre geo localizados e,
simultaneamente, deslocalizados no universo que integra os espaços físicos e virtuais. Destaco com essa
observação, os ambientes em rede que se configuram pela reunião de um grupo e/ou grupos de indivíduos para a
realização de uma dada atividade, que ocorre presencialmente mediado pela comunicação multimídia em rede e
multimoldal.
14 dinâmicas que se originaram mantinham uma estreita relação com a tecnologia disponível em
termos de hardware e software, estrutura de rede e banda, bem como a proposta de
experimentação de uso da linguagem digital para desenvolvimento da expressividade de cada
integrante e do coletivo. Cada um com seu laptop, conectados em rede via redes sociais, chats
de e-mails, lista de grupos, softwares diversos de registro compartilhado e armazenamento e
troca de arquivos. No mesmo espaço físico, diversos grupos trabalhavam em projetos
distintos, comentando, discutindo, conversando, levantando, criando um movimento, um
fluxo na busca da ajuda de seus pares para solução dos problemas. O trabalho em grupo é
concomitante ao individual, a conexão permite um diálogo silencioso via rede, ao mesmo
tempo, o ambiente é habitado pelas vozes e outros sons, uma auto-organização surge para
autolimitar o nível de ruído de forma que não atinja níveis intoleráveis. Tudo isso
acompanhado da possibilidade de utilizar fones de ouvido e neutralizar as interferências
ouvindo música enquanto trabalham. Ambientes que, em sua arquitetura, física e/ou virtual,
caracterizam-se por uma mobilidade de arranjos apropriados para cada momento, permeados
pela construção de laços afetivos e interesses comuns que motivam o trabalho e geram
desdobramentos e contatos que se perpetuam ao final dos projetos.
O incremento da conectividade em função da difusão dos meios de comunicação e
processamento, mesclados com apresentações, aulas expositivas, debates - antigos formatos
revitalizados na incorporação criativa das novas mídias -, mostraram-se como fatores
mobilizantes e dinamizadores da colaboração na resolução dos problemas, do retorno da
curiosidade e da busca pela presença, de uma corporificação. Tratando-se de experimentações
mediadas pelas tecnologias digitais e em rede, a presença nem sempre constitui o primeiro
contato, mas se configura como um elemento importante e diferenciador. O tempo parece ser
insuficiente, é preciso dizer que está na hora de fechar o espaço, as pessoas permanecem
produzindo e retornam no dia seguinte com a mesma disposição. Condição semelhante
encontrei em um relato do projeto eletriCAp:
Depois de dois tempos de aula (1h40min):
- Gente, a aula acabou e bateu o recreio... pessoal... vocês não vão?... tudo
bem, se quiserem continuar, só estou avisando que o recreio já começou...
vou tomar um café e já volto, ok?
15 Voltei e eles ainda estavam lá! Coisa rara isso, mas é bom saber que a gente
consegue subverter a estrutura da própria escola com trabalhos criativos.
(20/05/2010)23
O que esse projeto tem em comum com as experiências citadas? Utiliza as tecnologias
digitais de forma criativa e experimental na produção de conhecimento e linguagem (musical)
desenvolvendo estratégias que incluem: o planejamento participativo, aulas abertas, o trabalho
por projetos, pesquisa, apresentações orais e aulas expositivas, o uso de softwares livres, o uso
de comunidades virtuais, cloud computing, o registro on-line do processo, etc.
A pedagogia por projetos, o planejamento participativo, a pesquisa, o trabalho em
grupo e outras estratégias pedagógicas nada tem de novo, o que muda de fato é a inclusão das
tecnologias digitais nesse processo, um modo criativo e experimental de utilizá-las, um modo
doce. Esse termo é utilizado por Milton Santos (2001) para designar o modo como essas
tecnologias divisíveis, flexíveis e dóceis, são adaptáveis a todo tipo de meio e cultura e para
assinalar a possibilidade de uso democrático das tecnologias de informação, um uso contrário
ao modo perverso de sua apropriação pelo capital. A consequência é uma transformação das
dinâmicas perceptivas e cognitivas que conduzem a valorização e efetivação de termos como
partilha, colaboração, cooperação, participação, coletivos, motivação, afetos etc.
Ampliando o significado do papel da mediação tecnológica para além do simples uso e
inclusão de tecnologia, propomos neste estudo compreendê-la segundo o significado
conferido por Manovich (2001) ao termo “novas mídias”: como novos objetos culturais e
paradigmas capacitados pela computação e tecnologias de comunicação em rede e que
apontam para a profunda revolução cultural que estamos presenciando nos modos de produzir,
distribuir e comunicar e suas implicações em todos os campos do agir e viver em sociedade e
de habitar o mundo. Lembrando que, no atual estágio que vivemos, já teríamos passado da
fase das “novas mídias” para “mais mídias”, o que significa incluir o impacto de uma
explosão exponencial de dados que estão sendo gerados, capturados, analisados, visualizados
e estocados, criando uma nova situação cultural e modificando as formas usuais de investigar
e estudar a cultura (MANOVICH, 2008, p. 1).
23
O relato encontra-se no antigo blog do projeto eletriCAp: http://eletricap.blogspot.com/.
16 Não é por acaso que a recuperação, organização, visualização - uma estética de banco
de dados -, norteiam essas experiências. Oliveira (2009) associa a disseminação generalizada
de agentes cognitivos à entrada em cena da Ziliônica, a ciência dos zilhões. A proliferação de
fontes de informação, gerando dados em quantidades assombrosas, requer meios de
processamento autônomos, isto é, não humanos. Algoritmos automatizados, que se
comportam como ciber-robôs autônomos, saem em busca de correlações de todos os tipos,
emergindo um modo original de inteligibilidade, manifesto pela descoberta de padrões
inesperados, e porventura significativos, que, no entanto, se realiza independente de nossa
inteligência, compreendendo um ramo da Computação Intensiva, chamado de Analítica
Correlacional
(OLIVEIRA,
2009).
Manovich
(2009)
defende
a
necessidade
de
desenvolvimento de métodos analíticos que permitam perceber esses padrões em termos
culturais, a partir do uso de softwares que utilizem a visualização de um massivo banco de
dados e suas correlações. Oliveira (2009) esclarece como essa forma cibernética de produção
de conhecimento escapa aos cânones clássicos do método científico:
De fato, o procedimento consagrado na implementação do método científico
envolve a formulação de uma hipótese ou modelo, elaborado a partir de
dados obtidos em observação prévia; as consequências dessa hipótese,
convertida em previsões, são submetidas ao crivo de uma nova observação,
sendo assim validadas – ou não. Já nas novas abordagens da Ziliônica,
hipótese não são indispensáveis: dados são produzidos, quanto mais, melhor;
algoritmos autônomos buscam estabelecer correlações significativas, e tudo
o que o investigador precisa fazer é interpretar e avaliar os resultados das
associações encontradas – que ele mesmo seria incapaz de colecionar. Tais
sínteses de padrões emergentes, extraídas de um território em que a
inteligência humana, isoladamente, não é capaz de operar, configurariam
uma forma peculiar (para alguns, francamente bizarra) de produção de
conhecimento, um tipo de “ciência sem teoria”- ou, pelo menos, envolvendo
hipóteses implícitas somente, modelos indiretos que se manifestam apenas
pela efetividade dos resultados (OLIVEIRA, 2009, p. 314).
Todo esse conjunto de eventos e processos originam outros ambientes de produção de
conhecimento e aprendizagem, refletindo aspectos das mudanças perceptivas e cognitivas que
desejava investigar. Nesse instante dei-me conta de que esta era apenas a ponta do iceberg, o
que está por trás envolve todo um amplo leque de significações vinculado a uma ecologia
cognitiva, comunicacional e digital e a uma emergente dinâmica cognitiva organizada em
17 rede. Se considerarmos que a mutação de nossos tempos inclui a passagem de uma sociedade
de sistemas de aprendizagem para uma sociedade de aprendizagem (MARTÍN-BARBERO,
2000), o que isso significa? Se podemos afirmar, segundo uma perspectiva sócio-semiótica,
que:
[...] a cultura abarca o conjunto de processos sociais de significação e se, ao
nos propormos estudar o cultural, abarcamos o conjunto de processos através
dos quais dois ou mais grupos representam e intuem imaginariamente o
social, concebem e gerem as relações com outros, ou seja, as diferenças,
ordenam sua dispersão e sua incomensurabilidade mediante uma delimitação
que flutua entre a ordem que torna possível o funcionamento da sociedade,
as zonas de disputa (local e global) e os atores que a abrem para o possível
(CLANCLINI, 2010, p. 49).
Então, neste estudo de caso, podemos extrair uma ligação entre as mudanças
perceptivo-cognitivas e a relação cultura/comunicação/educação?
Apesar da disseminação do conceito de inteligência coletiva (LÉVY, 1993), das
análises de Castells (1996) de uma sociedade da economia em rede e de fluxos
informacionais, da popularização e ascensão das redes sociais como o Facebook e Twitter e
dos diversos estudos que abordam a comunicação mediada por computador e a aprendizagem
colaborativa (McLELLAN, 1997; BONK, REYNOLDS, 1997; DIAS, 2000; SILVA, 2000,
GIORDAN, 2008), incorporando o conceito de interatividade e de rede, fica a impressão de
que precisamos nos debruçar sobre as implicações de se pensar um socius concebido como
rede e as múltiplas significações que envolvem a educação de mentes conectadas, incluindo o
próprio conceito que temos da mente. Quais as consequências da afirmativa de Siemens
(2008, p. 12), quando diz que “os múltiplos significados potenciais do termo rede, precisam
ser reconhecidos e refletidos por educadores para comunicar mais precisamente conceitos de
conectividade e aprendizagem em rede”?
Indo além, acrescenta-se a dimensão conferida nas palavras de Santaella (2009, p. 1),
“Na medida em que compreendemos as novas mídias, não somente no contexto de uma mera
18 mudança dos meios, mas também como uma profunda revolução cultural, a reconfiguração do
corpo e da mente humana e da consciência não pode mais ser negada” 24.
Na filosofia peirciana, feeling (impressão) é aquilo que nos vem imediatamente à
consciência (o que normalmente traduzimos por intuição), é uma forma primeira de
consciência, está na categoria da primeiridade, cujo atributo é a qualidade de sentimento,
mera talidade, irrepetível, intraduzível (SANTAELLA, 1995).
Essa primeira impressão, ainda carregada de indeterminação, traz o gérmen da
consciência da mudança, ainda que não saibamos, bem ou completamente, como nomeá-la.
Lévy (2009), em entrevista para o grupo de pesquisa Atopos25, ao falar sobre o conceito de
inteligência coletiva26- desenvolvido em 1994, quando a internet estava dando seus primeiros
passos - , alerta para o fato de que, apesar dessa noção não ser mais tão intuitiva como há 18
anos, estamos engatinhando no desenvolvimento dessa nova dinâmica cognitiva. Esse estado
de provisoriedade desfez qualquer intenção de buscar, nessas experiências, modelos
cognitivos que possam ser generalizados, mas sim padrões que sinalizem traços dessa nova
dinâmica, tendências às quais precisamos estar atentos para não perdermos o fio da meada. Na
mistura entre arte, ciência e tecnologia, seguimos o espírito livre e antecipatório das
experimentações no campo da arte, a natureza investigatória e metodológica da ciência e a
condição da abertura própria dos sistemas hipermidiáticos, dos quais podemos traçar uma
cartografia que nos oriente em sua estrutura alinear e rizomática, mas que não nos permite
prever de antemão aonde vamos chegar.
24
As far as we understand new media not only in the context of a mere change in the media but also as a
profound cultural revolution, the remodeling of the human body and the reconfiguration of human mind and
consciousness can no longer be denied.
25
http://www.atopos.usp.br/
26
Lévy (1998) aponta para um novo tipo de interação do tipo Todos e Todos, que realiza o que denomina de
inteligência coletiva. A inteligência coletiva é o meio ecológico que associa as mentes humanas e as redes
técnicas de armazenamento, de transformação e de transmissão de representações contemporâneas, originando
novas formas de cooperação e de coordenação em tempo real. O resultado é uma potencialização da
sensibilidade, da percepção, do pensamento, da imaginação.
19 COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO: O CRESCIMENTO DOS SIGNOS
O que fará o sistema educacional para formar pessoas com capacidade de serem
interlocutoras desse entorno de informação em que tudo está mesclado numa profusão de
signos? Um dos desafios epistemológicos27 dos sistemas de educação formais na atualidade é
relativo à construção de ambientes dialógicos e não-lineares, expressos nas estruturas
interativas e por subjetividades interconectadas. Desafio colocado pela expressividade em
ambientes digitais, entre os quais destaca-se o desafio do sistema de construção de
pensamentos em equipe abertos a intervenções (BAIRON, 2004). Desafio contido no
significado de presenciarmos uma transição da passagem de uma sociedade de sistemas de
aprendizagem para uma sociedade de aprendizagem ou de redes de aprendizagem, que vem
ganhando corpo nas novas formas de configuração do saber.
Aprendizagem, na filosofia do semioticista Charles S. Peirce, é um outro termo para
designar terceiridade. Essa é a terceira das três categorias do pensamento e da natureza
propostas por Peirce, sinônimo também de representação, mediação, continuidade,
crescimento, evolução. A terceiridade implica generalização e lei. Nas palavras de Peirce: “O
modo de ser que consiste no fato de fatos futuros da secundidade virem a adquirir caráter
geral, eu chamo de terceiridade” (CP 1.26). Um segundo ou secundidade é uma experiência
diádica da ação e reação, oposição, conflito, choque com a experiência da realidade e, por
fim, um primeiro ou primeiridade, pura qualidade de sentimento, potência, possibilidade,
acaso. As três categorias vão estar presentes na semiose, ou ação do signo, ocorrendo de
forma simultânea e integrada. A noção de signo de Peirce expressa essa relação:
Signo ou Representamen é um Primeiro, que está em genuína relação com
um Segundo, chamado seu Objeto, de forma a ser capaz de determinar que
um Terceiro, chamado seu Interpretante, assuma a mesma relação triádica
(com o Objeto) que ele, signo, mantém em relação ao mesmo objeto. (CP
2.274)
27
Bairon (2004) discute a necessidade de criarmos uma releitura teórica do conhecimento científico. Teríamos
como fruto de uma revisão da metodologia tradicional, que elegeu a matriz verbal da escrita como a grande
representante do pensamento analítico reflexivo, a incumbência de produzirmos nosso pensamento a partir de
uma “leitura” e de uma criação hipermidiática.
20 A semiose é a ação de um signo que, ao ser interpretado, gera um outro signo num
movimento continuo e triádico, estabelecido entre três elementos que, interconectados,
compõem a estrutura triádica do signo: fundamento, objeto e interpretante28. Segundo a tese
fundamental de Peirce de que “todo pensamento se dá em signos”, a semiose é o próprio
processo de pensamento. Plaza (2008) destaca que, por seu caráter de transmutação de signo
em signo, qualquer pensamento necessariamente é uma tradução intersígnica ou
intersemiótica29. Essa tradução ocorre tanto no nível “interno” do pensamento, quanto em sua
externalização mediada pela linguagem, que permite a interação comunicativa.
Considerando a linguagem como pensamento e este sinônimo de semiose, podemos
considerar que a lógica (ou semiose) da expressividade no ambiente digital está contida na
linguagem hipermídia, sistema-padrão que organiza a cultura digital e a linguagem da rede, a
mente coletiva. Surgem novos modos de percepção e cognição resultantes de uma ecologia
cognitiva, comunicacional e digital. Os modos de comunicação e socialização são
prioritariamente mediados por esses ecossistemas, organizando práticas culturais que
permeiam universos físicos e virtuais. Um universo multifacetado que mescla a cultura local e
a cultura digital, a linguagem natural e a linguagem digital, o biológico e o sintético como
partes de seu Umwelt.
O conceito de Umwelt foi desenvolvido na biologia por Jacob Von Uexkull e pode ser
compreendido como “a interface que conecta uma realidade objetiva e um sistema cognitivo,
também real, mas que para permanecer teve que codificar esta realidade…” (VIEIRA, 2007b,
p. 101). Na produção de um sistema representativo, necessário para que ocorra a
sobrevivência dos indivíduos, produzem-se duas interfaces: a de natureza biológica, o
Umwelt, e outra, que resulta da expansão da interface biológica e que permite e elabora signos
psicossociais e culturais, uma evolução do Umwelt biológico, a semiosfera. Nessa direção, a
juventude contemporânea e as novas gerações, constituem os genuínos representantes de uma
28
Segundo Santaella (2005), o fundamento é uma propriedade ou caráter ou aspecto do signo que o habilita a
funcionar como tal; o objeto é algo diferente do signo, algo que está fora do signo, um ausente que se torna
mediatamente presente a um possível intérprete graças à mediação do signo; o interpretante é um signo
adicional, resultado do efeito que o signo produz em uma mente interpretativa, não necessariamente humana,
uma máquina , por exemplo, ou uma célula interpretam sinais.
29
A tradução intersemiótica foi definida por Jakobson (apud PLAZA, 2008, p. 8) como sendo o tipo de tradução
“que consiste na interpretação de sistemas de signos verbais por meio de sistemas de signos não verbais”. Plaza
(2008) vai desenvolver esse conceito estendendo para a tradução de um sistema de signo para outro, seja ele
verbal, sonoro ou visual
21 natureza híbrida entre o orgânico e sintético, cuja mente não pode ser mais compreendida na
dualidade entre interior e exterior, mas em continuidade com os artefatos cognitivos físicos ou
abstratos com os quais e por meio do qual realizam seu pensamento e na perspectiva do
significado de uma aprendizagem em rede.
Essa intrincada teia de relações, que envolve a constituição de uma rede sociotécnica,
acompanha o desenvolvimento do homem e seu aprendizado, redes de aprendizado têm
sempre acompanhado o desenvolvimento do conhecimento humano (SIEMENS, 2008). As
tecnologias contemporâneas tornaram explícito esse processo e o tornaram mais complexo,
principalmente, por se caracterizarem como tecnologias cognitivas e máquinas semióticas.
Permitiram o desenvolvimento de uma cultura de compartilhamento, conectividade,
interatividade e novos modos de comunicação. Incorporar esses princípios na aprendizagem
formal pressupõe termos em mente que a aprendizagem em rede, essencialmente, constitui-se
na e pelas pessoas, mas que não podemos ignorar a dimensão que os objetos técnicos
adquiriram na constituição de nossa cognição e de que aprendemos a partir deles, bem como,
o fato de que pensar em rede é pensar na dimensão de uma inteligência coletiva, onde
humanos e objetos técnicos têm o seu grau e devida participação.
Lévy (1993) propõe um estudo das dimensões técnicas e coletivas da cognição que
denomina ecologia cognitiva a partir da ideia de um coletivo pensante de homens-coisas, em
que a razão não seria um atributo essencial e imutável da alma humana, mas sim um efeito
ecológico, que repousa sobre o uso de tecnologias intelectuais variáveis no espaço e
historicamente datadas (LÉVY, 1993, p. 152). A inteligência coletiva é o meio ambiente do
ecossistema contemporâneo propiciado pela constituição de uma rede sócio-técnica de
equipamentos coletivos de percepção, pensamento e comunicação. Do ponto de vista de uma
ecologia cognitiva, recoloca-se a questão do humano frente à técnica para pensá-la como uma
dimensão constituinte do humano e de seu habitat. Passamos a viver imersos e conectados em
um ambiente técnico que vai se tornando cada vez mais natural e parte de nossa corporeidade,
mobilidade e cognição, configurando um ambiente tecnológico e um ecossistema
comunicativo, hoje socialmente, tão estratégico como o “ecossistema verde” (MARTÍNBARBERO, 2008).
22 Fluxos, conectividade, ubiquidade, onipresença, convergência, mobilidade, entre
outros termos, expressam características de manifestações e materialização de um ecossistema
comunicativo (MARTÍN-BARBERO, 2000; 2008), que tem como um dos principais efeitos, a
difusão e descentralização do saber. Surgem “ambientes de informação e conhecimento
múltiplos, não centrados em relação ao sistema educativo que nos rege e que têm muito claro
seus dois centros: a escola e o livro” (MARTÍN-BARBERO, 2000, p. 4). Um novo modelo
comunicativo descentralizado e plural, que coloca em contato de forma multidirecional graus,
idades e grupos de conhecimento. Santaella (2010) utiliza o termo ecologia pluralista da
comunicação para caracterizar a fertilidade que o processo de digitalização proporcionou ao
possibilitar o crescimento da diversidade semiótica das mídias, resultante da mistura entre elas
e das múltiplas possibilidades de seus usos. Dos termos conectividade, mobilidade e
onipresença, extrai desdobramentos epistemológicos das práticas e dos processos
comunicacionais atuais em espaços ubíquos:
Estes são espaços hiperconectados, espaços de hiperlugares, múltiplos
espaços em um mesmo espaço, que desafiam os sentidos de localização,
permanência e duração. São espaços povoados por mentes multiconectadas
e, por consequência coletivas, compondo inteligências fluidas. Estas
costumam ser definidas pela capacidade de encontrar significado na
confusão e de resolver novos problemas, pela habilidade de inferir e
compreender as relações entre vários conceitos, independentemente dos
conhecimentos já adquiridos. No hiperfluxo dos infodados e infotenimentos,
dos relâmpagos de conversação multidirecionadas e multidimensionais
propiciadas pelas redes de relacionamentos, os espaços ubíquos intensificam
a potência inata da mente para fluidez, pois permitem que múltiplas
realidades desfilem de modo simultâneo em nossa mente.
Tudo indica que o destino da inteligência é crescer e se espalhar pelo mundo
circundante. É para essa direção que caminham as inovações atuais.
(SANTAELLA, 2010, p. 18)
Como um ritornelo, a aprendizagem, que se configura nesses novos ambientes, e os
novos modos de produção de conhecimento, assumem essa característica tríplice que Deleuze
e Guattarri (1997, p. 118) expressaram nesse conceito:
Ora se vai do caos a um limiar de agenciamento territorial: componentes
direcionais, infra-agenciamento. Ora se organiza o agenciamento:
23 componentes dimensionais, intra-agenciamento. Ora se sai do agenciamento
territorial, em direção a outros agenciamentos, ou ainda a outro lugar: interagenciamento, componentes de passagem ou até de fuga. E os três juntos.
Forças do caos, forças, terrestres, forças cósmicas: tudo isso se afronta e
concorre no ritornelo.
Com outras imagens-palavras, aproximam aí o movimento descrito no ritornelo da
ação dos signos, da semiose − movimento de um signo que gera um interpretante que, por sua
vez, é outro signo e que, ao ser realizado como signo, gera também outro interpretante, numa
relação triádica, que se dá continuamente, entre signo, objeto e interpretante −, Ferraz et al
(2010, p. 2) assim descrevem o ritornelo:
Para fazer nascer este conceito, eles buscam na música sua principal
imagem. Uma criança que canta para afugentar o escuro, alguém que canta
enquanto arruma a casa, alguém que canta criando seu lugar, ou alguém que
canta um canto de partida “adeus amor, vou partir”. De um primeiro giro se
faz um centro, um eixo de sobrevida, mas um segundo giro se faz necessário
e o eixo se amplia pela extensão que lhe envolve. Mas como tudo aquilo que
abriga também obriga, os filósofos imaginam sua ciranda indo além desta
simples fundamentação de um lugar, para enfim desfazer-se no seu
afundamento: forças diversas invadem o pequeno terreno e atraem para fora
o seu principal personagem que, estando fora, mergulha em um novo ciclo
ou mergulha no sem ciclo.
É assim que o ritornelo consiste em três aspectos inseparáveis: 1. escolher
um eixo; 2. desenhar um domínio – território – em torno deste eixo; 3. traçar
a partir deste domínio, ou território, linhas de fuga que levem a outro
ritornelo (no qual novamente será desenhado um território em torno de um
eixo, do qual serão traçadas linhas de fuga etc…). Não seriam três etapas,
mas três aspectos que devemos conceber como simultâneos no ritornelo.
Sendo o terceiro aspecto este vetor de desterritorialização, em que o
território se precipita em sua própria dissolução.
24 Figura 2: M. C. Escher Bond of Union (1956)
Fonte: http://www.cavetocanvas.com/post/13895533388/bond-of-union-mcescher-1956
Ritornelo de múltiplas esferas que envolvem e habitam, interagem com a esfera físicavirtual de mentes conectadas, como poeticamente representado em Bond of Union30 de
Escher. As múltiplas esferas representam redes no interior de redes, micro-células do universo
simbólico de cada entidade que integra os ecossistemas cognitivo, comunicacional e digital.
Os inputs e outputs, gerados pelas interações entre as múltiplas redes, criam as condições
prévias para que um certo traço surja e não outro. O universo dos individuais, expresso na
multiplicidade sígnica, geram informação para que um outro sistema/rede surja, um ambiente
multifocal sonoro, visual, textual, uma semiosfera que envolverá a esfera de mentes
conectadas. É através dessa integração, entre o macro e o micro, o privado e o público, o
homem e as coisas, o orgânico e o sintético, as sensações, sentimentos e símbolos, que o
sistema/rede é gerenciado pela evolução universal. Na medida em que a internalização das
informações ocorre, um banco de dados é gerado. Esse banco de dados acumula-se no
sistema/rede ao longo do tempo, assumindo uma característica discursiva na perspectiva de
processos evolutivos como semiose. O banco de dados gera uma “função memória” do
sistema (BUNGE, 1977 apud VIEIRA, 2008) que conecta o sistema/rede presente com seu
passado, possibilitando possíveis futuros, uma estrutura, organização, que pode ser
30
A gravura teve como inspiração o romance de H. G. Wells intitulado O homem invisível, um homem que toma
uma poção que deixa o seu corpo translúcido, mas que para reconquistar sua visibilidade enfaixa o rosto com
gaze. Escher (apud TIJABBES, 2011, p. 120) aborda o tema do infinito, de ciclos, metamorfoses, espaços
interligados: “Aqui duas espirais delineiam as cabeças de um homem e de uma mulher, unidas por uma faixa
sem fim. Com suas testas entrelaçadas, elas formam um vínculo indissolúvel. As esferas flutuam diante das
faixas das cabeças vazias, entre elas e atrás, têm a função de sugerir espaço e tempo infinitos.”
25 comparada, semioticamente, à semântica do sistema, o sentido dado.
A totalidade de um sistema não pode ser explicada pela simples soma de suas partes,
por outro lado, na concepção de Latour (2005) aplicada à noção de rede e à teoria ator-rede, o
todo não é maior do que as partes, por estas razões, é necessário aplicar um método geral que
permita visualizar as propriedades do sistema sem reduzi-las às propriedades de suas partes e
conciliar uma perspectiva que compreenda um individual contendo o todo. Por outro lado,
precisamos articular um pensar em termos de ecologias, partindo do princípio de que “o
pensamento ecológico é relacional, aberto e traz consigo a ideia de movimento, de fluxo
energético contínuo, de propriedades globais, de processos autorreguladores, autoorganizadores, indicando a existência de um dinamismo intrínseco que traduz a natureza
cíclica e fluída desses processos” (MORAES, 2000, p. 8).
Objetivando mapear as novas condições da subjetividade juvenil expressas nas
dinâmicas da aprendizagem em rede e por mentes conectadas, por meio do estudo de caso
citado anteriormente, propomos seguir os rastros dos actantes humanos e não-humanos e
deixar emergir os possíveis padrões que indiquem tendências expressivas e metodológicas da
lógica da linguagem hipermídia. A partir desses padrões, buscaremos relacionar as tendências
identificadas com eventos e processos que definem o ambiente ou umwelt, que favorece a
produção de autonomia e memória de um ecossistema comunicativo, cognitivo e digital
realizados em rede.
No capítulo 1, apresentamos um panorama inicial que problematiza as transmissões
educativas na atualidade a partir da tese da des-ordem cultural desenvolvida pelas análises de
Martín-Barbero (2000; 2003; 2008; 2008b), relacionando com as proposições teóricas que
articulam comunicação, cultura e linguagem de Santaella (2003; 2003c, 2007, 2010) e o
pensamento ecossistêmico comunicacional de Di Felice (2009).
No capítulo 2, abordamos os conceitos de rede, conectividade e aprendizagem em
rede. Iniciamos com um breve estado da arte do conceito de conectividade e rede como
abordado na educação, seguido da perspectiva adotada neste estudo, onde a noção de rede
como mediação na perspectiva da Teoria Ator-Rede (TAR), é desenvolvida e finalizamos
relacionando parâmetros sistêmicos e a filosofia de Charles Sanders Peirce na definição dos
conceitos de conectividade, mentes conectadas e aprendizagem em rede.
26 No capítulo 3, discutimos a integração dos ecossistemas comunicacionais, cognitivos e
digitais. A linguagem hipermídia será abordada no seu papel mediador entre os novos
ecossistemas comunicacionais e cognitivos, a partir à luz da filosofia de Deleuze e Guatarri
(1997; 2000) na imagem do rizoma, do ritornelo e no conceito de agenciamento e das análises
de Santaella (1997; 2000). A ecologia digital será abordada a partir da discussão do software
livre e da ética hacker, da cultura livre e colaborativa em sua relação com a emergência de
novos ambientes de aprendizagem baseados em dinâmicas colaborativas e na cultura
participativa e do compartilhamento, e da experiência dos medialabs.
No capítulo 4, apresentamos os fundamentos metodológicos da elaboração de uma
cartografia a partir da Teoria Ator-Rede. Finalmente, no capítulo 5, apresentamos
respectivamente o estudo de caso do Visualizar’11 e sua conexão com o LaboCA, o Labhiper
e o Aprender Brincando.
UM SOBREVOO: JUSTIFICATIVA E LIMITES
A hipercomplexidade que envolve a tríplice relação entre comunicação, cultura e
educação na era digital, exige que possamos nos deslocar entre campos de conhecimentos
diversos. O objeto de estudo aqui proposto transita em uma linha tênue entre os campos da
comunicação e educação, pois, ao tomar a linguagem hipermídia e a multiplicidade cultural
dos meios de comunicação para analisar os sentidos e os regimes por eles constituídos no
campo do saber e da aprendizagem, mescla a análise das mídias com as dinâmicas cognitivas
e de aprendizagem. É a partir do viés comunicacional e de uma ecologia midiática que
transitamos pelos modos como os meios de comunicação afetam e participam das mutações
nas sensibilidades, percepções e modos de cognição contemporâneos, principalmente, no
modo como alteram as formas de educar e aprender.
Inovações tecnológicas e comunicativas moldam a organização social
porque são estruturadoras das relações espaço-temporais às quais o
pensamento e a sensibilidade do ser humano se conformam. Mais do que
isso, tecnologias de linguagem produzem mudanças neurológicas e sensórias
27 que afetam significativamente nossas percepções e ações. (SANTAELLA,
2010, p. 1)
A importância da mistura e convergência dos campos da comunicação e educação e de
estudos que abordem essa intersecção, é visível na emergência de um novo campo de saber
que vem sendo denominado como Educomunicação. Um campo ainda pouco explorado, que
busca articular uma reflexão epistemológica sobre a inter-relação entre comunicação e
educação, bem como, formar profissionais, os educomunicadores, capazes de ajudar a formar
cidadãos críticos, participativos e inseridos no meio social do contexto do século XXI
(SCHAUN, 2002). Um outro aspecto, diz respeito a visibilidade da dimensão e alcance do
campo da comunicação em sua diversidade e multiplicidade de sentidos e no reducionismo de
compreendê-lo como um campo cujo objeto se restringe à sua aplicação em áreas como
jornalismo, publicidade e marketing, televisão, rádio, cinema, etc.
Quantos aos limites, é preciso alertar para o fato de que a abordagem do objeto parte
do estudo de caso de micro-sistemas, cujo hipótese é a de que sinalizam tendências de
dinâmicas perceptivo e cognitivas contemporâneas. Face a própria multiplicidade e abertura
da linguagem hipermídia e seu caráter heterogêneo, as rotas e linhas de fuga também se
multiplicam e diversificam, o que significa que as experimentações que vem sendo realizadas
pelos chamados laboratórios de mídias, como o LaboCA e o Medialab Prado, constituem
somente uma dessas linhas de fuga entre tantas outras possíveis, mas que acreditamos
orientam-se na direção de processos de singularização.
A escolha de uma perspectiva ecossistêmica traz, por um lado, o exercício de aplicar
um método geral que permita comparações e conexões inter e transdisciplinares, ou melhor,
permita o exercício de uma transversalidade entre as várias áreas do saber, e, por outro lado, o
risco de ao “transitar pelo território do saber como as sinapses viajam pelos neurônios, uma
viagem aparentemente caótica que constrói seu(s) sentido(s) a medida em que desenvolvemos
sua equação fractal” (, 2008, p. 79), cair na superficialidade dos conceitos ou mesmo de
ficarmos presos na matriz do rizoma sem construir as rotas e linhas de fuga. De qualquer
forma, trata-se de um sobrevoo, que “aponta para reconhecimento da pulverização, da
multiplicização, para a atenção das diferenças e à diferenciação, construindo possíveis
trânsitos pela multiplicidade dos saberes, sem procurar integrá-los artificialmente, mas
28 estabelecendo policompreensões infinitas” (GALLO, 2008, p. 79) ou, pelo menos,
intencionando estabelecer. Trata-se de um sobrevoo de uma generalista, atividade própria
daqueles que atuam na educação básica e que, apesar de toda disciplinarização, buscam um
trânsito entre os diversos campos do conhecimento, que permita uma formação geral e
integradora.
29 1.0 MUTAÇÕES DA ERA DIGITAL
Hoje, não se encontram em nenhum lugar do mundo pessoas mais
velhas que sabem o que as crianças sabem, por mais distantes e
simples que sejam as sociedades onde vivem essas crianças. (MEAD,
1970, apud FORQUIN, 2003, p.1)
Em 1970, Margaret Mead31 publica o livro Culture and Commitment: A Study of the
Generational Gap (Cultura e Vinculação: Um Estudo do Fosso entre Gerações), fruto de três
conferências proferidas em março de 1969, no Museu Americano de História Natural (NY),
sobre o homem e a cultura. Propunha nesse pequeno ensaio as seguintes hipóteses: que a
evolução cultural é uma teoria válida; que uma sequência evolucionária nas culturas poderia
ser caracterizada em termos de interações geracionais; que estávamos experimentando uma
evolucionária e irreversível mudança, da qual pela primeira vez na história do homem
tínhamos plena consciência; e que o “fosso entre gerações” não somente era uma realidade
como também um divisor de águas que se anunciava na história da humanidade (DUBOIS,
1971, p. 1).
Mead propõe três categorias culturais baseadas nas interações geracionais: a cultura
pós-figurativa, co-figurativa e pré-figurativa, cujas orientações, respectivamente, estariam
voltadas para o passado, o presente e o futuro. A ideia de uma cultura pré-figurativa32
marcada por mudanças aceleradas, onde as antigas ferramentas, os antigos pensamentos se
tornaram obsoletos e onde as crianças e jovens são melhor informados, mais competentes e
adaptados ao mundo que seus primogênitos, vai caracterizar uma ruptura e/ou uma inversão
31 Antropóloga cultural norte-americana, entre os anos de 1946 e 1963, Margaret Mead integrou o grupo
reunido sob o nome de Macy Conferences contribuindo para a consolidação da teoria cibernética ao lado de
outros cientistas renomados: Arturo Rosenblueth, Gregory Batenson, John von Neumann, Norbert Wierner,
Claude Shannon, entre outros.
32 A cultura pós-figurativa é aquela onde predomina a tradição, a autoridade dos anciões, as marcas do passado,
caracterizada por mudanças lentas e imperceptíveis. Podemos associar essas características às escolas e ao
sistema acadêmico, instituições que, de modo geral, carregam a marca da tradição; numa cultura co-figurativa, a
influência dominante provém dos pares, dos contemporâneos, daqueles que pertencem a mesma classe ou
categoria de idade, são relações culturais de vida curta e transicionais. Relação percebida entre os jovens e
adolescentes e sua associação em grupos ou em “tribos” conforme um perfil: skatistas, geeks, hip-hop, etc. A
hipótese de uma sequência evolucionaria não exclui a coexistência das três culturas em maior ou menor grau
dependendo de condições geográficas, econômica, de interação global, etc.
30 nos modos de transmissão educativa entre as gerações. Como pensar uma sociedade onde, em
certo sentido, não existem descendentes, herança e nem predecessores? “[...] será a criança e
não os seus pais ou avós que irão representar o que estar por vir” (MEAD, 1970, p. 88). “Fora
do seu novo conhecimento, novo para o mundo e novo para nós, fica o questionamento de
quem está pronto e equipado por sua educação e experiência para buscar pelas respostas.”
(MEAD, 1971, p. 94). Na cultura pré-figurativa são os jovens que definem os objetivos e
caminhos a serem seguidos pelos mais “velhos”.
O questionamento colocado por Margaret Mead emerge com força no final do século
XX realçado nos diversos discursos acadêmicos, midiáticos e mercadológicos (TASPCOTT,
1999; ALVES, 1998; NEGROPONTE, 1995) que trazem como tópica o conceito de geração
associado às questões de emergência das Tecnologias de Informação e Comunicação33 (TIC)
e seu impacto na formação das crianças e dos jovens, principalmente, em seus aspectos
perceptivos-cognitivos.
Freire Filho (2008, p. 9) situa a identificação da “cultura tecnológica” com a “cultura
juvenil” na década de 80, quando surgiram os computadores pessoais, os videogames e a
internet. Destaca o papel de jovens “geniais” que, sem mesmo terem terminado a graduação,
foram responsáveis pela criação de algumas dessas tecnologias, como Bill Gates (que fundou
a Microsoft com 19 anos) e Steve Jobs (que fundou a Apple com 21 anos) e como esse
imaginário permanece como uma referência atribuindo à juventude um talento natural para as
tecnologias: “Ainda hoje, passada a fase inicial da “revolução” dos computadores pessoais, a
imagem do jovem que detém uma espécie de talento natural para o computador prevalece, e
novos mitos alimentam este imaginário” (FREIRE FILHO, 2008, p. 9.). Em suas análises,
Freire Filho (2006; 2008) aborda a midiatização do conceito de juventude e realiza a crítica de
como os discursos presentes nas mídias elaboram uma visão eufórica e acrítica da relação dos
jovens com a tecnologia adotando os novos hábitos de consumo e as novas práticas de
33 No desenvolver desse estudo, o termo Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) será abordado a
partir da perspectiva de uma ecologia midiática, o que significa pensá-las em termos dos ambientes híbridos e
“redes de conhecimento, redes de sentimento e redes de memória” (SANTAELLA, 2010, p. 194) que produzem
e agenciam, propiciados pela digitalização. Também serão compreendidas como sinônimo de mídias digitais,
incluindo a complexa rede sócio-técnica que as conecta (telecomunicação, elétrica, humana, servidores,
computadores pessoais, dispositivos móveis, etc.). São tecnologias que propiciam o fluxo de informação e que
“incrementam a capacidade humana de produzir linguagem, portanto, tecnologias comunicativas”
(SANTAELLA, 2007, p. 195). Não se exclui os meios de comunicação de massa, mas consideramos sua
integração ou hibridização pela digitalização.
31 sociabilidade e comunicação da juventude, frequentemente, como modelos ideais de conduta.
Modelos afinados com as premissas do atual estágio do capitalismo.
Sem adotar uma posição ingênua, que exclui a construção midiática como parte
integrante dos agenciamentos de produção de subjetividade conformadores ao modelo do
capital, optamos por destacar as perspectivas que vão ao encontro do que Guattari (1990)
denomina de singularizantes, de descentramento que, instaurando rupturas, abrem
possibilidades para uma re-singularização individual e/ou coletiva da subjetividade.
A historiadora Annie Kriegel, num artigo sobre o conceito político de geração, destaca
três fatores que conferiram uma eficiência social ao tema geracional e que explicam a
emergência dessa nova representação como um “novo princípio de inteligibilidade para a
classificação dos destinos individuais” (KRIEGEL, 1979 apud FORQUIN, 2003). O primeiro
desses fatores diz respeito ao prolongamento da esperança de vida, o que facilita e fortalece os
vínculos com os nossos “contemporâneos”. O segundo fator vem do fato de que, na sociedade
moderna, os atributos de “classe” e “status” social foram perdendo sua força na definição de
identidades, face à falência progressiva das grandes narrativas para justificar a condição do
sujeito contemporâneo. E o terceiro, que tomamos como relevante para este estudo, aquele
que diz “respeito à aceleração da temporalidade histórica que perturba o ciclo das reproduções
das gerações e que introduz de maneira sensível, no cerne dos percursos de vida individuais, a
existência da mudança e a consciência da mudança, fazendo pesar sobre as transições e as
transmissões entre gerações a fatalidade das transformações” (FORQUIN, 2003, p. 2).
Segundo Forquin (2003), o conceito de geração pode ser compreendido a partir de três
acepções: aquela que aborda a questão genealógica ou de grau de filiação a partir de um
indivíduo tomado como origem, considerado um poderoso fator estruturante da sociedade nos
estudos etnográficos. O fator cronológico define as chamadas gerações jovens, gerações
adultas e gerações mais velhas; na sua acepção histórica e sociológica, a que designa um
conjunto de pessoas que nasceram mais ou menos na mesma época e que têm em comum uma
experiência histórica idêntica e/ou uma proximidade cultural, por exemplo, um conjunto de
indivíduos nascidos no mesmo ano ou caracterizado por um mesmo evento; tomando essa
acepção num sentido mais amplo, o termo abrange pessoas que sofreram um mesmo tipo de
influência educativa, política ou cultural criando um sentimento de vínculo comum, “um
32 sentimento de geração” ou uma “consciência de geração”, independente de possuírem a
mesma idade ou de terem nascido numa mesma época.
Trazendo para o cerne dessa discussão a contribuição de Karl Mannheim em Le
probléme des générations (1928, traduzido para o francês somente em 1990), Forquin (2003)
discute o problema de vinculação, isto é, o que significaria pertencer a uma mesma geração,
para salientar a complexa problemática das transmissões educativas, no contexto
contemporâneo. Compreendendo o fenômeno de vinculação em sua dimensão histórica e
sociológica, Mannheim desenvolve uma especificação progressiva em torno das noções de
“situações de geração”, de “conjuntos de gerações”, de “unidades de geração”, de “grupos
concretos”. De grosso modo (dado o caráter extremamente redutor aqui apresentado desses
princípios), os vínculos vão se tornando progressivamente mais fortes e estruturantes em cada
uma dessas noções. Parte-se de um potencial geracional, de uma “situação de geração”, que
pode ser caracterizado por um senso de participação comum em um mesmo momento
histórico e social, sem, necessariamente, ocorrer a partilha de uma espécie de “consciência de
geração”, até o refinamento de “grupos concretos” que, partilhando conteúdos comuns de
consciência, representações, crenças, engajamentos se manifestam a partir de ações e
intervenções. É a partir das nuances que se manifestam as dinâmicas sociais de cada momento
social-histórico. Seguindo a linha da abordagem de Mannheim, Forquin (2003, p. 2) adverte
para a importância do exercício das transmissões educativas:
Finalmente, numa última especificação, Mannheim salienta que as próprias
«unidades de geração» se cristalizam a partir da ação ou da intervenção do
que ele chama de «grupos concretos», isto é, escolas de pensamento,
minorias ativas ou comunidades militantes, dentro e por meio das quais uma
«situação de geração» pode conseguir encontrar um modo de expressão e de
simbolização que seja verdadeiramente motivador. Contudo, este fenômeno
não ocorre nem de maneira necessária, nem de maneira regular, e depende
fortemente da intensidade e da forma que a dinâmica de uma sociedade toma
num dado momento. Com efeito, não é só, nem principalmente, porque as
gerações não se renovam biologicamente que elas se diferenciam
culturalmente e sociologicamente, já que esse fenômeno de renovação existe
tanto nos períodos de grande estabilidade como nos períodos de perturbação
histórica. Mas, antes, é muito mais quando e porque ocorrem rápidas
mudanças históricas que a renovação biológica das gerações pode dar
origem a rupturas sociológicas entre gerações, rupturas essas que tornam
inevitavelmente mais difícil e mais problemática (porém, sem dúvida, tanto
mais necessário) o exercício das transmissões educativas.
33 Assim, a atualização das potencialidades que dormem dentro de cada
«situação de geração» depende amplamente, na análise de Karl Mannheim,
de fatores extra-biológicos, entre os quais a natureza particular da dinâmica
social que prevalece num momento dado da história de uma sociedade.
Talvez, seja na noção proposta por Mannheim de “grupos concretos”, organizados na
forma metafórica de pequenos nós da infinita rede que constitui o ambiente cognitivo da
atualidade, que possamos encontrar indícios dos caminhos que estão sendo criados. Grupos
que serão aqui abordados na perspectiva da rede de laboratórios experimentais, que vem se
disseminando como novos ambientes de transmissão educativa otimizados na hibridização da
interface humano/máquina e possibilitados pela mediação das tecnologias da informação e
comunicação, quer no seu aspecto simbólico da linguagem ou pela sua dimensão técnica. O
“talvez” incorpora aqui a incerteza contida na atualização das potencialidades que dormem
dentro de cada “situação geracional” e que, no embate das leis da mutação, recorrendo à
interpretação dada no I Ching, Livro das Mutações, ao estabelecer que toda mutação supõe
um ponto constante que lhe sirva de referencial, alerta que “o problema consiste agora em
escolher o seu próprio ponto de referência de modo a que coincida com o ponto de vista do vir
a ser cósmico.” (1996, p. 217). Essa concepção será melhor explorada no decorrer deste
estudo na concordância com Charles Sanders Peirce de que a aprendizagem é uma
propriedade fundamental de qualquer coisa que cresce no tempo, concepção que De Tienne
(2007, p. 75) enriquece comentando:
A essência da aprendizagem consiste tanto na apreensão da tendência geral
que sugere uma direção para o futuro quanto na implementação criativa, ou
atualização desta sugestão percebida. (Aqui, começamos a compreender em
que sentido Peirce se referia à filtragem de verdades ideais e eternas: a
natureza desta filtragem tem muito a ver com a noção de causalidade final).
Se este é o caso, então a aprendizagem torna-se uma característica do
universo, caso aceitemos a visão de Peirce de que as leis da natureza são
produto da evolução e estão sujeitas ao crescimento. A natureza como um
todo, corresponde a uma implementação contínua e aleatória de regras
condicionais e gerais que determinam as formas possíveis que são oferecidas
para a atualização. A aprendizagem cresce dentro dos limites de um plano
geral condicional.
34 A sucessão e renovação das gerações está contida no próprio ciclo da vida, na
renovação permanente das espécies e do mundo que, no universo do humano, além da
dimensão biológica, encontra-se inscrita na dimensão da cultura. Considerando as
transmissões educativas como representações culturais que visam preservar, dar continuidade
e renovar um mundo pré-existente, na medida em que surge uma nova formação cultural que
parece anunciar uma descontinuidade com um mundo pré-existente - sustentada por um
mundo acelerado em sua renovação - essa condição parece exigir que façamos como
Niestzsche (apud LATOUR 1994, p. 17) dizia, sobre os grandes problemas, que eram como
banhos frios: é preciso entrar rápido e sair da mesma forma. A brevidade aqui exigida não
significa ausência de profundidade, mas uma agilidade requerida, tal qual um choque térmico
que atomiza a cristalização e cria uma maior superfície de contato, acelerando a velocidade
das reações. Nas palavras do filósofo inglês Alfred Whitehead34, nesses termos, diz ele:
A questão é que no passado o intervalo de tempo necessário para uma
mudança de vulto era consideravelmente maior do que uma vida humana,
assim a humanidade aprendeu a se adaptar a condições fixas. Hoje o
intervalo de tempo é consideravelmente menor do que o de uma vida
humana, e por isso, nosso aprendizado deve preparar os indivíduos para a
renovação continuada e intensa das produções.
Dos anos 70 aos tempos atuais, o ritmo acelerado das mudanças e transformações
adquiriu o caráter de “espírito do tempo” (Zeitgeist). Presenciamos à consolidação e/ou
surgimento de pelo menos três formações culturais35: a cultura de massa, a cultura das mídias
e a cultura digital, compondo uma complexa camada cultural onde as novas formações vão
coexistindo com as anteriores e ao mesmo tempo reajustando-as e reformulando-as
(SANTAELLA, 2003). “Não há cultura sem comunicação, não há comunicação sem signos”
(SANTAELLA, 2010, p. 12). Modificando e multiplicando os modos de criar, registrar,
transmitir e armazenar linguagens e informações, esse complexo ecossistema comunicacional
vem produzindo novos agenciamentos que modificam os ambientes cognitivos, estimulando o
crescimento exponencial dos níveis de informação. O ponto de vista fixo cede lugar à
34 Citação extraída de notas de palestras do I Encontro Ciências e Cognição: novas fronteiras cognitivas, 16 a
18 de março de 2011, Rio de Janeiro.
35 Santaella (2003a; 2007) propõe seis formações culturais: a cultura oral, escrita, impressa, de massa, das
mídias e a cultura digital.
35 percepção multidimensional inclusiva, mediado por tecnologias da inteligência36 e redes de
aprendizagem.
A partir da análise de políticas culturais na Colômbia, Martín-Barbero (2000) defende
a necessidade de articulação de políticas conjuntas de Cultura/Comunicação/Educação como
forma de viabilizar a nação tanto política como culturalmente, tanto social e laboralmente, o
que passa pela necessidade de que o ecossistema comunicacional se articule e se organize
com as dinâmicas da cultura e da educação. No Brasil, a iniciativa do Ministério da Cultura
sob a tutela do Ministro Gilberto Gil, introduziu uma experiência singular e inédita em âmbito
mundial, o Cultura Viva, ação principal do projeto Cultura, Educação e Cidadania. A
articulação política integrando as três dimensões citadas por Martín-Barbeiro (2000) são
concretizadas no apoio à criação e difusão dos Polos de Cultura Digital37, que se espalharam
por todo o país. O programa se baseia em três pilares conceituais – autonomia, protagonismo
e empoderamento –, que se relacionam, respectivamente, às três dimensões da cultura, na
visão proposta pelo MinC: a simbólica, a cidadã e a econômica (COSTA, 2011).
No discurso de transmissão do cargo, o Ministro Gilberto Gil (2003) expôs os
princípios norteadores dessa iniciativa ao anunciar um novo desafio do Ministério da Cultura:
Fazer uma espécie de “do-in” antropológico, massageando pontos vitais, mas
momentaneamente desprezados ou adormecidos, do corpo cultural do país.
Enfim, para avivar o velho e atiçar o novo. Porque a cultura brasileira não
pode ser pensada fora desse jogo, dessa dialética permanente entre a tradição
e a invenção, numa encruzilhada de matrizes milenares e informações e
tecnologias de ponta.
A difusão desses pólos vem estabelecer uma rede no país que articula arte, cultura,
educação e tecnologia criando um outro cenário educacional conectado com as realidades
locais, realizando em ações concretas um descentramento do saber e autorizando mediadores
36 As tecnologias da inteligência são aquelas que propiciam a mediação, isto é, “devem estar implicadas a
afecção, a percepção e a cognição mediada pelo mundo da linguagem, pelos signos” (SANTAELLA, 2007, p.
207).
37
Para um maior aprofundamento sobre os Pontos de Cultura Digital e o potencial de transformação suscitado
pelos novos paradigmas de produção, circulação e consumo cultural do contexto das redes, conferir a dissertação
de mestrado “Com quantos gigabytes se faz uma jangada, um barco que veleje”: o Ministério da Cultura, na
gestão Gilberto Gil, diante do cenário das redes e tecnologias digitais” (COSTA, 2011).
36 culturais em sua disseminação, principalmente, no que compete ao desenvolvimento de
competências comunicacionais utilizando as mídias digitais. O projeto prevê a implantação de
estúdios digitais multimídia e de conexão à rede nos pontos de culturas e pontões, o que
permite viabilizar a criação de conteúdo multimídia em vários formatos e a difusão da
produção local via web, possibilitando uma visibilidade e expressão de culturas locais
integradas à apropriação da tecnologia digital. A criação do site culturadigital.br38 vem
sintetizar essas ações reunindo informações, históricos, publicações atualizadas com base na
participação colaborativa em rede dos diversos atores e interessados nesse processo.
Um outro eixo, que nos anos 80 tem como referência a criação do MIT Medialab39 e
nos anos 90 centros culturais como o ZKM40, e que ressurge, nos últimos dez anos, em
formatos diversos integrando tecnologia, cultura, comunicação e educação em âmbito
nacional e mundial, são os laboratórios experimentais de mídias, que generalizando podem ser
chamados e compreendidos como medialabs. Laboratórios que tem sua origem tanto em
iniciativas públicas e privadas vinculadas a instituições acadêmicas e/ou culturais, quanto em
iniciativas da sociedade civil na forma de laboratórios autônomos, coletivos, hacker clubes e
laboratórios diversos. Em sua grande maioria, atuam na interface arte, ciência, tecnologia e
sociedade voltados para ações de apropriação das “novas mídias”, ciber ativismo, mídia arte e
arte eletrônica ou outras denominações que possamos associar que envolvem arte e tecnologia
na contemporaneidade. São de natureza, finalidades e formatos diversos, mas mantêm essa
denominação comum, seja na nomenclatura ou na descrição, de laboratórios. Tema ou
conceito que tem sua visibilidade e representação associada as ciência ditas duras ou naturais,
onde o laboratório surge como um ambiente controlado de experimentação e pesquisa
38
http://culturadigital.br
O Medialab do Massachussets Institute of Technology é um dos mais renomados centros de pesquisa na
convergência entre artes e ciência. Foi criado em 1985 por iniciativa de Nicholas Negroponte. Denomina-se
como um espaço onde “o futuro é vivido e não imaginado”, direcionado para o desenvolvimento e aplicação de
pesquisas orientadas para a previsão e antecipação do impacto das tecnologias emergentes no cotidiano, “tecnologias que fundamentalmente transformam nossas noções mais básicas relativas `as capacidades
humanas”. Está associado a grandes corporações mundiais, que tem participação como membros do laboratório e
provêm grande parte do financiamento da instituição, o que vincula suas produções e pesquisas à inovação
industrial. Conf.:http://www.media.mit.edu/about
40
ZKM (Zentrumfür Kunstund Medientechnologie Karlsruhe) é uma instituição cultural, um centro de arte e
mídia, sediado em Karlsruhe (Alemanha) que combina produção e pesquisa, eventos e exibições, coordenação e
documentação. É composto por um museu de arte contemporânea, um museu de mídias, um instituto de mídias
visuais, um instituto de música e acústica e um instituto de mídias, educação e economia que desenvolvem
projetos interdisciplinares e promovem colaborações internacionais. A ideia foi concebida no início dos anos 80,
mas sua inauguração ocorreu em 1997.
39
37 instituindo uma prática de separação entre natureza e cultura, ainda que nessa ação de
purificação tenha provocado o efeito contrário propiciando a proliferação dos híbridos
(LATOUR, 1994; 2005). No contexto dos laboratórios experimentais (medialabs), essas
bordas ficam mais difusas na articulação de uma mistura que coloca o rigor da pesquisa
científica lado a lado com o experimental da arte e a liberdade de criação, ganhando corpo e
visibilidade no remix e materialidade da digitalização, na ubiquidade da difusão da
informação, na constituição de redes transdisciplinares de colaboração. Mistura de pesquisa,
oficina, equipamentos, tecnologia de ponta (high tech) e das mais simples do tipo faça você
mesmo (low tech), cultura da convergência, colaboração, articulação em rede, criação,
inovação.
O lab de mídia como existe hoje é precedido por diversas tipologias de
espaços de trabalho e formas de institutos de pesquisa: a oficina de
produção, o estúdio de artista e o lab de pesquisa, mas também o museu, o
centro comunitário, a biblioteca e a escola. Hoje entendemos labs de mídia
como organizações de pesquisa que procuram respostas para as demandas de
uma sociedade da informação. Essas “demandas” não são recursos fixos nem
são conhecidas e definidas por si mesmas. Elas dependem de contexto. Qual
é o objeto de desejo, ou quem está perguntando? Estas questões podem ser
consideradas desde perspectivas políticas, sociais, culturais e educacionais.
(Labtolab, Laboratórios de meio de caminho, apud FONSECA, 2012, p.54)
Os laboratórios de hoje são menos espaços que têm sua centralidade na oferta de
estrutura e acesso às “novas mídias” e conexão (hoje disseminadas nos formatos e
possibilidades de laboratórios nômades configurados em laptops e conexão móvel, da
computação pervasiva e ubíqua) e mais espaços que atuam catalisando encontros, reflexões e
ações que dinamizam “redes de articulação, produção e distribuição de cultura digital”
(FONSECA, 2010). São exemplos o Medialab Prado (Madrid, Es), o Eyebean (NY, EUA), o
Hangar.org (Barcelona, Es). São espaços de bricolagem como o MetaReciclagem41 e de
41
Rede auto-organizada que propõe a desconstrução da tecnologia para a transformação social. A
MetaReciclagem é uma rede distribuída que atua desde 2002 no desenvolvimento de ações de apropriação de
tecnologia, de maneira descentralizada e aberta. A rede começou em São Paulo em parceria com a ONG Agente
Cidadão, como um projeto de captação e remanufatura de computadores usados que, posteriormente, eram
distribuídos para projetos sociais de base. A Metarreciclagem sempre teve por base a desconstrução do hardware,
o uso de software livre e de licenças abertas, a ação em rede e a busca por transformação social. Desde então, a
Metarreciclagem teve a oportunidade de atrair centenas de colaboradores e influenciar a criação e a
implementação de diversos projetos de grande alcance. Recebeu menções honrosas no Prix Ars Electronica 2006
38 cartografias, como o Macospol42. São também laboratórios experimentais dedicados às
pesquisas colaborativas transdisciplinares, cujas finalidades ultrapassam os limites das
disciplinas de um campo específico, o que exige formas híbridas ainda pouco estabilizadas ou
definidas de metodologias e status epistêmico e ontológico do conhecimento produzido. O
que são exatamente? Que novo conhecimento eles produzem ou possibilitam? O que podemos
aprender com as experiências transdisciplinares, cooperativas e em rede que estão sendo
produzidas e como podem nos ajudar a delinear um futuro e pensar os rumos da des-ordem
cultural que atravessamos?
Shanken (2010) finaliza o texto A história e futuro dos labs: pesquisa colaborativa na
interseção entre arte, ciência e tecnologia sinalizando que o sucesso dessa nova onda de
laboratórios experimentais será mensurado por uma “redundante” repercussão futura, isto é,
um futuro que ateste como as mudanças correntes de concepção e construção de
conhecimento e da sociedade, como um critério evolutivo, adquiriram reconhecimento
científico e valor cultural e uma distribuição ubíqua. Futuro indeterminado que ganha corpo
enquanto uma tendencialidade para o crescimento, seguindo o princípio do pragmatismo
peirceano de que “no processo de evolução, aquilo que existe vai, mais e mais, dando corpo a
certas classes de ideais que, no curso do desenvolvimento, se mostram razoáveis”
(SANTAELLA, 1994, p. 137)
(categoria Digital Communities) e Prêmio APC Betinho de Comunicação (2005), e foi listada como préselecionada no Prêmio APC Chris Nicol de Software Livre em 2007. Em 2009, foi contemplada com o Prêmio
Mídia Livre, do Ministério da Cultura. A partir do intercâmbio com a plataforma Waag-Sarai (Holanda-Índia), a
Metarreciclagem passou a definir-se não mais em função de um grupo que reciclava computadores, mas uma
rede aberta que promovia a desconstrução e apropriação de tecnologias. Conf.:
http://rede.metareciclagem.org/wiki/MetaReciclagem
42
Macospol (Mapping Controversieson Science for politics) é uma iniciativa de investigação conjunta que reúne
estudiosos em ciência, tecnologia e sociedade em toda a Europa. Seu objetivo é criar uma plataforma
colaborativa para ajudar estudantes, profissionais e cidadãos em mapear as controvérsias científicas e técnicas.
http://www.mappingcontroversies.net/Home/AboutMacospol
39 1.1 MUTAÇÕES E A DES-ORDEM CULTURAL
A difusão e o descentramento dos ambientes educacionais e o surgimento de um
sensorium novo são dois aspectos apreendidos na manifestação e materialização do
ecossistema comunicativo (MARTÍN-BARBERO, 2000). Estes aspectos são de fundamental
importância para o desenvolvimento das análises que aqui propomos, manifestação e
materialidade que nos confrontam e que reafirmam a proposição de Mead (1970) e de Kriegel
(1979) de que vivemos um momento histórico que introduz a existência da mudança e a
consciência da mudança a partir da interações geracionais, ouçamos o autor:
A primeira manifestação e materialização do ecossistema
comunicativo é a relação com as novas tecnologias - desde o cartão
que substitui ou dá acesso ao dinheiro, até as grandes avenidas da
Intemet - com sensibilidades novas, muito mais claramente visíveis
entre os mais jovens. Eles têm maior empatia cognitiva e expressiva
com as tecnologias e com os novos modos de perceber o espaço e o
tempo, a velocidade e a lentidão, o próximo e o distante. Trata-se de
uma experiência cultural nova, ou, como chamou Walter Benjamin,
um sensorium novo. Novos modos de perceber e de sentir; uma nova
sensibilidade que, em muitos aspectos, se choca e rompe com o
sensorium dos adultos. […]
Uma segunda dinâmica, que faz parte desse novo ecossistema no qual
vivemos, e que é a dinâmica da comunicação, liga-se ao âmbito dos
grandes meios, ultrapassando-os porém. Ela se concretiza com o
surgimento de um ambiente educacional difuso e descentrado, no qual
estamos imersos. Um ambiente de informação e de conhecimentos
múltiplos, não-centrado em relação ao sistema educativo que ainda
nos rege e que tem muito claros seus dois centros: a escola e o livro.
(MARTÍN-BARBERO, 2000, p. 4)
Na linha tênue da tríplice convergência entre comunicação, cultura e educação é,
afinal, a partir de uma ecologia midiática e de uma comunicação que se converte em
ecossistema, que emerge um dos seus principais desdobramento, - a forte diversificação e
descentralização do saber; o que muito propriamente é colocado por Martín-Barbeiro como
40 uma passagem de uma sociedade de sistemas de aprendizagem para uma sociedade de
aprendizagem, “uma transformação nos modos de circulação do saber é uma das mais
profundas transformações que pode sofrer uma sociedade” (MARTÍN-BARBERO, 2000, p.
5). Surge um saber disperso e fragmentado no fluxo informacional, deslocalizado e destemporalizado dos espaços e tempos legitimados socialmente, cada vez mais resultante da
mistura entre saberes especializados, saberes provenientes da experiência social e das
memórias coletivas. Surge um outro sujeito da educação, não mais o sujeito do racionalismo
moderno identificado como o sujeito do conhecimento, sujeito da razão, da separação radical
entre mente e corpo, de referenciais definidos e sólidos como a família e a escola, para dar
lugar a “um sujeito muito mais frágil e quebradiço, [...] onde as certezas do plano do saber,
bem como da ética e da política são cada vez menores” (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 3).
Parente (1993, p.14) coloca a questão em termos dos agenciamentos que as recentes
formações culturais vêm produzindo relativo às formas de produção de subjetividade:
Vivemos hoje numa dessas épocas de crise das antigas ordens de
representação e de saberes, e, mais profundamente, de uma grande
complexidade em relação às formas de produção de subjetividade. Nenhuma
reflexão séria sobre o devir da cultura contemporânea não pode deixar de
constatar que existe uma multitude de sistemas maquínicos, em particular a
mídia eletrônica e a informática, que incidem sobre todas as formas de
produção de enunciados, imagens, pensamentos e afetos.
Compreender a dimensão de um olhar sobre a cultura e o sistema comunicacional
como constituintes de um complexo sistema engendrado na interação de camadas sobrepostas
de ambientes físicos, virtuais e intersticiais, demanda uma reconfiguração do que entendemos
por espaço-tempo e da dicotomia corpo/mente supondo que cada um desses atributos são
interações perceptivas-cognitivas definidas, predominantemente, a partir de um estar no
mundo e pensar o mundo constituído por um habitat cuja natureza é simultaneamente
orgânica e sintética, material e imaterial. Assim, quando um ecossistema tecnológico e
comunicativo ganha o mesmo status de ecossistema verde em importância na constituição da
realidade que nos cerca e de nossa subjetividade, o significado amplo dessa concepção nos
coloca no olho do furacão da mutação que presenciamos nesta era. Essa discussão permeia a
41 obra de Santaella (2003; 2010) que a partir da articulação entre os processos comunicacionais,
culturais e sígnicos analisa os amplos significados da evolução das tecnologias midiáticas e o
crescimento da diversidade midiática. Destacamos no trecho abaixo a dimensão da metáfora
ecológica aplicada ao campo da comunicação:
Que a comunicação também faça uso da metáfora ecológica não deve causar
espanto. A história da humanidade confunde-se com a história do
aparecimento contínuo das novas mídias comunicacionais. Começando com
a invenção das escritas e do alfabeto, continuou com a prensa manual e,
depois mecânica, com a fotografia, o telégrafo, o jornal, o telefone, o
cinema, o rádio, a TV, etc. A constituição progressiva de uma ecologia
midiática salta à vista. (SANTAELLA, 2010, p. 15)
Observamos a emergência da temática geracional repaginada a partir das dinâmicas
sócio-técnicas que envolvem o processo de digitalização. O que coloca em questão a
dimensão e o papel que os objetos técnicos43 adquiriram com a digitalização, principalmente,
na sua relação com a constituição dos sujeitos e do ambiente que os cerca. Fatores
considerados determinantes para pensar a complexidade na qual situamos as transmissões
educativas no contexto atual, onde a questão comunicacional adquire centralidade na
comparação dos modelos comunicacionais (SILVA, 2000; PRENSKY, 2001; ABREU, 2006)
mediados pelas tecnologias digitais e o modelo unidirecional de transmissão de saberes
praticados pelos sistemas educacionais da modernidade. Além da crise da razão, que ao longo
do século XX colocou em cheque os valores basilares que organizam o sistema educacional
formal, - no qual a crença no progresso representado pela ciência e seus saberes originaram
uma arquitetura de saberes disciplinarizados -, acrescenta-se o impacto da revolução digital e
a consequente mudança de paradigma comunicacional. A difusão e descentralização de saber
coloca em questão o papel da escola nas transmissões educativas da atualidade.
A crise da escola, que já não pode impor sua autoridade e ainda não
consegue estabelecer sua nova legitimidade baseada no diálogo e na
43 Bruno (2002), no texto Tecnologias cognitivas e espaços de pensamento, discute o papel dos objetos técnicos
em sua relação com o pensamento. Partindo da suposição que somos sistemas cognitivos constituídos por trocas
informacionais com o meio, propõe que os objetos técnicos que construímos e usamos integram nossas ‘mentes’,
nossos pensamentos, incitando uma redefinição da espacialidade do pensamento.
42 consideração das novas características da criança e do adolescente, tem
muito a ver com as transformações da sociedade, particularmente aquelas
relacionadas com o processo de socialização das novas gerações (BELLONI,
2010, p. 16).
O educador Paulo Freire (1977) considera equivocada a concepção de que o fazer
educativo é uma questão de transmissão ou de extensão sistemática de um saber. Para ele, esta
é uma situação gnosiológica em seu sentido mais amplo, isto é, uma relação do objeto
cognoscível com os sujeitos cognoscentes que se constrói em um ato dialógico de busca de
significação, um ato comunicativo por excelência:
A intersubjetividade, a intercomunicação é a característica primordial desse
mundo cultural histórico, daí que a função gnosiológica não possa ficar
reduzida à simples relação do sujeito cognoscente com o objeto cognoscente.
Sem a relação comunicativa entre o sujeito cognoscente em torno do objeto
cognoscível desapareceria o ato cognoscitivo, a relação gnosiológica por isto
mesmo não encontra seu termo no objeto conhecido, pela intersubjetividade
se estabelece a comunicação entre os sujeitos a propósito do objeto. […] Não
há realmente pensamento isolado, na medida em que não há homem isolado.
Todo ato de pensar exige um sujeito que pensa, um objeto pensado que
mediatiza o primeiro sujeito do segundo e a comunicação entre ambos, que
se dá através de signos linguísticos. O mundo humano é desta forma um
mundo de comunicação. (FREIRE, 1977, p. 69)
Dialogismo que transpassa a expressividade dos sujeitos interlocutores. Para Freire
(1977), uma comunicação eficiente, que resulte em um que-fazer educativo, exige que os
sujeitos interlocutores, ao se referir a um objeto, expressem-no através de signos linguísticos
pertencentes a universos compartilhados. Signos produzidos a partir de uma realidade
histórico-cultural numa unidade dialética entre a subjetividade e o agir:
E, se o que-fazer educativo, como qualquer outro que-fazer dos homens, não
pode dar-se a não ser “dentro” do mundo humano, que é histórico-cultural,
as relações homens-mundo devem constituir o ponto de partida de nossas
reflexões sobre aquele que-fazer. […] O homem é homem e o mundo é
histórico-cultural na medida em que, ambos inacabados, se encontram numa
relação permanente, na qual o homem, transformando o mundo, sofre os
efeitos de sua própria transformação. (FREIRE, 1977, p. 76)
43 A grande lição que Paulo Freire nos legou está em pensar o fazer educativo como uma
ação inserida em um contexto histórico-cultural e em práticas que permeiam a relação entre os
sujeitos e o mundo, ancoradas em um cotidiano e no universo cultural vivenciado por seus
atores. É na dialética entre os jogos que permeiam o agir humano sobre o mundo, seu reverso
e o ato dialógico da busca da significação, que a educação para Freire é compreendida como
duração e no sentido da duração, como permanente, o que “não significa permanência de
valores, mas a permanência do processo educativo, que é o jogo entre a permanência e as
mudanças culturais” (FREIRE, 1977, p. 84).
Duração e permanência são dois atributos da mutação, retornando ao I Ching. Na
perspectiva oriental, a duração é um movimento de um todo organizado que se renova e se
integra, que se processa em harmonia com leis imutáveis, podendo ser compreendido como
continuidade, crescimento no tempo. Tempo cíclico, tal qual a renovação e repetição de cada
estação da natureza. O caráter da mudança é seu estado constante, “mudança: isto é o
imutável”. É a mudança que possibilita a diversidade e, é na sua duração e na consequente
permanência que as leis gerais se manifestam. É no jogo dialético das polaridades entre o que
permanece e o que muda que ocorre a fusão e a síntese, nas palavras de Freire, o processo
educativo. Plaza (2008, p. 180) bem exemplifica essa dinâmica: “quando a neve se acumula
sobre o galho do pinheiro, se o galho se torna rígido, ele quebrará. Sua flexibilidade diante do
rígido é, no caso, sua força.” No modo de ver de Paulo Freire: “A educação que não se
transformasse ao ritmo da realidade não ‘duraria’, porque não estaria sendo” (FREIRE, 1977,
p. 89).
Segundo esse mesmo princípio, contido no jogo entre a permanência e as mudanças,
precisamos estar atentos para o que Santaella (2007; 2010) define como a constituição
progressiva de uma ecologia midiática configurada no crescimento da diversidade semiótica
das mídias e das múltiplas possibilidades que surgiram no campo da comunicação e
linguagem na era digital. Multiplicidade e fertilidade que se refletem na educação e nos
caminhos plurais que a convergência desses campos apontam no surgimento de novos
ambientes educacionais. Ambientes a partir dos quais pode ser observada a configuração de
uma ecologia cognitiva nos moldes do que propõe Lévy (1994) e que somente foi
possibilitada a partir da popularização dos computadores em meados da década de 80 e o
surgimento da interface gráfica (os softwares culturais como defendido por Manovich, 2001;
44 2008; 2008a); da integração dos computadores ao sistema de telecomunicações; do
surgimento da internet na década de 90; sua expansão e evolução para o que denominamos
como Web 2.0 e 3.0, na última década; o desenvolvimento e popularização das tecnologias
móveis e de acesso à conexão e banda larga; e as apropriações, funcionalidades e
significações que a juventude tem atribuído a esse complexo sistema, que traz na metáfora e
no conceito de rede sua expressão.
Juventude, que desde os idos anos 80, cresceu acompanhando a disseminação da
Internet e a expansão da comunicação móvel. Esta geração e as vindouras encontram-se cada
vez mais imersas em uma vivência de virtualização, interatividade, desterritorialização como
referências de elaboração dos processos de subjetividade. Transitam em um ambiente ubíquo
e pervasivo, isto é, onde o acesso à informação, à comunicação e à aquisição de conhecimento
pode ser dar a qualquer tempo e em qualquer lugar, prevalecendo o crescimento das práticas
de aprendizagem colaborativas em rede e da cultura do remix, mediadas pelas tecnologias de
linguagem e comunicação designadas como tecnologias de acesso e, em um segundo estágio,
de conexão contínua, da mobilidade. Essa terminologia é atribuída por Santaella (2010b, p. 3)
às tecnologias que são fruto, respectivamente, da convergência entre computação e rede de
telecomunicações e, posteriormente, “de uma rede móvel de tecnologias e pessoas que
operam em espaços não contínuos”.
Do ponto de vista da ecologia cognitiva, as conceituações centradas no desenvolvimento
cognitivo do indivíduo cedem lugar para que sejam compreendidas no quadro de sua
conectividade na rede, acrescido da participação das “coisas”, denominada de cognição
distribuída. “O ser cognoscente é uma rede complexa na qual os nós biológicos são
redefinidos e interfacetados por nós técnicos, semióticos, institucionais, culturais” (LÉVY,
1993, p. 161). Nesse contexto, as “sensibilidades juvenis”, como Martín-Barbero (2000)
assinala, emergem como um contraponto tornando visível mutações e transformações que a
revolução digital vem conduzindo nas esferas culturais, sociais e sígnicas, operando como
ponto de partida para análises que estabelecem uma relação entre cultura, comunicação e
educação.
45 O acesso as TICs pode estar gerando um abismo tecnológico entre as
gerações, ou seja, um afastamento (ou incomunicação) técnico entre adultos
e crianças, invertendo radicalmente os papéis tradicionais na relação entre o
adulto-que-sabe e a criança que-não-sabe e criando uma nova espécie de
diversidade cultural intergeracional e interclasses, cuja característica mais
marcante é uma fissura em torno de questões éticas que envolvem a
compreensão de muitos elementos do mundo, especialmente aqueles ligados
à política e a violência que circunda nossas vidas. Estas diferenças extremas
entre gerações, de abordagem da tecnologia, de perspectivas estéticas e
éticas e de formas de perceber o mundo, vêm ocorrendo principalmente nas
classes sociais que têm acesso domiciliar às TICs, nas quais crianças e os
adolescentes são em geral os maiores usuários dos computadores
conectados. (BELLONI, 2010, p. 13).
Novaes (2009, p. 9) nos lembra que a mutação enquanto uma passagem de um estado
das coisas para outro, configura-se hoje como “uma aventura que se inscreve na nossa história
de maneira veloz, com deslocamentos conceituais ainda em formação pela filosofia e
antropologia, antecipação de categorias ainda incertas: não sabemos nomear este novo estado
das coisas.” Pensando a partir da tradição, corremos o risco de julgar por uma certa
comparação entre o que antecedeu e o que está por vir, fundada numa visão de perdas e
ganhos. Por outro lado, na ausência de concepções de mundo que davam um sentido às coisas,
podemos também nos perder na indefinição do que nos acontece.
Enfrentamos, de início, as dificuldades postas pelo próprio objeto e seu
tempo: nem tudo pode ser descrito hoje em linguagem antiga e pouco coisa
pode ser pensada como a ajuda de conceitos que dominaram o saber até bem
pouco tempo. Muito menos podemos recorrer a dualidades exacerbadas – a
começar pela tentação de comparar o acontecido com o vir a acontecer.
(NOVAES, 2009, p. 10)
Necessário perceber movimentos em curso e, portanto, como um presente para o qual
precisamos projetar um futuro ainda indeterminado e repleto de possibilidades cujo destino
não temos como prever, a não ser que tomemos o determinismo tecnológico como uma
certeza.
46 1.2 CAINDO NA REDE
Retornamos ao questionamento de Mead (1970) sobre quem poderá responder a essas
questões ou de que modo. Afinal, ainda que estejamos vivendo tempos pós-modernos,
carregamos a herança da modernidade. O que, de certo modo, justifica o temor e insegurança
na impossibilidade de colocarmos algo em seu lugar pelo simples fato de que os novos
valores não fazem parte do modo como até então nos construímos, além de que possuem
sentidos distintos para aqueles que nasceram e cresceram na era digital e as demais gerações.
Permanecemos interiorizados na modernidade? Ou, jamais fomos modernos no sentido
proposto por Latour (1994)?44.
Turkle (2009), em entrevista para o Frontline/digitalnation45, sintetiza esse dilema na
assertiva de que as mudanças tecnológicas desafiam-nos a afirmar nossos valores humanos, o
que significa, antes de tudo, que precisamos descobrir quais são eles ou aqueles que
permanecem como um valor a ser preservado. De fato, a preocupação demonstrada por pais e
educadores diz respeito não só ao confronto de valores entre gerações e a perturbações na
ordem estabelecida por uma cultura herdada. Relaciona-se, principalmente, com a
responsabilidade e autoridade de conduzir a criança e o jovem à fase adulta, como discutido
por Arendt, no texto de 19, em sua crítica ao sistema educativo americano. Autoridade que é
colocada em cheque no momento em que duas instituições tão sólidas como a família e a
escola são penetradas por bit, bytes, terabytes, um dilúvio de informação, trazendo para dentro
dos muros e paredes de nossas casas e escolas o mundo. Até então, o educador era, em relação
aos jovens, o:
[...] representante de um mundo pelo qual deveria assumir a
responsabilidade, embora não o tenha feito e ainda que secreta ou
44
Em Jamais Fomos Modernos, Latour (1994) propõe que a modernidade foi constituída por um duplo
procedimento: o trabalho de purificação crítica, que cria duas zonas ontológicas distintas, de um lado os
humanos e do outro lado os não humanos; e um conjunto de práticas que cria, por tradução, misturas entre
gêneros de seres completamente novos, híbridos de natureza e cultura. Enquanto mantemos distintos e separados
essas práticas, seremos realmente modernos. No momento que tomamos consciência que as duas práticas
estiveram operando desde sempre no período histórico que se encerra, deixamos de ter sido modernos, no
sentido pretérito, isto é, jamais fomos modernos.
45 Entrevista realiza em 22/09/2009 e postada em 2/02/2010, conferir em
Http://www.pbs.org/wgbh/pages/digitalnation/interwiews/turkle.html. Acesso em: 15 set. 2011.
47 abertamente possa querer que ele fosse diferente do que é. [...] A
qualificação do professor consiste em conhecer o mundo e ser capaz de
instruir outros acerca deste, porém sua autoridade se assenta na
responsabilidade que ele assume por esse mundo (ARENDT, 1997, p. 239).
Os muros da escola permanecem em seus lugares, mas se tornaram porosos aos fluxos
de informação. Essa porosidade provoca um deslocamento invisível, re-ordenando
investimentos de energia cognitiva, emocional e psíquica, ainda que o corpo físico esteja
preso às carteiras escolares. Desprovidos de materialidade, transformados em fótons
conduzidos por um meio tão fluído como o ar, o fluxo de bytes realiza uma espécie de sonho
de teletransporte. Os dispositivos móveis (celulares, pads, e-books, notebooks, etc.)
conectados em rede e as redes wi-fi completam essa deslocalização misturando os espaços
físicos e virtuais, criando superfícies híbridas. Apesar de toda essa permeabilidade, a
penetração da cultura digital no ambiente escolar encontra uma resistência por oposição. Não
é por acaso que Martín-Barbero (2008) assinala a escola como esse espaço de visibilidade dos
contrastes que permeiam o des-ordenamento cultural que atravessamos.
Umas das questões levantadas pelo autor e Rey (2004, p. 33) diz respeito à forma
como a experiência audiovisual iniciada com o cinema e, popularizada com a televisão, vem
afetar “o tipo de representação e de saber, no qual esteve baseado a autoridade”.
Primeiramente, levando às telas do cinema o universo multiculturais das grandes urbes e
depois, com a televisão, levando para dentro dos lares “suas cortantes separações entre
realidade e ficção, entre vanguarda e kitsch, entre espaço de ócio e de trabalho” (REY, 2004,
p. 33). Do ponto de vista da criança, os limites entre o mundo infantil e adulto ficam mais
tênues, ou melhor, vai se dissolvendo a separação desses universos, que foi se delineando ao
longo dos séculos XVII até meados do século XX, com o surgimento da escola primária, a
transição da aprendizagem prática para o aprender com os livros, a segmentação entre o
público e privado e entre o universo infantil e adulto.
A televisão age no sentido de fazer penetrar no cotidiano familiar o mundo adulto das
guerras, dos crimes, dos jogos de sedução, da hipocrisia, mentira, etc, colocando a criança e o
jovem em contato com temas e comportamentos que os adultos se esforçaram por ocultar
durante séculos (MEYROWITZ, 1992 apud MARTÍN-BARBERO, 2002). Rompe-se o filtro
da autoridade parental e modificam-se os modos de circulação do saber, processo que
48 acentua-se partir da metade do século XX46, catalisando e refletindo uma dinâmica social que
já vinha minando a estrutura familiar com as novas condições de vida e de trabalho, a inserção
acelerada da mulher no mundo laboral, o aumento do número de divórcios, a diminuição do
número de filhos, a liberação sexual etc.
Emergem sensibilidades que se desvinculam das figuras de autoridade (pais,
professores, sacerdotes, elites intelectuais) que, tradicionalmente, detinham os saberes e
práticas e definiam os cânones culturais para um deslocamento onde a cultura audiovisual
passa a instruir a maioria. Cultura que quebra com os códigos da cultura impressa permitindo
o acesso e disseminação da informação a um público não letrado, rompendo com as ordens
sequenciais que, em etapas e idades, organizam o processo de aprendizado formal baseado na
leitura e as hierarquias no intenso e fragmentário movimento do zapping47 (BARROS FILHO,
2008). Ainda que possamos atribuir ao meio televisivo o fenômeno da banalização da cultura e
sua massificação e compreendê-la como um sistema de controle político-social, também
pode-se abordá-la por um outro viés, “como um dispositivo audiovisual através do qual uma
civilização pode exprimir a seus contemporâneos os seus próprios anseios e dúvidas, suas
crenças e descrenças, as suas inquietações, as suas descobertas e os voos de sua imaginação”
(MACHADO, 2005, p. 11).
Martín-Barbero (2002) associa o zapping ao modo nômade de habitar a cidade,
experiência que o flâneur de Baudelaire retrata passeando sem destino pelas galerias e ruas da
cidade misturando-se com a multidão e presenciando a velocidade das mudanças na sociedade
moderna, “a modernidade é o transitório, o efêmero, o contingente” (BAUDELAIRE, 1996).
Modernidade que inaugura o leitor movente (SANTAELLA, 2004) filho da Revolução
Industrial, da multidão, das vitrines e dos anúncios que passam a se espalhar pela cidade e
configuram novos ritmos de atenção. É o leitor que nasce com advento do jornal, “leitor
fugaz, novidadeiro, de memória curta, mas ágil” (SANTAELLA, 2004, p. 29), o leitor que
transita pela cidade e seus signos, “leitor de formas, volumes, massas, interações de forças,
46 Hobsbawn (1995) aborda a revolução cultural a partir da dissolução de instituições como a família e a igreja,
a juventude vai adquirindo cada vez mais um protagonismo cultural definindo normas e valores, rompendo com
hábitos intelectuais e educativos seculares, onde a rapidez das mudanças tecnológicas e dos meios de
comunicação conferem aos jovens vantagens sobre as demais faixas etárias.
47 O conceito de zapping surgiu nos Estados Unidos para designar a prerrogativa que tinha um espectador de
televisão para trocar de canal (ajudado pelo controle remoto) durante as inserções publicitárias. Depois o
conceito foi estendido para qualquer mudança de canal (BARROS FILHO, 2008).
49 movimentos, leitor de direções, traços, cores, leitor de luzes que se acendem e se apagam”
(SANTAELLA, 2004, p. 30). Nesses deslocamentos, a relação do sujeito com seu entorno,
mediado cada vez mais por uma tecnicidade, - que, alterando os regimes de visualidade,
redimensionam as noções de espaço e tempo -, transformam as representações, significados e
sentidos atribuídos a noções de próximo e distante, de território, de ambiência, de
temporalidade.
Di Felice (2009) propõe pensarmos a relação entre sujeito e ambiente como uma
relação comunicativa que vem transformando o sentido do habitar em uma prática de
interação comunicativa. Para tal, distingue três formas comunicativas do habitar:
(a)
A empática, ligada à experiência tecnológica da leitura, que fará coincidir o habitar
com o ler, o espaço adquire um caráter textual e antropocêntrico em que o homem é:
[...] habitante da própria razão e somente morador temporário e ativo do
ambiente ao seu redor. […] Nasce, assim, uma forma comunicativa
unidirecional entre o sujeito e o espaço onde, de um lado do processo
comunicativo, tem-se o emissor ativo e, do outro lado, a paisagem receptora
e passiva (DI FELICE, 2009, p. 76).
É nesta forma comunicativa que habita o leitor contemplativo e meditativo do livro e
da imagem expositiva, leitor silencioso que, concentrado em sua atividade, separa-se
do ambiente circundante (SANTAELLA, 2004, p. 23);
(b)
A exotópica, criada pela eletricidade e pelas experiências midiáticas de massas, que
exprime um habitar no qual o território continua a se manifestar como externo, porém
autônomo, cinético e independente do sujeito, a paisagem volta a adquirir cor,
tonalidades, texturas, sons reproduzidos tecnologicamente pela fotografia e cinema
(DI FELICE, 2009);
(c)
E a atópica, difundida com os personal media digital que. transformando o território e
o espaço em informação pelos quais nos deslocamos, passam a configurar um habitar
informativo (DI FELICE, 2009). Partindo da concepção de que o ver, perceber e o
50 habitar constituem uma relação cuja forma é simbiótica e que imprime um caráter
técnico e histórico à experiência sensível e às formas de habitar, desenvolve
argumentos relacionando as transformações técnicas da experiência sensorial com as
transformações das noções de território e os sentidos do habitar:
Se a escrita cria as representações de um espaço e território imateriais,
reduzidos a palavras e textos, a eletricidade e as mídias audiovisuais, além
de devolverem ao ambiente o movimento e as cores, contribuem para a
formação de uma territorialidade externa, mecanicamente móvel, que se
apresenta autônoma em relação ao sujeito. A digitalização do território, a
partir do advento da comunicação digital reduzindo o ambiente a código
informativo, produz pela primeira vez, uma superação da distância entre
sujeito e território, permitindo a alteração da natureza do mesmo e a
interpretação e interdependência entre ambiente e indivíduo. (DI FELICE,
2009, p. 21)
O ser-aí (Dasein) heideggeriano, um ser-no-mundo, é convocado por Di Felice (2009)
para pensarmos o modo de existir humano, um modo de habitar o mundo que difere
simplesmente de residir, mas encontra-se na sua própria ex-sistência, “aquilo em que a
essência do homem conserva a origem da sua determinação” (HEIDEGGER, 2005, p. 10), o
que permite ao homem atribuir significado e interagir fundado no seu pertencimento à
linguagem por meio da qual o homem e as coisas ganham e manifestam o sentido do seu ser,
“linguagem é advento iluminador-revelador do próprio ser” (HEIDEGGER, 2005, p. 12).
Di Felice (2009) utiliza o conceito de meio ambiente para descrever e sintetizar as
relações comunicativas entre sujeito, mídia (percepção) e ambiente, descrevendo uma
passagem onde a interação comunicativa, até então pensada e realizada a partir de fluxos
comunicativos direcionados a uma exterioridade, isto é, direcionados para um território
ambiente concebido como algo separado, adquire com a evolução tecnológica a configuração
da comunicação em rede, onde interior e exterior encontram-se integrados na interação e
imersão em um ambiente que articula sujeito-mídia-circuitos-natureza. “Nasce, assim, a
possibilidade de se pensar uma nova forma ecológica que, superando a visão ocidental
antropocêntrica, pense a natureza e o mundo como o conjunto de relações comunicativas
articuladas através dos dinamismos criadores de rede de redes” (DI FELICE, 2009, p. 29), o
que significa incluir construções intersubjetivas que estão prioritariamente baseadas em
51 princípios participativos, de reciprocidade, confiança, compartilhamento, solidariedade
(SANTAELLA, 2012).
Tais princípios vão em direção ao que Capra no livro a Teia da Vida (1995) sugere
como eco-alfabetização, aprendizagem baseada na compreensão dos princípios de
organização das comunidades ecológicas (ecossistemas), tais como: interdependência
(compreender e nutrir as relações); padrões da rede, processos cíclicos e não lineares que
constituem laços de retroalimentação; sustentabilidade energética; conhecimento dos fluxos
energético e materiais; parcerias expressas no intercâmbio de energias e recursos por uma
cooperação generalizada; co-evolução, processo que ocorre na medida em que as parcerias,
fundadas na confiança e solidariedade, propiciam que ambos os parceiros aprendam e mudem,
co-evoluam; flexibilidade e diversidade, características que possibilitam ao sistema
permanecer sobrevivendo às perturbações e adaptando-se às condições mutáveis.
Para uma juventude designada como “nativo digital”48, tais configurações tecnoambientais traduzem formas de percepção e interação com o território, espaço, ambiente cujas
características vão estar associadas ao que caracterizamos como cibercultura. Ambientes,
culturas e linguagens que atravessam a elaboração de suas subjetividades. Estes se apresentam
como o leitor imersivo, virtual, “leitor que navega numa tela, programando leituras, em um
universo de signos evanescentes e eternamente disponíveis'' (SANTAELLA, 2004, p. 33).
Leitor mutante que passa a carregar a tela consigo pelas ruas da cidade, flâneur não mais
solitário na multidão, mas permanentemente enredado em mentes conectadas. Multidão que
passa a ser compreendida como rede redefinindo um modo de ver o mundo e agir sobre ele
(HARD; NEGRI apud LOVINK, 2005, p. 9):
48
A origem do debate sobre os nativos digitais surge junto com a explosão da internet em meados dos anos 90. O
ensaísta Barlow em sua Declaração da Independência do Ciberespaço, faz a seguinte advertência aos pais:
“Vocês estão apavorados com suas próprias crianças, já que elas nasceram num mundo onde vocês sempre serão
imigrantes" (BARLOW, 1995 apud CORRIN, 2010, p.1). Negroponte (1995) coloca a questão em termos de
divisão cultural que apartaria gerações, onde o universo da cultura digital já se configurava para as crianças
como um ambiente natural. O termo nativos e imigrantes digitais foi popularizado por Prensky (2001ab),
educador norte-americano, ao propor a distinção entre os estudantes que frequentavam a escola no início do
século XXI e seus professores. Prensky (2001ab) atribui à imersão em um ambiente cercado por computadores,
videogames, celulares e todo tipo de brinquedo e ferramenta digital, o surgimento de habilidades e interesses que
diferenciam estes estudantes de forma significativa daqueles que os antecederam. 52 Não se trata de que as redes não estavam entre nós anteriormente ou que as
estruturas do cérebro tenham mudado. A questão é que a noção de rede vem
se tornando uma forma comum, que tende a definir nossa maneira de
compreender o mundo e agir sobre ele. O mais importante segundo nossa
perspectiva, é que as redes são formas de organização de relações
cooperativas e comunicativas ditadas pelo paradigma imaterial de produção.
A tendência dessa forma de commons, que emerge e exerce sua hegemonia,
é o que define este período.49
Uma outra modalidade de leitor emerge do desdobramento dos leitores moventes e
imersivo, o leitor ubíquo. Aquele que transita e tece as redes cooperativas e comunicacionais
munido de conexões velozes e wireless, celulares multifuncionais, tablets, laptops, aplicativos
de múltiplas funcionalidades (apps), plataformas interativas na forma de redes sociais e de
aprendizagem. Habita um ambiente que, articulando sujeito-mídia-circuitos-natureza, é
comunicacional e relacional, onde a conectividade torna-se um princípio de interconexão
entre todos e tudo e o corpo adquire uma mobilidade conectada, pois trafega num mundo onde
a informação habita o espaço físico mediada pelas redes de comunicação e computação física.
É também o leitor enredado num conhecimento em rede, apontando para uma direção em que
as teorias e conceitos estão interconectados. Articula o saber e o fazer, as dimensões
sensoriais, intuitivas, emocionais e racionais, desdobrando-se entre um ambiente em constante
fluxo informacional e situações que envolvem interação com diferentes tecnologias e
equipamentos relacionados a múltiplas e não correlacionadas ações. É o leitor que caminha
em direção à singularidade da convergência tecnológica e habita uma multiplicidade de
ambientes de aprendizagem. O leitor caiu na rede.
49
It is not that networks were not around before or that the structure of the brain has changed. It is that network
has become a common form that tends to define our ways of understanding the world and acting in it. Most
important from our perspective, networks are the form of organization of the cooperative and communicative
relationships dictated by the immaterial paradigm of production. The tendency of this common form to emerge
and exert its hegemony is what defines the period.
53 1.3 MUTAÇÕES EM EDUCAÇÃO
O conhecimento em rede está intimamente ligado ao conceito de singularidade.
Lembramos o debate que vem sendo realizado nos colóquios que discutem a Convergência
Tecnológica referindo-se à combinação sinergética de quatro campos de conhecimento a
Nanotecnologia, a Biotecnologia, as Tecnologias de Comunicação e Informação e Ciências
Cognitivas (neurociências). Se cada uma dessas áreas, individualmente, já é capaz de
introduzir modificações significativas na sociedade e no ambiente, a combinação das quatro
áreas poderá trazer modificações muito mais expressivas. Cavalheiro (2007, p. 6) esquematiza
no fluxograma abaixo algumas das possíveis aplicações práticas da convergência desses
campos:
Figura 3: Possíveis campos de aplicação da convergência tecnológica
Fonte: Cavalheiro (2007)
Destacamos aqui dois dos desdobramentos assinalados pelo autor (CAVALHEIRO,
2007, p. 5):
(a) Unificação da ciência e da educação: os desafios apresentados pelas
novas tecnologias demandam transformações radicais nos ambientes
educacionais, desde o nível elementar até a formação de pós-graduados. A
convergência de disciplinas previamente isoladas não pode ocorrer sem a
emergência de novos tipos de indivíduos capazes de compreender, em
profundidade, esses múltiplos campos, e que possam, de forma inteligente,
54 trabalhar para a sua integração. Novos currículos e novas formas de
instituições educacionais são necessários.
(b) Expansão da cognição e da comunicação humana: deve-se atribuir alta
prioridade aos esforços multidisciplinares que levam à compreensão da
estrutura, das funções e do aprimoramento potencial da mente humana.
Além disso, deve-se priorizar o desenvolvimento de dispositivos para a
interface sensorial pessoal, o enriquecimento das comunidades através de
tecnologias humanizadas, do aprender a aprender, e aperfeiçoar instrumentos
que facilitem a criatividade.
Na introdução de Mutações em Educação segundo McLuhan, Lima (1980) comenta
sobre o futuro da educação colocada no contexto dos meios (referindo-se aos meios de
comunicação de massa) que serão utilizados pelos alunos para desenvolver uma
autoeducação, independente da presença de professores ou de escolas. Nesse sentido, educarse a partir do ponto de vista do educando, é um processo de informar-se, um processo de reagir, referindo-se à noção de feedback em cibernética e de acomodação em Piaget. Em uma
sociedade de excesso de informação, o equilíbrio dinâmico é solicitado para uma adaptação a
um fluxo informacional intenso e ubíquo que desequilibra constantemente o sistema, o que
pressupõe uma maior flexibilidade para adaptação a situações novas. A retroalimentação
constante exige, consequentemente, um processo de acomodação que corresponda (em termos
gerais, processo pelo qual os esquemas mentais existentes modificam-se em função das
experiências e relações com o meio) em grau e intensidade ao feedback, isto é, a propriedade
de estar habilitado a ajustar as futuras condutas às performances passadas.
Esta última função… é chamada de feedback, a propriedade de estar
habilitado a ajustar as futuras condutas as performances passadas. O
feedback pode ser tão simples quanto a de um simples reflexo, ou pode ser
um feedback de ordem mais complexa, no qual a experiência passada é
usada não apenas para regular movimentos específicos, mas também
políticas de comportamento inteiras. Tal política de feedback pode aparentar
ser, por um lado, como frequentemente o faz, o que nós conhecemos como
reflexo condicionado e, de outro, como aprendizado. (WIENER apud
TOMAS, 1995, html)
Lima (1980) alerta para o fato de que em uma atmosfera cultural saturada de
informações, não se tornará necessário um processo sistemático (escola) de provocação das
55 reorganizações que constituem o fenômeno educativo. Essa proposição é realizada a partir das
previsões levantadas por McLuhan (1990 apud Lima, 1980) em um pequeno artigo, incluído
no livreto Mutation, do qual faz uma síntese e comenta. O autor parte da assertiva de que os
educadores somente estariam tomando consciência de que a educação é um processo de
comunicação a partir daquele momento (1970), - parece que, de fato, somente no século XXI,
podemos corroborar esta afirmativa -,
e que as melhores possibilidades da didática
prospectiva estariam na “teoria de informação” (LIMA, 1990, p. 6). Segue uma síntese, em
tópicos, de suas proposições:
(a) A ideia de que a escola como recinto confinado é incompatível com os meios de
comunicação modernos. As crianças aprenderão muito mais - e muita mais rapidamente - em
contato com o mundo exterior (McLuhan), a consequência seria uma retribalização com a
difusão do processo educativo na comunidade;
(b) Todos educarão a todos pelo fato de que a informação não estará mais centralizada no
professor, mas disseminada publicamente pelos meios de comunicação, haveria uma filtragem
e atualização realizada por todos os profissionais da pesquisa;
(c) A exigência no século XXI é de maior flexibilidade operatória, o que exigirá menos
hábitos intelectuais fixos e mais poder de adaptação a situações novas;
(d) Mudança na arquitetura das salas de aula para incluir os visuais eletrônicos e a dinâmica
de grupos de trabalho e de reflexões;
(e) A transição da competição para a colaboração pela natureza própria da necessidade de
articulação de cérebros cada vez mais globalizados que funcionam a partir de grupos de
trabalho, “a especialidade é do indivíduo; a cultura é do grupo” (LIMA, 1990, p. 48);
(f) Intenso engajamento, condição necessária para que haja cooperação;
(g) O aluno-ouvinte será substituído pelo aluno-pesquisador e o professor-informador pelo
professor-animador (no sentido de mobilizar, engajar, motivar) ou mesmo que a função do
professor desapareça, o ensino será substituído pela auto-aprendizagem;
(h) Desaparecimento da dicotomia tradicional trabalho-lazer;
56 (i) A revalorização da motricidade, “o que equivale a uma reinterpretação da inteligência
prática, diretamente ligado à atividade corporal” (LIMA, 1990, p. 52) e, da afetividade,
reintegrando os fenômenos motores, intelectuais e afetivos;
(j) A reestruturação do papel das escolas e universidades, “é na vida exterior que se irá buscar
a matéria-prima da educação e o exterior será a própria Galáxia” (MCLUHAN apud LIMA,
1990, p. 59).
Constatamos que grande parte ou quase a totalidade das previsões de McLuhan
tornaram-se realidade, permeando o universo do que vem sendo caracterizado como
aprendizagem ubíqua, e-learning, mobile-learning e outras formas derivadas das
características interativas, ubíquas, pervasivas e de mobilidade das tecnologias digitais em seu
presente estágio de desenvolvimento. Destacamos a modalidade denominada, por Santaella
(2010b), de aprendizagem ubíqua: aprendizagem espontânea, contingente, fragmentada e
caótica, que pode ocorrer em qualquer lugar e a qualquer hora, cujo processo não sistemático
e organizado é direcionado pelo desejo e interesse e, necessariamente, não segue uma ordem e
sequência de conteúdos e/ou estágios de aprendizagem. Tais características diferem do que
conhecemos como estruturantes nos sistemas de aprendizagem formais. Em certo grau,
aproximam-se do que Montaigne, em 1580, apresentava como fundamentos que devem
nortear o processo de aprendizagem das crianças, - uma individuação do aprendizado, a
valorização da vontade e da afeição e um aprender alicerçado na vida:
Tudo se submeterá ao exame da criança e nada se lhe enfiará na cabeça por
simples autoridade e crédito. Que nenhum princípio, de Aristóteles, dos
estoicos ou dos epicuristas seja seu princípio. Apresentem-se-lhe todos em
sua diversidade e que ele escolha se puder. E se não puder fique na dúvida,
pois só os loucos tem certeza absoluta de sua opinião.
'Não menos quer saber, duvidar me apraz' […] O proveito de nosso estudo
está em nos tornamos melhores e mais avisados. É a inteligência, dizia
Epicarmo, que vê e ouve; é a inteligência que tudo aproveita, tudo dispõe,
domina e reina. Tudo o mais é cego, surdo e sem alma. […] Saber de cor não
é saber: é conservar o que se entregou à memória para guardar. Do que
sabemos efetivamente, dispomos sem olhar para o modelo, sem voltar os
olhos para o livro. Triste ciência a ciência puramente livresca!
(MONTAIGNE, 1993, p. 82)
57 Alguns séculos transcorreram, as palavras de Montaigne reverberam nas críticas ao
sistema educativo em seu distanciamento do cotidiano, no seu caráter 'livresco' e de
memorização, no enfoque conteudista e massificado, mas a realidade de uma sociedade sem
escolas ainda nos parece ficção. O que se configura hoje na rede está longe de ser
compreendido e apreendido como uma possibilidade que venha a substituir a educação
formal. Santaella (2010b) argumenta que surge uma nova modalidade de aprendizagem, que
não substituirá a educação formal e, sim, haverá de complementar as modalidades de
educação formal, informal e não-formal, que já se encontram estabelecidas, cabendo-nos o
desafio de desenvolver estratégias integradoras:
Ou seja, inaugura-se uma modalidade de aprendizagem que é tão
contingencial, inadvertida e não deliberada que prescinde da equação ensinoaprendizagem caracterizadora dos modelos educacionais e das formas de
educar. O que emerge, portanto, é um novo processo de aprendizagem sem
ensino. Isto posto, cumpre indagar sobre as possíveis consequências que
essas condições trazem para a educação. (SANTAELLA, 2010b, p. 6)
Tal qual uma sociedade sem escolas, quais as consequências de um processo de
aprendizagem sem ensino? O que está em jogo ultrapassa compreender os processos
interativos entre os atores de dado processo educativo, como, por exemplo, a relação de
interação que se dá no contexto formal de educação entre professores e alunos mediado pelas
tecnologias, em especial, a computacional.
Princípios teóricos baseados na matriz sociocultural e histórica, que tem nos estudos
de Vigostky, no campo da psicologia, e de Bakthtin, na linguística, a inclusão do caráter
social e dialógico na formação do pensamento e da linguagem, têm fundamentado grande
parte das pesquisas que analisam as questões relacionadas às transformações na educação na
sua relação com as atuais tecnologias, buscando compreender a modalidade interativa de
comunicação da era digital. O pensamento complexo de Morin (1995; 1996), o conceito de
inteligência coletiva de Lévy (1994) e as teorias cognitivas de Varella e Maturana (1995;
1997), também estão presentes em grande parte dos estudos que abordam, principalmente, elearning ou educação on-line. Uma breve incursão no banco de dados da Capes, relacionando
58 termos como educação, cibercutura, cultura digital, TICs, e a leitura dos resumos permite
confirmar tais enfoques teóricos. Em geral, as dinâmicas cognitivas discutidas ainda
apresentam
o
par
ensino-aprendizagem,
aluno-professor,
indivíduo-sociedade.
Sem
desconsiderar a importância de refletir sobre as mutações que afetam essas relações e as
transformações no papel tanto do aluno, quanto do professor, do significado do ato de ensinar
e aprender levando em conta estas dualidades, como pensar as transformações nas
transmissões educativas na ausência desses pares?
No próximo capítulo, propomos pensar a aprendizagem em rede como uma dinâmica
cognitiva própria de mentes conectadas e interdependentes, manifestas em novos ambientes
de aprendizagem onde a noção de coletivo e rede despontam como alternativas para se pensar
o social. Partimos de um enfoque sistêmico e da teoria ator-rede (TAR) para compreender as
transformações que estão no cerne das comunicações multimídia em rede (www) e da
comunicação multimodal (de qualquer lugar para qualquer lugar), onde as propriedades
sistêmicas, como organização e conectividade, aliam-se ao de inscrição e tradução oriundos
da teoria ator-rede (TAR) proposta por Latour (1998).
Por um lado, “os parâmetros dos sistemas complexos adaptativos podem lançar luzes
sobre o funcionamento e comportamento das RSIs” - Redes Sociais da Internet,
(SANTAELLA; LEMOS, 2010, p. 18) e, consequentemente, das redes de aprendizagem,
afinal as redes sociais são ambientes de educação desde que o mundo é mundo (SIEMENS,
2008; RECUERO, 2011) e, por outro lado, a TAR “confere maior elasticidade na
compreensão das interações e interdependência dos atores/actantes de uma rede”
(SANTAELLA; LEMOS, 2010, p. 54), propondo um outro modo de se pensar o que
compreendemos por sociedade e por social. A teoria do conectivismo proposto por Siemens
(2005) em Connectivism: learning as a network creation e Dowens (2005) em Introduction to
Connective Knowledge serão analisadas em sua proposta como uma teoria de aprendizagem
para a era digital, considerando os limites e análises críticas que advertem que esta teoria mais
se aproxima de uma pedagogia e não apresenta fundamentos epistemológicos que possam
configurá-la como uma teoria de aprendizagem (KON; HILL, 2008).
59 2.0
Figura 4: Oneness
Fonte: Moriko Mori (2003)
60 2.0 REDES, CONECTIVIDADE E APRENDIZAGEM
Um dia, os teóricos e historiadores da comunicação vão se dar conta de que
pensar em rede não é apenas pensar na rede, que ainda remete à ideia de
social ou à ideia de sistema, mas é sobretudo pensar a comunicação como
lugar da inovação e do acontecimento, daquilo que escapa ao pensamento da
representação. (PARENTE, 2010, p. 92)
As redes ganharam visibilidade com a digitalização e transparência ao se tornarem
pervasivas e ubíquas como fruto das tecnologias digitais da mobilidade e da conexão
contínua50. A digitalização possibilitou a materialização de seus nós e conexões, das relações
e associações e, simultaneamente, pulverizou e diluiu o termo em tantas facetas e múltiplas
noções e usos, que se faz necessário o trabalho cuidadoso sobre a trama e tessitura que dá
corpo às redes em cada contexto em que elas emergem. As tecnologias de mobilidade e
conexão contínua vêm tecendo, com um fio invisível e dispositivos cada vez mais diminutos,
os nós e conexões, desenhando tramas, grafos, diagramas e redes que, ultrapassando a ligação
entre pontos e elementos de um espaço topológico, entrelaçam coisas, corpos, afetos, mentes e
pensamentos.
No contexto da educação, essa relação é visível na perspectiva de inclusão das
tecnologias de informação e comunicação nas práticas pedagógicas. As noções de
aprendizagem e de conhecimento em rede e a constituição e caracterização de comunidades e
redes de aprendizagem ganham força como um novo paradigma a ser explorado e
compreendido. Por outro lado, também ganham em ambiguidade e pluralidade, na medida em
que a noção de rede adquire uma multiplicidade de significações que se entrelaçam e se
sobrepõem. A rede é, simultaneamente, um sistema de infraestrutura de comunicação mediada
por computadores (computadores conectados, redes de telecomunicação e energia), o espaço
50
As tecnologias de mobilidade e conexão contínua integradas aos GPS e serviços de localização física, são
também mídias locativas. Segundo Santaella (2007, p. 227), “as mídias locativas estão voltadas para a interação
social que se dá em um lugar por meio da tecnologia. São experiências inseridas no circuito de uma cultura da
mobilidade que abarca informação dependente do local e consciência do contexto.” A mobilidade e a conexão
contínua “inclui tanto interações sociais quanto conexões com a internet, enquanto as pessoas se movem, muitas
vezes no burburinho fervilhante da cidade, insere contextos remotos dentro de contextos presentes”
(SANTAELLA, p. 237), o uno e o múltiplo contidos nas dobras e redobras de um corpo sem órgãos.
61 partilhado (o ciberespaço), a “rede de redes” (Internet), as RSIs (Redes Sociais da Internet).
Por ser um modo de organização não linear e não hierárquico, a rede é o agregado de pessoas
e conexões, é um sistema de relações definido por nós, conexões, laços sociais e capital
social, a rede é mediação...
Nesse contexto, a aprendizagem em rede é sinônimo de processos colaborativos e
conectividade e as redes de aprendizagem são a teia que entrelaça essas ações. Será que é
possível a existência de redes de aprendizagem sem que ocorra aprendizagem em rede ou o
oposto? A afirmativa de André Parente pode ser atualizada para a aprendizagem?
Aprendizagem em rede não é apenas aprendizagem na rede, que ainda remete à ideia do social
e de sistema, mas é sobretudo pensar a aprendizagem como lugar de inovação e
acontecimento, daquilo que escapa ao pensamento da representação.
2.1 CONECTIVISMO
George Siemens inicia, em 2004, um debate polêmico a partir do texto Conectivismo:
uma teoria de aprendizagem para a era digital, onde propõe que as teorias clássicas de
aprendizagem (Behaviorismo, Construtivismo e Construcionismo) seriam pouco eficazes para
descrever e explicar os processos de produção de conhecimento e aprendizagem mediados
pelas tecnologias contemporâneas, sendo necessária a proposição de uma nova teoria
contextualizada à realidade da era digital. Uma das razões seria o fato das teorias clássicas
terem sido elaboradas em outro contexto histórico-social e refletirem o ambiente social a
partir do qual foram desenvolvidas, no qual a aprendizagem ainda não havia sido impactada
pelas tecnologias. Outro fator é relativo aos princípios epistemológicos que fundamentam tais
teorias, focados nos processos de aprendizagem que ocorrem no interior de um indivíduo, sem
levar em conta a aprendizagem que ocorre externamente e no seio das organizações,
incluindo, nesta crítica, as teorias que levam em conta o contexto social e as relações sociais.
Um contexto de renovação continuada e intensa das produções requisita novas
competências, como a habilidade de conectar fontes de informação, de reconhecer padrões de
informações úteis, bem como, de ajuste às constantes mudanças desses padrões (SIEMENS,
62 2004). Aprendemos com o auxílio de tecnologias que afetam nossos cérebros e pensamento e,
necessitamos, por exemplo, saber como encontrar o conhecimento, armazená-lo, processá-lo,
organizá-lo. Necessitamos também de flexibilidade e agilidade para aprender coisas novas,
diversificar as modalidades de aprendizagem, locais e temporalidade (horários e fases). A
aprendizagem na era digital exige uma capacidade de auto-organização em um ambiente
descentralizado, difuso, complexo e caótico, onde o conhecimento não é adquirido de forma
linear e a tecnologia realiza muitas das operações cognitivas. A inclusão da tecnologia e a
identificação das conexões são compreendidas como atividades de aprendizagem. Derivamos
nossa competência da formação de conexões, da formação de redes. Um movimento cíclico,
cujo ponto de partida é o indivíduo, mas que se estende para além dele:
O ponto de partida do conectivismo é o indivíduo. O conhecimento pessoal
se constrói a partir de uma rede, que alimenta organizações e instituições,
que por sua vez retroalimentam a rede, provendo nova aprendizagem para os
indivíduos. Este ciclo de desenvolvimento e produção do conhecimento
(pessoal para a rede, rede para a instituição) é que permite os aprendizes
estarem atualizados em sua área mediante as conexões que tenham formado.
(SIEMENS, 2004, p. 9)
Uma dos pontos centrais do conectivismo é a possibilidade da aprendizagem e do
conhecimento serem expandidos através de uma rede pessoal conectada a uma rede mais
ampla, que possibilita “equilibrar pequenos esforços de muitos com grandes esforços de
poucos” (SIEMENS, 2002, p. 9). O conectivismo parte do princípio de que a aprendizagem
ganha outras características na era digital: passa a ocorrer tanto internamente, quanto
externamente ao indivíduo; constitui um processo de conectar nós e fontes de informações
especializados; pode residir em dispositivos não humanos, por exemplo filtros e motores de
busca que auxiliam na seleção de informação relevante; a tomada de decisão em um ambiente
em constante mudança passa a ser uma competência central e é, em si mesma, considerada um
processo de aprendizagem; a constante atualização do conhecimento é uma das premissas e
intenções das atividades de aprendizagem e não a acumulação do conhecimento em si.
O conectivismo valoriza a capacidade de aprender, as meta-habilidades que antecedem
a aprendizagem em si, justificando que, numa sociedade interconectada em que o
conhecimento cresce de forma exponencial e é abundante, a adaptabilidade, a capacidade de
63 sintetizar e reconhecer conexões e padrões, a habilidade de tomar decisões e agir em um
ambiente que se modifica rapidamente, de formar conexões entre comunidades
especializadas, de criar padrões de informação úteis a partir de uma variedade de fontes de
informação, são aspectos essências da aprendizagem (SIEMENS, 2004).
As questões levantadas por Siemens (2004) provocaram debates em fóruns, blogs,
eventos e seminários recebendo posteriores contribuições e reformulações do próprio autor e
de outros pesquisadores. Uma das contribuições mais significativas é de Dowens (2006;
2007), especialista nas áreas de aprendizagem on-line, novas mídias, pedagogia e filosofia,
que defende a noção de conhecimento distribuído como uma categoria descrita como
conectiva: a propriedade de uma entidade poder ser conduzida ou vir a tornar-se propriedade
de uma outra entidade de forma a poder considerá-las conectas. Não basta estar em relação
para estar conecto é preciso que haja interação, o conhecimento conectivo é resultante da
conexão estabelecida por meio da interação entre as diversas entidades, não podendo ser
atribuído a nenhuma parte específica, mas é uma propriedade emergente do agregado como
um todo. É um conhecimento distribuído, um conhecimento social.
O conhecimento conectivo é um fenômeno da rede, para conhecer algo é preciso estar
organizado de certa maneira e conhecer os padrões de conectividade. O conhecimento não
está localizado em um dado local, mas antes consiste na rede de conexões formadas a partir da
experiência e interações com uma comunidade de conhecimento, tanto quanto sua
aprendizagem. As comunidades de aprendizagem são nós e parte de uma rede maior e podem
ter diferentes tamanhos e força, dependendo da concentração de informação e do número de
indivíduos que estão navegando através de um determinado nó. A rede será constituída por
dois ou mais nós ligados de modo a partilhar recursos.
Críticas foram levantadas às proposições de Siemens (VERHAGEN, 2006; KERR,
2007; KOP; HILL, 2008), principalmente, na recusa de que o conectivismo seria de fato uma
teoria de aprendizagem que traria algo de novo e substancial, reiterando a importância de
teorias estabelecidas como o construtivismo e o construcionismo. A ausência de fundamentos
epistemológicos é tomado como o principal argumento para não considerá-la como uma teoria
de aprendizagem. Segundo Verhagen (2006), o conectivismo estaria mais próximo de uma
abordagem pedagógica e curricular do que de uma teoria de aprendizagem, propriamente: os
64 argumentos de Siemens estariam centrados nas mudanças acerca de como o conhecimento é
distribuído e produzido e não teriam como foco questões de aprendizagem em si. Kerr (apud
MOTA, 2009) considera que as questões levantadas pelo conectivismo já foram abordadas no
passado: Vygotsky abordou a relação entre ambientes de conhecimento internos e externos;
Papert incluía o pensar com os objetos, explicados também pela cognição ativa e incorporada
de Clark; e as comunidades práticas já incluem a aprendizagem como inerentemente social e
situada. Kop e Hill (2008) consideram as questões levantadas por Siemens relevantes para
uma discussão de novos paradigmas na educação e de pedagogias que transfiram para os
alunos o controle do processo, contudo não atribuem ao conectivismo o status de uma teoria
de aprendizagem.
O fato é que estamos diante de um campo de teorias educacionais ainda em construção
ou em (re)construção, em que a necessidade de novas abordagens epistemológicas e novas
paradigmas se faz premente para que possamos transitar por um mundo interconectado e por
novas sensibilidades. Siemens (2006) rebate as críticas e reafirma a necessidade de uma nova
teoria de aprendizagem:
Uma alternativa é necessária. Se o conectivismo desempenha esse papel é
irrelevante. De maior importância é que os educadores estejam refletindo
acerca das mudanças na aprendizagem e as implicações que acompanham o
design de ambientes e estruturas de aprendizagem hoje. (SIEMENS, 2006, p.
39)
Refletir sobre os conceitos de aprendizagem em rede e conectividade é um dos
movimentos que aponta para a possibilidade de descobrirmos novos caminhos para a
educação, caminhos que vêm sendo instituídos coletivamente, nos quais depositamos a
esperança de que estejam voltados para o exercício de uma atividade prático-poiética. Prático
enquanto desenvolvimento da atividade própria do sujeito, isto é, sua autonomia, utilizando
esta própria atividade para atingir esse fim, e poiética por ser criadora, por conduzir ao
aparecimento de um outro ser, instaurando possibilidades de singularização.
A busca de sentido é antes de tudo a busca da própria subjetividade humana,
do sujeito em questão. Sujeito caracterizado pela reflexividade e pela
65 vontade (capacidade de ação deliberada), como define Castoriadis.
Reflexividade que tem como fundamento a imaginação. Imaginação
produtiva e criadora – o imaginário último ou radical, que pressupõe,
segundo as palavras do autor, “... a capacidade de ver em uma coisa o que
ela não é, de vê-la diferente do que é”, ou seja, a capacidade de criação, que
nos exclui de pensar o gênero humano como simples determinação socialhistórica. (GOUDART, 1998, p. 20)
Guatarri (1992, p. 19) se refere à subjetividade como um conjunto de condições que
torna possível que instâncias individualistas e/ou coletivas estejam em posição de emergir
como território existencial auto-referencial em adjacência ou em relação com uma alteridade
ela mesma subjetiva. O que nos remete à pergunta: Que redes estamos tecendo na educação?
George Siemens (2008, p. 2) chama a atenção para o fato de que “a discussão das
redes de aprendizagem é por vezes imprecisa, sem distinção no modo como o termo tem se
desenvolvido ao longo das últimas décadas”. Propõe que os educadores se debrucem sobre as
nuances desse conceito para comunicar, mais precisamente, conceitos de conectividade e
aprendizagem em rede (SIEMENS, 2008, p. 8). A partir de uma revisão de literatura, o autor
propõe cinco estágios significativos e interdependentes da evolução na forma como a noção
de rede é percebida nos espaços educativos:
(a) como infraestrutura física;
(b) como uma mescla de infraestrutura e teorias de rede oriundas da sociologia, física e
matemática;
(c) a partir de visões teóricas e transformadoras sobre aprendizagem, conhecimento e
cognição;
(d) a partir da difusão da noção pelo uso e popularização dos serviços de rede sociais na
internet;
(e) como um modelo de detalhamento do processo ensino e aprendizagem.
Tomamos como ponto de partida as análises do autor para realizar o levantamento de
algumas concepções e conceitos que emergem mesclados ao conceito de rede, conectividade e
aprendizagem, como o de comunicação mediada por computador, comunidades e redes de
aprendizagem, ciberespaço, interatividade, conectividade, aprendizagem colaborativa, entre
66 outros. Pretendemos aqui apenas destacá-las, propiciando uma visão geral, sem a intenção de
explorar as diversas nuances de suas ocorrências e abordagens por educadores e
pesquisadores. A intenção é seguir a diretriz proposta pelo autor de refletir sobre os conceitos
de conectividade e aprendizagem em rede que vêm sendo adotados na educação.
Em um segundo momento, apresentamos o conceito de rede como mediação, a noção
de coletivo e actantes na perspectiva adotada por Bruno Latour (1993; 1996; 2005), segundo a
abordagem da Teoria Ator-Rede (TAR). Eixo teórico e metodológico a partir do qual
buscamos rastrear as dinâmicas de aprendizagem em rede que emergem na narrativa do
estudo de caso proposto nesta pesquisa.
Por fim, concluímos este capítulo abordando o conceito de conectividade e
aprendizagem em rede a partir de uma leitura propiciada pela Teoria de Sistemas e pela
filosofia Peirceana, buscando os possíveis pontos de convergência com a Teoria Ator-Rede.
2.2 REDES E CONECTIVIDADE NA EDUCAÇÃO
O primeiro estágio do digital emergiu junto com a possibilidade de conectar
computadores em rede, ligados a centros de supercomputação. Siemens (2008, p. 2)
exemplifica este estágio com a criação da National Science Fundation Network (NSFNET),
um programa coordenado para promover pesquisa avança e educação em rede, iniciado em
1985. Foi criado com a finalidade de conectar pesquisadores e acadêmicos nos Estados
Unidos, criando uma rede de pesquisa acadêmica e facilitando o acesso aos centros de
supercomputação. O NSFNET também é o nome para designar várias redes nacionais de
backbone51que foram construídas para apoiar as iniciativas da NSF de formação de redes de
pesquisa interconectadas, no período de 1985-1995. Inicialmente criada para vincular
pesquisadores de diversos centros de pesquisa do país, estas redes se transformaram em
grande parte do backbone da Internet, através de financiamento público adicional e parcerias
entre as empresas privadas.
51
Backbone é o termo que designa as principais rotas de dados entre as redes mais potentes e estratégicas e os
core routers, roteadores que suportam múltiplas interfaces de telecomunicação em altas velocidades.
67 Figura 5. Estudo da NSFNET de visualização do tráfego de entrada, medido em bilhões de bytes,
do backbone T1 para o mês de setembro de 1991. A faixa de volume de tráfego é retratado de roxo
(zero bytes) ao branco (100 bilhões de bytes). Ele representa os dados coletados por Mérito
Network, Inc. Os nós de backbone NSFNET são mostrados no topo, redes regionais abaixo.
Fonte: Rede de Mérito, Inc., NCSA, e da National Science Foundation.
Ainda que o grande salto para interconectar redes de pesquisas em alta velocidade
tenha ocorrido na década de 80, redes de computadores têm sido utilizadas para integrar
pesquisadores desde 1960 (HARASIN et al, 1995). Seu uso amplo por estudantes só foi
possível a partir dos investimentos significativos em computadores e tecnologia de rede nas
escolas, faculdades e universidades, durante o período de 1980 a 2000, representando a fase
inicial de implantação de rede em termos de infraestrutura física e a consequente associação
da noção de rede articulada às tecnologias de informação e comunicação no seu aspecto
material em termos de hardware, software e redes de telecomunicação.
No Brasil, a partir de 1980, ocorrem os primeiros seminários envolvendo o Ministério
da Educação e Cultura (MEC) e a Secretaria Especial de Informática (SEI) e a formação da
Comissão Especial de Educação 1 (CEE-1) com a finalidade de “colher subsídios das duas
secretarias e gerar normas e diretrizes no novo e amplo campo que se abriria na educação”
(MEC/FUNTEVE, 1985, p. 3 apud MORAES, 2000b, p. 8). Em 1983, é aprovado o Projeto
68 Brasileiro de Informática na Educação - EDUCOM, com o objetivo de realizar estudos e
experiências nesse setor visando formar recursos humanos para ensino e pesquisa e criar
softwares educacionais através de equipes multidisciplinares. O programa ocorre em centros
pilotos formados por cinco universidades: UFRGS, UFRJ, UFPel, UFMG e UNICAMP. A
Rede Nacional de Pesquisa (RPN) é criada em 1989, pelo Ministério de Ciência e Tecnologia
(MCT) com o objetivo de construir uma infraestrutura de rede para a comunidade acadêmica,
constituindo a primeira rede de acesso à Internet no Brasil. Somente em 2000, é criada a
UniREDE, um consórcio, inicialmente, de 33 universidades que nasceu com a finalidade de
oferecer, por meio de implantação de infovias e mídias integradas, um conjunto de aplicações
estratégicas especialmente voltadas para um Programa de Recuperação do Ensino Superior
Público pelas instituições signatárias, disseminando educação assistida por meios interativos
através da internet, videoconferência e outras mídias educacionais (MORAES, 2000, p.14).
O PROINFO, Programa Nacional de Informática na Educação, é implementado a
partir de 1997 com o objetivo de introduzir na escola pública (nos níveis fundamental e
médio) as Tecnologias de Informação e Comunicação, como ferramenta de apoio ao processo
de ensino-aprendizagem (MARCELINO, 2003, p. 1). Em 2007, o PROUCA (Programa Um
Computador por Aluno) é implantado, em fase experimental, com a distribuição de laptops
para alunos de 5 escolas, em regiões distintas do território brasileiro, tendo como objetivo ser
um projeto educacional utilizando tecnologia, inclusão digital e adensamento da cadeia
produtiva comercial do Brasil52. Para os próximos dez anos, o projeto de lei do novo Plano
Nacional de Educação (PNE 2011-2020) prevê como estratégias de universalização do ensino
fundamental e médio e aumento do IDEB53: a universalização do acesso à rede mundial de
computadores
em
banda
larga
de
alta
velocidade
e
o
aumento
da
relação
computadores/estudante nas escolas da rede pública de educação básica, promovendo a
utilização pedagógica das tecnologias da informação e da comunicação; e o provimento de
equipamentos e recursos tecnológicos digitais para a utilização pedagógica no ambiente
escolar a todas as escolas de ensino fundamental e médio.
52
Conf.: http://www.uca.gov.br/institucional/projeto.jsp
Índice de desenvolvimento da Educação Básica, criado em 2007 pelo Ministério da Educação para medir a
qualidade de cada escola e de cada rede de ensino. Calculado com base no desempenho do estudante em
avaliações do Inep e em taxas de aprovação.
53
69 A questão de desenvolvimento de infraestrutura das redes vai permear todas as fases,
atualizando-se de acordo com o desenvolvimento das tecnologias, como é o caso da
tecnologia de mobilidade e ubíquas de redes wi-fi e a discussão atual, no Brasil, sobre a
implantação do Programa Nacional de Banda Larga54 (PNBL, 2010) e o projeto Cidades
Digitais55, articulando para tal fim políticas públicas e interesses privados no campo da
comunicação, economia, justiça, cultura, educação etc. Sobrepõem-se outras linhas de forças
e rotas de fuga. A rede como infraestrutura é, simultaneamente, natureza, discurso e sociedade
(LATOUR, 1994, 2005), ainda que estas nuances permaneçam aos olhares menos atentos
invisíveis ou ocultas. Paralelamente, na medida em que as inovações tecnológicas vão sendo
incorporadas no dia-a-dia, novos modelos teóricos e práticas culturais vão emergindo e
sobrepondo-se alterando e hibridizando as concepções que norteiam os conceitos de rede, de
conectividade e aprendizagem em rede, sem que tenhamos tempo suficiente para realizar
mudanças significativas na educação formal, que acompanhem o ritmo das mudanças.
54
O Programa Nacional de Banda Larga – Brasil Conectado – foi criado pelo Governo Federal com o objetivo
de ampliar o acesso à internet em banda larga no país, criar oportunidades, acelerar o desenvolvimento
econômico e social, promover a inclusão digital, reduzir as desigualdades social e regional, promover a geração
de emprego e renda, ampliar os serviços de governo eletrônico e facilitar aos cidadãos o uso dos serviços do
Estado, promover a capacitação da população para o uso das tecnologias de informação e aumentar a autonomia
tecnológica e a competitividade brasileiras. O plano tem três eixos: expandir a cobertura do serviço, elevar a
velocidade do serviço e reduzir custos.
55
O projeto possibilita a modernização da gestão das cidades com a implantação da infraestrutura de conexão de
rede entre os órgãos públicos, além da implantação de aplicativos, com o objetivo de melhorar a gestão e o
acesso da comunidade aos serviços do governo. As cidades recebem softwares para os setores financeiros,
tributário, de saúde e educação, e os servidores públicos serão capacitados no uso específico dos aplicativos e da
rede, assim como das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Também está prevista a instalação de
pontos de acesso à internet para uso livre e gratuito em espaços de grande circulação em locais definidos a
critério das prefeituras. Para mais informações acessar: http://www.mc.gov.br/acoes-e-programas/cidadesdigitais
70 2.2.1 Ciberespaço como um ambiente virtual de aprendizagem
Os conceitos de comunicação mediada por computador (CMC) e comunidades e redes
de aprendizagem encontram-se associados à noção de rede como um sistema de conexão que
possibilita o surgimento de espaços e/ou ambientes partilhados:
Imagine-se aprendendo com seus pares, especialistas e recursos, disponíveis
sempre que você deseja ou necessita deles. [...] Vocês estão todos
aprendendo juntos não em um lugar no senso ordinário, mas em um espaço
partilhado, o “ciberespaço”, utilizando sistemas de rede que conecta pessoas
ao longo de todo o globo. Sua sala de aula em rede está em qualquer lugar
onde você tenha um computador pessoal, um modem e linha de telefone,
antena parabólica ou conexão por rádio. Discar para a rede transforma a tela
do computador em uma janela para o mundo da aprendizagem. A rede é um
nome para descrever esses espaços partilhados. Sinais de satélite e telefone
formam uma vasta teia ou rede que conecta cada computador a outro
computador no mundo. Suportados por estas redes, os educadores podem
criar ambientes de aprendizagem eficientes através dos quais professores e
estudantes em diferentes localidades trabalham juntos para construir sua
compreensão e habilidade relativa a um conteúdo específico. (HARASIN et
al, 1995, p. 3)
A rede compreendida como sistema de infraestrutura comunicacional e informacional
é o que possibilita a conexão entre máquinas-máquinas, máquinas-pessoas e pessoas-pessoas
e origina o ciberespaço. Na acepção de Rheingold (1996, p. 18), o ciberespaço é um “espaço
conceitual onde se manifestam palavras, relações humanas, dados, riquezas e poder da
tecnologia de CMC”. Lévy (1999, p. 92), por sua vez, compreende este espaço como:
[...] o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial de
computadores e das memórias dos computadores. Essa definição inclui o
conjunto de sistemas de comunicação eletrônicos (aí incluídos os conjuntos
de redes hertzianas e telefônicas clássicas), na medida em que transmitem
informações provenientes de fontes digitais ou destinadas à digitalização.
Insisto na codificação do digital, pois ela condiciona o caráter plástico,
fluido, calculável com precisão e tratável em tempo real, hipertextual,
interativo e, resumindo, virtual de informação que é, parece-me, a marca
distintiva do ciberespaço.
71 A noção de rede funde-se à noção de ciberespaço. Como um espaço sem limites
físicos, sem contornos, a ideia de localização transita para a de ambiência. Passamos a nos
(des)localizar nesse espaço conceitual virtual e espaço de comunicação como um estar na
rede, estar conectado, estar online e passamos a transitar ou navegar em diversos ambientes
mediados por interfaces culturais (softwares). Se deixamos de estar online, deixamos de estar
na rede, o que implica que deixamos de participar de um espaço de comunicação globalizado.
Na medida em que as tecnologias de conexão contínua e as mídias locativas vão se
disseminando, o estar online transforma-se no estar always-on56 (PELLANDA, 2005). A
distinção entre o ciberespaço e o espaço físico vai adquirindo contornos cada vez menos
nítidos e outras noções57emergem como a de territórios informacionais (LEMOS, 2008),
espaços intersticiais (SANTAELLA, 2007b; 2010), espaços híbridos (SOUZA e SILVA,
2006).
Redes aqui está sendo entendida como todo fluxo e feixe de relações entre
seres humanos e as interfaces digitais. Nessa híbrida relação, toda e qualquer
signo pode ser produzido e socializado no e pelo ciberespaço, compondo
assim, o processo de comunicação em rede próprio do conceito de ambiente
virtual de aprendizagem. [...] Nesse sentido o ciberespaço além de se
estruturar como um ambiente virtual de aprendizagem universal que conecta
redes sócio-técnicas do mundo inteiro, permite que grupos/sujeitos possam
formar comunidades virtuais fundadas para fins bem específicos, a exemplo
das comunidades de e-learning. (SANTOS, Edméa, 2003, p. 3)
Surgem ambientes específicos voltados para a aprendizagem online, baseados em
design instrucional e facilitações que propiciem a interatividade entre grupos e aprendizagem
56
Always on é o termo utilizado por Pellanda (2010) para designar a conexão contínua propiciado pelas mídias
móveis, permitindo um fluxo de dados de informação constante, a essa característica o autor acrescenta o fato do
usuário tornar-se um ponto de compartilhamento de fatos ao seu redor. O usuário inserido em um ambiente físico
geo-localizado transfere informação para outros sistemas ambientes agora virtuais, alimentando uma complexa
rede sígnica ou semiótica.
57
Os três conceitos abordam a relação entre o que até então chamamos de ciberespaço e o espaço físico.
Destacamos a noção de Lemos (2008, p.14): “Por territórios informacionais compreendemos áreas de controle
do fluxo informacional digital em uma zona de intersecção entre o ciberespaço e o espaço urbano. O acesso e o
controle informacional realizam-se a partir de dispositivos móveis e redes sem fio. O território informacional não
é o ciberespaço, mas o espaço movente, híbrido, formado pela relação entre o espaço eletrônico e o espaço
físico. Por exemplo, o lugar de acesso sem fio em um parque por redes Wi-Fi é um território informacional,
distinto do espaço físico parque e do espaço eletrônico internet. Ao acessar a internet por essa rede wi-fi, o
usuário está em um território informacional imbricado no território físico (e político, cultura, imaginário, etc.) do
parque, e no espaço das redes telemáticas”.
72 colaborativa, facilitando e estimulando a partilha de conhecimento e promovendo a
constituição de comunidades e redes de aprendizagem (HASARIM et al, 1995). Ambientes,
como o Blackboard e Moodle, são desenvolvidos e passam a ser utilizados como interfaces
para a implementação de cursos à distância ou semipresenciais, direcionados para a educação
formal. Reúnem diversos recursos de comunicação assíncrona e síncrona, de publicação e
produção de conteúdos, tendo como objetivo potencializar a autoria, autonomia, interatividade
e a remixagem de informação (SANTOS et al, 2012), características presentes na produção de
conhecimento nos ambientes digitais. Por outro lado, também reproduzem os ambientes
tradicionais de produção de conhecimento, representações implícitas em suas logomarcas, um
quadro negro (Blackboard) e o capelo (chapéu), utilizado em formaturas de cursos
tradicionais como o Direito (Moodle), fazem referência a esses universos. A aprendizagem
nesses ambientes tem sido criticada como reprodutora dos padrões tradicionais de
aprendizagem (MENDONÇA FRÓES, 2010; SANTOS, 2003), onde pouca ou nenhuma
interatividade é propiciada em função das metodologias adotadas.
Mota (2009) propõe uma distinção entre EAD, e-learning, e-learning 2.0, onde cada
uma
dessas
terminologias
designariam
processos
diferenciados
de
aprendizagem,
respectivamente: (a) uma mera reprodução da transmissão de conteúdo utilizando os recursos
de interação disponíveis na rede; (b) processos que propiciam uma aprendizagem ativa e
interativa, mas ainda limitada na produção de conteúdos autorais; (c) uma evolução para as
dinâmicas de produção de conteúdo, partilha e colaboração das redes 2.0, onde a questão de
promover a aprendizagem colaborativa, suportada pela CMC, torna-se central e o papel do
professor é reformulado, passando a atuar mais como um facilitador e/ou tutor. A
aprendizagem colaborativa é definida, de modo geral, como uma modalidade de
aprendizagem resultante de processos interativos que ocorrem nas redes e comunidades de
aprendizagem. Conceitos que vão sendo redimensionados e ampliados na medida em que a
natureza da interação na web vai evoluindo e sofrendo transformações.
Uma primeira distinção entre comunidades e redes de aprendizagem58 surge ligada à
noção de identidade de grupo a partir de interesses comuns e da formação de laços afetivos,
58
Recuero (2002) apresenta em sua dissertação de mestrado uma análise da evolução do conceito de
comunidades virtuais, cunhado por Reinghold no livro BBS, The Well (1996). Comparando as diferenças
apontadas entre os conceitos de comunidade clássica e virtual, procura realizar uma desconstrução e uma
73 no caso das comunidades e, no caso das redes, ao estabelecimento de um modo de
organização não hierárquica, deslocalizado e interconectado.
Harasin et al (1995, p. 4) analisando as potencialidades das redes 1.0 define as redes
de aprendizagem como grupos de pessoas que utilizam a comunicação mediada por
computador para aprenderem juntas no momento, lugar e ritmo, que melhor lhes convier e for
apropriado para a tarefa. Para a autora, as redes de aprendizagem são formas sem precedentes
de colaboração baseadas na partilha de interesses, que podem gerar comunidades de
aprendizagem on-line a partir do momento em que os laços sócio-afetivos se estreitam.
Segundo a autora, as redes são ambientes comunicacionais que aumentam a conectividade
social e propiciam uma comunicação sócio-emocional.
Rheingold (1998 apud CARVALHO, 2009, p. 37) reforça a concepção de
comunidades definidas a partir de laços pessoais ao referir-se às comunidades virtuais como
“agregados sociais surgidos na Rede, quando os intervenientes de um debate o levam por
diante em número e sentimento suficientes para formarem teias de relações pessoais no
ciberespaço”. Já para Lévy (1999, p.27 apud CARVALHO, 2009, p. 37), uma comunidade
virtual “é um grupo de pessoas se correspondendo mutuamente por meio de computadores
interconectados” que se constrói sobre “afinidades de interesses, de conhecimento, sobre
projetos mútuos, por meio de cooperação ou de troca, independentemente de proximidades
geográficas e das filiações institucionais”.
A concepção de rede ganha o cunho de social com as Redes Sociais da Internet (RSIs)
que emergem na era da web 2.0 e 3.0, como Facebook e Twitter, fruto das “modalidades
diferenciadas de interação que evoluem em compasso com a penetração e apropriação social
dessas redes” (SANTAELLA; LEMOS, 2010, p. 55). Os termos grupos e coletivos
(ROITEBERG; RAMOS, 2010; DRON; ANDERSON, 2007) vão gradualmente sendo
utilizados em lugar de comunidades, mas não há um consenso em relação a essas atribuições.
Relativo aos conceitos de conectividade e aprendizagem em rede, podemos distinguir
nesta primeira fase as seguintes concepções: a conectividade estaria associada à mediação
tecnológica de computadores ligados entre si, formando uma rede de infraestrutura que
reinvenção do conceito à luz das novas formas de sociabilidade contemporânea. Posteriormente, em seu
doutorado vai discutir o conceito de redes sociais da internet a partir das Teorias de Redes.
74 comuta hardware (fisicalidade), software (ambiente) e telecomunicação (transporte de
informação) e de uma consequente comunicação mediada por computador que possibilita a
criação de ambientes de aprendizagem virtuais e instaura uma aprendizagem deslocalizada,
atemporal, de acesso universal à informação e pessoas, baseada na formação de comunidades
virtuais, na colaboração e partilha, segundo uma modalidade unidirecional de interação
característica da década de 90:
A modalidade de interação predominante na década de 1990, vale enfatizar,
é a da navegação unidirecional, caracterizada pelo aumento exponencial dos
nódulos de rede e pela estruturação de canais de comunicação entre esses
nódulos através da evolução acelerada dos mecanismos de busca e das
comunidades virtuais. A intensa velocidade de extensão e interconexão entre
os nódulos informacionais da rede fez com que comunidades se formassem
ao redor de nódulos estratégicos de interesses compartilhados. A partir desse
movimento de “tribalização” digital é que as primeiras plataformas de redes
sociais foram surgindo. (SANTAELLA; LEMOS, 2010, p. 57).
A coordenação em tempo real e assíncrona entre usuários das redes 1.0 e a formação
das comunidades virtuais de compartilhamento de interesses, prenunciaram o que seriam
características potenciais da aprendizagem em rede (HARASIN et al, 1995) nas era das redes
2.0 e 3.0:
(a) alteração da relação aluno-professor face aos recursos educacionais e processos mediados
pelas tecnologias em rede;
(b) maior controle do aluno sobre a natureza da interação;
(c) acesso ampliado em termos temporais, espaciais e temáticos;
(d) acesso à educação formal e informal da escolha do aluno, de qualquer lugar e em qualquer
horário;
(e) aprendizagem ativa com maior grau de participação por parte do aluno;
(f) currículo interdisciplinar e integrado, com as ligações entre teoria e prática tornando-se
mais comum;
(g) oportunidade de envolvimento com outros, a partilha e a construção de conhecimento
conjunto;
75 (h) maior fluidez entre os conceitos de quem é aluno e professor;
(i) ligação entre casa, escola e trabalho, integrando a aprendizagem entre os diversos planos
da vida;
(j) acesso aos melhores recursos.
A noção de aprendizagem, neste primeiro momento, está muito mais para uma
aprendizagem na rede, segundo características e dinâmicas ligadas às transformações do
espaço e do tempo associadas às tecnologias digitais e à emergência do conceito de
ciberespaço. Num segundo momento, a incorporação de teorias da sociologia e outros
campos, que tinham como base de pesquisa estabelecida o conceito de rede, vem ampliar e/ou
problematizar estas noções e trazer para a discussão elementos que caracterizam a cultura
emergente da apropriação social do ciberespaço e das tecnologias digitais, a cibercultura.
Destacamos que as etapas não apresentam fases temporais definidas, são concepções que vão
se sobrepondo e evoluindo, bem como, a evolução/construção dos conceitos relacionados.
2.2.2 Interatividade, fluxos informacionais e os nós da rede
Em 1978, Hiltz e Turoff publicam Network Nation, explorando o papel da
comunicação mediada por computador como um agente transformador da sociedade. A
popularização dos computadores permitiria que as barreiras de tempo e distância entre as
pessoas fossem rompidas, bem como a distância entre as pessoas e informações, que
tenderiam a zero. A Network Nation (Nação rede) seria um lugar onde os pensamentos seriam
facilmente trocados e de forma democrática, diminuindo diferenças entre minorias e
proporcionando um maior poder cognitivo pessoal. O texto é uma referência no campo da
comunicação mediada por computador, termo que passa a designar genericamente sistemas de
comunicação que permitem que pessoas se comuniquem com outras, utilizando computadores
interconectados em rede. A Internet seria um desses sistemas. Com sua popularização em
meados da década de 90, esta passa a ser sinônimo de rede global de computadores, a rede de
redes. Neste estudo, compreendemos a Internet como um sistema midiático, na concepção
76 atribuída por Santaella (2007, p. 22): “sistemas midiáticos consistem em tecnologias
comunicacionais e nas mas variadas práticas econômicas, políticas, institucionais e culturais
que crescem com eles”.
A Internet por sua configuração informacional em rede potencializa as formas de
comunicação baseadas em transmissões digitais59, aglutinando, hibridizando e transformando
as diversas modalidades comunicacionais em uma única modalidade de transmissão, a
baseada em 0 e 1. O que possibilita a comunicação entre diversos computadores é uma
linguagem comum, denominada protocolo. O TCP/IP é o principal protocolo utilizado pela
Internet, é um protocolo livre (não patenteado) baseado na quebra da informação em
pequenos pacotes de dados que são transmitidos por linhas telefônicas, cabos ópticos, ondas
de rádio, satélite ou outras formas de transmissão. As vias de transmissão percorridas são
chamadas redes, variam de redes centrais (os backbones) de alta velocidade e capacidade de
transmissão de grande volume de dados, às redes de tamanho médio para as quais os dados
são distribuídos, que por sua vez, vão redistribuir para rotas secundárias. O que
compreendemos por www (world wide web) é um sistema de ambientes da Internet, cuja
arquitetura possibilita “o processamento da informação e da comunicação como hipertexto60,
isto é, como teia de conexões de um texto com inúmeros outros textos (SILVA, 2006, p. 14).
A noção de hipertexto e hipermídia é determinante para a formulação do conceito de
interatividade e para uma ruptura com a concepção de modalidade comunicacional unívoca e
massiva predominante no século XX. De acordo com Fernback e Thompson (1998 apud
RECUERO, 2002, p.14), a CMC é “ao mesmo tempo um meio de comunicação interpessoal,
‘um para um’ e ‘um para muitos’ ou até mesmo um forma de comunicação de massa de
‘muitos para muitos’”. Para Silva (2006, p. 15), “o hipertexto é o grande divisor de águas
entre a comunicação massiva e a comunicação interativa”.
59
Segundo Santaella (2003b, p. 21) transmissão digital significa conversão de sons, imagens, textos, vídeos e
formas gráficas em formatos legíveis ao computador.
60
Para Nelson (2007), que cunhou o termo hipertexto, a www representa um campo conformado por meio da
estabilidade dada pelos browsers, que agem como formas de controle cognitivo. Nelson compara a Internet ao
oceano, um sistema de comunicação onde a www é apenas como um ferryboat (NELSON, 2007) que se tornou
mais popular. Um tipo de comunicação entre as milhares de formas, onde os navegadores (browsers) determinam
um padrão, que, na sua opinião, é incapaz de fazer o que considera importante, entre outros: criar um documento
feito de pedaços de diferentes partes; comprar conteúdo de um provedor em pequenas quantidades; seguir links
bidirecionalmente. Tornando, assim, o navegar um modo de pensar fixo em relação `a comunicação (NELSON,
2007), organizado a partir de diretórios hierárquicos e arquivos convencionais a partir dos quais pensamos ser
livres usuários.
77 O conceito de interação e/ou interatividade ganha centralidade na educação como
quebra de paradigma comunicacional, operando no sentido de tanto personalizar os processos
sociais e de aprendizagem dos atores, quanto de dar a estes um lugar ativo.
No entanto, aqui estou enfocando a interatividade como perspectiva de
modificação da comunicação em sala de aula e acreditando poder enfrentar o
descompasso evidente entre o modelo de comunicação emergente e o
modelo hegemônico que subjaz à instituição escolar que é a transmissão.
Cultivo esta inquietação, mas não tenho a ingenuidade de querer solucionar a
“crise da educação” modificando apenas a comunicação em sala de aula.
Acredito que tal “crise’ não se resume às mazelas do modelo comunicacional
“arborescente” que prevalece na educação. Entretanto, já que me sinto como
aqueles que dizem “estamos cansados da árvore”, creio que modificar este
modelo, promove efetivamente as bases da comunicação livre e plural - a
participação, a bidirecionalidade e multiplicidade de conexões – significa
buscar a condição propícia para que a expressão própria da “crise da
educação” se evidencie em sua complexidade, na voz e na ação dos atores
diretamente envolvidos com a sala de aula – professores e alunos -, e aí
encontre formas de reação e de reinvenção da educação e da própria
sociedade. (SILVA, 2006, p. 158)
O autor conceitua a interatividade como um tipo singular de interação, cujos
fundamentos estão balizados em três binômios: participação-intervenção, bidirecionalidadehibridação e potencialidade-permutabilidade. Estes termos e suas relações encontram-se
sintetizados nas seguintes proposições (SILVA, 2006):
-
O emissor pressupõe a participação-intervenção do receptor: participar é muito mais
que responder “sim” ou “não”, é muito mais que escolher uma opção dada: participar é
modificar, é interferir na mensagem;
-
Comunicar pressupõe recursão da emissão e recepção: a comunicação é produção
conjunta da emissão e recepção; o emissor é receptor em potencial e o receptor e
emissor em potencial; os dois pólos codificam e decodificam.
-
O emissor disponibiliza a possibilidade de múltiplas redes articulatórias: não propõe
uma mensagem fechada, ao contrário oferece informações em rede de conexões
permitindo ao receptor ampla liberdade de associações e de significações.
78 O potencial da comunicação em rede e de feedback imediato vão alterar os “esquemas
clássicos de comunicação, pois muda o estatuto do receptor através da participaçãointervenção, muda a natureza da mensagem e muda o papel do emissor” (SANTAELLA,
2003b, p. 35), originando o que viria a ser chamado de cultura participativa e aberta, onde a
“mensagem passa a ser um programa interativo que se define pela maneira como é
consultado, de modo que a mensagem se modifica na medida que atende às solicitações
daquele que manipula o programa” (SANTAELLA, 2003b, p.36).
Sociólogos como Castells (1996) e Watts (2003) trazem uma contribuição
fundamental na popularização das visões de rede de interação, comunicação e organização
social, através da publicação de textos que se tornaram populares: respectivamente, The rise
of the Network Society (O crescimento da sociedade em rede) e de Six Degrees (Seis Graus)”
(SIEMENS, 2008, p. 4).
Uma das principais contribuições de Castells é a noção de rede enquanto fluxo
informacional, o que caracteriza uma sociedade em rede como uma sociedade dos “espaços de
fluxo”, onde a lógica organizacional independe de localização e está centrada na dinâmica dos
fluxos. As sociedades são fundamentalmente constituídas de fluxos de trocas através de
organizações e instituições em rede. Por fluxos, Castells (1999, p. 57) quer dizer “sequências
programáveis, intencionais e repetitivas de trocas e interações entre posições fisicamente
desarticuladas realizadas pelos atores sociais em organizações e instituições da sociedade”. As
práticas sociais em uma sociedade em rede passam a funcionar segundo esta lógica
transformando as condições materiais da vida, do tempo e do espaço.
A
descentralização,
o
caráter
distributivo,
a
expansão
ilimitada
e
a
multidirecionalidade são características desse espaço de fluxos. Por sua vez, conhecimento e
informação passam a ser a matéria prima que move a economia, onde a cultura e os processos
de simbolização tornam-se forças produtivas diretas nessa nova sociedade. O novo paradigma
tecnológico “acaba com a distinção secular entre produtores e consumidores levando os
teóricos a analisarem as sociedades em termos das relações sociais que atravessam as esferas
institucionais da ação social” (CASTELLS, 1999, p. 46). Uma outra consequência reside na
vinculação dos processos de produção, distribuição e gestão das organizações e de todos os
tipos de atividade, que não podem mais ser pensadas de forma independente. A habilidade
79 para gerar novo conhecimento e reunir informação estratégica depende do acesso ao fluxo
desses conhecimentos e/ou informações. O que confere poder a uma organização ou pessoa
está agora na sua relação com as fontes de informação e conhecimento e na sua capacidade de
compreendê-las e processá-las, tendo em mente, que não há mais uma fonte privilegiada e
centralizada, o próprio conhecimento tornou-se fluxo, vivemos em uma sociedade baseada no
conhecimento, uma sociedade informacional (CASTELLS, 1999).
A concepção de uma sociedade organizada em rede, na qual o conhecimento passa a
ser a moeda vigente, bem como, a vinculação da inserção social como uma relação direta de
participar desse fluxo, isto é, estar na rede e dominar seus códigos de navegação (busca,
armazenamento, processamento, recuperação de dados), tem reflexos no campo da educação
em várias iniciativas. Podemos citar a criação das “universidades abertas oferecendo
oportunidades a grupos ou populações anteriormente impossibilitados de acesso à
universidade” (ABREU, 2006, p. 164), a expansão dos cursos de EAD, a inovação na
formação profissional, no treinamento e desenvolvimento de recursos humanos por meio de
recursos online e os impactos na educação convencional (instituições escolares), onde a
questão da inclusão digital e da formação para o letramento digital emerge como questões
fundamentais para a educação no século XXI.
Existe uma pressão advinda da economia de mercado para que as escolas
absorvam a Internet como tecnologia educacional. Afinal, a principal
premissa de que o aluno deve estar preparado para viver e ser produtivo na
sociedade do seu tempo continua vigorando como uma das funções da
educação escolar. (ABREU, 2006, p. 164)
O termo rede é utilizado para designar a internet ou vice-versa e esta passa a ser
abordada no campo da educação como um dispositivo didático, originando pesquisas que,
segundo Abreu (2006, p. 165), sugerem novas práticas e metodologias utilizando os recursos
da Internet; outros divulgam ferramentas e sistemas tecnológicos desenvolvidos para fins
educacionais; há também aqueles que propõem ações para a qualificação de professores com a
finalidade de que estes façam uso, em sua ação cotidiana dos recursos da Internet.
Em face do potencial da internet para a interatividade e a penetração da mediação
tecnológica em todos os segmentos da vida, “no tocante à aprendizagem e o conhecimento,
80 chegamos a uma transformação sem precedentes das ecologias cognitivas, tanto internas da
escola, como das que lhe são externas, mas que interferem profundamente nela” (ASSMANN,
2000, p.1).
A emergência das redes 2.0 é acompanhada de processos que demandam a
participação, partilha, reciprocidade e colaboração entre usuários, características que definem
novas dinâmicas de aprendizagem, ampliando a distribuição do conhecimento para além dos
cânones tradicionais de transmissão do saber. A transição de uma sociedade de sistemas de
ensino para uma sociedade de aprendizagem ou redes de aprendizagem caminha junto com a
potencialização da conectividade e de um maior poder comunicacional. O modo de interação
monomodal múltiplo das redes 2.0, reunindo “em um uma mesma interface todas as
possibilidades de comunicação disponíveis até então: comentários, fóruns, chats, mensagens
de membro para membro, quadro coletivo de recados, repositório coletivo de documentos,
mensagens coletivas, indexações personalizadas etc” (SANTAELLA; LEMOS, 2010, p. 58),
possibilitou o aumento da conectividade entre os nós da rede e potencializou a sociabilidade
em rede, gerando maior capital social e, consequentemente, dinamizando a aprendizagem
individual e coletiva.
No campo da Física, Barabási publica em 2002, Linked. A contribuição de Barabási
faz parte de um escopo de teorias advindas das ciências exatas sobre teorias de redes
complexas que vão ser incorporadas pela sociologia, na perspectiva da análise estrutural das
redes sociais. Autores como Buchanan (2002), Barabási (2002), Watts (1999; 2003) buscaram
compreender e teorizar sobre as propriedades dos vários tipos de grafos61e como ocorre o
processo de sua construção (RECUERO, 2004; 2009). Nós, conexões, clusters (grupos de nós
mais conectados), hubs (nós altamente conectados), grau de distribuição (conectividade),
laços fracos e fortes (GRANOVETTER, 1973) passam a incorporar um vocabulário aplicado
na análise de redes sociais na internet como elementos estruturais dinâmicos, cujas
características e propriedades evoluem no tempo e no espaço, atribuindo à rede um caráter
61
O conceito de grafos tem sua origem no trabalho do matemático Ëuler que criou o primeiro teorema da teoria
dos grafos. Um grafo é uma representação de um conjunto de nós conectados por arestas, formando uma rede.
Ëuler trabalha na solução de seu enigma das pontes para acesso da cidade prussiana de Königsberg por volta do
século XVIII. O problema consistia em atravessar todas as sete pontes que conectavam a cidade sem passar duas
vezes pela mesma ponte. Ele demonstrou que isso não poderia ser feito através de um teorema em que tratava as
pontes como arestas e os lugares que deveriam ser conectados como nós.
81 mutante62. Tais metáforas possibilitam compreender os elementos dinâmicos da composição
dos grupos sociais e estudar os padrões de conexão expressos no ciberespaço. Segundo
Recuero (2004, p. 3):
Garton et al. (1997, online) explica que a análise de redes sociais está
centrada, principalmente, nos padrões de relações entre as pessoas. O estudo
de redes sociais "reflects a shift from the individualism commum in the
social sciences towards a structural analysis". Para ir além dos atributos
individuais e considerar as relações entre os atores sociais, a análise das
redes sociais busca focar-se em novas "unidades de análise" tais como:
relações (caracterizadas por conteúdo, direção e força), laços sociais (que
conectam pares de atores através de uma ou mais relações), multiplexidade
(quanto mais relações um laço social possui, maior a sua multiplexidade) e
composição do laço social (derivada dos atributos individuais dos atores
envolvidos). O estudo de redes sociais procura também levar para a
sociedade os elementos principais estudados em uma rede, tais como
densidade da rede, clusterização,etc.
Tendo como base os conceitos de redes oriundos da sociologia, matemática e física, os
educadores “começaram a adotar a terminologia de redes e, em particular, adotaram o foco
relacional e baseado em comunidades na aplicação de redes de computadores” (DE LATT,
2006, p. 75 apud SIEMENS, 2008, p. 5). Gradualmente a noção de comunidade virtual vai
sendo ampliada passando a ser incorporada na noção de rede social.
A rede social é composta de nós (indivíduos) conectados por laços sociais (WATT,
2003, p.75 apud RECUERO, 2004, p. 3) e capital social, construídos a partir de modalidades
de interação63 mediadas pelos diversos softwares sociais. O capital social pode ser
compreendido como um conjunto de recursos de um determinado grupo que pode ser
usufruído por todos os membros do grupo, ainda que individualmente, e que está baseado na
reciprocidade (FRAGOSO et al, 2011, p. 123). Recuero (2004, p. 124) distingue cinco
categorias de capital social a que se tem acesso através da rede:
62
Para um maior aprofundamento da teoria de redes aplicada à análise de redes sociais na internet consultar
Raquel Recuero (2004; 2009; 2009a) e Fragoso et al (2011).
63
Recuero utiliza em seus estudos a tipologia de interação mediada por computador proposta por Primo (2003)
como mútua e reativa. A interação mútua é de natureza dialógica e o que define propriamente a constituição de
um laço social mais complexo de natureza relacional, dialógica e a reativa seria mais limitante, definindo um
laço social associativo, onde a conexão entre atores é estabelecida sem constituir propriamente uma troca
dialógica.
82 a)
relacional – que compreenderia a soma das relações, laços e trocas que
conectam o indivíduo em uma determinada rede;
b)
normativo – que compreenderia as normas de comportamento de um
determinado grupo e os valores desse grupo;
c)
cognitivo – que compreenderia a soma do conhecimento e das
informações colocadas em comum por um determinado grupo;
d)
confiança no ambiente social – que compreenderia a confiança no
comportamento de indivíduos de um determinado ambiente;
e)
institucional – que incluiria as instituições formas e informais, que se
constituem na estruturação geral dos grupos, onde é possível conhecer as
“regras de interação social, e onde o nível de cooperação e coordenação é
bastante alto.
O capital social pode ser sintetizado como a capacidade dos indivíduos de produzirem
suas próprias redes sociais, redes pessoais que atuam como agentes inteligentes na troca de
informação e conhecimento, representando uma importante riqueza em termos de
conhecimento distribuído, de capacidade de ação e de potência cooperativa (COSTA, 2005, p.
12). A conectividade vai expressar essa condição, já que esta é definida pelo grau de conexão
entre os nós, o grau de conexão pela quantidade de conexões que um nó possui e as conexões
são compreendidas como os laços e o capital social (RECUERO, 2005).
As comunidades virtuais das redes 1.0, baseadas em interações monomodais e,
portanto, de acesso mais restrito aos ambientes virtuais onde emergiam (redes de interesses
específicos), com a evolução para os modos monomodais múltiplos das redes 2.0 e uma
consequente ampliação dos graus de conectividade propiciados pelos softwares sociais,
passam a integrar uma rede colaborativa sem contornos definidos e mais distribuída, um
social em rede.
2.2.3 Os objetos técnicos começam a ganhar vida...
Na fase três, reforçando a importância das interações sociais como meio de
aprendizagem, os conceitos de cognição e de conhecimento distribuído são enfocados. As
teorias sócio-construcionistas de aprendizagem são retomadas por seu enfoque nas interações
sociais dos grupos no processo de aprendizagem e na construção dialógica do conhecimento.
83 O interesse pelas teorias de matriz sociocultural de Vygotsky ressurge por sua ênfase na
importância do contexto ou ambiente social no desenvolvimento cognitivo, associado as
teorias de Bakhtin centradas na linguagem como fenômeno social, bem como no interesse de
discutir “as ideias principais sobre a formação do pensamento e da linguagem, que podem ser
articuladas para observar como os alunos e professores interagem diante do computador em
situações de ensino” (GIORDAN, 2005, p. 29). Tanto em Vygotsky quanto em Bakhtin, a
mediação semiótica, apreendida nas dinâmicas de processo de criação e apropriação dos
signos e de sua relação de dependência em relação à situação na qual se desenvolve, é o
elemento que estabelece a ligação entre o plano social e o plano interno (GIORDAN, 2005).
O escopo desses autores é ampliado na integração com teorias que possibilitam incorporar à
mediação semiótica, o papel da mediação tecnológica, como é o caso da teoria de ação
mediada de James Wertsch (GIORDAN, 2005; STAROBINAS, 2008), entre outras:
Uma decorrência imediata em refutar a separação entre sujeito e ambiente
está, portanto, em reconhecer o caráter mediado de qualquer ação. Mesmo
isoladamente, sem o contato com o outro, o indivíduo age por meio de
ferramentas, sejam eles computadores, linguagens, sistemas numéricos ou
formas enunciativas. Nesse sentido, um objeto de estudo específico é a
análise comparativa entre formas de ação mediada por diferentes ferramentas
externas com o intuito de verificar quais fatores funcionais da ferramenta
gozam de prioridade para o sujeito empregá-la em determinada situação.
Uma vez que estamos ampliando o rol de ferramentas para incluir aquelas
relacionadas à elaboração de significados, torna-se analiticamente fértil alçar
as formas enunciativas relativamente estabilizadas à categoria de
ferramentas ou meios mediacionais das ações, de modo a distinguir os
fatores funcionais e também estruturais determinantes da realização da ação.
(GIORDAN, 2005, pp. 85-86)
As ferramentas técnicas ganham uma dimensão cultural, histórico e institucional, na
medida em que, na interação com seu grupo social, o sujeito recorre às ferramentas que ele
empresta de seu grupo para dar significação a sua ação (GIORDAN, 2005). O contexto
histórico-cultural e sua relação com o uso e apropriação das tecnologias emergentes adquirem
uma importância nas análises que relacionam as mudanças cognitivas com o contexto cultural
e as linguagens que emergem a partir da mediação tecnológica As características associadas à
cibercultura, ao hipertexto e à hipermídia vão refletir uma nova condição perceptiva e
84 cognitiva associada, principalmente, `aqueles que nasceram e cresceram na era digital, os
nativos digitais ou a geração NET (PRESNKY, 2001; TAPSCOTT, 1999).
A não linearidade e a fragmentação do conhecimento, a memória distribuída e atenção
parcial, a estrutura rizomática da linguagem das redes, a cultura de aprendizagem
participativa, colaborativa, do remix, a emergência da inteligência coletiva, vão contrapor-se à
linearidade do texto escrito, à internalização e individualização da mente e a uma cultura de
transmissão passiva do conhecimento pelos sistemas de ensino, ainda que a reflexividade seja
a premissa fundante que ilumina a tecnologia da escrita64.
A noção de uma distribuição social e técnica da cognição é enfatizada para explicar
como a “capacidade de formar redes com ideias e outras pessoas aumenta, quando as pessoas
se projetam para fora. Através da Internet, estas redes de projeção externa podem ser
formadas em nível global” (SIEMENS, 2008, p. 6). , explicita essa relação ao comentar que a
tecnologia digital auxilia na distribuição de conhecimento à medida que nos permite
“projetar-nos para fora digitalmente” (KERCKOVE, 1997, p. 38), a mente do hipertexto é
uma mente externalizada na tela e conectiva:
Pensamento ou deliberação em condições hipertextuais significa acessar as
memórias de todos e compartilha-las diretamente em tempo real com o
capital do conhecimento. É desnecessário dizer que uma afirmação como
essa precisa ser matizada pelo reconhecimento de que as condições políticas
e econômicas alteram esse estado ideal.
Entretanto, a cognição hipertextual não é limitada ao único indivíduo
acessando a memória coletiva em uma forma conectada. É também uma
cognição partilhada. Os conteúdos de nossas telas estão simultaneamente
disponíveis a muitas pessoas ao mesmo tempo, sincronicamente, ou além do
tempo, diacronicamente. (KERCKHOVE, 2003, p. 4)
Nesta linha temática, Lévy (1994) tem uma influente penetração nas pesquisas que
abordam a educação e cibercultura com o conceito de inteligência coletiva. A inteligência
coletiva compreendida como “uma inteligência repartida por todos as partes, coordenada em
64
A crítica é realizada à arquitetura e práticas do sistema de ensino centrado na cultura impressa, o que não
significa que a cultura escrita resulte em passividade na aprendizagem. Apesar da natureza participativa da
cultura digital e que supõe um aprendiz ativo, várias críticas são levantadas quanto à superficialidade e ausência
de reflexividade ensejada, por exemplo, pela fragmentação e dispersão da atenção.
85 tempo real, que conduz a uma mobilização efetiva das competências” (LÉVY, 1994, p. 19),
relacionada com a capacidade dos coletivos humanos de se engajarem em cooperação
intelectual com o objetivo de criar, inovar e inventar, é considerada pelo autor um fator
determinante no desenvolvimento criativo e competitivo humano, em uma sociedade do
conhecimento. O autor considera que se tornou essencial compreender como o processo de
inteligência coletiva pode ser multiplicado nas redes digitais, na medida em que as
tecnologias digitais têm proporcionado mais e um número cada vez maior de poderosas
ferramentas que ampliam os processos cognitivos pessoais e coletivos (LÉVY, 2009). O
diagrama a seguir é uma síntese proposta pelo autor do modelo de inteligência coletiva a
serviço do desenvolvimento humano e sua relação com as redes que as tecnologias digitais
integram (LÉVY, 2009, p. 17):
Figura 6: Um modelo de inteligência coletiva a serviço do desenvolvimento humano
Fonte: Lévy (2009)
86 Segundo Costa (2005, p. 2), citando os conceitos de inteligência emergente
(JOHNSON,
2001),
coletivos
inteligentes
(RHEINGOLD,
2002),
cérebro
global
(HEYLIGHEN et al, 1999), sociedade da mente (MINSK, 1997), redes inteligentes
(BARABÁSI, 2002), “todos apontam para uma mesma situação: estamos em rede,
interconectados com um número cada vez maior de pontos e com uma frequência que só faz
crescer. A partir disso, torna-se claro o desejo de compreender melhor a atividade desses
coletivos...”.
A aprendizagem e o conhecimento passam a residir em “redes heterogêneas de
relacionamentos entre o mundo social e material” (ARAÚJO, 1998, p. 317 apud SIEMENS,
2008, p. 6) e o acesso dos indivíduos a estas redes dependerá da conectividade mediada por
artefatos cognitivos, como as atuais tecnologias e da capacidade dos indivíduos de
estabelecerem conexões.
2.2.4 Redes sociais da internet
A popularização e disseminação das redes sociais como Myspace, em 2003, seguidas
pelo Orkut, Youtube, Twitter e Facebook, entre outras, elevou a importância da noção de
rede, que saí dos círculos acadêmicos para atingir o interesse de grandes públicos. A
utilização de softwares sociais65cresce e com ela a habilidade e competências de articulação
em rede, principalmente, dos jovens que constituem o grande público das redes sociais
(SALAWAY et al, 2008). Aliás, foram os jovens que, segundo Lévy (1999), impulsionados
por um movimento de experimentar coletivamente formas de comunicação diferentes das
mídias clássicas, promoveram o crescimento e a abertura de um novo espaço de comunicação,
o ciberespaço, estendendo essas novas redes de comunicação para a vida social e cultural. Da
interação monomodal das redes 1.0, transitando pelas interações múltiplas monomodais das
65
Segundo Owen et al (2006), o termo teria sido cunhado por Clay Shirky, em 2002, para designar softwares que
suportam a interação de grupos. Os autores ampliam essa definição para incluir o reconhecimento que os
softwares sociais incrementam a sociabilidade entre indivíduos e grupos e a formação de comunidades, face as
características de suportarem interação entre indivíduos e grupos em tempo real e assíncrono, suportarem
feedback social permitindo o compartilhamento de ideias, opiniões, informação, conhecimento, etc, suportarem
redes sociais que possibilitam a criação e o gerenciamento de uma expressão digital dos relacionamentos
pessoais e contribuem para a construção de novos relacionamentos.
87 redes 2.0 e pelas atuais redes 3.0, caracterizadas pela “integração de múltiplas redes,
plataformas e funcionalidades através do uso de aplicativos e de mídias móveis”
(SANTAELLA; LEMOS, 2010, p. 59), vamos adquirindo um benefício potencial secundário,
segundo Siemens (2008, p.6), a habilidade de pensamento em rede. Descobrimos maneiras de
encontrar informações e pessoas, resolver problemas coletivamente, circular e multiplicar
ideias, ampliar os laços e contatos sociais e, consequentemente, agregar o valor potencial
dessa rede social: o seu capital social e o poder da comunicação em rede. A questão central
passa a ser, como fazer rede? Fazer rede vai além das escolhas de quais tecnologias de
comunicação utilizar, coloca-nos diante do que Costa (2008, p. 1) aponta como uma
correlação entre inteligência coletiva e redes sociais:
É fato que a noção de rede social vem sendo empregada em larga escala para
designar os fenômenos de cooperação ativa ou de simples colaboração via
Internet. [...] Eis o que parece introduzir uma diferença que deve repercutir
nos diversos estudos sobre a dinâmica de formação dos laços sociais. Como
fazer rede? Como construir uma comunidade virtual ou uma comunidade de
prática? Como ampliar a sinergia entre indivíduos em graus e escalas
diferenciadas (Kim, 2000; Fidalgo, 1998; Preece, 2000)? Tais questões
tornam pertinente a correlação entre inteligência coletiva e redes sociais do
ponto de vista da comunicação e dos meios de comunicação. Isso porque,
como o próprio conceito indica de forma intuitiva, inteligência coletiva se
refere à circulação e multiplicação de ideias e de coletivos. Portanto, se
desejamos por as ideias em movimento, devemos buscar os meios de colocar
os indivíduos em relação, meios que possam facilitar a sinergia entre as
pessoas.
Esta questão remete, no campo da educação, à pesquisa de recursos conceituais e
metodológicos voltados para a promoção de uma efetiva comunicação que facilite a sinergia
entre as pessoas, em consonância com as práticas culturais, cognitivas e de construção de
subjetividade da era digital. Pesquisas que envolvem o uso potencial das redes sociais na
educação, sua integração com e-learning e o desenvolvimento de habilidades de pensamento
em rede, surgem nessa fase.
As fases anteriores constituem a base para a quinta fase onde os educadores começam
a “explorar a forma como o modelos de redes podem ajudar não só a compreender a
88 aprendizagem colaborativa em ambientes online e combinados, mas em redes de
aprendizagem móvel e universal” (SIEMENS, 2008, p.7).
2.2.5 Colaboração em foco
O trabalho colaborativo e a construção compartilhada de conhecimento tem sido
objeto de reflexões desde as redes 1.0, principalmente, nos estudos de EAD, ensino online, elearning (HARISIN, 1989; 2000; HILTZ, 1998). A diferença introduzida pelas redes sociais
2.0 e 3.0 encontra-se no fato da aprendizagem colaborativa ser compreendida como um
processo espontâneo e uma dinâmica própria dessas redes. As redes sociais são também redes
de aprendizagem ou ambientes que propiciam experiências de aprendizagem personalizadas e
colaborativas. Owen at al (2006) sugerem uma transição da concepção de e-learning para clearning, que designaria a aprendizagem colaborativa, aprendizagem comunitária ou
aprendizagem comunicativa, cujo processo extrapola os espaços formais de aprendizagem
(presenciais, semi-presenciais ou não-presenciais). Busca-se compreender como os alunos
interagem uns com os outros em fóruns on-line, e-mails, redes de blogs, redes sociais,
associados ao uso de análise de redes e/ou ferramentas de visualização, para avaliar a
qualidade e a natureza das interações e melhor compreender as características dos processos
de aprendizagem emergentes. Siemens (2008) considera que, a partir desse estágio, os
educadores começam a adotar o conceito de aprendizagem em rede e de conectividade. O
conectivismo, ambientes de aprendizagem abertos, recursos educacionais abertos (rea),
comunidades de práticas são temas que passam a ser abordados nas pesquisas em educação
mais recentes (OKADA, 2010; SANTANA; ROSSINI; PRETTO, 2012; SANTOS et al,
2012), refletindo uma abertura para um conceito de rede que extrapola a ideia de estar
simplesmente conectado, mas tudo indica que ainda estamos engatinhando na compreensão
dessa nova dinâmica, tanto quanto, nos adverte Lévy (1999), em relação ao conceito de
inteligência coletiva.
89 2.3 APRENDIZAGEM EM REDE: UM CONCEITO QUE ESCAPA AO PENSAMENTO
DA REPRESENTAÇÃO
O enredamento das práticas comunicacionais e cognitivas em rede aproximam-se das
características de sistemas complexos dinâmicos fora do equilíbrio por sua natureza aleatória,
flexível e distribuída, regidas por parâmetros como a auto-organização e emergência. A autoorganização “pode ser definida como a criação espontânea de padrões globalmente coerentes
a partir de interações globais” (HEYLIGHEN, 1997 apud SANTAELLA; LEMOS, 2010, p.
21). Moraes (1997; 2008) acredita ser este um dos conceitos mais importantes a ser trabalhado
na educação, levando-nos a conceber a aprendizagem não mais em razão de uma causa-efeito
do ensino ministrado, mas como resultante da construção realizada pelo indivíduo em razão
de sua capacidade de auto-organização individual e coletiva na necessidade de busca do
reequilíbrio.
Santaella e Lemos (2010, p. 21), atribuem aos coletivos inteligentes que surgiram com
a rede planetária de comunicação, características de sistemas complexos adaptativos, onde
propriedades emergentes66, como a mente coletiva, surgem como parte de um processo
evolutivo que vem amplificar as capacidades cognitivas dos seres humanos:
As tecnologias de comunicação digital, especialmente aquelas do tipo P2P
(peer to peer, de igual para igual), as comunidades móveis, a blogosfera, a
explosão das RSIs e as mensagens em tempo real produzem como
propriedades emergentes a mente coletiva, um tipo de inteligência gerada
pela interação entre os agentes em comunicação. Trata-se, evidentemente, de
uma inteligência que vai ganhando em complexidade na medida em que
passa das formigas, dos cardumes e dos pássaros para os seres humanos,
sendo este a epítome da complexidade e cujas múltiplas interações resultam
em capacidades cognitivas amplificadas pelo pensar, agir e sentir em rede.
A aprendizagem em rede pode ser compreendida como um sistema complexo
adaptativo, configurado numa intrincada rede de transformações que mobiliza um coletivo de
entidades heterogêneas, que vão tecendo o social a partir das associações que emergem.
66
O fenômeno da emergência está relacionado com “a capacidade de produzir propriedades engendradas por
interações, que os elementos tomados em sua individualidade e discrição não possuem” (BRAGA, 2009, p.2).
90 Tomamos como princípio que, tratando-se de um sistema complexo adaptativo, a
aprendizagem em rede é prenhe de imprevisibilidade e irredutibilidade67, portanto, acatamos
as recomendações de Latour (2005) de seguir os rastros enquanto as redes se fazem com o
intuito de dar visibilidade na escala dos actantes às dinâmicas de aprendizagem em rede.
Apesar da distinção de ponto de vista operada pela TAR em relação à perspectiva sistêmica,
enfatizando as partes e não o todo na reconstituição das associações, o ator-rede é sempre uma
relação reversível entre a parte e o todo.
Recorremos nesse estudo às teorias sistêmicas, à semiótica peirceana e à teoria atorrede (LATOUR, 2005) para dar visibilidade às dinâmicas da aprendizagem em rede em um
estudo de caso. Recorremos também, à arte, com um modo de ir além do que apreendemos
por uma interpretação dos diversos conceitos de rede e conectividade.
A imagem que abre este capítulo é uma das obras da artista japonesa Mariko Mori de
título Oneness (2003), exposta no Brasil em 2011 no Centro Cultural Banco do Brasil (Rio de
Janeiro, São Paulo e Brasília) e que também foi título da exposição. Oneness significa
singularidade ou unicidade, em português. Segundo reportagem online da revista Época SP, o
título da exposição deriva do conceito de conexão entre todas as coisas. A obra é descrita no
site como uma peça que traz seis figuras de 1,35 m de altura, semelhantes ao estereótipo de
extraterrestres. Feitas de technogel, material entre o líquido e o sólido, acendem quando
tocadas. Dorf (2011) jornalista que escreve sobre cultura, diversão e arte, descreve Oneness
como uma alegoria da conectividade. Para quem teve oportunidade de ir à exposição e
interagir com Oneness, a experiência resultante se aproxima de uma mistura de
estranhamento, surpresa e alegria com a sensação de vida e afetividade que resulta da
interação com as estranhas figuras de technogel e com o público.
Frias e geladas em seu tom de azul translúcido, corpo misto de robô, gente e
extraterrestre, apresentando uma textura e consistência plástica entre o sólido e líquido, que
lhe conferem ao mesmo tempo uma artificialidade e uma maciez no contato. De mãos dadas,
67
Santaella e Lemos (2010, p. 24), a partir da exposição de Braga (2009), destacam a imprevisibilidade e a
irredutibilidade como as duas características mais fundamentais do fenômeno da emergência. “Imprevisibilidade:
não há possibilidade de prever, de um ponto de vista pré-emergente, mesmo conhecendo suas partes as leis que
governam as suas interações, quais serão as propriedades emergentes de sistemas complexos; de resto, uma
imprevisibilidade ontológica, pois não depende do sujeito da observação; irredutibilidade: propriedades e leis
emergentes são estruturadas por ciências da complexidade e são irredutíveis às categorias conceituais de ciências
específicas.”
91 as seis figuras formam um círculo, onde estão voltadas para fora. Uma roda de “crianças”
extraterrestres ou ciborgues.
O círculo visto de cima (Figura 7) é a imagem de um anel aromático, estrutura cíclica
formados por seis carbonos com duplas ligações intercaladas que representam elétrons em
ressonância, deslocalizados, formando uma espécie de nuvem de alta densidade eletrônica. A
estrutura é estável, contudo a riqueza eletrônica do anel possibilita realizar ligações com
outros elementos ou grupamentos de elementos sem que o anel se rompa. O desenvolvimento
da fórmula estrutural do Benzeno (anel aromático mais simples) é devida ao químico alemão
Kekulé (1865) que, a partir de um sonho, onde visualiza uma cobra mordendo o rabo e
girando, símbolo do Ouroboros (ou oroboro), propõe a estrutura de um anel hexagonal,
posteriormente (1930), foi desenvolvida a ideia de ressonância do anel benzênico. Segundo o
Dicionnaire des Symboles, o Ouroboros simboliza o ciclo da evolução voltando-se sobre si
mesmo. O símbolo contém ideias de movimento, continuidade, autofecundação e, em
consequência, eterno retorno.
Figura 7: Deitch Projects
Fonte: Marco Della Torres (2003)
92 Figura 8: Estrutura ressonante do anel benzênico ou aromático
Fonte: http://www.brasilescola.com/quimica/descoberta-­‐estrutura-­‐benzeno.htm Figura 9: Estrutura proposta por Kékule baseada no sonho com o Ouroboro
Fonte: http://www.brasilescola.com/quimica/descoberta-­‐estrutura-­‐benzeno.htm
Sobre o sonho, em discurso realizado em 1890, em comemoração ao 25o aniversário
do anúncio da fórmula do benzeno, Kékule comenta: “Aprendamos, senhores a sonhar e então
talvez possamos encontrar a verdade... mas evitemos publicá-los antes de colocar à prova do
mundo real” (apud FONSECA, 2010b, p. 21).
Os “sonhos” de Mariko Mori não precisam ser colocados à prova da razão científica e
nem do mundo real, é um convite à interação direta de nossa sensibilidade com o potencial de
verdade contida na obra. Somos convidados para um abraço, um toque, uma saudação que
despertem as pequenas criaturas de um aparente sono, fazendo seus olhos brilharem e seus
93 corações baterem. Tocando no torso, próximo do que parecia simular um coração, os olhos
acendiam e era possível perceber as batidas do coração, mas somente quando todas as seis
eram tocadas, simultaneamente, todo o platô se iluminava revelando a interdependência entre
todos os elementos, internos e externos à obra. Sensores infravermelhos de presença atuam no
sentido de conectar cada pessoa e cada pequena criatura, bem como o todo, sincronizando
batidas de coração em baixa frequência. Um ambiente sensível ao calor emanado na interação
com as estranhas figuras, conectavam o público entre si, revelando a potencialidade contida
na aceitação da diferença, na diminuição da distância que nos separa do outro (ou outros), na
diminuição das distâncias culturais, no ato solidário de dar as mãos e da aproximação do
toque e, principalmente, no fato de que ao fazê-lo de modo sincrônico, iluminamos e trazemos
vida não só a cada criatura, mas `a toda estrutura na qual elas assentam sua existência. Uma
relação de interdependência entre humanos, objetos que ganham vida e o ambiente que os
circunda.
2.4 REDES E MEDIAÇÃO: SOCIAL X COLETIVO
“A rede venceu o grupo como modelo do socius.” (VIVEIROS DE
CASTRO, 2002, p.14)
A noção de sociedade vem sofrendo críticas e perdendo terreno, seja no seu sentido
universal como uma condição geral da vida humana, - a partir de uma interpretação biológica
(instintual) ou simbólico-moral (institucional) -, ou no seu sentido particular, ao designar um
grupo ou coletivo humano que partilha certas propriedades (como por exemplo territorialidade
e distinção cultural entre outras). Viveiros de Castro68 (2002) atribui essa condição a uma
crise histórica relacionada com o fim do colonialismo político formal, a transnacionalização
das identidades e a generalização da condição 'diaspórica' como experiência cultural, como
também, a uma crise cultural colocada pela falência da 'sociedade moderna'. Assim, “cresce a
68
No artigo intitulado, O conceito de sociedade em antropologia: um sobrevôo, Viveiros de Castro (2002)
apresenta um mapa esquemático e didático das incidências do conceito de sociedade em antropologia.
Destacamos os conceitos que o autor apresenta como alternativa para a noção de sociedade e indivíduo, sem
abordar a genealogia desses conceitos, para tal conferir o texto do autor, que oferece uma rica introdução aos
principais norteadores teóricos desta discussão.
94 convicção de que o Ocidente abandonou seu período 'moderno', fundado na separação que
permitia atribuir, por um lado, transcendência objetiva ao mundo natural e imanência
subjetiva ao mundo social, e, por outro lado, instrumentalidade passiva aos objetos e agência
coercitiva de valores” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p. 16).
Concepções segundo as quais a sociedade era concebida como transcendendo o
indivíduo cedem lugar para noções como socialidade (WAGNER, 2010; STRATHERN,
1999), dispositivo e agenciamento (FOUCAULT; DELEUZE), coletivo e rede (LATOUR,
1994; 2005). Tais conceitos surgem como alternativas às noções clássicas de instituição e
ideologia, além de dissolver as dualidades entre humanos e não-humanos, natureza e cultura.
A ênfase não é mais na estrutura ou supra-estrutura da sociedade, definindo níveis micros e
macros, mas no aspecto relacional que “exprimiria melhor o processo semiótico fractal da
condição sócio-pessoal” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p. 14).
A inclusão da perspectiva da reversibilidade, levantada por Wagner (2010), introduz
no trabalho do etnógrafo o experimentar a diferença no campo a partir da ênfase no aspecto
relacional que leva em conta as práticas de sentido conferidas pelos 'nativos'. Uma “troca de
perspectivas”, na concepção de Viveiros de Castro, citando Strathern (1999). Wagner (2010)
propõe compreender a antropologia, antes de tudo, como um modo de relacionamento com a
alteridade existente em qualquer coletivo humano. Ao propor que os melanésios também
praticam uma antropologia, à qual denomina de antropologia reversa, introduz a perspectiva
de que “o que está em jogo não é a assunção do ponto de vista do “nativo”, mas o
reconhecimento de que a descrição do antropólogo deriva do ponto de vista da sua relação
com o ponto de vista “nativo” (VIVEIROS DE CASTRO apud BENITES, 2007). A troca de
perspectiva é um deslocamento de um ponto de vista construído a partir de uma visão do
ocidente, alicerçada nos princípios da modernidade e nos grandes divisores que a
sustentavam, para incluir as singularidades, “entendidas como combinatórias locais (o que
não significa diferença absoluta e irredutível) de linhas de forças difusas (o que também não
significa universalidade absoluta)” (ABAÉTE, 2005). A experiência de Strathern (1991;
1996; 1999) com os Melanésios, igualmente enfoca a questão relacional ganhando contornos
na inversão do olhar do antropólogo, antes referenciado em sua própria cultura, para uma
outra construção que se dá na afecção dada e elaborada nos estados relacionais estabelecidos
pelo par antropólogo-nativo, introduzindo também o papel das coisas na construção
95 identitária da cultura melanésia. O contexto e as relações, sejam elas entre humanos ou coisas,
adquirem um papel relevante para pensar a cultura e o que compreendemos por social:
Lembrando Wagner, devemos estar atentos às associações e seus respectivos
contextos, que estão sendo carregados junto com o conceito de cultura em
jogo. A invenção de novos sentidos sempre parte de convenções existentes,
compartilhadas pelos indivíduos em questão. O problema é compreender
como, por meio do modo de simbolização diferenciante, os sentidos da ideia
de cultura vão sendo estendidos a partir de sucessivos processos
metaforizantes. Em uma perspectiva complementar, suscitada pela reflexão
de Latour (2005), uma tarefa interessante pode ser a de traçar uma rede de
associações na qual sejam mostradas, em diferentes momentos, as mudanças
que o conceito de cultura sofre a partir das traduções pragmáticas que cada
mediador do conceito efetua. (BENITES, 2007, p. 9)
Na antropologia simétrica de Latour (1994), os objetos ganham vida e passam a
integrar um coletivo, um agregado de associações que elimina fronteiras entre a natureza e a
sociedade, sujeitos e objetos. O autor dá visibilidade aos híbridos de natureza e cultura
propondo a inclusão desses agentes na construção do social, fazendo-nos perceber os
procedimentos simultâneos de tradução e purificação que na modernidade foram mantidos
como práticas separadas. Reflexão que o autor atualiza no ensaio Jamais fomos modernos:
ensaio de Antropologia Simétrica:
A hipótese deste ensaio - trata-se de uma hipótese e também de um ensaio - é
que a palavra "moderno" designa dois conjuntos de práticas totalmente
diferentes que, para permanecerem eficazes, devem permanecer distintas,
mas que recentemente deixaram de sê-lo. O primeiro conjunto de práticas
cria, por "tradução", misturas entre gêneros de seres completamente novos,
híbridos de natureza e cultura. O segundo cria, por "purificação", duas zonas
ontológicas inteiramente distintas, a dos humanos, de um lado, e a dos nãohumanos, de outro. Sem o primeiro conjunto as práticas de purificação
seriam vazias ou supérfluas. Sem o segundo, o trabalho de tradução seria
freado, limitado ou mesmo interditado. O primeiro corresponde ao que
chamarei de redes, o segundo ao que chamarei de crítica. (LATOUR, 1994,
p. 16)
A noção de rede como sinônimo de tradução é proposta como modelo alternativo de
socius e como modo crítico que pensa a “interdependência dos sistemas sociais concretos,
96 concebidos como superposições de redes heterogêneas e abertas, mais do que grupos
totalizados e totalizantes” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p. 14). Enquanto a crítica faz a
separação entre natureza e sociedade, entre o local e o global, distinguindo as leis da natureza
exterior e as convenções da sociedade (LATOUR, 1993, p. 129), a tradução é o que conecta
entidades heterogêneas por meio de agenciamentos intermediários. A proliferação dos
híbridos tornou difuso o que identificamos como relação social e nos fez perceber que os
humanos não agem sozinhos, no momento em que alguém age há sempre outros seres ativos,
os híbridos ou quase-objetos, termo que Latour toma emprestado de Michel Serres:
Como Michel Serres, chamo estes híbridos de quase-objetos, porque não
ocupam nem a posição de objetos que a Constituição prevê para eles, nem a
de sujeitos, e porque é impossível encurralar todos eles na posição mediana
que os tornaria uma simples mistura de coisa natural e símbolo social.
(LATOUR, 1993, p. 54)
A inclusão dos híbridos como parte integrante do coletivo, palavra que Latour (1993)
utiliza no lugar de sociedade, nos coloca diante do fato de que a ‘sociedade’ não se faz
somente no âmbito dos homens, - nem a sociedade é tão social e nem a natureza tão natural. O
sociólogo das ciências vai além, propondo uma reformulação do que é compreendido de
modo geral e na sociologia por social e sociedade e uma reformulação da própria sociologia.
Para o acolhimento dos objetos, sem que os tomemos como seres passivos e inertes sobre os
quais agimos ou que sofremos uma ação passiva, o autor sugere que acrescentemos à prática
de purificação, as práticas de mediação. Para explicar essa mistura de coisa natural e símbolo
social, dessa troca de perspectiva em que o sujeito se traduz em coisa e a coisa em sujeito,
acolhendo os aspectos relacionais em cada contexto, o autor recorre a Levi Strauss (1962, p.
294 apud LATOUR, 1993, p. 55):
Um observador exótico julgaria sem dúvida que a circulação automobilística
no centro de uma grande cidade ou em uma rodovia ultrapassa as faculdades
humanas; e de fato é assim, uma vez que esta circulação não coloca face a
face nem homens nem leis naturais, mas sim sistemas de forças naturais
humanizadas pela intenção dos motoristas, e homens transformados em
forças naturais pela energia física da qual eles se tornam mediadores. Não se
trata mais da operação de um agente sobre um objeto inerte, nem da reação
97 de um objeto, promovido ao papel de agente, sobre um sujeito que se teria
despossuído em favor do objeto sem nada pedir-lhe em retorno, ou seja,
situações envolvendo, de um lado ou do outro, uma certa dose de
passividade: os seres em presença se defrontam ao mesmo tempo enquanto
sujeitos e objetos; e, no código usado por eles, uma simples variação na
distância que os separa tem a força de um exorcismo mudo.
A riqueza das pequenas entidades, em sua diferença e complexidade, coloca em
questão a máxima: “o todo é sempre maior que a soma de suas partes” e está contida na
recusa em tomar a sociedade como uma ordem superior, mais complexa do que a manada
individual e o agenciamento humano como o único estofo do qual é feita a sociedade
(TARDE apud LATOUR, 2002). Latour (2002, p. 3) assume esta perspectiva na proposição
de que aquilo que consideramos como social e sociedade parece estar diluído em todo lugar e
em nenhum lugar especificamente. Na análise do autor, a abertura dada por Gabriel Tarde
permite compreender a sociedade como uma palavra que pode ser atribuída a qualquer
associação, “[...] isto quer dizer que cada coisa é uma sociedade e todas as coisas são
sociedades” (TARDE, 1999 apud LATOUR, 2002), a sociedade de mônadas é um fenômeno
generalizado do qual o próprio mundo é feito.
A monadologia de Gabriel Tarde é resgatada por Latour (2002, p. 2) que atribui ao
sociólogo a 'paternidade' da Teoria Ator-Rede (TAR) pela introdução nas teorias sociais de
dois argumentos, que estão no cerne da TAR: que a divisão entre natureza e sociedade é
irrelevante para a compreensão do mundo das interações humanas; e que a distinção entre
micro/macro sufoca qualquer tentativa de se compreender como a sociedade é gerada.
A TAR vai contribuir para reagrupar as conexões sociais, seguindo os rastros que
permitem descrever a formação dos coletivos sociotécnicos. Rastros que são inscrições de
ações e que tornam visível o agenciamento de entidades heterogêneas que compõem os
coletivos, entidades que são denominadas actantes. Definição que amplia a noção de ator,
vinculada a um agente humano, estendendo-a para entidades não-humanas e não-individuais.
Tudo que age no sentido de provocar diferença ou transformação vai ‘fazer’ a rede, enquanto
um movimento que costura as associações e confere um outro sentido ao social, distinto de
algo que já está constituído a priori e prescinde de uma explicação, para algo que está sempre
por se fazer e a ser explicado.
98 Dissolvida a dicotomia entre natureza e sociedade, ao reunir o agrupamento de seres a
que chamamos natureza e o agrupamento a que chamamos sociedade em uma única
coletividade, Latour (2005) abre espaço para investigar suas associações, suas conexões e
suas políticas. É o que denomina de reassembling the social. Na TAR, a palavra social passa a
designar uma trilha de associações entre elementos heterogêneos e a sociologia, a ciência do
social, é redefinida como o rastrear de associações. A teoria ator-rede vai descrever o social
como algo que não está pronto, o social está sempre por se fazer ou se fazendo em vários
níveis por meio de cada nova associação. Por esta razão, é que “os sociólogos das associações
devem guardar como seu mais querido tesouro todos os rastros que manifestam as hesitações
percebidas pelos atores acerca de quem os ‘direciona’ a agir” (LATOUR, 2005, p. 47). Na
perspectiva da TAR, nunca está claro quem ou o que está agindo ou a origem da ação, a ação
é sempre coletiva, emprestada, distribuída, sugerida, traída, traduzida, o que redimensiona o
significado da palavra ator ao transportá-lo para o entremeios de uma rede de ações, este tipo
de ator é mais bem designado como ator-rede. “Um ator, na expressão hifenada, não é a fonte
de uma ação, mas o alvo em movimento de um vasto conjunto de entidades que pululam em
direção a ela” (LATOUR, 2005, p. 47). Nenhum critério substancialista vai definir o que é um
ator, o que importa é menos a natureza de quem ou o que age e mais o agir, no sentido de
provocar uma diferença, uma transformação (teoria da agência).
Quando se afirma que atores podem ser humanos e não humanos, que eles
são infinitamente flexíveis, heterogêneos, que eles são associonistas livres,
que desconhecem diferenças de escalas, que não há inércia nem ordem, que
eles constroem sua própria temporalidade, isto não qualifica qualquer ator
individual real, mas a condição necessária para que a observação e o registro
dos atores sejam possíveis. Em vez de constantemente predizer como um
ator deveria agir e quais associações são permitidas a priori, a TAR não parte
de nenhuma pressuposição, e, para permanecer desengajada, ela precisa
estabelecer seus instrumentos na insistência da infinita flexibilidade e
absoluta liberdade (LATOUR, 1998 apud SANTAELLA; LEMOS, 2010, p.
37)
A ação é um acontecimento, um evento, que tem sempre múltiplos agentes, quando há
uma ação um antes e um depois se institui, ela deixa rastros, inscrições e coloca em relação
por tradução, isto é, pelo “transporte” da ação, os mediadores. A tradução induz dois
99 mediadores a coexistirem, faz proliferar os actantes pela distribuição da ação. “Não há
sociedade, nem campo social e nem vínculos sociais, mas existem tradução entre os
mediadores que podem gerar associações rastreáveis” (LATOUR, 2005, p. 108). A rede é
aquilo que é rastreado no trabalho de tradução, ela é qualificada na habilidade de cada ator
para fazer com que outros atores ajam, de originar uma nova tradução.
Tradução, de fato é o que as redes de atores fazem. Atores traduzem, por
exemplo, instrumentos, observações, inscrições, habilidades, interesses.
“Nada é por si mesmo conhecível ou não conhecível, dizível ou indizível,
nada esta perto ou longe. Tudo é traduzível” (Latour 1998a, p.167). Mais
uma vez aqui faz falta a noção de semiose de C. S. Peirce que nos explicita,
na sua lógica ternária, que a ação do signo é a ação de ser interpretado, isto
é, a ação de dar origem a um outro signo, algo que só se processa por meio
da tradução. O significado de um signo é ser traduzido em outro signo.
(SANTAELLA; LEMOS, 2010, p. 41)
A rede não designa nós interconectados, ela é tão menor ou maior conforme suas
associações, é sempre a superfície de suas conexões, de alguma maneira, é uma topologia
aberta, ela cessa quando a ação cessa, - é aquela que faz proliferar os actantes. Ela é menos a
coisa descrita, do que um método de descrição. A rede é um conceito que integra um método
de descrição de ações, de modo que se construa um mundo comum, ampliando a participação
de entidades heterogêneas e a distribuição dos mediadores. Nesta acepção, a noção de rede
vai além de sua mera descrição como um agregado de nós e conexões, no sentido de uma
estrutura e organização, para estender essa noção como processo. Pensando em termos da
filosofia perciana, seria compreendê-la ou descrevê-la como um processo de semiose, de
geração de signos e de ação dos signos, a rede como trabalho de tradução, é pura mediação.
Seguir os rastros das associações é retraçar, reconstituir a rede, ou melhor, percebê-la
enquanto ela se faz e, simultaneamente, tecê-la e ampliá-la. Procedimento que redistribui as
diferenças entre o macro e o micro, entre o individual e o coletivo, pois o ator é definido por
sua rede (LAW, 1999 apud LATOUR et al, 2012) e de modo reversível, a rede é totalmente
definida por seus atores. A distinção de níveis perde sua importância, quando os heterogêneos
são colocados no mesmo plano rizomático, o que não significa anular as diferenças, mas
considerar que cada actante é igualmente uma parte e um todo, uma mônada (ou um ator100 rede). “A mônada não é a parte de um todo, mas um ponto de vista sobre todas as outras
entidades tomadas solidariamente e não como uma totalidade” (LAW, 1999 apud LATOUR et
al, 2012, p. 7). Latour et al (2012) atribui aos rastros digitais a possibilidade de dar
credibilidade a essa estranha noção de mônada extraída da sociologia de Tarde. A experiência
de seguir os individuais por meio de suas conexões, navegando pelos bancos de dados, é uma
passagem circular do ator para os atributos que o definem, de uma mônada para uma nova
mônada, individualizada pelas associações anteriores reunidos por essa mônada (LATOUR et
al, 2012, p. 15).
Mas o que confere às redes digitais essa característica peculiar de dissolver as
fronteiras dos grandes divisores?
A conexão ator-rede se faz em toda parte, mas quando se trata de descrevêlas e retraçá-las, os esforços são consideráveis. O que as redes digitais
favorecem é precisamente esta rastreabilidade, de modo que se pode ao
mesmo tempo seguir uma série de ações e associações locais e ver como
cada uma delas participa da construção de coletivos. A passagem de uma
escala a outra se torna facilitada: é possível manter simultaneamente o foco
(local) e a amplitude da observação, como um movimento de zoom.
(BRUNO, 2012, p. 14)
As redes digitais possuem essa característica peculiar de trânsito entre a matéria e a
forma, no sentido que Flusser (2007, p. 24) dá à relação entre estes dois termos no contexto
das atuais tecnologias: “Mas hoje em dia, sob o impacto da informática, começamos a
retornar ao conceito original de ‘matéria’ como um preenchimento transitório de formas
atemporais”. O que é compreendido por material é a manifestação do ato de in-formar (impor
formas a matéria) e o formal de produzir modelos. Emerge um mundo codificado por números
suportado por modelos teóricos e equipamentos técnicos, que compõem um agregado de
relações, uma multiplicidade de formas que deixam rastros em sua materialização. Nesse
sentido, não há razão para distinguir matéria e forma, a “‘imaterialidade’ ou no sentido estrito,
a forma, é precisamente aquilo que faz o material aparecer” (FLUSSER, 2007, p. 32).
Protocolos são modelos teóricos, inovação tecnológica e mistos de acordos
econômicos e políticos. São redes dentro de redes, que parecem ter vida própria, a vida
secreta dos objetos (tomando aqui emprestado o termo e o sentido proposto em uma disciplina
101 e seminário em curso69). Por outro lado, temos a imaterialidade dos softwares, objetos que se
atualizam como interfaces transdutoras de linguagens de máquinas, algoritmos e dados que
ganham uma tessitura cultural em sua arquitetura ou design de informação e nas formas de
apropriação programadas (inteligência artificial) ou inventivas do público que acessa e utiliza.
Até aqui parece que a parte que nos cabe nessa rede nem é assim tão grande, mas somos
numerosos, uma multidão como Hard e Negri propõem. Somos também rede de corpos,
afetos, mentes, pensamentos, inscrições, objetos conectados, integrantes de uma inteligência
coletiva; coletivo inteligente, enxames emergentes, etc. Novamente a matéria e a forma se
apresentam não em dicotomia, mas como par de simetria. E ainda, não podemos esquecer que
essa malha é entremeada de outros mediadores como a política, economia, ciência, arte,
educação, cultura, religião, direito, ficção. Nas palavras de Latour (1994, p. 65):
Quem esqueceu o Ser? Ninguém, nunca, pois caso contrário a natureza seria
realmente “vista como um estoque”. Olhem a volta: os objetos científicos
circulam simultaneamente como sujeitos, objetos e discurso. As redes estão
preenchidas pelo ser. E as máquinas estão carregadas de sujeitos e coletivos.
Como é que o ente poderia perder sua continuidade, sua diferença, sua
incompletude, sua marca?
Esse aspecto relacional, conectivo, heterogêneo, interdependente entre “as coisas” e os
humanos é o fundamento para a compreensão de um ecossistema comunicacional, cognitivo,
digital, cuja organização, por sua própria natureza, configura-se como redes dentro de redes,
tanto em seus aspectos materiais como formais e no seu entrelaçamento.
Falar em sistemas parece ir na direção oposta da TAR, no entanto, não temos como
propósito retomar uma distinção entre o todo e a parte, mas antes conciliar perspectivas a
partir de um sistemismo que se alimenta do atomismo e do holismo.
69
Disciplina proposta pelos professores Fernanda Bruno (UFRJ), Erick Felinto (UERJ) e Simone Pereira de Sá
(UFF) para o primeiro semestre de 2012 e tema do seminário que será realizado em agosto de 2012, que levanta
as seguintes questões: “O que os objetos têm a dizer (e fazer) ao pensamento? No recente campo da
comunicação, a questão, que ecoa um imenso e antigo problema filosófico, só passou a ser enfrentada de modo
mais sistemático a partir dos anos 1980, quando diferentes perspectivas retomam indagações que parte da
tradição hermenêutica das humanidades obscureceu, tais como : o que é um meio e como se dão os processos de
mediação? Em que aspectos as materialidades tecnológicas informam mundos culturais e condicionam formas de
cognição? De que modos a dimensão material da experiência se conjuga com as dimensões imateriais da cultura?
Em que sentidos as categorias do humano, do pensamento, do corpo e dos sentidos se reconfiguram em face das
nossas relações com os objetos e as entidades inumanas?” (PROGRAMA DA DISCIPLINA, PPGECO/UFRJ,
1/2012)
102 2.5 APRENDIZAGEM, CONECTIVIDADE E SEMIOSE
Admitiremos assim que a realidade é formada por sistemas abertos, tal que a
conectividade entre seus subsistemas, com o consequente transporte de
informação gera a condição em que cada subsistema é mediado ou vem a
mediar outros, comportando-se como signo, de acordo com a proposta de
Peirce. (VIEIRA, 2008, p. 29)
Seguindo as reflexões de Vieira, em sua proposta de que a Teoria Geral de Sistemas
possa desempenhar o papel de uma Ontologia Científica e lidar com sistemas de alta
complexidade (VIEIRA, 2008), buscamos relacionar propriedades sistêmicas como
permanência e conectividade na busca de uma melhor compreensão do conceito de
aprendizagem em rede. Para tal, abordaremos alguns parâmetros sistêmicos na perspectiva
dos autores adotados por Vieira (Bunge, Debigh, Uyemov, Prigoginne), relacionando-os com
a filosofia de Charles Sanders Peirce, admitindo a hipótese formulada na epígrafe acima.
2.5.1 Complexidade e aprendizagem em rede
Um agregado de elementos (qualquer que seja sua natureza) será um sistema S
quando, por definição, existir um conjunto de relações R entre os elementos do agregado de
tal forma que venham a partilhar propriedades comuns e coletivas (AVANIR UYEMOV apud
VIEIRA, 2008, p. 29). Considerando que os sistemas abertos realizam transporte de matéria,
energia e informação entre o interior do sistema e seu exterior, estes estarão sempre em
relação com outros sistemas, isto é, encontram-se envolvidos por um outro sistema, que é
denominado na Teoria de Sistemas de ambiente (VIEIRA, 2008, p. 30-33).
Admitimos a hipótese que a aprendizagem em rede pode ser compreendida como um
diagrama (um hipoícone diagramático70) de um sistema cognitivo de alta complexidade, que
70
O diagrama é um hipoícone diagramático, um primeiro de um segundo. Um ícone guarda uma similaridade
com seu objeto, como não podemos apreender um ícone puro, podemos apreendê-lo em seu efeito em termos de
secundidade. Dos três tipos de hipoícone: imagem, diagrama e metáfora, enquanto a imagem representa seu
103 emerge a partir de condições complexas envolvendo aleatoriedade, estocasticidade e
caoticidade, na busca de uma “ordem a partir das flutuações” (PRIGOGINE apud VIEIRA,
2003. p. 291):
Aqui, o termo “ordem” é empregado como os físicos costumam fazer até
hoje, englobando não só a ordem matematicamente definida, mas também a
noção, mais complexa, de “organização”. É assim utilizado tanto para
designar a ordem por simetria, sequenciamento, etc, como acontece na
formação dos cristais, como para denotar as formas mais complexas de
organização, com maior organicidade, como no caso dos sistemas vivos. Ou
seja, Prigogine trabalhou principalmente com a rota que leva do que é
entrópico ao que é organizado. [...] A expressão “flutuações” foi utilizada
para falar de sinais complexos, sejam formas de ruído ou não...
(PRIGOGINE apud VIEIRA, 2003, p. 291)
Estamos nos referindo, portanto, a um sistema adaptativo complexo, afastado do
equilíbrio, que lida com uma realidade que não é previsível, linear, ordenada e determinada.
Uma realidade que gera um ambiente em constante mudança que requer desse sistema
sensibilidade para reagir a tempo às constantes flutuações e buscar um novo estado de
metaestabilidade, se reestruturando e se reorganizando e, assim, sucessivamente. Um sistema
caracterizado pela diversidade e heterogeneidade de sua composição e de seus níveis de
funcionalidade e que, em sua relação com outros sistemas e subsistemas, constitui o sistema
ambiente onde “encontramos todo o necessário para trocas entre sistemas, desde energia até
cultura, conhecimento, afetividade, tolerância...” (VIEIRA, 2008, p. 34).
Se considerarmos que a mente coletiva é uma das propriedades emergentes desse
sistema, “um tipo de inteligência gerada pela interação entre os agentes em comunicação”
(SANTAELLA; LEMOS, 2010), e que esses agentes são heterogêneos, podemos equipará-lo
a um ecossistema, onde “elementos (ontologicamente, objetos) diversos em natureza podem
no entanto estar conectos por processos geradores de ação, no sentido de Bunge” (VIEIRA,
s/data, p. 15):
objeto por meio de suas qualidades e a metáfora representa por meio de uma similaridade encontrada em algo
mais, o diagrama representa o objeto por um esqueleto, algo como um esboço de relações (STJERNFELT, 2007,
p. 141).
104 Vamos introduzir a seguir o conceito de ligação, conexão, ou junção entre os
componentes de uma coisa. Nós precisamos distinguir entre uma simples
relação, tal como aquela de ser mais velho, e a conexão tal como aquela de
exercer pressão. Ao contrário da simples relação, a conexão faz alguma
diferença ao seu relato, isto é, duas coisas são conectadas no caso em que
pelo menos uma delas age sobre a outra – onde a ação necessária não
consiste em terminar ‘alguma coisa’ mas pode consistir de eliminar ou abrir
algumas possibilidades.
Por sua vez, nós dizemos que alguma coisa age sobre a outra se ela modifica
a linha de comportamento da outra, a trajetória ou história. (BUNGE, 1979,
p. 5)
A definição de ação de Bunge reitera a perspectiva de Latour (2005, p. 129 apud
SANTAELLA; LEMOS, 2010, p. 129) e sua definição de rede, a partir da TAR: “ redes não
designam algo lá fora que teria grosseiramente a forma de pontos conectados por linhas, algo
similar a redes de telefones, rodovias e esgotos, [...] Ela qualifica outro ator de fazer com que
outro ator faça coisas inesperadas”. Se um ator não faz diferença, não provoca desvios, ele
não é um ator. Estar conectado na internet, por exemplo, não significa formar uma rede, não
basta estar conectado, é preciso que a conexão resulte em uma ação, uma diferença, gere
transformação. Talvez aí resida o fato de que, nem sempre, o que designamos por redes de
aprendizagem, de fato, propicie ou potencialize um processo de aprendizagem em rede ou
vice-versa. Lembramos que a noção de actantes “corresponde a quaisquer espécies de figuras
dotadas da habilidade de agir, incluindo pessoas e objetos materiais: inscrições (quaisquer
coisas inscritas), artefatos técnicos, entidades sob estudo, conceitos, organizações, profissões,
dinheiro etc” (SANTAELLA; LEMOS, 2010, p. 38).
105 2.5.2 Conectividade e mediação
A capacidade que os elementos do agregado têm de estabelecer relações ou conexões,
isto é, a conectividade (VIEIRA, 2008, p. 34), é um parâmetro que surge ao longo da
evolução do sistema. É um parâmetro evolutivo que pode estar presente em um sistema e não
em outro ou pode surgir em algum tempo futuro. Nos termos de Bunge (considerando relação
e conexão como sinônimos), a conectividade exprime a capacidade de agir sobre algo, de
modificar sua linha de comportamento, a trajetória ou a história. Vieira (2008) nos lembra que
“a conectividade pode ter um caráter seletivo, ou seja, sistemas complexos podem agregar
certos elementos e negar ou excluir outros, na medida em que isso importe para a sua
permanência”.
A aprendizagem em rede pressupõe uma ecologia cognitiva, comunicacional e digital,
isto é, uma diversidade de subsistemas heterogêneos integrados que compartilham
propriedades, gerando um padrão ecossistêmico de organização, o padrão de rede (CAPRA,
1995). Conexão e transporte de informação são fundamentais para a compreensão desse
sistema, “a informação, sob a forma de diferenças sensíveis em algum nível (BATESON,
1980, p. 32) faz a mediação entre entidades de natureza diversa” (VIEIRA, s/data, p. 3). Nesse
ponto, incluímos a noção de semiose de Peirce para pensar a aprendizagem em rede como
uma rede semiótica, “as cognições são, consequentemente, nós na rede semiótica ilimitada”
(PEIRCE, CP 5.253). A rede é como uma extensão, uma extrasomatização de nosso sistema
nervoso central para o mundo, conectando um coletivo de homens e coisas. A ação que
mantém o sistema conecto pode ser compreendida com a mediação dos signos realizada na
geração de interpretantes em uma cadeia infinita, a semiose.
A permanência do sistema no tempo dependerá em manter seus elementos conectos,
essa capacidade é denominada de coesão. Segundo Vieira (s/data, p. 38), a coesão está
próxima em semiótica ao conceito de sintaxe, conjunto de regras que subjaz às relações.
Relações que precisam ter um “compromisso entre rigidez e flexibilidade de modo que o
sistema possa permanecer e possa suportar as crises” (VIEIRA, s/ data, p. 4). Essa autoorganização é revelada em subconjuntos de elementos que sofrem alta conectividade,
permitindo a emergência de subsistemas, o que diminui o número de conexões e não permite
106 que o sistema torne-se rígido demais. A configuração por meio de subsistemas é expressa pelo
parâmetro da integralidade. Para Denbigh (1975, p. 87 apud VIEIRA, 2008, p. 39), a
integralidade já é o grau de organização. A integralidade permitirá a emergência de
propriedades partilhadas entre os subsistemas, o que é denominado por funcionalidade.
No contexto da computação e informática, por exemplo, podemos compreender o
computador como:
Uma coleção de níveis funcionais, desde o nível mais baixo, do hardware e
da linguagem da máquina, até os mais altos, como o do processo de
interação homem-máquina, da interface ou interatividade – nos níveis
intermediários, encontram-se entidades como o sistema operacional, os
aplicativos, os arquivos. Todos funcionam de maneira coordenada, e cada
nível tem uma relação paradoxal com o próximo (acima ou abaixo); em certa
medida, ele é independente (podem-se utilizar diferentes sistemas
operacionais sobre um mesmo hardware, por exemplo), mas também
depende diretamente dele (se faltar energia para o hardware, o sistema
operacional para de funcionar imediatamente). É como se cada camada, ou
nível, tivesse uma relação dual, de dependência e independência, em relação
ao seu contexto. Cada nível dá suporte para o próximo, mas também é
influenciado por ele. (VASSÃO, 2010, p. 26-27)
Podemos supor que, na relação ou conexão homem-máquina, há também um
funcionamento coordenado relativo aos diversos níveis descritos acima, que se manifestam
em termos de modalidades diversas de interatividade e pela emergência de ações seja no
plano político, da sociabilidade, cognitivos, culturais, afetivos, apresentando diversos graus de
coesão que possibilitam a permanência do sistema no tempo. Temos uma integração das
ecologias cognitivas, comunicacionais e digitais, cujas propriedades partilhadas são
fundamentais para que permaneça a aprendizagem em rede, como um processo que atua como
um mapa isomórfico de um sistema cognitivo externalizado, distribuído e organizado como
rede.
Podemos citar a evolução para a conectividade always-on, onde a cultura da
mobilidade mistura o ciber e o físico (SANTAELLA, 2007), criando um fluxo de signos
textuais, imagéticos, sonoros que invadem a atmosfera com nuvens de dados acessíveis de
qualquer lugar e a qualquer hora. As conexões estabelecidas adquirem essa tessitura viva de
laços fortes, fracos, indiferentes que entrelaçados adquirem a rigidez e flexibilidade do
107 bambu, que se inclina ao sabor dos ventos sem quebrar amparados pela estrutura rizomática71
de suas raízes, “o fio invisível que se multiplica entrelaçando consciências, espaços,
perguntas, desejos” (SANTAELLA; LEMOS, 2010, p. 55). A mobilidade, pervasividade e
ubiquidade dos dispositivos digitais de última geração aumentaram os graus de conectividade
e de sociabilidade, no entanto, dependem da integralidade de subsistemas políticos (definição
de políticas e padrões de banda larga, por exemplo), econômicos (commons digitais x
propriedade intelectual) e culturais (cultura livre e aberta, compartilhamento, colaboração)
para sua permanência.
Se a conectividade exprime a capacidade de estabelecer relações, definindo graus de
coesão e uma consequente estrutura do sistema, ou seja, o número de relações estabelecidas
no tempo, o sistema como um todo (a rede) será apreendido por sua organização: “um sistema
será dito organizado quando for composto por subsistemas conectados por relações efetivas
(DENBIGH, 1975, p. 87) com graus variados de importância tanto nos subsistemas quanto
nas conexões, gerando uma totalidade dotada de propriedades irredutíveis aos subsistemas ou
elementos” (VIEIRA, 2008, p. 43). À organização está associada a característica de coerência,
que confere significação ao sistema, da sentido as partes. Vieira (s/data, p. 5) correlaciona as
características de coesão e coerência do sistema e os sinais que emite com a hipótese de uma
gramaticalidade, isto é, estas propriedades conferem ao sistema o caráter de texto e implicam
na produção de linguagem.
Dado o caráter de complexidade, que o sistema vai adquirindo, cresce a dificuldade de
definir com rigor lógico os parâmetros sistêmicos (VIEIRA, s/data), principalmente, em
sistemas culturais, comunicacionais, semióticos, que unem “o físico e o psíquico, o corpo e a
mente, o natural e o artificial, o biológico e o tecnológico, a carne e a alma” (SANTAELLA,
s/data, p. 4). Contudo, se admitirmos que a linguagem é sinônimo de pensamento, podemos
apreender de um sistema cognitivo organizado no padrão rizomático de rede “a constituição
de uma nova linguagem, uma espécie de ecologia dos signos, cujo DNA se encontra nas
hipersintaxes híbridas que nascem das misturas inconsúteis de uma diversidade de sistemas de
71 O conceito de rizoma (DELEUZE; GUATARRI, 2000) é aplicado na compreensão da estrutura da linguagem
hipermídia e da forma de organização da rede. Este conceito será desenvolvido em capítulo próprio que aborda o
conceito de rede e de linguagem hipermídia. Por hora, a coesão do sistema estará diretamente relacionado com o
uso criativo da linguagem hipermídia e da forma como essa estrutura favorecerá a organização do sistema em
rede.
108 signos, ou seja a mais híbrida de todas as formas híbridas de linguagem” (SANTAELLA,
2010, p. 87), a linguagem hipermídia.
O que circula e mantém coeso esse sistema são os signos e suas mediações, resultante
de um intenso processo de tradução intersemiótica entre os diversos níveis funcionais desse
sistema. Para que a tradução ocorra são necessários canais e linguagens que permitam a
circulação e o intercâmbio de mensagens e a criação de sistemas de sinais que se articulem
com os órgãos emissores-receptores. As tecnologias em rede, acionadas pelos agenciamentos
dos sujeitos, possibilitaram o aumento do fluxo de informações, da interatividade, a
ampliação o rompimento das barreiras de tempo e espaço, e facilitaram a ocorrência de
interações multidirecionais, proporcionando tanto a emergência da aprendizagem em rede,
como originando um ambiente onde surgem as condições para sua permanência.
Segundo Vieira (2008a, p. 21), para um sistema aberto em determinado ambiente
permanecer no tempo este deve apresentar três capacidades:
(a) sensibilidade, no sentido de reagir adequadamente e `a tempo `as
variações ou diferenças que ocorrem nele mesmo ou no ambiente, isto é, aos
fluxos de informação;
(b) função memória, função desenvolvida ao longo do tempo, relacionada a
capacidade de reter parte desse fluxo e gerar relações que possibilitem
conectar passado, presente e um futuro possível com coerência com a
realidade, o que na filosofia de Peirce podemos associar com o conceito de
hábito;
(c) a capacidade de elaborar a informação retida, na medida de suas
necessidades, isto é, a capacidade de uma mente de gerar interpretantes de
todas as naturezas, sua capacidade de aprender.
Comparando estas condições com as condições necessárias para a permanência de um
sistema cognitivo, que tem na aprendizagem em rede e na emergência de mentes coletivas o
potencial para gerar a autonomia para interagir e evoluir junto com este sistema ambiente,
propomos as seguintes hipóteses:
(a) a sensibilidade para reagir adequadamente e a tempo a uma realidade onde predomina a
aleatoriedade, estoscacidade e caoticidade é dada a partir de uma Umwelt caracterizada pela
109 proliferação acelerada de signos (um reino de signos, a semiosfera), que origina a emergência
de um conectividade seletiva entre entidades heterogêneas (homens e objetos), possibilita a
emergência de uma mente coletiva, a integralidade por meio de subsistemas como o
ecossistema cognitivo, comunicacional e digital e origina um padrão de organização baseado
na interdependência, interconectividade e interatividade, o padrão de rede;
(b) a função memória está relacionada com o surgimento de uma memória complexa
externalizada, um tipo de memória temporária, fluida, dispersa e coletiva, adequada à
natureza de um sistema no qual informação e conhecimento encontram-se em um constante
fluxo reticular materializada em dispositivos técnicos e em uma rede de conexões. Podemos
destacar além das memórias físicas dos hardwares, arquivos e rastros digitais e softwares de
gerenciamento e busca de dados, os filtros explicitados no conceito de mindful attention de
Rheingold (2009; 2010): uma ferramenta psicossocial-técnica que necessitamos para
encontrar nosso caminho on-line, uma combinação de mente-máquina, da habilidade de poder
de atenção do cérebro e o poder computacional de filtrar (Anexo 1); a arquitetura dos
softwares e da linguagem hipermídia também configuram padrões cognitivos e culturais, onde
a predominância dos signos icônicos e a estrutura rizomática conduz para uma abertura ao
acaso, ao surgimento do leitor imersivo e do leitor ubíquo, bem como para uma
tendencialidade expressa em dinâmicas cognitivas que surgem como padrões culturais
interdependentes como a cultura da participação, da partilha e da colaboração, hábitos ou
modos de conduta vinculados `a cultura digital;
(c) por fim, a capacidade de elaboração da informação pode ser associada aos hábitos ou
modos de conduta que geram estratégias para uma elaboração eficiente do estoque de
informação em flexibilidade e em temporalidade necessárias para permitir a permanência
eficiente em um ambiente em constante e acelerada mudança, bem como, propiciar a própria
evolução do sistema, na medida em que esses padrões são coerentes com uma realidade regida
pela mutação acelerada. A cultura da participação, do compartilhamento, e colaboração, como
hábitos indissociáveis que emergem e integram a ecologia digital, a ecologia comunicacional
e a ecologia cognitiva originam ambientes onde predomina a cultura aberta, do remix, dos
commons digitais, do produtor/consumidor, da convergência de áreas, do uso de linguagens
híbridas, do incremento da capacidade de tradução intersemiótica, etc, e possibilitam a
aprendizagem em rede.
110 Essas ideias estão sintetizadas nas Figura 12 e 13 e serão melhor exploradas no
próximo capítulo e no estudo de caso. Adotamos como visualização a metáfora da estrutura
tetraédrica do carbono, Figuras 10 e 11:
Figura 10: Imagem obtida pelo captura da tela do software interativo disponibilizado no site
www.uff.br/cdme/platonicos/platonicos-html/tetraedro-br.html, que possibilita a visualização
tridimensional do tetraedro, incluir esferas circunscritas e inscritas, planificar e girar o polígono.
Fonte: Arquivo pessoal
Figura11: Molécula do Metano (CH4)
Fonte: Arquivo pessoal
O carbono é um elemento produzido pelas estrelas em uma de suas fases de evolução,
possui alto grau de conectividade (devido à natureza híbrida de suas ligações químicas),
111 domina a constituição dos organismos e é promissor das formas de organização de
autopoiesis, de auto-organização. É, quimicamente e físico-quimicamente falando, ideal para
complexidade biológica (VIEIRA, 2008c). Possui uma proximidade com o elemento silício
(associado com a vida artificial e tecnologias computacionais) por possuir uma distribuição
eletrônica semelhante nos níveis mais energético (ns2 np2), o que implica na partilha de
comportamentos fisíco-químicos semelhantes.
Tomamos por analogia a capacidade de alta conectividade devido ao hibridismo de
suas ligações químicas, o que permite a formação de cadeias simples como o metano (CH4) à
complexidade do DNA. A diversidade que se origina a partir dessa propriedade é expressa
numa infinidade de compostos orgânicos e um número mais reduzido de compostos
inorgânicos, mas essenciais aos processos metabólicos como o CO2 e o H2CO3 (responsáveis
pelo equilíbrio do pH no sangue). Sua presença nas estrelas e nos organismos vivos, o fato de
ser fonte de energia como carvão ou o butano pode ser compreendido como uma metáfora da
aprendizagem em rede e dos diversos subsistemas que compõe uma ecologia digital,
comunicacional e cognitiva, bem como, a emergência da mente coletiva como uma
propriedade compartilhada e que provê coerência a um sistema baseado na interconexão entre
todas as coisas, em uma educação relacional. Por sua vez, o tetraedro é um poliedro convexo
regular, pois suas faces são polígonos regulares e congruentes entre si e o número de faces
concorrentes em cada vértice é sempre o mesmo. No caso do tetraedro, cada vértice é
congruente com três faces formadas por triângulos equiláteros. Essa multiplicidade de
relações triangulares, que se integram em uma outra forma, é utilizada como analogia para
representar as relações triádicas entre os diversos elementos que constituem a aprendizagem
em rede.
112 Figura 12: As quatro faces do tetraedro
Fonte: Arquivo pessoal
Figura 13: Tetraedro planificado contendo uma esfera cirunscrita (semiosfera) e uma esfera inscrita
(aprendizagem em rede)
Fonte: Arquivo pessoal
113 2.5.3 Aprendizagem e semiose
Aprendizagem não é acumulação de informações, mas resultado de um
processo de transformações, de mudanças estruturais a partir de ações e
interações provocadas por perturbações a serem superadas. E a
aprendizagem progride mediante fluxos dinâmicos de trocas, análises e
sínteses auto-reguladoras cada vez mais complexas. (MORAES, 2008,
p.255)
Aprender é uma atividade inerente e condição da permanência dos sistemas no tempo,
da vida. A condição de adaptabilidade e sobrevivência dos seres sensíveis, do planeta, do
universo depende dessa habilidade lógica, intimamente ligada à cognição e à ação inteligente,
capaz de gerar “a autonomia que um sistema necessita para elaborar, adequadamente, seu
meio ambiente, criar estoques de informação e função memória e assim, permanecer”
(VIEIRA, 2008a, p. 16). A permanência é a tendência que as coisas têm em durar, em ser. A
necessidade de permanência leva à mutação, o que conduz ao domínio ontológico da
evolução.
A evolução manifesta-se na histórica particular de cada espécie por meio do
desenvolvimento de uma interface entre o sistema vivo e a realidade, a Umwelt. Interface
responsável pela codificação das diferenças originadas na realidade, ou ontologicamente
falando, codificação de informação, e que permite ao sistema apresentar um comportamento
coerente com o real e, assim, permanecer na sua capacidade de interagir com o meio e evoluir
com e a partir dele:
O que chamamos aqui de diferença é a base ontológica do conceito de
informação. Informação como diferença, que pode ser entendida como
objetiva e/ou como aquela que é percebida e elaborada por um sistema
cognitivo, logo com um certo teor de subjetividade. Diferenças podem estar
associadas às distribuições espaciais na organização de um sistema ou
podem surgir ao longo do tempo, na evolução de uma propriedade do
mesmo. Este último caso constituem os sinais, sistemas também organizados
de alta temporalidade, que acabam gerando os sistemas fenomênicos
parcialmente percebidos por algum sistema receptor. (VIEIRA, 2008, p. 78)
114 O meio ambiente, que cada espécie elabora, é seu “universo particular” ou Umwelt,
conceito criado pelo biólogo Jacob von Uexküell (1992) para definir “o segmento ambiental
de um organismo, que é definido por suas capacidades específicas da espécie tanto receptoras
quanto efetoras” (UEXKÜLL, 2004, p. 22). No que diz respeito à espécie humana, Vieira
(2007a; 2008) aponta para uma dilatação da Umwelt biológica. Buscamos permanecer para
além de uma evolução orgânica por meio da produção de signos psicossociais e culturais,
elaborando uma Umwelt expandida, que resulta na criação de representações que atuam como
“mapas isomórficos entre a organização da realidade e a organização cerebral, mental do
sistema cognitivo, permitindo aos sistemas uma eficiência para permanecer (VIEIRA, 2007b,
p. 100). O autor correlaciona esta Umwelt dilatada à noção de semiosfera, oriunda da
semiótica da cultura de Lotman (1992), conceituando-a como “a dimensão semiótica que
contém todos os processos de comunicação e de fluxos de informação, em uma dinâmica
típica dos sistemas abertos” (VIEIRA, 2007b, p. 100). Deixa clara a compatibilidade desta
noção com a ontologia sistêmica que adota, de Bunge (1979), e o fato de não limitar a
existência de uma semiosfera e da semiose a um universo abstrato, mas assumindo a hipótese
de objetivismo realista crítico72, considera que há uma continuidade entre os sistemas
culturais e os sistemas ditos materiais ou concretos.
A evolução da Umwelt humana, apreendida na extrassomatização da percepção e da
memória em dispositivos materiais ou meios de codificação das variações ambientais (ou
informação), de seleção e armazenamento (filtro e estoque relacionados com a função
memória) e internalização do fluxo de informações e sua elaboração (meios de processamento
e decodificação), produção e reprodução da linguagem, encontra-se relacionada diretamente
com a representação da realidade objetiva por um universo sígnico em contínuo crescimento e
expansão:
O aspecto fundamental desta semiose (a ação do signo) é que a tradução
depende da natureza do sistema cognitivo e de sua história evolutiva. Ao
longo dos bilhões de anos que caracterizam a evolução da vida em nosso
planeta, as várias espécies desenvolveram maneiras por vezes bastante
peculiares de perceber a realidade e a ela adaptar-se. Maneiras que variam
de espécie a espécie, de história a história. É como se cada ser vivo estivesse
72
Hipótese gnosiológica que adota a crença em uma realidade externa que pode ser independente de sistemas
cognitivos nela imersa. (VIEIRA, 2008, p. 48)
115 envolvido em uma “bolha fictícia”, que constitui a interface desenvolvida
pela evolução para gerenciar a adaptabilidade e sobrevivência do sistema.
[...]
Do ponto de vista do realismo crítico, não podemos esquecer que a
construção evolutiva de um determinado Umwelt nasce do embate direto
com a realidade: esta interface possui, assim, um extremo diretamente ligado
ao nível ontológico da física (na construção dos canais de percepção) e outro
extremo, bem mais interno ao sistema do sujeito, que contém a dimensão da
subjetividade. Os dois extremos são conectados pelo sistema nervoso central.
(VIEIRA, no prelo apud VIEIRA, 2008, p. 100)
Santaella (2002), no texto A Semiosfera como síntese entre a fisio, bio, eco e
tecnosfera, discute o conceito de semiosfera à luz da noção de semiose e do sinequismo de
Peirce, a partir dos quais leva a cabo uma sustentação filosófica e metafísica para o modelo de
entendimento dos processos evolutivos como manifestações da mente. O conceito de mente
de Peirce é um conceito alargado, vai muito além de pensá-lo como um fenômeno interno da
caixa craniana humana. A mente encontra-se espalhada pelo universo:
De fato, para Peirce, as funções da mente não se restringem aos seres
humanos (CP 1.269), nem se limitam ao reino biológico, pois não apenas
qualquer organismo biológico tem mente, mas também máquinas, tais com
computadores podem ter mentes. Como seu conceito de mente está
subordinado aos princípios gerais da causação final, haverá mente onde
houver triadicidade; onde houver tendência para aprender, para o
crescimento, ou evolução, aí haverá mente, não importando quão rudimentar
essa ação possa ser (SANTAELLA, s/ data, p. 7-8).
A mente é essencialmente um fenômeno externo (CP 7.364) governado por um modo
de ação universal, a causação final. A causação final é uma ação típica da terceiridade,
expressa na lógica da semiose. É a ação exercida por leis, de caráter processual e que
direciona uma sequência de eventos para um fim, sem, no entanto, determinar um modo
particular de vir a ser. Manifesta-se como uma tendencialidade para adquirir hábitos, diz
respeito a um modo geral de existência, a um coletivo, um todo. Esta contida na concepção de
Peirce de lei como um poder da vida fundado na peculiar concepção de hábito que abarca o
acaso, o crescimento e a evolução (SANTAELLA, 1999, p. 505).
116 Peirce nomeia como continuidade o modo de ser de um todo, e não dos individuais,
que compõe uma pluralidade, manifesta em leis gerais que podem ser apreendidas nos
fenômenos do universo material, na forma de hábitos adquiridos que regem a conduta das
coisas existentes. O sinequismo é o termo adotado por Peirce para nomear a teoria da
continuidade (IBRI, 1992), uma propensão ou disposição para adquirir novos hábitos, ela
mesmo um hábito (CP 6.612). A tendência de adquirir hábitos é uma lei da mente,
característica que se encontra presente no universo físico, do cosmo ao protoplasma. Peirce
postula a existência de uma unidade no universo, onde a diferença entre o fenômeno mental e
o natural, seria apenas de grau (CP 7.463).
Em contraste, aquilo que chamamos de matéria é mente tão cerrada de
hábitos, tão regular que ela cessa de exibir o mesmo comportamento
espontâneo que é tão abundante na mente (CP 6.25, Reynolds 1996: 4-5406). Enquanto mente é anárquica, a matéria é obediente à lei. Entretanto, a
mente humana e a matéria física não são apenas os dois extremos de um
espectro muito sutil e complexo de diferenciações na flecha do tempo
contínua que constitui a natureza. (SANTAELLA, 2002, p. 8)
Para Peirce, existem duas ações operativas no universo: a ação diádica ou causação
eficiente e a ação triádica ou causação final. A ação diádica encontra-se embutida na triádica,
mas não é processual, diz respeito ao aqui e agora, ao instante singular. É ação bruta cega,
relativa ao que é factual, gerando eventos que configuram uma realidade individual, uma
singularidade, está relacionada com a categoria da secundidade. Há uma interdependência
entre causações finais e eficiente: “causação final sem causação eficiente é desesperança, mas
causação eficiente, sem causação final é pior do que desesperança; ‘pois ela é mero caos, e
caos, sem causação final, não é nem mesmo algo como caos, mas é um nada completo’ (CP
1.220)” (SANTAELLA, 2002, p. 6).
Vieira (2003, p. 2) relaciona a causação final no domínio humano com
intencionalidade e na física dos sistemas dinâmicos não lineares e afastados do equilíbrio, o
que envolve a classe das estruturas dissipativas (PRIGOGINE, 1980), com os atratores, uma
entidade topológica presente no espaço histórico que descreve o sistema e que parece atrair as
órbitas históricas deste, fazendo-as convergir para o seu domínio, criando condições para que
117 ocorra uma ordem nas flutuações. Flutuações que estão relacionadas com o acaso, com as
características presentes na primeiridade, onde não há ação, apenas talidade e caráter
(SANTAELLA, 2002, p. 5). Elemento de espontaneidade responsável pela diversidade como
um princípio que atua na natureza, denominado como tiquismo:
A natureza não é regular. Nenhuma desordem seria menos ordenada que o
arranjo do existente. É verdade que existe as leis especiais e as regularidades
são inumeráveis; mas, ninguém reflete sobre as irregularidades que são
infinitamente mais frequentes. (CP 5.342)
São essas irregularidades que afastam qualquer ideia de determinismo causal do
mundo. Na complementaridade entre tiquismo e sinequismo, Peirce encontra o caminho para
explicar “o caráter evolutivo de todas as leis, um caráter que deriva delas serem submetidas ao
crescimento e à mudança. Assim sendo, há três elementos operativos no mundo: primeiro, o
acaso; segundo, a lei; e terceiro, a tendência a adquirir novos hábitos” (SANTAELLA, 2002)
A tendência para aquisição de novos hábitos é a natureza própria da lei da mente, a tendência
a generalizar e formar associações, o que é próprio da terceiridade e também a essência da
aprendizagem.
De Tienne (2007) argumenta que, na ideia de aprendizagem, estão incluídas a ideia de
crescimento e de desenvolvimento e, portanto, a ideia de processo. O que significa pensar que
existe uma relação essencial entre aprendizagem e o fluxo do tempo, bem como, a
aprendizagem e continuidade, portanto, semiose: “Todo fluxo do tempo envolve
aprendizagem; e toda aprendizagem envolve o fluxo do tempo [...] toda apreensão de
continuidade envolve uma consciência de aprendizagem.” (CP 7536); e ainda, “A consciência
de um processo é o que eminentemente caracteriza a cognição.” (CP 1.381).
A aprendizagem como semiose é tanto uma questão de aumento da habilidade do
sujeito para compreensão de signos, como uma questão do aumento do campo de
interpretação através do teste da experiência (DE TIENNE, 2007, p.86):
Assim que um teste força sobre nós uma nova interpretação, esta
interpretação, uma vez completada, se torna parte de nossa ‘experiência
118 colateral’ e pode servir para aumentar o poder de um signo. Uma razão pela
qual nós nunca cansamos de reler bons trabalhos é, que, a cada leitura,
continuamos a experimentar a vida em toda a sua variedade e a cada
experiência aumentamos nossa sensibilidade aos signo. Sensibilidade
aumentada significa interpretabilidade aumentada, e vice-versa.
Potencialmente, não há nenhum limite para esse processo.
Assim, nós podemos começar a ver o que chamamos de aprendizagem; vaga
mas seguramente, ela deve estar conectada, com qualquer aparência que
possa ter, a uma ‘semiótica’ crescente (de maneira geral), a uma crescente
abertura para todo o tipo de signos, não só do ponto de vista de seu
reconhecimento e interpretação, mas também do ponto de vista da própria
criação e refinamento. Porque dentro da relação sígnica os interpretantes têm
o poder para re-formar os signos que os determinam, tanto para preservar
quanto para intensificar esta determinação por causa do objeto.
2.5.4 Aprendizagem em rede como um processo evolutivo
O conceito de rede como um trabalho de tradução (LATOUR, 1994; 2005) confere
uma natureza dinâmica e processual à rede de associações originadas a partir da ação de cada
actante sobre um outro actante, ocasionando desvios, operando diferenças, fazendo proliferar
os mediadores. A rede é circulação da diferença, na medida em que a ação (como mediação)
cessa, a rede se estabiliza e tal qual uma mente ressecada, adquire cada vez mais uma
materialidade, contornos definidos. As inscrições, esses rastros deixados pela ação, matter of
facts (LATOUR, 1994; 2005) ou em termos peirceanos, signos indiciais, é o que transporta a
ação, funcionam como veículos de transporte e, por essa razão, é que permitem retraçar as
associações. Relativo ao conceito de índice em Peirce, Santaella (1995, p. 161) exemplifica o
modo de ação dessas inscrições:
De fato, o índice funciona como um veículo de transporte, alertando e
conduzindo o receptor diretamente para seu objeto. É assim que Sherlock
Holmes, por exemplo, incomparável mestre na arte de se transportar dos
índices para os objetos, consegue distinguir tipos de cinzas de diferentes
charutos para chegar com precisão, por meio de uma cadeia de índices, ao
exato fumante daquele exato charuto, no exato lugar em que o fumou, num
exato tempo passado.
119 Aqui temos a causação eficiente, a ação diádica, mas o que seria dela sem a causação
final? Sherlock Holmes ficaria perdido sem o trabalho de tradução que realiza a partir e com
as cinzas e que possibilita uma cadeia de associações na geração de outros interpretantes.
Quando multiplicamos os rastros pela digitalização e potencializamos o transporte da ação em
uma intrincada e complexa rede que envolve sujeitos humanos e objetos técnicos,
possibilitamos que o fenômeno mental distribuído no mundo adquira na rede a complexidade
e plasticidade do pensamento humano, este é o intricado resultado da associação entre
humanos e artefatos técnicos:
Como sugerem Serres (1992) e Latour (1994a), os termos quase-sujeitos e
quase-objetos lhes seriam mais adequados e caberiam para designar tanto os
homens quanto os artefatos técnicos, ora um ora outro, já que os primeiros
não são inicialmente ou prioritariamente sujeitos, mas quase-sujeitos ou
mesmo quase-objetos, pois que são constituídos também pelo artefatos
técnicos. Estes por sua vez, não são completamente objetos, mas quase, pois
não são inteiramente passivos e submetidos à ação e inteligência humana,
mas sobre elas atuam, intervêm e engendram deslocamentos e
transformações, podendo ser também concebidos como quase-sujeitos. [...]
(BRUNO, 2012 p.11).
A aprendizagem em rede potencializa a geração de interpretantes, a ação inteligente,
pela emergência da mente coletiva, uma propriedade partilhada entre os diversos elementos
humanos e não-humanos, contribuindo para “a emergência de habilidades cognitivas que não
estavam antecipadas em parte alguma” (BRUNO, 2012, p.10). Esse complexo sistema age no
sentido de promover a auto-organização do sistema/rede em sua interação com um ambiente
caótico, heterogêneo e imprevisível da atualidade. A mente coletiva é expressão da lógica da
semiose, como um princípio contido na evolutiva e crescente “abertura para todo tipo de
signos”. Os conceitos de causação final e semiose nos auxiliam a pensar o conceito de mente
coletiva como uma manifestação de processo evolutivo amplo, vamos seguindo o fluxo do
pensamento de Santaella (2002, p. 13):
Como se pode ver, o conceito peirceano da mente como sinônimo de
causação final e expresso na lógica da semiose, é um conceito muito amplo e
liberal. Mas é justamente essa liberalização que coloca esse conceito em
sintonia com algumas das mais recentes preocupações na física, biologia,
120 inteligência artificial e o habilita para nos auxiliar a pensar as revoluções
tecnológicas atuais que funcionam não apenas como amplificações de nossas
funções corporais e de nossas capacidades perceptivas e sensórias, mas
também de nossas forças cerebrais. O modelo lógico básico da semiose, que
se expressa na definição de signo, não é apenas um modelo para a descrição
da mente, pensamento, inteligência, continuidade e crescimento, ele é
também consequentemente um modelo para o entendimento da evolução,
visto que Peirce acreditou que processos evolutivos em geral são
manifestações da mente, entendida no sentido alargada que ele deu a essa
palavra. O que, na época de Peirce, soava como um aparente absurdo, é
exatamente aquilo que está soando como mais atual no debate
contemporâneo sobre a nova antropomorfia pós-humana.
Pierre Lévy (2000, p. 61) caracteriza essa etapa da evolução humana como uma metaevolução, uma evolução cultural que se inicia com os códigos do DNA e evolui até o
ciberespaço, unindo os reinos biológicos, da linguagem e da cultura e que deu suporte ao
aparecimento de um “aprendizado ou inteligência coletiva”. Inteligência que ocorre ao nível
da escala geológica das espécies, dos ecossistemas e do processo evolutivo global, fruto de
uma crescente intensificação e diversificação dos processos comunicacionais em tempo real e,
consequente, aumento da interconectividade. Por sua vez, a abordagem da semiosfera como
semiose, proposta por Santaella (2002, p. 11), vai um pouco além para “cobrir todos os
domínios que vão do físico, passam pelo ecobiológico, até o domínio do antropológico,
cultural e tecnológico”, concebendo uma “continuidade que existe entre a mente humana e
outros processos envolvidos por um propósito”, por uma ação inteligente:
Onde houver tendência para aprender, para processos de autocorreção, para
mudanças de hábitos, onde houver ações direcionadas para um fim, haverá
inteligência, onde quer que ela ocorra: no grão do pólen que fertiliza o óvulo
de uma planta (W1: 333), no voo de um pássaro, no sistema imunológico,
em um robô, na perversidade do inconsciente, ou na razão e ações humanas.
(SANTAELLA, 2002, p. 12)
A mente como um fenômeno da terceiridade pode ser compreendida como uma mente
coletiva, afinal a causação final como uma forma geral de qualquer processo não está
relacionada a uma mente específica, “uma causa final deve ser concebida como operando sem
ter sido o propósito de qualquer mente” (CP 1.204), é um princípio presente na unidade do
universo. O processo de auto-geração de interpretantes é um processo contínuo, de início não
121 determinado e que tende para um infinito, auto-corrigido pela ocorrência do acaso como um
princípio real responsável pelo afastamento do fato em relação a lei (IBRI, 1992, p. 52),
somado ao embate com a realidade, o que nos remete ao fabilismo: “ a doutrina de que nosso
conhecimento nunca é absoluto, mas é como se sempre flutuasse em um continuum de
incerteza e indeterminação” (CP 1.171). “Acaso, pura possibilidade, e ação dinâmica bruta,
mediadas por um princípio geral, um princípio guia, unindo infinito, acaso, com o segundo
infinito, ação cega, constituí a tríade dentro da qual a causação final se move”
(SANTAELLA, 2002, p. 10).
A trajetória desenvolvida até aqui permite retomar o que já havíamos anunciado no
primeiro capítulo sobre a relação da aprendizagem com os princípios da mutação (I Ching)
que, ao estabelecer que toda mutação supõe um ponto constante que lhe sirva de referencial,
alerta que “ o problema consiste agora em escolher o seu próprio ponto de referência de
modo a que coincida com o ponto de vista do vir a ser cósmico” (SANTAELLA, 2002) e com
o fato de que “a essência da aprendizagem consiste tanto na apreensão da tendência geral que
sugere uma direção para o futuro quanto na implementação criativa, ou atualização desta
sugestão percebida, [...] a aprendizagem é uma característica do universo e cresce dentro dos
limites de um plano geral e condicional” (SANTAELLA, 2002, p. 10)
Para complementar, retornamos à concepção de ação do signo ou semiose. Peirce
concebe o signo como corporificação do pensamento, o signo é mediação ou relação triádica.
Para melhor compreender esta definição de signo, é preciso ter em mira as categorias que
estão na base de todo o seu edifício filosófico, a fenomenologia ou faneroscopia73, onde todos
os fenômenos podem ser compreendidos a partir de três elementos gerais indecomponíveis:
qualidade, reação e mediação, respectivamente, relacionados com as categorias de
primeiridade, secundidade e terceiridade.
Realmente, uma representação necessariamente envolve uma tríade genuína.
Pois envolve um signo, ou representante, de algum tipo, externo ou interno,
mediando entre um objeto e um pensamento interpretador. Isto não é nem
73
Ciência que se propõe efetuar um inventário das características do faneron ou fenômeno (IBRI, 1992) : “...por
faneron entendo o total do coletivo de tudo aquilo que está de qualquer modo presente na mente, sem qualquer
consideração se isto corresponde a qualquer coisa real ou não.” (CP 1.284)
122 uma questão de fato, uma vez que o pensamento é geral, nem é uma questão
de lei, visto que o pensamento é vivo. (MP 1.480)
Retemos aqui o papel do signo em sua função mediadora entre o objeto e o
interpretante. O poder do signo está em gerar uma cadeia semiótica, onde signosinterpretantes geram outros signos-interpretantes num processo infinito, sem que se perca a
relação originária com o objeto, relação, por sua vez, que é mantida pelo poder de
autogeração do signo de interpretantes:
Trocando em miúdos: a ação lógica do objeto é a ação do signo. E a ação do
signo é funcionar como mediador entre o objeto e o efeito que se produz
numa mente atual ou potencial, efeito este (interpretante) que é
mediatamente devido ao objeto através do signo. A mediação do signo em
relação ao objeto implica a produção de interpretante que será sempre, por
mais que a cadeia dos interpretantes cresça, devido à ação lógica do objeto, a
ação mediada pelo signo. (SANTAELLA, 1995, p. 39)
Os efeitos produzidos numa mente, isto é, os interpretantes, eles mesmo um outro
signo, estão diretamente relacionados com as três categorias e podem ser extraídos destas.
Recorremos a Santaella (1995, p. 101-102) para apresentar uma síntese da primeira
classificação dos interpretantes realizada por Peirce, a tríade interpretante imediato, dinâmico
e final relacionados, respectivamente, com as categorias de primeiridade, secundidade e
terceiridade:
Numa formulação das mais sintéticas, Peirce dizia que o signo tem três
interpretantes: “seu interpretante como representado ou tido em vista (meant)
para ser entendido; seu interpretante como ele é produzido e seu
interpretante em si mesmo” (CP 8.333) A tríade corresponde ponto a ponto
às três categorias. O imediato é primeiridade, uma possibilidade inscrita no
signo para significar; o dinâmico (interpretante produzido), secundidade, é o
fato empírico da interpretação ou resultados factuais do entendimento do
signo; o final é terceiridade, uma regra um padrão para o entendimento do
signo. O processo de interpretação de um signo genuíno incorpora
necessariamente esses três momentos e, `a maneira das três categorias, o
primeiro prescinde do segundo e terceiro, o segundo precisa do primeiro e o
terceiro precisa do segundo e do primeiro. Os interpretantes imediato e final
são interpretantes in abstracto e o dinâmico é interpretante in concreto.
123 Nessa medida, todos os fatos empíricos de decifração de um signo são
interpretantes dinâmicos. O interpretante final é aquilo para cuja direção o
real tende. Sendo um limite ideal e abstrato, o interpretante final não
depende estritamente de cada interpretante dinâmico efetivo. Ao mesmo
tempo, no entanto, todo movimento e transformação do pensamento (signo)
só pode se realizar devido e suportado por esses eventos reais de
interpretação (interpretantes dinâmicos) O interpretante imediato, por seu
lado, é uma mera possibilidade de sentido, ainda não revelada, mas que está
de modo ainda vago e indeterminado contido no próprio signo.
Uma segunda classificação datada de 1907, desenvolvida no manuscrito 338 e também
extraída das três categorias (SANTAELLA, 1995, p. 104-108), propõe a tricotomia de
interpretantes emocional, energético e lógico, respectivamente relacionados por Peirce com
sentimentos (primeiridade), esforços (secundidade) e mudança de hábitos (terceiridade).
O interpretante emocional é o aspecto qualitativo do efeito produzido pelo signo
relacionado com a categoria da primeiridade, com a experiência imediata, talidade (ser tal
qual e nada mais), acaso, possiblidade, diversidade; o interpretante energético, correspondente
a um ato no qual alguma energia é despendida da ordem da secundidade, relacionada com a
experiência bruta, ação e reação, alteridade, realidade individual; e o interpretante lógico, o
pensamento ou entendimento geral produzido por um signo relacionado com a categoria da
terceiridade ou mediação, “um interpretante lógico é uma regra geral, que não se confunde
com um conjunto de palavras, mas é mais propriamente um hábito de ação que pode ser
expresso por palavras” (SANTAELLA, 1995, p. 106).
A referência às duas tricotomias de interpretantes sem abordar definições mais amplas
e suas correlações, bem como as definições de objeto e dos tipos de signos, tem a intenção de
situar, dentro do escopo desse trabalho, o fato que:
[...] os signos, mesmo os mais genuinamente triádicos, não produzem como
interpretantes apenas pensamentos, mas também sentimentos, emoções,
percepções, ações, condutas, comportamentos, de modo que, mesmo no
signo de natureza pensamental e intelectual, todos esses elementos estão nele
embutidos constituindo, assim, também sua substância.
Em segundo lugar, para da conta do fato de que, em determinadas situações,
mesmo sendo triádico, o signo pode ter seu processo interpretativo
interrompido, visto que este momento pode ser suficiente para a função que
o signo cumpre naquela situação. Neste caso, embora a natureza do signo,
124 em si mesma, seja essencialmente triádrica, ela pode, no processo
interpretativo, adquirir a forma de um signo degenerado, isto é, quando seu
interpretante tem o caráter de uma ação ou até mesmo de uma mera
qualidade de sentimento. (SANTAELLA, 1995, p. 116).
A amplitude do conceito de signo em Peirce reitera o papel dos sentimentos, emoções,
percepções, ações, condutas, comportamentos na aprendizagem, que não pode ser limitada a
uma mera apreensão de representações e conceitos intelectuais. Confere também uma
proximidade ao destaque que Moraes (2008, p. 181) confere ao “papel da emoção na
reconfiguração da aprendizagem como geradora de espaços operacionais de ação e de
reflexão, recordando também que a aprendizagem e conhecimento envolvem percepção e
intuição e tudo mais que constitui a estrutura do sistema vivo.
125 no
mundo
nada
se
perde
tudo
se
trans
forma
Instruções : dada a matriz quadrada acima,
ache a determinante, alternando a ordem
dos elementos para encontrar esta matriz final:
se
nada
no
mundo
trans
forma
tudo
se
perde
(PHILADELFO MENEZES)
126 3.0 AS TRÊS ECOLOGIAS E A APRENDIZAGEM EM REDE
“O ser humano, tal como imaginamos, não existe” (Nelson Rodrigues)
Concepções como cognição distribuída e localização exomática da mente transformam
o modo como tradicionalmente se concebia a relação entre pensamento e tecnologia.
Deslocam a questão do que é pensar e como se pensa para uma concepção da mente não mais
internalizada, mas que evolui a partir de sua inscrição em um sistema material, ou seja, o
desenvolvimento do pensamento acaba assumindo a forma do desenvolvimento do meio
físico do pensamento.
Donald (1999) argumenta, em seu livro Origens do Pensamento Moderno, que a
aprendizagem tem o potencial de fornecer uma retroalimentação do processo de
desenvolvimento direcionando-o para a evolução, pois possibilita que certas espécies
modifiquem a evolução de seus ambientes. No caso da espécie humana, a cultura exerce o
papel de “ambiente” adaptativo, visto que nosso sistema cognitivo, além de possuir toda a
complexidade dos sistemas vivos, necessita da conexão com uma cultura em rede. Essa
relação tem implicações para as teorias de cognição, as quais deveriam levar em conta,
segundo o autor, mais do que a mente individual, mas deveriam considerar a emergência de
uma cognição coletiva, distribuída por várias mentes e suportada por uma variedade de
tecnologias de comunicação e memória em rede relacionadas com a evolução cultural e sem
uma forma fixa. O mecanismo da cognição humana abarca os dois processos, o orgânico e o
distributivo, em que a noção de uma evolução exomática da mente atribui aos seres humanos
uma cognição híbrida, que se desenvolve na relação entre os dois ambientes: o biológico e o
cultural. Somos a primeira espécie que desenvolveu, verdadeiramente, um sistema de
cognição distribuída, em que pensamento e memória são concretizados em uma comunidade
de mentes conectadas em rede.
O autor ainda defende que a evolução da mente humana vem sendo mediada por novas
tecnologias de memória externa, no lugar de mudanças geneticamente codificadas no cérebro
(memória biológica). A memória externa (ESS) é parte de um sistema de armazenamento
127 coletivo e deve ser compreendida como parte integrante da arquitetura cognitiva do humano
moderno. A ESS se configura como uma rede, em que as capacidades do sistema são
distribuídas, e o sistema funciona como uma unidade maior do que qualquer um de seus
componentes individuais. Os indivíduos que detêm os códigos de acesso estão equipados para
se conectarem a qualquer rede que esteja disponível e, uma vez ligados, suas capacidades são
determinadas quer pelas redes, quer por sua herança biológica. “À medida que a base de
dados do sistema se expande para muito além do domínio de qualquer indivíduo, o sistema
torna-se, de longe, o fator mais determinante da cognição dos indivíduos” (DONALD, 1999,
p. 375).
A ampliação da interface que realiza a mediação entre o organismo e a realidade, a
Umwel expandida, foi comentada no capítulo 2.0, incluindo, além do sistema cultural,
sistemas psicossociais e tecnológicos, o que vem resultando no crescimento e na expansão do
reino de signos (a semiosfera). Os signos abrangem desde uma simples qualidade de
sentimento, uma inscrição, até a miríade dos conceitos e da diversidade de linguagens.
Vieira (2008), a partir de Bunge (1980), concebe o sistema psicossocial como
constituído de quatro subsistemas principais: o biológico, o cultural, o econômico e o político.
O autor destaca o sistema cultural como um dos mais fundamentais, pois estaria relacionado
com a permanência dos demais: “Parece-nos óbvio que é a cultura, incluindo todo o sistema
educacional, que pode produzir autonomia necessária para produzir material humano, que
possa efetivamente criar e gerenciar a complexidade dos outros subsistemas (VIEIRA, 2008,
p. 17, grifos nosso).
Processos culturais de comunicação e produção de signos caminham e evoluem lado a
lado. As tecnologias de comunicação evoluíram para configurar o que hoje identificamos
como uma cultura digital74, expressão da evolução de processos comunicacionais e cognitivos
mediados pelas tecnologias digitais. A expressão, segundo Deleuze (1968 apud CARVALHO,
2007), é como uma dobra, visto que envolve e explica, palavras que têm a raiz latina plicare
(dobrar): a primeira dobra para dentro e a segunda externamente. Isto implica a ideia de um
uno como dobra do múltiplo e um uno que se desdobra no múltiplo por meio de formas
74
Optamos por usar a noção de cultura digital, como um modo mais abrangente do que cibercultura, para
designar os processos culturais mediados pela digitalização que ocorrem tanto no ciberespaço como nos espaços
intersticiais e físicos.
128 dinâmicas e ativas, os seus atributos, manifestos como uma realidade física. São esses
atributos que Latour et al (2012) nos oferece como possibilidade de rastreamento das
associações e da reconstituição de um social, um coletivo heterogêneo em rede.
Dada a complexidade que esses processos adquiriram, apresentando atributos como a
“arquitetura” em rede, as propriedades comuns partilhadas, a heterogeneidade de composição
de seus sistemas, a interconectividade, o hibridismo e outras características que os
assemelham ao funcionamento de ecossistemas, optamos por abordar suas propriedades e suas
conexões a partir de um ponto de visto ecossistêmico, designando-os como ecologias:
ecologia comunicacional, cognitiva e digital (cultural). Esses processos, cujos atributos se
correlacionam, alimentam e são retroalimentados pelo modo de aprendizagem que tem sido
vinculado à cultura digital, a aprendizagem em rede. Isto justifica representá-la como esse
elemento conectivo no interior do tetraedro, essa esfera inscrita, que se dobra e desdobra na
expressão e a partir da expressão dessas três dimensões da ecologia e na emergência de uma
mente coletiva:
Figura 14: As quatro faces do tetraedro
Fonte: Arquivo pessoal
129 Figura 15: Tetraedro planificado
Fonte: Arquivo pessoal
A Figura 15 foi apresentada no final do segundo capítulo com a finalidade de
representar as condições do sistema-ambiente que propiciam a emergência da mente coletiva
e a permanência da aprendizagem em rede. Tais condições surgem a partir da
interdependência das três ecologias e de seu desenvolvimento integrado e de sua evolução. Os
quatro lados do tetraedro são simétricos e, com isso, é possível rotacioná-lo no espaço,
observando uma equivalência entre cada face, pois não há hierarquia de níveis, apenas
diferenças de graus. Relações tríplices e diádicas são evidenciadas em cada plano e linha.
Falar de ecologias é integrar teorias que abordam a co-evolução de um organismo com
seu ambiente, o que também nos fornece importantes pontos de vista para se estudar a cultura
digital, pois permite que o pensamento supere dicotomias objeto-sujeito e veja essa situação
cultural das mídias como um feedback e uma auto recriação contínuos (PARIKKA, 2010, p.
145).
Ao discutir a “vida da cultura das redes”, ela não deve ser entendida como
uma forma, mas sobretudo como movimento e junção, de maneira
semelhante à leitura de Deleuze da afirmação de Spinoza:
130 O importante é entender a vida, cada individualidade viva, não como uma
forma ou um desenvolvimento da forma, mas como uma complexa relação
entre velocidades diferenciais, entre desaceleração de partículas.
(DELEUZE, 1988 apud PARRIKA, 2010, p. 145, grifos do autor)
3.1 ECOLOGIA COGNITIVA E COMUNICACIONAL: A LINGUAGEM HIPERMÍDIA
As mídias digitais propiciaram a multiplicação e a hibridização dos signos
disseminados em espaços de fluxos e por sintaxes fluidas, características da era
informacional. O computador, por exemplo, age como máquina semiótica, pois propicia a
produção, a multiplicação e a hibridização de signos e linguagens, configurando-se como um
artefato cognitivo que opera como parte integrante de uma cognição distribuída. Hutchins
(1996 apud BRUNO, 2003, p. 3) explora uma “arquitetura de cognição humana com base na
noção de cognição distribuída, definindo-a como algo que abarca tanto media internos quanto
externos, tanto processos mentais quanto dispositivos técnicos e relações sociais com outros
humanos”, em que o fundamental é o processo de tradução entre um meio e outro, que
transforma e redistribui os processos e as habilidades cognitivas envolvidas em nossas
atividades. Partindo dessa noção, Bruno (2003, p. 15) propõe uma redefinição da
espacialidade do pensamento: nossos sistemas cognitivos são constituídos por trocas
informacionais com o meio, onde os objetos técnicos que construímos e usamos integram
nossas “mentes”, nossos pensamentos. A autora argumenta que “a interioridade, aqui, não
coincide com o ‘que está dentro’ do sujeito, mas é constituída por processos, suportes
externos e internos, que configuram o seu modo de ser, pensar e agir sobre si e sobre o
mundo.”
Do papiro ao chip, os suportes ou meios (mídias) evoluíram para a configuração de
redes de computadores e dispositivos móveis interligados por satélites, de redes de memória
simbólica externa, incluindo os objetos técnicos que dão suporte a uma cognição coletiva,
distribuída por mentes conectadas. O ciberespaço, concebido como um novo meio de
comunicação (LÉVY, 2000), abriga um coletivo de elementos heterogêneos que partilham o
trabalho de mediação na construção da rede. Os mediadores são humanos, programas,
interfaces, protocolos de acesso, mecanismos e robôs de buscas, agentes que transportam
131 informação, transduzem, armazenam, distribuem e operam na produção de um conjunto de
técnicas, práticas, de atitudes, de modos de pensamento e valores que denominamos como
cultura digital (BRUNO, 2003).
A digitalização opera o processo de virtualização de informações, cuja atualização
pode ocorrer em um número indefinido de manifestações e por processamentos automáticos
com alto grau de precisão e velocidade, mediada pela tecnologia digital de processamento e
pela transmissão de informações. Isto ocorre por meio de operações de transdução, isto é, a
passagem de um código estruturado para outro, a conversão de um sinal em imagem, a
combinação, a integração e a tradução − desenhos, textos, fotografias, sons e gráfico −
tornaram-se possíveis. Essa convergência de linguagens e signos permite formar um sistema
integrado, articulado, alinear e constituído por conexões em rede, gerando uma linguagem
calcada na visualidade e impregnada de fragmentação e de simultaneidade. A linguagem
hipermídia é a linguagem que expressa a cultura digital, a constrói e por ela é construída num
movimento reverso. Trata-se de uma linguagem que emerge no contexto de mediação
computacional e das mídias digitais como possibilidade de misturar e hibridizar linguagens
diversas. Segundo Santaella (2000), três características são definidoras da hipermídia:
(a) ser uma síntese da linguagem e pensamento sonoro, visual e verbal, com todos os seus
desdobramentos e misturas possíveis, germinando formas de pensamento heterogêneas, mas,
ao mesmo tempo e semioticamente, convergentes e não lineares;
(b) ter a capacidade de armazenar informação e, através da interação do receptor, transmutar
em incontáveis versões virtuais que vão brotando na medida mesma em que o receptor se
coloca em posição de co-autor;
(c) devido a sua multidimensionalidade, necessitar de um mapeamento, de um programa
cartográfico, por meio do qual pode ser avaliado o teor criativo de uma produção
hipermidiática.
A linguagem hipermídia, por ser uma síntese da linguagem e do pensamento sonoro,
visual e verbal, compreendidos como as matrizes básicas de todo e qualquer pensamento
(SANTAELLA, 2005), carrega consigo o movimento e o princípio da tradução intersemiótica
como transcriação de formas de linguagens. Plaza (1987) define três modos de aproximação
das formas sígnicas imprescindíveis para a operação tradutora: a captação da norma na forma,
132 como regra ou lei estruturante; a captação da interação de sentidos ao nível do intracódigo; e a
captação da forma como se apresenta à percepção, como simultaneidade qualitativa (PLAZA,
1987 apud SANTAELLA, 2008).
Quando transitamos pelas interfaces dos softwares, interfaces que realizam a mediação
entre a lógica da máquina (traduzida por bits, 0 e 1) e a lógica humana, esses três modos
podem ser apreendidos nos agenciamentos descritos na noção de ritornelo. São agenciamentos
que, da caoticidade (infra-agenciamentos), expressam-se na diversidade sígnica, na
aleatoriedade do acesso, nos modos de atenção flutuantes (KASTRUP, 2007), na
predominância de signos icônicos que afetam nossa sensibilidade, e acionam um modo
abdutivo de navegar por sua estrutura diagramática (SANTAELLA, 2004). Essa captação da
forma como se apresenta à percepção nos conduz ao limiar de agenciamento territorial, em
que selecionamos, coletamos, organizamos, distribuímos e produzimos novas inscrições ou
novos índices, componentes dimensionais, intra-agenciamentos. Estes, por sua vez, nos levam
em direção a outros agenciamentos ou a outro lugar: o interagenciamento, germinando formas
de pensamento heterogêneas, componentes de passagem ou até de fuga, que criam condições
para a possibilidade de uma ressingularização da subjetividade (GUATTARI, 1992).
A subjetividade é compreendida como “um conjunto de condições que torna possível
que instâncias individuais e/ou coletivas estejam em posição de emergir como território
existencial auto referencial” (GUATARRI, 1992, p. 19). As condições propiciadas pelas
transformações tecnológicas da atualidade reverberam em mutações perceptivas e cognitivas
que tanto podem conduzir à homogeneização universalizante e reducionista da subjetividade,
quanto a uma tendência à heterogeneidade e à singularização, tudo depende das articulações
com os agenciamentos coletivos de enunciação.
O que importa aqui não é unicamente o confronto com uma nova matéria de
expressão, é a constituição de complexos de subjetivação: indivíduo-grupomáquina-trocas múltiplas, que ofereçam `a pessoa possibilidade de
diversificadas de recompor uma corporeidade existencial, de sair de seus
impasses repetitivos e, de alguma forma, de se re-singularizar. (GUATARRI,
1992, p. 17)
133 Procuramos abordar neste estudo os agenciamentos coletivos que estão emergindo
como possibilidade de ressingularização. Consideramos que a educação é, antes de tudo, o
lugar do sonho, da utopia como projeto, como possibilidade de vir a ser, tanto do ponto de
vista individual como coletivo.
Os sistemas de ensino formais se constituíram como espaços/ambientes que
reproduzem a discursividade construída a partir da linearidade do texto escrito e da cultura da
mídia livro. O saber baseado na tecnologia da escrita é marcado pelo viés teórico da
interpretação da realidade e, nessa atividade de interpretação, construímos um amplo
arcabouço teórico que foi sendo delimitado por campos e áreas dos conhecimentos
específicos, cada um deles constituindo-se numa disciplina específica e independente. A
metáfora arbórea representa a fragmentação cartesiana do saber, resultado das concepções
científicas modernas:
A ciência ocidental nasceu marcada pela concepção cartesiana do mundo
exterior como matéria extensa e radicalmente distinta da mente. De um lado,
está a interioridade do sujeito, senhor do pensamento e do conhecimento, do
outro lado, está o mundo exterior sólido e extenso. Essa dissociação entre
interior e exterior deu suporte à filosofia durante séculos e
consequentemente também conduziu o modo como a ciência passou a
conceber sua tarefa: esquadrinhar a natureza, seccioná-la em partes, dividir
seus objetos entre distintos saberes para melhor domá-los por meio do
conhecimento. (SANTAELLA, 2005, p. 37)
O tronco da “árvore do saber” seria a própria Filosofia, que, originalmente, reunia, em
seu seio, a totalidade do conhecimento. As ciências se relacionam com esse tronco comum,
ainda que nem sempre guardem ligações entre si, compondo os diversos ramos e galhos dessa
árvore. O paradigma arborescente implica uma hierarquização do saber, como modo de
mediatizar e regular o fluxo de informações pelos caminhos internos da árvore do
conhecimento (GALLO, 2008), paradigma que espelha também uma arborização do
pensamento. Ao supor ser esse paradigma fruto das tecnologias de conhecimento produzidas
no contexto da cultura da escrita, quando surgem novas tecnologias de conhecimento ou da
inteligência, tais quais as que se configuram na cultura digital, uma nova imagem do saber e
do pensamento é também introduzida.
134 Deleuze e Guattarri (2000) apresentam a noção do rizoma, que se assemelharia como
imagem ao tipo de caule radiciforme de alguns vegetais, como o bambu, formado por uma
miríade de pequenas raízes emaranhadas em meio a pequenos bulbos armazenáticos, para se
contrapor ao paradigma arborescente. O rizoma nos remete para a multiplicidade das formas e
dos caminhos; não há um único rizoma, mas rizomas. Por suas características de abertura,
descentramento, não hierarquia e multiplicidade, o conceito e a imagem do rizoma têm sido
utilizados para descrever a lógica da rede.
Como a linguagem própria da rede, a linguagem hipermídia também pode ser
compreendida segundo a lógica que a estrutura, os princípios de funcionamento do rizoma de
Deleuze e Guattari (2000). Segundo Kastrup (2010), o conceito de rede evolui da topologia,
em que o único elemento constitutivo é o nó, sendo definida por suas conexões, por seus
pontos de convergência e de bifurcações. A rede segue a lógica das conexões e não a da
superfície, onde a figura topológica é vazada, constituída de linhas e não de formas espaciais,
o que evoca o conceito de rizoma. Seis princípios de funcionamento regem o rizoma
(DELEUZE; GUATARRI, 2000): (a) Princípio da conexão: qualquer ponto de um rizoma
deve ser conectado a um outro e deve sê-lo. Conecta-se por contato, crescendo por todos os
lados e em todas as direções, provocando modificações nas linhas conectadas, imprimindolhes novas direções e condicionando, sem determinar conexões futuras; (b) Princípio da
heterogeneidade: revela que o rizoma não é de natureza linguística. A linguagem aparece
como uma das linhas que o compõe, conectando-as com cadeias materiais, biológicas,
políticas e econômicas heterogêneas, irredutíveis a ela; (c) Princípio da multiplicidade:
explicita que o rizoma não é uma totalidade de formas unificadas, nem é composto de
totalidades ou formas puras – sujeito, objeto, natureza, etc; (d) Princípio da ruptura asignificante: responde pela tensão permanente entre o movimento de criação de formas e
organizações e de fuga e desmanchamento dessas mesmas formas; (e) Princípio da
cartografia: primeiro princípio metodológico da filosofia de Deleuze e Guattari (1995). Ele
aponta para o fato de que o pensamento sobre o rizoma não é representacional, mas inventivo;
(f) Princípio da decalcomania: o decalque capta os pontos de estruturação, entendidos como
estabilizações temporárias do funcionamento de criação dos rizomas. Começa-se pelo mapa
que é aberto, desmontável, reversível, e projeta-se o decalque sobre ele.
135 O contexto rizomático rompe com as hierarquizações e com a disciplinarização do
saber, tanto no seu aspecto epistemológico como no político. Pensar uma educação que
incorpore essa dinâmica parece uma tarefa utópica, já que pressupõe a adoção de um
pensamento menos ordenado, no limite do caótico, bem como pressupõe outras arquiteturas
mais flexíveis, cujas estruturas possam se inclinar ao sabor dos ventos, sem quebras ou
rupturas, criando ambientes líquidos e oxigenados. Essa tarefa está colocada no diálogo entre
comunicação e educação, cuja manifestação, em maior grau de intensidade e liberdade, vem
se disseminando nas diversas experimentações criativas desenvolvidas fora do eixo formal
dos sistemas educacionais, em geral, vinculadas ao campo da cultura e das artes.
Não é fácil romper com a rigidez da arquitetura curricular da educação formal e com
todos os mecanismos de poder implícitos na disciplinarização, denunciados na obra de
Foucault. É fato também que a disciplina tem seu papel, bem como a disciplinarização do
saber, na organização de um cotidiano e na ordenação do conhecimento, que permitiu e tem
possibilitado o seu avanço, também tem papel importante. O problema é que não podemos
mais agir como agíamos anteriormente, a crise da razão já nos mostrou a falência de um
modelo e, agora, somos colocados diante da “fatalidade das transformações” (KRIEGEL 1979
apud FORQUIN, 2003), o que nos põe em movimento para repensar a questão das
transmissões educativas da atualidade e sua intrincada relação com a comunicação e com a
cultura.
3.2 O SOFTWARE: ATOMIZANDO A CULTURA
Motores de busca, sistemas de recomendação, aplicativos de mapeamento, ferramentas
de blog, clientes de mensagens instantâneas, plataformas que permitem escrever um novo
software – Windows, Unix, Android –, redes sociais, ambientes de aprendizagem, plataformas
de serviço, apps para tablets e celulares estão no centro da economia global e cultural, da vida
social e, cada vez mais, política (MANOVICH, 2010). O software carrega átomos de cultura
pelo uso individual e coletivo que fazemos deles, aspecto que não pode ser negligenciado. O
software modela a forma como os dados são estruturados e organizados uns em relação aos
outros, assim como a leitura que deles fazemos, isto é, o modo como nos ‘movimentamos’
136 pelos bancos de dados. O uso particular que fazemos de cada software remodela o mesmo, da
mesma forma que o software age como uma interface comportamental que modela tipos ou
possibilidades de ações e interações pelo usuário. São camadas que permanecem, de certa
forma, encobertas em sua dimensão e extensão da formação cultural que engendram, o que
leva Manovich (2010) a propor um campo de estudos que denomina de estudos culturais do
software.
Segundo a perspectiva desse campo emergente e ainda em construção, “o papel do
software é moldar o processo de emissão e, ao mesmo tempo, construir a imagem a ser
comunicada” (SILVA, 2008), o que significa compreender o software como possuidor, ao
mesmo tempo, da forma e do conteúdo do processo comunicacional e como o lugar
simultâneo da linguagem e do processo de significação. Se compreendermos, como Umberto
Eco, que os processos culturais são processos de comunicação e que estes, por sua vez, só
funcionam comunicacionalmente porque são processos sígnicos (SANTAELLA, 2010),
podemos intuir como o software adquiriu um papel central na modelagem dos elementos
materiais e de estruturas imateriais que constituem conjuntamente a cultura (MANOVICH,
2008). É essa abordagem que delimita o campo dos estudos culturais do software:
O campo do Software Studies analisa a profusão da cultura do software e
como o software vem cada vez mais alterando processos em vários níveis,
interferindo na forma como ensinamos, pesquisamos, conhecemos e
consumimos, isso sem falar nos mecanismos de controle social e político que
hoje em dia fazem parte das práticas de utilização do software em todas as
camadas das administrações públicas, em quase todos os países do mundo.
O papel do software, na ecologia comunicacional, cognitiva e digital das redes tem
uma centralidade na definição dos diferentes tipos e modelos de interação entre os actantes.
Cada software tem sua própria lógica, expressa em um tipo de arquitetura de dados que
possibilita, em maior ou menos grau, o fluxo aberto de informação, a tendência para
compartilhar e operar em redes, relacionadas com propriedades emergentes como
interatividade, interconectividade e interdependência. Tais propriedades estão relacionadas
com a disseminação, a descentralização e a semiodiversidade do conhecimento produzido,
consumido e distribuído em rede, bem como com o surgimento de padrões de
137 comportamento, como a colaboração, a partilha e a participação. São padrões que contrastam
com os que vêm sendo identificados na cultura escolar e acadêmica: a competição, o
individualismo e a apatia ou recepção passiva. Cabe ressaltar que, se compreendemos a rede
como mediação (LATOUR, 2005), isto é, como trabalho de produzir ações que geram
desvios, transformações, diferença e proliferação de mediadores, podemos conceber a
aprendizagem em rede como o lugar da inovação e do acontecimento (PARENTE, 2010) e ter
a esperança de que esses antigos valores comunitários (colaboração, partilha e participação),
revisitados e redimensionados pela cultura digital, possam ressingularizar as práticas
educativas e as subjetividades.
A participação é um primeiro movimento mediado pela interatividade propiciada pela
interface gráfica, aqui compreendida como ter parte de e fazer parte de. Fazemos parte da
ecologia da mídia: “os humanos fazem parte da composição maquínica, que conecta e
organiza humanos e não-humanos” (PARIKKA, 2010, p. 166). A máquina abstrata de
Guattari (1992, p. 46-45) coloca em relação todos os níveis heterogêneos (máquinas materiais,
cognitivas, afetivas, sociais) que atravessam o conjunto funcional que associa os homens por
meio de múltiplos componentes. E temos parte em redes sociais diversas, em comunidades,
grupos, coletivos, organizações em rede, em listas de e-mails, rss feed, chats, espaços em que
uma ecologia comunicacional é o elemento conectivo que propicia a interconectividade entre
as partes.
Latour et al (2012) exemplificam como um simples acesso a um perfil na rede e o
movimento de seguir de link em link, encontrando pessoas e explorando comunidades, apesar
de parecer uma redução drástica das conexões sociais a um simples navegar de documento a
documento, revelam qualidades e atributos das partes e, consequentemente, do todo. Os graus
e a intensidade de participação estarão relacionados às diversas modalidades de interação. A
interatividade pluridirecional das redes 3.0, com o uso de múltiplos recursos comunicacionais
inseridos em redes distintas e interconectadas, aumentou o grau de sociabilidade, abertura
para as trocas, diversidade, solidariedade, ações fomentadas pela prática da partilha de
informação, conhecimento e afetos. A participação e a partilha favorecem o desenvolvimento
da confiança e da reciprocidade e o reconhecimento da interdependência como uma
propriedade que potencializa a construção colaborativa de redes de aprendizagem e
conhecimento. A colaboração emerge como um padrão de comportamento de rede que
138 favorece a diversidade de pontos de vistas, de experiências, de saberes (práticos, científicos,
comuns), que, junto com a flexibilidade, possibilita que o sistema permaneça sobrevivendo às
perturbações e adaptando-se às condições mutantes. Por sua vez, as parcerias fundadas na
confiança e na solidariedade propiciam que ambos os parceiros aprendam e mudem, coevoluam (CAPRA, 1995). É esse filo maquínico que Parikka (2010) afirma que devemos
incorporar na compreensão das ecologias das mídias: “não estamos lidando com estruturas
rígidas ou ideias paradisíacas platônicas, mas tendências potenciais a ser cultivadas e
experimentadas para criar futuros alternativos para a cultura de redes digitais.”
Nas figuras 16 e 17, explicitamos algumas das relações e agenciamentos que os
atributos da linguagem hipermídia potencializam emergir. Na figura 17, tomamos o software
como ponto de partida para explicitar relações presentes na ecologia cognitiva e
comunicacional da aprendizagem em rede. Consideramos, em sua elaboração, a abordagem de
Manovich (2001; 2008) de software cultural e a lógica da linguagem hipermídia que está por
trás da interface gráfica.
139 COLABORAÇ?O
DIVERSIDADE
SOLIDARIEDADE
ECOLOGIA
COGNITIVA
INTERDEPEND?NCIA
SIGNOS/LINGUAGEM
INTERCONECTIVIDADE
MENTESCOLETIVAS
RECIPROCIDADE
CULTURA/EDUCAÇ?O
COMUNICAÇ?O/MíDIAS
ECOLOGIA
DIGITAL
PARTILHA
COLETIVO
INTERATIVIDADE
Figura 16
Relações e agenciamentos da linguagem hipermídia
Fonte: Arquivo pessoal
140 CONFIANÇA
ECOLOGIA
COMUNICACIONAL
INDIVÍDUO
PARTICIPAÇ?O
Figura 17: Ecologia cognitiva e comunicacional
Fonte: Arquivo pessoal
141 3.3 ECOLOGIA DIGITAL
A noção de uma ecologia digital tem origem na comparação proposta por James
Boyle, professor de direito da Duke University, entre as políticas de propriedade e copyrights
e a política ambientalista: “enquanto os problemas ambientais podem, atualmente, destruir a
biosfera, a superproteção à propriedade intelectual pode fazer o mesmo com o ciberespaço”
(BOYLE apud HORVATH, 2001). A ecologia digital diz respeito a toda uma gama de ações e
proposições que preservem a livre circulação da informação na rede e o ambiente que permite
essa mobilidade. Essa história está vinculada diretamente a uma cultura e a uma ética Hacker,
que vão dar origem aos fundamentos e aos conceitos que estão por trás do movimento do
software livre e do código aberto.
O movimento do software livre surgiu na década de 1980, tendo como precursores
Richard Stalmann, que propôs os fundamentos filosóficos do movimento e fundou a Free
Software Foudation, e Linus Tovard, que iniciou o desenvolvimento do kernel Linux e
propulsionou uma virada na forma de produção de softwares, agregando toda uma
comunidade de hackers em torno do desenvolvimento colaborativo do sistema operacional
livre, Linux. Posteriormente, na década de 1990, por uma dissidência do movimento, foi
criado o movimento Open Source. A história desse processo foi documentada no vídeo
Revolution OS e nos sites das organizações Free Software Foudation e Open Source.
Destacamos um trecho da fala de Stalmann (2007) que sintetiza as motivações e a filosofia do
software livre:
Quando chamamos o software de ‘livre, queremos dizer que isso se refere as
liberdades essenciais de uso do software: a liberdade para utilizá-lo, estudá-lo,
modificá-lo e redistribuir as cópias como ou sem mudanças. Isto é uma
questão de liberdade e não de preços, por isso pense em ‘linguagem livre’ e
não ‘cerveja livre’. Essa liberdade é de uma importância vital. Ela é essencial,
não apenas para o usuário, individualmente, mas para a sociedade como um
todo porque promove a solidariedade— isto é, partilha e cooperação. Estas
vêm se tornando cada vez mais importantes, à medida que nossa vida e
atividades culturais estão cada vez mais digitalizadas. Num munda de sons,
imagens e palavras digitais, o software livre tornou-se essencial para a
liberdade em geral.
142 A centralidade conferida por Stalmann e por toda uma comunidade de
desenvolvedores ao papel desempenhado pelo software, numa sociedade digitalizada e na sua
relação com um princípio de liberdade, configurou algumas premissas, entre elas: um
princípio de solidariedade intelectual e de partilha de conhecimento, uma mudança na
concepção de direitos autorais com o surgimento do Criative Commons e do Copyleft, a
proposição da autoria coletiva e a liberdade de acesso à linguagem, que está por trás do
software e, portanto, de expressividade no meio digital ao possibilitar sua execução,
reprodução, alteração e redistribuição, princípios contidos nas quatro liberdades que definem
o software livre (STALMANN, 2007):
(a) A liberdade de executar o programa, para qualquer propósito;
(b) O acesso livre ao código fonte, ou seja, ter a possibilidade de estudar como o programa
funciona e adaptá-lo às suas necessidades;
(c) A liberdade de redistribuir cópias de modo que ajude o próximo;
(d) A liberdade de aperfeiçoar o programa, e o comprometimento de liberar os seus
aperfeiçoamentos, de modo que toda a comunidade se beneficie.
A extensão da dinâmica cultural propulsionada por esses movimentos e que está por
trás da cultura do software tem sua expressão nos conceitos de produção colaborativa e
produção compartilhada, constituintes fundamentais do que denominamos de cultura digital.
Podemos tomar como exemplo a lógica de compartilhamento inerente à cultura hacker, cujo
processo de produção “tinha como metodologia resolver os problemas surgidos em cada um
dos projetos, e a cada solução, a imediata distribuição para ser objeto de crítica dos outros”
(PRETTO, 2010). Originalmente, e para certos programadores, hackers são indivíduos que
elaboram e modificam software e hardware de computadores, seja no desenvolvimento de
funcionalidades novas, seja na adaptação das antigas, possuindo um domínio e profundo
conhecimento em informática, engenharia de sistemas, linguagem de programação etc. Os
hackers são caracterizados por sua paixão pela computação e pela criação. Quando nos
referimos à cultura hacker, não estamos nos referindo aos gênios da programação, muito
143 menos àqueles que utilizam seu conhecimento para atividades consideradas ilegais75.
Adotamos o termo para nos referir a essa procura por troca de experiências norteada pela ética
hacker, que predomina entre os usuários de softwares livres. São os hackers os responsáveis
por manter a cultura de desenvolvimento livre. Seis princípios éticos nortearam o trabalho
dessa juventude apaixonada que iniciou o desvelamento dos mistérios da computação (LÉVY,
2001, p. 40):
(a) o acesso ao computador deveria ser total e ilimitado. Mais do que computadores, deveria
ser liberado o acesso a “qualquer coisa que pudesse ensinar a você alguma coisa sobre como o
mundo funciona”;
(b) toda informação deve ser livre (free) porque “se você não tem acesso à mesma , não terá
como consertar as coisas” ;
(c) se deve sempre desconfiar da autoridade, levando ao princípio da desburocratização e
descentralização;
(d) a qualidade do que efetivamente fazem e realizam é o critério de reconhecimento e não
escolaridade, raça, idade, posição social;
(e) apesar da aparente dureza das máquinas, “é possível criar arte e beleza num computador” ;
(f) acreditam que os computadores podem fazer um mundo melhor.
Himanen, no livro A Ética Hacker (2001), identifica sete características da chamada
ética dos hackers: paixão, liberdade, valor social (abertura), nética (ética da rede), atividade,
participação responsável e criatividade. Expandindo esses conceitos, o autor propõe que essa
postura possa ser expandida para todos os setores da atividade humana (HILMANEN apud
PRETTO, 2010, p. 8). Bustamonte (2010) argumenta a favor de uma cidadania digital, já que
as redes digitais constituem hoje o campo de batalha onde se travam as lutas mais
significativas pelos direitos humanos. O autor define o conceito de cidadania digital baseado
nos seguintes princípios:
75 Importante fazer a distinção entre hacker e cracker. A verdadeira expressão para invasores de computadores é
denominada craker e o termo designa programadores maliciosos e ciberpiratas que agem com o intuito de violar
ilegal ou imoralmente sistemas cibernéticos. Essa questão tem bordas difusas e pode ser compreendida de
maneira distinta de acordo com o contexto. Ver, por exemplo, o movimento do Wikileaks, que tem suas contas
de doação bloqueadas com o argumento da ilegalidade sem, no entanto, ter sido submetido a qualquer processo
judicial ou administrativo. Para saber mais sobre o movimento que resulta da prática do jornalismo investigativo
associado à tecnologias de criptografia de dados, conferir http://wikileaks.org/About.html
144 (a) a apropriação social da tecnologia, o que supõe empregá-la para fins não só de excelência
técnica, mas também de relevância social;
(b) a utilização consciente do impacto da TIC sobre a democracia, avançada desde suas atuais
formas representativas até novas formas de democracia participativa;
(c) a expansão de uma quarta geração de direitos humanos, na qual se incluiria o acesso
universal à informática, à difusão das ideias e crenças sem censura nem fronteiras e por meio
das redes, o direito de voz no desenho de tecnologias que afetam nossas vidas, assim como
acesso permanente ao ciberespaço por redes abertas a um espectro aberto;
(d) a promoção política de inclusão digital, entendendo como inclusão não o simples acesso e
compra de produtos e serviços de informática, mas o processo de criação de uma inteligência
coletiva que seja um recurso estratégico para inserir uma comunidade ou um país em um
ambiente ecologizado;
(e) o desenvolvimento criativo de serviços de governo eletrônico que aproximem a gestão dos
assuntos públicos dos cidadãos;
(f) a defesa do conceito de procomun (commons, bens comuns), conservando espaços de
desenvolvimento humano cuja gestão não está submetida às leis do mercado e ao arbítrio dos
especuladores;
(g) a extensão da luta contra a exclusão digital e outras exclusões históricas de caráter
cultural, econômico, territorial e étnico que ferem, na prática, o exercício de uma plena
cidadania;
(h) a proteção frente às políticas de controle e às atividades das instituições de vigilância
social. Em outras palavras, proteção frente ao exercício de um biopoder potencializado por
um uso institucional das TIC;
(i) a aposta no software livre, no conhecimento livre e no desenvolvimento de múltiplas
formas de cultura popular, com o objetivo de consolidar uma esfera pública interconectada.
(BUSTAMONTE, 2010, p. 17-18, grifo nosso)
Um dos princípios universais da educação formal é a formação para o exercício pleno
da cidadania, o que significa adicionar mais uma camada às práticas educativas norteadas para
esse fim, a da cidadania digital. Benkler (apud BUSTAMONTE, 2010) defende que as redes
digitais devem ser mantidas como bens comuns, garantidas as liberdades dos usuários. Essa
garantia remete a uma ampla discussão sobre políticas públicas e marcos regulatórios
relacionados aos princípios especificados por Bustamonte. No Brasil, foram promovidos três
145 fóruns de Cultura Digital realizados, respectivamente, nos anos de 2009, 2010 e 2011,
originando a formação da Rede de Cultura DigitalBr e a elaboração de propostas e ações
afirmativas no sentido de incitar, promover e contribuir para a discussão pública online e para
a construção de um projeto colaborativo de um Marco Civil da Internet no Brasil, iniciativa
do Ministério da Justiça em parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro. O mapa da
figura 18 esquematiza esse fluxo, adicionando diversas camadas à rede digital − a política, a
economia, a cultura, a justiça, a sociedade civil, as leis e as controvérsias −, revelando
algumas das conexões que tecem essa intricada rede.
Conhecimento partilhado, tecnologias, padrões e protocolos abertos, cooperação
solidária e novos modelos de negócios são elementos que mobilizam as discussões. A defesa
de acesso a dados abertos do governo, das instituições públicas, e a garantia de um fluxo de
informação entre usuários, sem restrições nas liberdades propostas pela comunidade de
desenvolvedores do software livre e de protocolos e códigos fechados (como a identificação
nominal dos IPs), são exemplos de controvérsias que constituem a camada política das três
ecologias. A visualização de dados é um dos campos que tem priorizado a possibilidade de
desenvolvimento de softwares e de linguagens de programação, acessíveis ao público comum,
que possibilitem dar transparência e maior visibilidade aos bancos de dados disponíveis na
internet, os quais se perdem por sua abundância e seu volume. É também uma forma
expressiva e metodológica da linguagem hipermídia.
A linguagem, o software (como elemento cultural) e o sistema de infraestrutura material
constituem um ecossistema comunicativo, que é suporte e lugar de significação para um
ecossistema cognitivo e que, por sua vez, para sobreviver, depende de uma ecologia digital,
que envolve procedimentos relativos à garantia da livre circulação da informação,
propiciadores da permanência desse hipercomplexo sistema.
146 Figura 18: Ecologia digital
Fonte: Arquivo Pessoal
Aprendemos uns com os outros em uma relação dialógica, que envolve também o
meio material. Diversos softwares têm sido desenvolvidos com o objetivo de permitir que
leigos em programação possam acessar esse universo de produção de objetos digitais
(Processing, Arduíno, etc) e, assim, tenham a possibilidade de se expressar a partir dessa
linguagem, além de softwares com funções específicas de distribuição de informação
(tecnologia p2p), comunicação (chats, skype, e-mails) e socialização e/ou uma mistura de
funcionalidades (Facebook). O código aberto e as quatro liberdades do software livre são os
147 princípios que instauram outros valores e que permitem e/ou permitiram que se instaurassem a
prática do compartilhamento e a da colaboração, uma nova ótica na questão da autoria e da
propriedade intelectual, nos processos de produção de conhecimento e de sua distribuição,
caminhando junto com os paradigmas comunicacionais e culturais, concretizados na dinâmica
da aprendizagem em rede. Muito propriamente, Santaella (2010b), ao questionar se a
aprendizagem ubíqua76, propiciada pelo acesso livre e contínuo à informação, em qualquer
hora do dia e da noite e em de qualquer lugar, substitui a educação formal, levanta o fato de
que:
[…] inaugura-se uma modalidade de aprendizagem que é tão contingencial,
inadvertida e não deliberada que prescinde da equação ensino-aprendizagem
caracterizadora dos modelos educacionais e das formas de educar. O que
emerge, portanto, é um novo processo de aprendizagem sem ensino. Isto
posto, cumpre indagar sobre as possíveis consequências que essas condições
trazem para a educação (SANTAELLA, 2010b, p. 5)
Na conclusão do texto, explicitando uma linha de pensamento que defende que
nenhuma forma cultural, até hoje, conseguiu levar as formações culturais anteriores ao
desaparecimento (SANTAELLA, 2010b), estende-se essa premissa para as formas de
aprendizagem e para os modelos educacionais. A autora propõe pensá-los em termos de
complementaridade e a partir do desenvolvimento de estratégias integradoras, tarefa que tem
se mostrado árdua. Deixemos a poesia falar (página inicial do capítulo) e traduzir a abertura e
a coragem necessárias para transitarmos pelo nosso tempo. Deixemos também falarem os
rastros das cartografias da aprendizagem em rede.
76 A aprendizagem ubíqua se caracteriza por processos de aprendizagem abertos, processos espontâneos,
assistemáticos e, mesmo, caóticos (SANTAELLA, 2010)
148 4.0 SEGUINDO OS RASTROS
4.1 METODOLOGIA
A escolha de realizar o estudo de caso do Visualizar’11 foi resultado de uma
confluência de associações, um fazer rede, desenvolvidas ao longo desta pesquisa, na busca
de formação teórico/prática que contribuísse para o desenvolvimento de hipermídias ou
interfaces interativas, como narrado na introdução. Não foi, propriamente, uma escolha, mas
um encontro. Fomos tecendo a rede, seguindo os rastros deixados por oficinas, ativistas,
softwares, instituições, textos, exposições, sites, artistas, vídeos, programadores, teóricos etc,
um coletivo de actantes, cujas ações estão voltadas para a construção, para o questionamento,
para a reflexão da cultura digital. Enquanto tecíamos a rede, fazendo parte deste trabalho,
deste movimento ou deste fluxo de ações, provocando transformações e produzindo rastros,
contribuímos para proliferar os mediadores. As cartografias apresentadas como resultado
desse processo são, também, uma outra inscrição, que objetiva tornar visível uma parcela da
trama e da topologia dessa rede, chamando atenção para os fluxos de aprendizagem e
produção de conhecimento alinhados com as emergentes dinâmicas da cultura digital.
Se, no início, intencionávamos construir evidências a partir da interação com outros
pares, ao aplicar o método clássico de observação participante (CHIZOTTI, 2003) no
desenvolvimento do Laboratório de Hipermídia (Labhiper), com o tempo, os acidentes de
percurso foram revelando que os fluxos e as dinâmicas da aprendizagem em rede são como as
corredeiras de um rio: ora tranquilas, ora bastante turbulentas, repletas de acidentes e de
mudanças velozes. Tudo isto nos conduziu a experienciar o Vizualizar’11. O uso do verbo e
não do substantivo “experiência” tem a intenção de pontuar que o estudo de caso do
Visualizar’11 não tem um recorte, mas é a observação e a descrição do experienciar, a
reconstituição das associações, as quais ultrapassam o período linear de tempo de realização
da oficina. Ao adotarmos a TAR como metodologia, deixamos de lado os métodos
149 tradicionais de análise, seguindo as orientações de Latour (2005, p.143), reproduzidas em um
suposto diálogo entre orientando e orientador:
S (estudante): Você quer dizer que as outras teorias sociais não permitem
isso?
P (professor): Em certo sentido, sim, e pelo fato delas possuírem muitos
pontos fortes: elas são boas para falar de coisas substanciais acerca do que o
mundo social é feito. Na maioria dos casos, isto é aplicável; os ingredientes
são conhecidos; o repertório pode ser reduzido. Porém não funciona quando
as coisas mudam rapidamente. Também não é bom para o estudo de
organizações, estudos de informação, marketing, ciência e tecnologia e
administração onde as ligações são tão, terrivelmente, difusas. Novos
tópicos, é para isso que você precisa da TAR.
A Teoria Ator-Rede é uma teoria e um método que propõe que seja dada a palavra aos
actantes para que “eles próprios indiquem seus caminhos, seus quadros de referência, suas
teorias, seus próprios contextos, suas próprias metafísicas e até mesmo sua própria ontologia.
Logo, o caminho para segui-los será mais descritivo” (LATOUR, 2005, p. 147). Na sociologia
das associações, o “social” é construído a partir de muitos elementos conectados que circulam
dentro de finos conduítes (LATOUR, 2005), um tipo de conexão entre coisas que,
necessariamente, não são elas mesmas o que, até então, chamamos ou definimos por social.
Lembramos que, na TAR, o social não seria algo visível ou possível de ser postulado a priori,
já que sua visibilidade se daria a partir dos rastros produzidos pelos actantes quando uma nova
associação é realizada entre elementos que, não são eles mesmos “sociais”.
O desafio de utilizar a Teoria Ator-Rede como metodologia está em reconstituir e
reagrupar as associações em uma narrativa que revele as conexões, isto é, as ações, os
desvios, as transformações provocadas pelos actantes. Um bom texto é aquele que faz
proliferar os mediadores, o que significa que estamos, simultaneamente, descrevendo e
fazendo a rede, “a noção de rede é colocada em uso sempre que a ação é redistribuída”
(LATOUR, 2010, p. 2). Para tanto, uma das primeiras recomendações é a de não permanecer
preso a qualquer tentativa de categorizar a fala dos informantes e, com isso, permitir que os
atores tenham espaço para se expressar por si próprios (LATOUR, 2005, p. 143). Devemos
150 tentar seguir as associações que estes constroem com os elementos. Segui-los link a link,
seguir os rastros deixados por suas ações, as inscrições.
Venturini (2009) oferece algumas pistas de como aplicar a TAR, a partir da cartografia
das controvérsias − um exercício de desenhar dispositivos para observar e descrever debates
sociais, especialmente, mas não exclusivamente, em torno de questões tecnocientíficas. A
cartografia das controvérsias seria uma espécie de versão mais ”pedagógica” de uma
cartografia baseada na TAR, cujo interesse não estaria em revelar estruturas gerais que estão
por trás de um fenômeno, pois seu único propósito é oferecer uma descrição, o mais detalhada
possível, do fenômeno como ele é visto por seus protagonistas. Nas palavras de Latour (apud
VENTURINI, 2009, p. 3), “apenas observe e descreva as controvérsias.”
Uma das primeiras consequências de “apenas” observar, destacada por Venturini
(2009), é que a cartografia do social não requer uma teoria específica ou uma metodologia. A
cartografia convida o pesquisador a utilizar todo tipo de ferramenta de observação disponível,
bem como misturá-las sem constrangimento. A segunda consequência está em uma
objetividade construída a partir da multiplicidade de pontos de vista, quando o pesquisador
também constrói a rede ao descrevê-la e, dessa forma, “não pode fingir ser imparcial”; e, por
fim, o pesquisador deve ouvir “as vozes dos actantes”, seus próprios pressupostos
(VENTURINI, 2009). Todas as concepções e todos os protocolos merecem ser considerados,
especialmente se eles são derivados dos próprios actantes.
As novas técnicas digitais oferecidas por ferramentas de análise de redes possibilitam
traçar e visualizar o fenômeno social nos termos discutidos pela TAR, sem que seja necessária
a distinção entre níveis macros e micros, a alternância entre o individual e o coletivo. Latour
et al (2012) exemplificam essa mudança de perspectiva a partir dos perfis disponibilizados em
muitas das plataformas digitais. Tomando como partida um nome, uma tag, um tema, é
possível definir uma entidade pela lista de atributos disponíveis nos bancos de dados. O atorrede vai sendo definido por seus rastros, distribuídos em uma rede de associações, assim
como, reversivelmente, a rede vai sendo definida pelo ator.
Aplicado ao estudo de caso do Visualizar’11, utilizaremos como inscrições os rastros
digitais disponíveis na internet, acessados por meio de mecanismos de busca e relacionados
ao Visualizar’11, ao Medialab-Prado e ao projeto I’m hungry, what to do next? (ou Refarm
151 app: a new landscape to grow friends and food, versão final), um dos dez projetos
selecionados, do qual participei como colaboradora. Acrescentamos registros em fotografia e
vídeo, realizados durante as duas semanas de desenvolvimento do projeto, rastros digitais
produzidos ao longo do processo como actante. Coerente com o proposto pela TAR, não
foram elaborados instrumentos de coleta de dados, não nos preocupamos em definir a priori
os fatos e as circunstâncias a serem registrados. Realizamos registros textuais, sonoros,
imagéticos, que se inserem no próprio processo de desenvolvimento do projeto. O MedialabPrado prioriza o processo em si, e não o resultado, e propõe que os participantes registrem
todas as etapas, realizando também seu próprio registro no site da instituição, no wiki, no
flickr, etc. Essas pistas concretas deixadas pelos actantes permitem o rastreamento de suas
ações, acessíveis em uma busca na www, nas listas de grupos de discussão, nos sites e nos
blogs vinculados aos eventos, por exemplo, eles próprios possíveis actantes.
Seguimos, literalmente, os rastros digitais de página em página, link em link, indo e
voltando, conforme o movimento das inscrições, sem uma linearidade no tempo, sem definir o
número de actantes, anulando a distinção entre local e global, perto e distante, individual e
social, natureza e cultura, humanos e não humanos. Acrescentamos rastros digitais, como
notas, fotografias e vídeos do arquivo de registros realizados durante a oficina na sede do
Medialab Prado. Partimos da premissa, tal qual postulada pela TAR (LATOUR, 2005, p. 11),
de que, onde as inovações proliferam, os laços entre os grupos são incertos e o ranque de
entidades a serem consideradas é flutuante. A última coisa a estabelecer são limites, os quais
vão em sentido contrário à proliferação de formas, tamanhos, heterogeneidade e combinações
das associações. O limite, para interromper a descrição, é dado pelo tempo de finalização da
pesquisa. Quanto ao fato de seguir de link em link, Latour et al (2012, p. 3) comentam:
[...] a redução das conexões sociais para páginas html conectadas a outra
página html parece soar muito drástica, mas é essa experiência própria de
clicar através de plataformas como Flickr, Academia.edu ou MySpace,
navegando de documento a documento, encontrando pessoas e explorando
comunidades, sem mudar de níveis, que gostaríamos de utilizar para
repensar a teoria social.
152 Para registrar e visualizar esse movimento, utilizamos alguns recursos disponíveis na
web, entre eles a rede social Pearltrees (www.pearltrees.com). A Pearltrees é uma interface
visual que permite coletar, guardar e organizar os interesses pessoais de um modo particular.
Como uma rede social 3.0, é possível enriquecer a ‘coleção de interesses’ pessoais, a partir da
coleção de outros membros da rede, realizando comentários, convidando outras pessoas para
integrar uma pearltree específica e partilhando-as em outras redes, como o Facebook, o
Twitter e o Google+. Não se trata de uma ferramenta de análise de redes, como o Gephi77,
mas foi uma opção de mais fácil acesso e de uso adaptado de uma visualização de dados. Um
programa como o Gephi exige uma compreensão de algoritmos e de estrutura de banco de
dados, o que não seria possível realizar dentro do escopo deste trabalho.
A visualização das páginas acessadas no Pearltrees é feita por um agrupamento
arbóreo, em que cada link acessado é visualizado por um círculo de igual dimensão para todos
(exceto o que define a pearltree inicial). Cada pearl é identificada por uma imagem que o
programa captura da página correspondente; por exemplo, o Medialab-Prado é identificado
por seu logo MP e por um nome ou um título, como o termo Follow us, para a página do MP
que relaciona as diversas mídias que utilizam para registro e comunicação: wiki, blogs,
twitter, facebook, rss, etc. Quando passamos o mouse (sem clicar) sobre cada círculo, uma
pequena janela abre e permite a visualização e a identificação rápida de seu conteúdo. Caso
cliquemos na janela ou no círculo, uma outra janela, que ocupa toda a tela, abre, e é possível
acessar o conteúdo disponível na página. Um outro ícone, na página aberta, direciona para a
página original, mas é possível navegar na página nos dois modos. A visualização é distinta,
dependendo do dispositivo utilizado: o plug-in78 adicionado ao browser ou o app79 do iPad.
Para adicionar uma nova página ao Pearltree, basta clicar sobre o círculo azul com a estrela
branca, disponível na barra de ferramenta do browser. Uma nova pearl é originada à pearltree
principal, podendo ser deslocada para uma outra associação.
77
O Gephi é plataforma de exploração e visualização interativa de todos os tipos de redes e sistemas complexos,
dinâmicos e gráficos hierárquicos. É um software de código aberto e livre, disponível para os sistemas Windows,
Linux e Mac OS X, utilizado para a grafia e a análise de redes. Utiliza um mecanismo 3D de renderização para
exibir grandes volumes de dados em tempo real. Conferir https://gephi.org.
78
O plug-in ou módulo de extensão é um programa de computador usado para adicionar funções a outros
programas maiores, provendo alguma funcionalidade especial ou muito específica.
79
App é uma extensão de nome de arquivo que indica uma aplicação desenvolvida para um sistema operacional.
153 Figura 19: Captura de tela da interface da Pearltrees nomeada Cartografia da aprendizagem em Rede,
em que foi aberta a pearl Visualizar’11. É possível agrupar diversas pearls em uma única, que pode
ser fechada clicando no x, ao lado do círculo. A imagem capturada é do dia 19/08 e não corresponde à
versão final.
Fonte: Arquivo pessoal
A estrutura arbórea limita a visualização de associações cruzadas. É possível, assim,
apenas agrupar em uma mesma pearl várias outras ou relacioná-las em sequência. Para
superar parte dessa limitação, duplicamos os links que têm conexão com outros pontos.
Outros artifícios foram utilizados, e como o Pearltrees solicita que seja realizado um login
para acesso, sendo necessária a criação de uma conta, foi criado o login “cartografias”, cuja
senha é “aprendizagem”. Trata-se de um login aberto que pode ser utilizado por aqueles que
não desejam criar uma conta no Pearltrees para acessar o conteúdo da cartografia. Contudo,
ainda é necessário instalar o plugin no browser utilizado pelo usuário.
As orientações de instalação se encontram no próprio site, pois a instalação é simples e
automatizada. Há, também, a opção de instalar um app para iPad, sendo a navegação bem
mais ágil no modo touch e de melhor e diferenciada visualização. A única limitação é a
154 impossibilidade de visualizar conteúdos em flash, visto que o sistema operacional do iPad
bloqueia esse tipo de ação. Para contorná-la, realizamos o download dos vídeos em flash e
postamos no Vimeo ou Youtube, anexando-os como uma nova pearl. Para acesso aos pdfs e
apresentações em Power Point, postamos no Scribd, fotos no Flickr.
A rede vai sendo descrita pelo próprio movimento de navegação de link em link. É
preciso estar conectado para acessar os conteúdos das páginas e os comentários disponíveis
nas pequenas janelas abertas, quando passamos o mouse por cima das pearls, sem clicar (Fig.
1). Não é possível transpor tal experiência para o papel. No texto impresso da tese,
procuramos realizar uma descrição complementar à cartografia, uma espécie de tradução das
inscrições que foram rastreadas, mas que, em si mesma, constitui uma narrativa distinta da
que pode ser construída pelo acesso e pela navegação do pearl Cartografias da Aprendizagem
em Rede. Latour (2010, p. 11) comenta a mudança introduzida pela possibilidade de
recuperação de dados: podemos voltar e ir adiante, ir de um perfil individual a um agregado
de centenas e milhares de perfis e restaurar uma continuidade entre os níveis macro e micro:
Hoje, cada um de nós, devido à possibilidade de navegar através dos bancos
de dados, é capaz de introduzir uma continuidade da contribuição individual
para os agregados de uma forma muito mais suave do que antes. (A
experiência só é possível na frente da tela, é muito mais difícil de manter
esse foco em um pedaço de papel, e é por isso que não há muitas descrições
desse tipo).
Outra diferença é que a leitura de uma hipermídia permite várias rotas, pois não há um
ponto de partida definitivo e nem de chegada. É inclusive possível acrescentar outras
inscrições, como no espaço para comentários, em que qualquer leitor pode deixar um. Certas
páginas adicionadas à cartografia, que já haviam sido adicionadas por outros usuários em suas
próprias pearls, podem apresentar comentários prévios. Por sua vez, utilizamos o espaço dos
comentários para realizar observações, as quais tecem uma descrição alinear do objeto de
estudo e são também tanto actantes da rede quanto novas inscrições. Nem todos os pearls são
comentados. Destacamos alguns trechos, identificando actantes ou intermediários −, os
agenciamentos − e “copiamos e colamos” outros trechos retirados de textos contidos na
155 página: artigo (pdf), trechos de áudio de palestras etc. A melhor forma de compreender o
processo é navegando.
Figura 20: Detalhe capturado da Figura 19, janela aberta com a interação do mouse sobre a pearl
correspondente. A janela permite uma visualização ágil do conteúdo da pearl, além de: disponibilizar
recursos para comentários e partilha nas redes google+, twitter e facebook; obter o código que permite
postá-la em outra página ou enviar um convite por e-mail; e obter a url completa ou reduzida para
uma postagem no twitter, por exemplo, bastando clicar em cada ícone correspondente. Essa janela se
difere das demais, pois corresponde à pearltree que nomeia o coletivo. Pode ser adicionado um
editorial para descrevê-la. O número de pearls conectados é disponibilizado, bem como o número de
visualizações (hits) e picks (uma variação do curtir do facebook). Convites para editar a pearltree
podem ser feitos, compondo o team up.
Fonte: Arquivo pessoal
156 Clicando em comments, o “verso” da janela é acionado e permite visualizar e adicionar
comentários. Como nas demais redes sociais, uma pergunta dinamiza as associações: O que
você pensa dessa pearltree?
Figura 21: Janela de comentários do pearl da página Processing.org. Quando foi adicionada, a página
continha 7 comentários de usuários. Os comentários abordam o software Processing, disponibilizado
para download na plataforma processing.org. O usuário Trackingnewtech descreve o software e
Noncom acrescenta suas críticas e outras opções de programas para o mesmo fim. Essa página é um
dos itens coletados na pearl Cartografias da aprendizagem em rede visualizada no iPad.
Fonte: Arquivo pessoal.
157 4.2 CARTOGRAFIAS DA APRENDIZAGEM EM REDE
Em face da estrutura do software, que limita o número de pearls (nós) adicionados à
pearl que nomeia a coleção, no máximo 100, dividimos em três camadas a cartografia:
Linguagens líquidas, Medialab Prado e Visualizar’11, redes dentro de redes.
São três os modos como acionamos as inscrições para iniciar a cartografia:
(a) A partir do e-mail recebido pela própria pesquisadora, Izabel Goudart, cujo remetente é
Jarbas Jácome (artista e programador do LaboCA). E-mail encaminhado para o google groups
polo-de-cultura-digital, cujo conteúdo é a convocatória para apresentar projetos e artigos para
o Visualizar’11. Por sua vez, esse e-mail foi um encaminhamento do original, enviado pelo
Setor de Comunicação do Medialab-Prado, realizado pelo lista do puredata (plataforma e
software para criar interfaces interativas). O pdf do e-mail se encontra nos anexos da tese
(ANEXO 1), já que não pode ser acessado on-line diretamente, sendo necessário o login no
gmail. Além da convocatória, outros e-mails trocados com Jarbas Jácome, em resposta ao
recebido, revelam o desdobramento no envio de um projeto para o Visualizar’11, vinculado à
reformulação do Labhiper e a formação de uma parceria colaborativa com Jarbas e Jeraman
(LaboCA). Essa camada, denominada Linguagens líquidas, permite visualizar as associações
entre o Labhiper, o LaboCA e o Visualizar’11. A linguagem de programação é a actante que
multiplica os mediadores e os direciona para as camadas Medialab Prado e Visualizar’11;
(b) Busca no Google com as palavras Medialab Prado e Visualizar’11 e com o título do
projeto I’m Hungry, What to do next (ou Re: farm the app), com a finalidade de encontrar
inscrições realizadas por outros actantes, além das realizadas pela própria instituição e pela
pesquisadora (Izabel Goudart);
(c) Busca no flickr da tag Visualizar’11 com a finalidade de encontrar imagens vinculadas ao
programa e outras associações a partir delas. O registro fotográfico possibilita uma
reconstituição da arquitetura do ambiente, dos eventos e das atividades, uma percepção do
clima emotivo e uma visualização de outras inscrições que, nas páginas acessadas, nem
sempre estão presentes.
158 A partir de uma inscrição, as demais vão se proliferando: do e-mail para uma página,
um vídeo, uma imagem, um texto, um software, uma lista de e-mails, perfis de pessoas,
coletivos e instituições, um assunto, uma tag, um resultado de busca, e assim por diante.
Procuramos, no movimento de um rastro digital para outro, estar atentos às seguintes
distinções (LATOUR, 2005, p. 62):
(a) Quais os agenciamentos invocados?
(b) Que configurações eles propiciam?
(c) Que modalidade de ação eles engajam?
(d) Estamos falando de causas e seus intermediários ou de um encadeamento de mediadores?
A resposta para essas questões é a própria narrativa produzida, ao percorrer a
cartografia on-line, e que vai dar visibilidade ao coletivo e às dinâmicas da aprendizagem em
rede. Uma outra descrição realizada textualmente, como já citado, procura dar uma visão
geral dos caminhos percorridos, procurando ater-se a uma descrição, a uma espécie de
relatório que narra o que foi observado.
Retornamos ao primeiro capítulo e à questão geracional, segundo a contribuição de
Karl Manheim. O sociólogo refina o conceito de geração até a noção de grupos concretos e
propõe que a base da formação desses grupos difere dos laços por proximidade ou de laços
vitais como os presentes na família, na tribo, nas comunidades territoriais. Trata-se da própria
conexão geracional, que se torna consciente e desejada, conduzindo das “formações
comunitárias” a um modo de “formação associativa”:
O conceito de gerações de Mannheim e sua acurada elaboração sobre a
posição, a conexão e a unidade geracional rompem, por um lado, com a
ideia de uma unidade de geração concreta e coesa. Nos instiga, por outro, a
centrarmos nossas análises nas intenções primárias documentadas nas ações
e expressões de determinados grupos, ao invés de buscarmos caracterizar
suas especificidades enquanto grupo (WELLER, 2007, p. 11, grifo nosso).
159 O estudo de caso do Visualizar’ 11 se situa nas ações e nas expressões de
determinados grupos, abordados na perspectiva da rede de laboratórios experimentais e nas
ações que estes mobilizam e distribuem. A presença nesses grupos de jovens entre 20-30 anos
é predominante, contudo não é exclusiva. Participam todos aqueles que partilham de
conteúdos comuns de consciência, representações, crenças e engajamento, independente da
idade. Deixamos de lado alguns conceitos, como o de geração digital ou o de nativos digitais,
para abordar as novas subjetividades elaboradas a partir do referencial da cultura digital, em
que as subjetividades juvenis são a expressão mais contundente. A cartografia aqui
apresentada objetiva mapear esses novos modos de produção de subjetividade −
conhecimento, cultura, sensibilidade e sociabilidade − em sua relação com a emergência da
aprendizagem em rede.
Permanece o desafio de traçar uma cartografia dessas ações, sabendo que, ao trilhar
um caminho ainda incerto, de métodos abertos e em construção, corremos o risco de não
alcançar os objetivos, de não fazer proliferar os mediadores. Descrever a rede é uma ação
política. A rede descreve a emergência de um mundo comum, onde entidades heterogêneas
coabitam. A política não é feita somente por homens, mas por aerossóis, pelo efeito estufa,
pela química do clorofluorcaboneto (LATOUR, 1994). É também uma “troca de perspectiva”
do “ponto de vista” para o “ponto da experiência”, em que “a percepção é a filosofia
silenciosa do cotidiano, a ordenação não dita através da qual vivemos e que sustenta, em sua
quietude, todos os nossos atos, palavras e pensamentos” (BASBAUM, 2010, p.1 ).
160 5.0 CARTOGRAFIAS DA APRENDIZAGEM EM REDE
5.1 ESTUDO DE CASO DO VISUALIZAR’11
Visualizar é uma das linhas de trabalho do Medialab Prado (Madrid, Es), concebido
como um projeto de pesquisa aberto, participativo e colaborativo, que aborda as teorias, as
ferramentas e as estratégias de visualização de dados. O programa é também definido como
uma plataforma de pesquisa e educação voltada para a difusão, a investigação e a exploração
da cultura de grandes volumes de dados e de seu impacto nas artes, nas ciências e na
sociedade contemporânea. É o programa educativo e de investigação mais relevante da
Espanha sobre esse tema.
Até sua terceira edição, foram desenvolvidos cerca de trinta protótipos de visualização
de dados, envolvendo o trabalho colaborativo de mais de uma centena de desenvolvedores,
dentre os quais alguns dos melhores designers e artistas de dados do mundo. A edição do
Visualizar’11 foi dedicada à compreensão das infraestruturas (Understanding Infrastructures)
que dão suporte aos processos sociais vitais, tais como: infraestruturas energéticas, legais,
financeiras, de mobilidade, de emissões de rádio-frequências e de rede de dados. A
metodologia utilizada para a execução dos projetos prevê processos horizontais e
colaborativos, reunindo estudantes, artistas, especialistas e profissionais de todo o mundo e de
diversas áreas num seminário e numa oficina internacional, com duração aproximada de duas
semanas. O objetivo é o de coletar, analisar e disponibilizar publicamente visualizações que
possibilitem compreender como funciona a sociedade contemporânea.
A quarta edição do projeto, dirigido por José Luis Vicente, pesquisador, curador e
jornalista especializado em tecnologia, cultura e inovação, foi realizada em junho de 2011: o
Visualizar’11 (anteriores: ‘09, ‘08 e ‘07). Conta com o suporte da Bestiário, empresa e
coletivo sediada em Barcelona e Lisboa, dedicada à representação dinâmica de dados e ao
desenvolvimento de espaços digitais para criação colaborativa de projetos interativos. A
empresa é uma das principais referências em visualização de dados do mundo, representada
161 na figura de Santiago Ortiz, artista, matemático e investigador de temas da arte, das ciências e
dos espaços de representação, um dos co-fundadores do Bestiário e parte da equipe de
investigação e desenvolvimento de projetos do Medialab.
A visualização de dados é uma metodologia e uma linguagem que desperta o interesse
de artistas, pesquisadores, designers e ativistas que desejam traduzir e compreender a cultura e
os processos contemporâneos contextualizados por um intenso fluxo e um grande volume de
dados. A linguagem de programação e o design interativo são dois campos de conhecimento
fundamentais para uma visualização criativa e personalizada. Atualmente, recursos de
visualização estão disponíveis on-line, como o ManyEyes80. Estes possibilitam elaborar
visualizações de dados, sem que seja necessário recorrer à programação e ao design, contudo
apresentam funcionalidades pré-definidas que limitam o desenvolvimento autoral ou o
direcionam a um determinado fim. Cursos ou formação nesse campo não são frequentes e, em
geral, são realizados pelos Laboratórios de Mídias no formato de oficinas, ministrados por
artistas e/ou programadores, artistas de softwares e designers, como os realizados no MP
(Madrid, Es) ou no LabMIS (SP, Br).
A plataforma do MP disponibiliza em seus bancos de dados, uma rica documentação
multimídia sobre visualização de dados e sobre o programa Visualizar, bem como
disponibiliza registros do processo. Camadas sobrepostas de informações oferecem aos que
acessam e exploram a página um mapa conceitual e metodológico do programa e os
conteúdos teórico-práticos sobre visualização de dados.
A cartografia on-line e a descrição textual, aqui apresentada, são frutos do trabalho de
observação e descrição dos rastros produzidos no desenvolvimento de um programa
investigativo e educativo, alinhado com a cultural digital e com suas linguagens. Portanto,
partimos da suposição de que, na reconstituição e no reagrupamento de suas associações,
daremos visibilidade aos seus actantes e aos agenciamentos e, assim, reconstituiremos um
sistema ambiente que sustenta e origina padrões e dinâmicas da aprendizagem em rede. O ato
de navegar de inscrição em inscrição ou, na terminologia da plataforma, de pearl em pearl,
constrói uma descrição do coletivo, dos atributos compartilhados entre seus elementos, das
ações transportadas e de suas transformações. Dependendo do ponto de vista a partir do qual
80
http://www-958.ibm.com/software/data/cognos/manyeyes/, plataforma desenvolvida pela designer brasileira
Fernanda Viegas (MIT/USA).
162 são abordadas, originam distintas descrições. Por essa razão, recomendamos que a cartografia
seja percorrida e a própria narrativa construída. A descrição impressa oferece um panorama
geral, um mapa que pode servir de guia para navegar pela cartografia on-line. É uma escolha
pessoal realizar o acesso à cartografia antes ou depois da leitura ou concomitantemente a ela.
Seguimos as orientações descritas na metodologia nos moldes da TAR; logo, o texto que
apresentamos não guarda semelhança ou aproximação aos métodos usualmente utilizados
para a análise de estudo de casos.
5.2 LINGUAGENS LÍQUIDAS
A convocatória para inscrição de projetos foi, para muitos que participaram como
proponentes ou colaboradores, um dos primeiros actantes que mobilizaram um coletivo
heterogêneo e acionaram tantos outros, como, por exemplo: aqueles que enviaram projetos
individuais ou coletivos, entre os quais me incluo; os futuros colaboradores; os softwares que
permitiram a redistribuição da mensagem, dos e-mails e do rss feed81; as listas e os grupos de
discussão; os grupos de pesquisa, as organizações, os coletivos de arte, os artistas,
programadores, os designers, os pesquisadores, o público comum, os quais participam dessas
listas e assinam os feeds de outros coletivos, instituições, organizações, blogs, etc.
O caminho percorrido para acessar a convocatória do Visualizar’11 ou o caminho
inverso, percorrido pela convocatória até minha caixa de e-mail é um estranho ponto de
partida para uma pesquisa (um deles). Inicia uma descrição que contém um duplo movimento
desta pesquisadora como actante: o primeiro pela própria reconstituição das associações,
resultando neste estudo, e o segundo, porque inclui a observação participante e os rastros
digitais produzidos e vivenciados no espaço e no ambiente físico, onde a oficina foi
desenvolvida, a sede do Medialab Prado. Um simples e-mail acionou uma rede de
associações, que originou transformações inesperadas no percurso de um estudo e de uma
formação. Por ele, também é possível rastrear ações anteriores que revelam que esse evento
específico é parte de um processo contínuo, enquanto essa rede não for interrompida ou se
estabilizar.
81
Web Feed (vindo do inglês alimentar) é um formato de dados usado em formas de comunicação com conteúdo
atualizado frequentemente, como sites de notícias ou blogs.
163 O fato é que, concluída a fase de construção desta tese em sua defesa, outro processo,
a aplicação prática das teorias aqui desenvolvidas, acontecerá: o projeto Aprender Brincando,
vencedor do prêmio 3o Instituto Claro Novas Formas de Aprender e Empreender . O projeto é
fruto das experiências e da aprendizagem vividas ao longo desta pesquisa e, em especial, no
período intenso e fervilhante do desenvolvimento colaborativo do protótipo REFARM APP: a
new landscape to grow friends and food. Alinhado com os princípios teóricos e
metodológicos do Medialab Prado e do LaboCA, o projeto Aprender Brincando objetiva
replicar essas experiências, remixando-as no ambiente escolar no desenvolvimento de projetos
colaborativos de visualizações de dados e interfaces interativas com alunos do ensino médio,
professores e alunos da graduação.
Informação, dados, conhecimento e afetos transitam e são transportados por pessoas,
softwares, redes pessoais e indiretas, grupos, coletivos, organizações, instituições etc
redistribuídos e transformados. Na observação e na descrição dos rastros digitais do e-mail, é
possível identificar:
Agenciamentos:
o Participação: fazer e ter parte em uma lista de discussão, assinatura de feed,
conta de e-mail, ter parte em grupos, organizações e instituições;
o Partilha: redistribuição da mensagem, dado, informação de nó para nó;
o Interconectividade: indivíduos, grupos, organizações, instituições, softwares e
hardwares, redes de infraestrutura agrupados e distribuindo ações;
o Curiosidade + escolha: selecionar o e-mail entre tantos recebidos, abrir, ler;
o Intenção + atenção: colocar a atenção e intenção na redação de um projeto e
envio;
o Interatividade + colaboração: reendereçar o e-mail para Jarbas com o projeto,
compartilhar ideias, sentimentos e ações (dúvidas, questionamentos) e receber
um retorno oferecendo ajuda e colaboração;
o Interdependência: ações sustentadas por uma rede.
164 Mediadores e intermediários:
MP àNerea Garcia Gamendia (web content) à convocatória àfeedà conta de email àgoogle groupsà lista do puredataà Jarbas Jácome àgoogle groupsà e-mail
à lista do Polo de Cultura Digital/UFRJ à Izabel Goudart à e-mail à projeto pdfà
MP à projeto não selecionado + convite para colaboração à Izabel Goudart
+
Jarbas Jácome à retorno oferecendo colaboração
As tecnologias e as linguagens que permitem a transmissão de informação e sua
redistribuição, a formação de grupos e listas e os mecanismos automáticos de envio de
conteúdos de blogs ou de sites de interesse são actantes fundamentais para que a rede se faça.
Os softwares de diversas funcionalidades possibilitam a participação, a partilha de
conhecimento, informação e afetos, e a interconectividade de um coletivo. A grande maioria
dos humanos que participa dessa rede é intermediária e, até mesmo, desconhece que enviou
uma mensagem. Multiplicam-se os actantes e as ações distribuídas; a rede cresce, aprende,
media e, onde há crescimento e aprendizagem, encontramos mente (PEIRCE apud
SANTAELLA, 2002).
Recebemos e-mails diariamente, cujo significativo volume depende de um maior ou
menor grau de interatividade, interconectivade e interdependência nas redes que integramos.
Filtramos, excluímos sem ler, selecionamos e lemos, arquivamos, esquecemos, o que faz com
que uma informação, um dado, passe a ser relevante, principalmente quando a quantidade de
dados disponíveis adquire um volume cada vez maior e é renovado constantemente? O que
mobilizou os desenvolvedores a participarem da oficina? Qual foi a motivação desta
pesquisadora? Quais os agenciamentos invocados? Que configurações eles propiciam? Que
modalidade de ação eles engajam? Estamos falando de causas e de seus intermediários ou de
um encadeamento de mediadores?
165 Registros82 com depoimentos de colaboradores, que são assíduos frequentadores das
diversas atividades no Medialab Prado e dos integrantes do projeto I’m hungry, what to do
next, revelam uma mistura do que estamos denominando de um mix de curiosidade+escolha e
de intenção+atenção. Nos depoimentos registrados em vídeo, os colaboradores revelam:
Ø o interesse em desenvolver conhecimentos no campo da visualização para ampliar
conhecimentos profissionais como designers ou artistas e o fato de ser o Medialab um
espaço único nesse sentido e de a oferta em instituições formais de ensino ser escassa
ou mesmo inexistente;
Ø a adesão ao tema de sustentabilidade e ao desenvolvimento de práticas que contribuam
para esse fim, no caso da colaboração específica no projeto I’m Hungry;
Ø a reputação do Medialab Prado, do programa e de profissionais que colaboram em face
da reconhecida competência no campo de desenvolvimento de interfaces interativas,
(o Medialab Prado reúne as melhores ‘cabeças’ que trabalham no desenvolvimento e
nas metodologias de visualização de dados, protótipos de computação física e afins);
Ø o interesse em participar, investigar e compreender as dinâmicas de um processo de
produção colaborativo envolvendo os distintos campos do conhecimento e as
circunstâncias que incluem seu desenvolvimento;
Ø o conhecimento e o desenvolvimento de habilidades no uso e no desenvolvimento de
tecnologias digitais;
Ø o fato de o foco do MP residir em processos fundamentados na investigação e no
desenvolvimento da cultura digital;
Ø as experiências prévias com outros projetos do MP;
Ø as questões éticas e estéticas relacionadas ao uso de tecnologias digitais;
Ø as questões relacionadas a ativismo político e democracia digital.
82
Chamamos a atenção para o fato de que traduzir toda a cartografia numa narrativa em papel é uma tarefa
impossível e vai em direção oposta ao método da TAR. Procuramos descrever certos padrões observados em
termos de agenciamentos e identificar os actantes nomeando as pearls na cartografia on-line. Trechos foram
transcritos ou copiados no espaço para os comentários de algumas pearls de forma que possam identificar onde
nossa atenção foi detida, essa ação cria outra inscrição, direciona para uma leitura entre tantas outras possíveis.
166 Shirky (2011, p. 171), ao discorrer sobre a cultura participativa das redes digitais,
associa diferentes lógicas de participação para cada indivíduo ou grupo, em face das
diferentes motivações que conduzem cada um a fazer coisas ou não.
Daniella Brill (Colombia, 21 anos): Vim com a intenção de trabalhar muito,
isso nem aconteceu, mas fiz muitos amigos e estou indo embora muito feliz.
A experiência foi muito bacana e aprendi muito. Escolhi o projeto porque
amo agricultura e quero trabalhar com Hernani no projeto Re:farm the City.
(vídeo do pearl Daniela, Visualizar’11).
Daniela estuda Artes na Colômbia e desenvolve projetos na interface com a Biologia.
Saiu da América do Sul para realizar um tratamento de saúde em Viena e para participar do
Visualizar. Precisou ausentar-se antes do término do projeto. Alguns meses depois do
workshop, Daniella e Hernani registraram, no blog do Re:farm the City, a realização do
projeto na cidade de Viena. A participação no Visualizar’11 originou a seleção para o
CODED CULTURES: City as an Interface, programa de iniciativa internacional do grupo
5uper.net, que discute e reflete a intersecção entre mídia, arte, sociedade e tecnologia
aplicada, por meio de exibições, oficinas, simpósios e apresentações e intervenções artísticas.
O projeto I’m hungry (Re:Farm the City) foi selecionado e apresentou uma proposta de
intervenção.
Re:Farm the City é um projeto coordenado por Hernani Dias, direcionado ao
desenvolvimento de interfaces que sustentem, incentivem e promovam a sustentabilidade da
produção e do consumo de alimentos, por intermédio da criação de dispositivos de
computação física de gerenciamento de plantações urbanas e hortas. I’m hungry what to do
next? foi um dos desdobramentos do projeto Re:farm edição China, em colaboração com o
jovem chinês Tian Li (designer interativo). Hernani conheceu Tian Li, na China, em ocasião
de convite para apresentar um workshop, na universidade que Tian Li estuda. O projeto
selecionado para o Visualizar foi uma iniciativa conjunta de Hernani Dias (coordenador do
projeto) e Tian Li (líder do projeto), resultando na proposta de desenvolvimento de um
aplicativo que possibilitasse conectar pessoas e dados vinculados ao plantio e à troca de
alimentos. Percorrendo a cartografia Visualizar’11, é possível acessar o pdf do projeto e os
vídeos de seu desenvolvimento. Tian Li já desenvolvia um projeto semelhante na sua
167 graduação e, após participar da oficina (na China), com Hernani, formou a parceria que
resultou no projeto inscrito e em sua vinda da China para Madrid. São muitas inscrições, nas
quais os actantes revelam esse agenciamento que denominamos de:
Figura 22: curiosidade + escolha
Figura 23: intenção + atenção
Fonte: Popoya (2011)
Fonte: Popoya (2011)
São palavras e conceitos que encontramos distribuídos nos vídeos, nos textos, nos
registros, nos depoimentos e nas imagens das atividades desenvolvidas no MP. Popoya
(2011), designer e redatora do blog BrainPicks, destaca essas relações como motores da
criatividade, da polinização de ideias e da geração de novas ideias. Nas palavras de Coudal
(apud POPOYA, 2011): “Nosso valor mais essencial não é qualquer uma de nossas
habilidades específicas, mas o fato que somos essencialmente curiosos.” Curiosidade, escolha,
intenção-atenção é o que permeia o ambiente com inscrições sutis. Popoya (2011) acrescenta
que curiosidade, sem direção, pode gerar um esforço custoso e, em última análise,
improdutivo: “A escolha é a forma como domamos, canalizamos e direcionamos nossa
curiosidade, onde escolhemos como dispenderemos nosso tempo e energia e, finalmente, onde
escolhemos colocar nossa atenção”. Relembramos a citação de Peirce (CP 1.220), “causação
final sem causação eficiente é desesperança, mas causação eficiente, sem causação final, é
pior do que desesperança; ‘pois ela é mero caos, e caos, sem causação final, não é nem
mesmo algo como caos, mas é um nada completo’ (CP 1.220)”.
168 Os resultados alcançados ao final de 15 dias de trabalho dedicado e intenso podem ser
acessados nos vídeos da apresentação final de cada grupo, na reverberação em novas parcerias
e nos projetos que sucederam a realização do Visualizar’11. Curiosidade+escolha e
intenção+atenção são potentes agenciamentos dos processos e das dinâmicas da aprendizagem
em rede, pois, na era digital, reafirmam algumas reflexões sobre questões83, tais como: a
aprendizagem da atenção na cognição inventiva (KASTRUP, 2004); o conceito de
infoatenção, como uma das competências centrais da aprendizagem na era digital
(RHEINGOLD, 2009); a relevância de uma economia da atenção (LEVY, 1993;
SANTAELLA, 2010). A citação de Sontag (apud POPOYA, 2011, p.1) é uma bela tradução
desse processo:
Faça coisas. Seja curioso e concentre-se. Não espere por um empurrão da
inspiração ou um beijo da sociedade em sua testa. Preste atenção. Tudo está
relacionado com prestar atenção. Atenção é vitalidade. Ela te conecta com
os outros. Isso faz você ser ardente. Seja ardente.
Popoya (2011) associa a fala de Sontag ao princípio central da filosofia budista, o
equilíbrio entre intenção+atenção − curiosidade intencionada ao conhecimento e ao
crescimento, nossa escolha onde concentrar nossa consciência, onde colocar nossa atenção. A
visualização de dados, como uma modalidade da linguagem hipermídia, tem, em seus
princípios, esse exercício, já que exige o aprendizado de traduzir, por meio de recursos visuais
interativos, uma ação consciente (por parte de quem elabora) sobre a qual colocamos nossa
atenção e, portanto, nossa consciência.
A primeira camada dessa cartografia foi descrita a partir da pearl Linguagens
Líquidas. O termo foi inserido como uma outra inscrição. Remete às linguagens digitais, cuja
natureza fluida, híbrida e dinâmica pode ser observada na visualização interativa de dados e
nos agenciamentos a ela vinculados, como a cultura aberta e livre. É também o título do livro
83
As mudanças nas modalidades e nas formas de atenção na era digital são objetos de controvérsias. A atenção
seletiva e focada da leitura silenciosa do livro ou da escuta atenta às aulas expositivas contrastam com uma
dispersão e uma distração, identificadas como resultante do intenso uso e da interação, principalmente das
crianças e dos jovens, com as tecnologias digitais. Outras modalidades, como a atenção flutuante ou fora de foco,
seleção e escolha a partir de modos mais abdutivos, emergem como padrões mais sensíveis à velocidade e ao
volume com que dados são produzidos e redistribuídos e à necessidade de estar atento ao que de fato é
importante, essencial ou útil e que nos mantém conectados.
169 de Santaella (2007), ponto de partida para que esta tese fosse redigida, um outro actante e
inscrição dessa rede.
A lógica e a expressividade da linguagem hipermídia estão presentes na própria
temática do programa: a visualização de dados. A programação e o designer interativo são
elementos que encontramos ao percorrer as cartografias e os atributos presentes no perfil de
actantes humanos, objetos técnicos e organizações, verificando uma relação direta com esses
campos de conhecimento. Retornando ao e-mail da convocação, identificamos rastros digitais
do puredata.inf, Jarbas Jácome, Polo de Cultura Digital, MP, Izabel Goudart. Puredata (Pd) é
um ambiente de programação gráfica interativa e de processamento em tempo real para áudio
e vídeo. É um projeto de código aberto que conta com uma comunidade de desenvolvedores e
uma plataforma com tutorias, exemplos, download gratuito do programa, download de patchs
(fluxograma de código) e outras informações. Jarbas Jácome é um programador e artista que
utiliza o Pd em diversos trabalhos e ministra oficinas dessa linguagem junto com o coletivo
LaboCA, faz parte da comunidade de Pd e de sua lista. Outros programas, como o Processing
e o Arduíno, vão apresentar atributos semelhantes, são softwares e plataformas livres e de
código aberto usadas para programação interativa gráfica ou computação física. Sua
linguagem é de mais fácil acesso para leigos e possui plataformas, extensamente
documentadas, que dão suporte e propiciam uma aprendizagem autônoma e em rede,
suportada por códigos abertos e licenças de copyleft. O LaboCA, coletivo e laboratório
nômade integrado por artistas de software (além de Jarbas, Jeraman, Ricardo Brasileiro e
Filipe Caligário), realiza oficinas promovendo o uso criativo e lúdico da linguagem de
programação. Os rastros nos levam para trás e para frente. Em 2010, realizei uma oficina com
o LaboCA oferecida pelo FILE (Festival de Linguagens Eletrônicas), quando fui fisgada pelo
modo como o processo se desenvolvia, um modo muito semelhante ao experimentado no
Medilab. Tratava-se de um tipo de ambiente que se desenrola a partir dos códigos abertos, do
copiar e colar livre e do remixar de ideias. Os dois laboratórios apresentam como princípios
basilares e comuns a ambos a cultura do software livre e dos códigos abertos. O Polo de
Cultura Digital, por sua vez, propõe, em uma das suas linhas de pesquisa, a investigação de
novas formas de ‘escrita’, o que originou seu interesse pelo trabalho de Jarbas e do LaboCA.
Os softwares para produzir interfaces interativas e suas linguagens são actantes
frequentes em projetos de visualização de dados, instalações artísticas, projetos de
170 computação física, desenvolvidos tanto pelo LaboCA, quanto pelo MP. Acessando a wiki do
Visualizar’11 de cada projeto e os softwares e as linguagens listados, podemos verificar como
é frequente a citação de tais recursos. Artistas, designers, programadores, pesquisadores,
curiosos e Laboratórios de Mídias estão associados em torno da aprendizagem dessas
linguagens e da investigação em torno de seu uso criativo, bem como das interfaces que as
sustentam e/ou possibilitam desenvolver (softwares), em prol de projetos aplicados de
produção de conhecimento na arte e na ciência e nas convergências desses campos.
A primeira oficina que realizei no MIS-SP (2009) foi de Puredata, depois de
Processing com o LaboCA, no FILE 2010 e de Arduíno (2011), no Parque Lage, todos
vinculados a programas de arte, ciência e tecnologia. Durante o Visualizar’11, foi realizada
uma oficina para apresentar a interface Impure (que permite a programação por objetos), uma
introdução à linguagem Processing e do software R, além de sua aplicação prática e de outras
linguagens no desenvolvimento dos projetos. Os princípios de liberdade do software livre e do
código aberto, que estão no fundamento da criação de linguagens interativas livres e de suas
plataformas e comunidades, são agenciamentos que tecem essa rede, que reúne linguagem,
artistas, programadores, designers, plataformas, comunidades, grupos, coletivos, laboratórios
de mídias, instalações artísticas, robótica, oficinas e projetos educativos, como o Aprender
Brincando. Regem a escolha de que linguagem usar e que software priorizar.
Marcos Garcia (2011), um dos gestores do Medialab Prado, ao apresentar o programa
Visualizar no seminário sobre dados abertos realizado em fevereiro de 2011, destaca como
um outro atrativo o fato de a visualização de dados agregar campos diversificados de
conhecimento: “este seria um novo entorno relacionado com características da cultura digital,
foco de investigação e atuação do MP”, comenta o gestor. Essa característica solicita o
desenvolvimento de metodologias colaborativas que abordem uma estética de banco de dados.
Vesna (2007, p. X) levanta a questão da invisibilidade da estrutura que está por trás dos dados
e da navegação pelos fluxos de informação, como um dos princípios mais profundos de um
projeto estético com tecnologia digital. Os arquivos de bancos de dados agem como uma
cartografia da subjetividade, pois esses registros permitem mapear um perfil de hábitos,
universos de conhecimento, de formas de socialização e comunicação, daí a importância de
participarmos ativamente em como os dados são moldados, organizados e disseminados. Os
artistas nos socorrem nesse novo caminho de trabalhar, pensar e visualizar novas estruturas. É
171 o que a cartografia Linguagens Líquidas aciona. Uma rede de artistas, programadores,
ativistas, laboratórios e mídias, linguagens e softwares de programação, listas de discussão,
conteúdo livre (código aberto) para ser partilhado, modificado, redistribuído, softwares livres
para download, uso e modificação segundo as características particulares do usuário,
plataformas que reúnem colaboradores para desenvolvimento conjunto, redistribuição de
conhecimento e aprendizagem em rede e convergência de áreas.
A visualização de dados (como linguagem) levanta uma questão relacionada com a
arquitetura de dados. Ela define uma topologia onde um ambiente é criado (característica da
linguagem hipermídia). Qual a importância do ambiente? Na comunicação, o meio é o suporte
para a linguagem. O papel para a escrita, a interface gráfica para a linguagem hipermídia. Por
sua vez, os atributos da linguagem definem um ambiente por onde transitamos e criamos
condições para realizar uma determinada atividade e atingir um fim, um tipo de habitar (DI
FELICE, 2009) e um tipo de leitor (SANTAELLA, 2004). O ambiente de sala de aula é fixo,
estável, organizado, definido temporalmente (hora-aula), tal qual o meio que suporta a
linguagem escrita. O ambiente digital pressupõe uma arquitetura líquida, de sobreposições,
uma topologia cujo tempo é um continuum e um espaço aberto, onde as trocas ocorrem de
forma simultânea e em uma multiplicidade de linguagens, tempos e sujeitos. O MP articula
um ambiente físico e virtual e os espaços intersticiais, que mobilizam atividades práticas e de
reflexão sobre a cultura digital. A vivacidade do ambiente é uma das motivações e diferenças
observadas por quem tem oportunidade de interagir diretamente ou por aqueles que se
detiverem atentamente às pistas deixadas por fotografias e vídeos espalhados na web, em
sítios específicos como o Flickr e Youtube e/ou na plataforma da instituição.
5.3 MEDIALAB PRADO (MP): PLATAFORMA ABERTA DE PROTOTIPADO
COLABORATIVO
O Visualizar constitui uma das seis linhas de trabalho propostas e desenvolvidas pelo
Medialab Prado, entre elas: Interactivos, focado no uso criativo da eletrônica e da
programação; Inclusiva-net, focado na pesquisa e nas reflexões sobre a cultura da rede;
172 Commons Lab, promotor de discussões transdisciplinares sobre Commons84; AVLAB, voltado
para a criação audiovisual e sonora; e o Digital Façade, programa recente (2011) focado no
desenvolvimento e na mostra de projetos interativos em uma fachada digital. Diversas outras
atividades são desenvolvidas em prol de reflexão, pesquisa, prática e experimentação da
cultura digital, de suas linguagens e da convergência entre a arte, a ciência, a tecnologia e a
sociedade.
Tais programas e atividades permitem traçar um perfil de atuação do Medialab- Prado,
definido como um programa de artes promovido pelo Madrid City Council85 e, como uma
plataforma aberta de prototipado (Marcos Garcia86) colaborativo. É um programa voltado para
a produção, a pesquisa e a disseminação da cultura digital e de áreas, dentre as quais a arte, a
ciência, a tecnologia e a sociedade se interceptam. Destacamos as temáticas presentes no
programa:
• Visualização de dados à investigação teórico-prática sobre a cultura de dados
e sobre seu impacto na sociedade; desenvolvimento metodológico e teórico
dessa linguagem como uma atitude política;
• Commonsà objetiva estruturar discussões e ações em torno da concepção de
Procomun, novo termo que procura expressar uma velha ideia: que certos
recursos pertencem a todos e juntos constituem uma comunidade de recursos
que devem ser ativamente protegidos e gerenciados (medialab-pradoes/laboratório_del_procumun);
• Interativos
à
apropriação
tecnológica
por
meio
de
práticas
de
desenvolvimento de ferramentas baseadas em eletrônica e programação –
computação física;
• Inclusiva-net à plataforma dedicada à pesquisa, à documentação e à
circulação das teorias da cultura de redes;
84
São recursos partilhados ou divididos entre ou no seio de uma comunidade populacional. Esses recursos são
considerados bens comuns e podem incluir tudo, desde recursos naturais, terra partilhada, ao software, incluindo
propriedades públicas ou privadas, sobre as quais as pessoas possuem direitos tradicionais. Tradicionalmente, se
referia ao meio ambiente, atualmente os commons compreendem também os bens da esfera cultural, bens e
serviços públicos. Ref.: http://en.wikipedia.org/wiki/The_commons
85
O Conselho da Cidade de Madrid é formado por 57 membros, entre eles o prefeito da cidade. É o órgão de
representação política dos cidadãos no governo municipal.
86
Medialab-prado.es/article/visualizar11
173 • AVLAB à plataforma que propicia encontros para criar e distribuir arte
sonora e visual através de uma aproximação colaborativa;
• Digital Facede à projeto de desenvolvimento de interfaces interativas que
interagem com o espaço urbano.
É visível a mobilização em torno das questões que permeiam a ecologia
comunicacional, cognitiva e digital das práticas culturais contemporâneas. Transitar pelo
espaço chama atenção para uma diferença sutil entre os espaços acadêmicos tradicionais e um
ambiente de aprendizagem e investigação como o MP. É um certo ambiente que, “chamando
a atenção pela sua novidade, deixa uma marca de impressão”, como relatado por Tiscar Lara
no vídeo/registro de uma mesa redonda ocorrida em 01/03/2012, com o título “Aprender
haciendo: conociemento e aprendizaje en comunidad” e como relatado na introdução deste
estudo.
Nascido em setembro de 2007, foi concebido como um segundo estágio do Medialab
Madrid, localizado no Conde Duque Cultural Center, desde 2002. A partir de 2007, é
transferido para o Paço do Prado, estando localizado ao lado do Caixa Fórum, próximo ao
Museu Reina Sofia e ao Museu do Prado, uma região rica em instituições, espaços e galerias
vinculadas à cultura e à arte. Ocupa um subsolo de um galpão industrial, cuja entrada fica
localizada numa pequena praça, a Plaza de Las Letras, a partir de onde se avista um paredão
frontal contendo uma fachada digital e, lateralmente, vidraças que permitem um contato
visual com seu interior. Isso estabelece uma comunicação visual com o entorno. Na descrição
de Felipe Fonseca (ciberativista brasileiro), realizada na ocasião de sua participação no
Labtolab e registrada em seu diário no blog Desvio, em 12/07/2010:
Descendo a rampa, já vi a programação do mês estampada na janela em
letras adesivas, um detalhe sutil que mostra a preocupação do Medialab em
ter uma interface pública, em vez de fechar-se no próprio umbigo.
A fachada digital é um outro elemento que explicita a filosofia e o funcionamento do
MP: ser um espaço aberto para todos, onde os visitantes não são apenas convidados, mas
encorajados a participar (GARCIA, 2011). A fachada é um projeto para propor experimentos
interativos baseados numa estética da programação. Um de seus desdobramentos é o grupo de
174 estudos e oficina 26,000 pixels, realizado com o objetivo de refletir e investigar o
desenvolvimento criativo de código e princípios de design computacional.
Figura 24: Vista a partir da Plaza de las Letras
Fonte: http://desvio.cc/blog/labtolab-dia-dia
Figura 25: Detalhes do projeto da fachada digital, vista lateral
Fonte: Medialab-prado.es
175 Figura 26: Plaza das Letras, vista frontal da fachada digital
Fonte: foto @ Miguel de Guzman (on-line)
No momento em que esta tese é escrita, o MP se encontra em fase de reforma para
ampliação, em função da qual vem a ocupar instalações provisórias no Intermedia Matadero,
no período de 7 de maio até dezembro de 2012. A mudança provoca uma reflexão sobre o
impacto da ampliação do espaço nos processos desenvolvidos por meio dos diversos
programas e atividades, levando ao debate da temática mediação e do papel do Medialab. A
ampliação modificará os modos de interação e interconexão até então praticados, pois
modifica a arquitetura do ambiente.
O Intermedia Matadero, local que, no momento, sedia as atividades do Medialab, foi
concebido como um laboratório voltado para a produção de projetos e para a inovação social,
especializado em cultura visual dirigida para a participação do público: investiga novas
formas de envolver diferentes audiências nos círculos da arte e da cultura. Destaca a condição
de existir como laboratório e não como um espaço museológico, segundo um movimento de
criação de modelos institucionais de caráter coletivo e de disseminação de projetos
emergentes e de produção de inovação87. Os dois laboratórios foram fundados por iniciativa
do Conselho de Artes da Cidade de Madrid, vinculados por uma perspectiva política local de
87
http://intermediae.es/project/intermediae_en/page/a_laboratory_not_a_museum_2
176 criar espaços de participação aberta e promover a cidadania e as cidades digitais, bem como
pelo fato de se organizarem como laboratórios de cultura digital.
O MP, baseado em processos abertos e experimentais de aprendizagem e construção
de conhecimento colaborativo, constitui-se como uma instituição de difusão cultural
caracterizado como um laboratório de mídias no formato de espaço aberto (openspace). Vem
agregar e incluir a participação, a intervenção e a interação direta do público na elaboração e
no desenvolvimento dos experimentos e das práticas, dos objetos culturais, artísticos e
científicos, do conhecimento teórico e experimental, difundidos em sua sede física e em seu
website, articulando e costurando ações entre o público comum, as instituições culturais e
artísticas, a academia, os coletivos independentes, o governo e as empresas. Para tanto,
oferece oficinas, exibições, leituras, seminários, sessões experimentais de áudio/vídeo, grupos
de debate, apresentações etc. Todas as atividades são gratuitas e abertas para a participação do
público, cuja predominância do perfil, embora sem limitação de idade, é adulta e jovem.
Segundo material de divulgação88, seu principal objetivo é criar uma estrutura em que
tanto a pesquisa quanto a produção sejam processos permeáveis à participação do usuário.
Para tal fim, oferece:
• um espaço permanente para informação, recepção e encontro, articulado por
mediadores culturais;
• as chamadas abertas para apresentação de propostas e participação no
desenvolvimento colaborativo de projetos.
As linhas de trabalho são organizadas para promover tal objetivo: híbridos de oficina,
exibição e seminário propiciam a criação de um espaço de reflexão, pesquisa e trabalho
colaborativo. Os dois vídeos institucionais disponibilizados no link http://medialabprado.es/article/que_es e a sequência de imagens de registro dos eventos ocorridos em sua
sede, acessados pelo Flickr http://www.flickr.com/photos/medialab-prado/, oferecem a
88
Esse material se encontra disponível no site no link informações: http://medialab-prado.es/article/que_es. São
apresentados dois vídeos: o primeiro de 1 minuto, acrescido de uma transcrição do texto em inglês, e um
segundo de 15 minutos com mais detalhes.
177 visualização de uma parcela de sua arquitetura funcional e cognitiva, bem como de seus
modos de funcionamento e processos até aqui descritos.
O vídeo Medialab en 1 minuto sintetiza o alinhamento do Medialab com a dinâmica
da cultura digital. A opção de apresentar um vídeo com tempo de um minuto estabelece uma
relação com os modos de atenção e agilidade requeridos para a velocidade e para o excesso de
informação em disponibilidade na web e sinaliza uma conexão com as linguagens digitais. O
vídeo se assemelha a uma apresentação do PREZI89 e parece comunicar apenas com 140
caracteres. Bem resolvido e de design minimalista, semelhante ao site, é de fácil comunicação
e interlocução com quem assiste. As legendas em espanhol e o texto em inglês, logo abaixo
do vídeo, permitem acompanhar o conteúdo do vídeo apresentado a partir de animações de
ícones que atuam de forma direta para comunicar a estética, a ética e a lógica para a qual
direcionam suas ações e suas metas. Destacamos as palavras que aparecem animadas e em
caixa alta, ao longo do vídeo: ABERTO, COLABORATIVO, EXPERIMENTAL.
Um segundo vídeo de 15 minutos de duração apresenta, com mais detalhes e de forma
mais pausada, uma descrição da instituição. Inicia apresentando vários frames dos vídeos em
tons esverdeados e com os movimentos acelerados. Telas são adicionadas, criando uma
multiplicidade de camadas; as imagens são do interior de suas instalações e criam, por sua
edição visual e sonora, a ideia de um ambiente ficcional/virtual/futurista e mutante que remete
às imagens de câmeras de vigilância. As imagens subsequentes contextualizam o espaço físico
e o tipo de ambiente dinamizado durante os eventos. Os programas realizados permitem
qualificar o tipo de atividade que desenvolvem, as variadas metodologias que utilizam, o
perfil predominante de um público jovem alinhado com o uso das tecnologias, o dinamismo
das relações, a presença e a relação com a cultura do “faça você mesmo” e da programação, a
descontração e informalidade e, ao mesmo tempo, a versatilidade e a seriedade conduzida nas
atividades e na relação com o espaço externo.
A centralidade do tratamento estético dado à informação e aos dados disponibilizados
é uma característica que norteia todo o material produzido e divulgado, cuidado que traduz
89
Serviço on-line de construção de apresentações no estilo do Power Point, mas que inclui a possibilidade de
utilizar animações, que geram formatos (como zoom) e movimentos não lineares, saindo do formato de janelas
interligadas, para o de relações entre os tópicos.
178 uma relação com a estética do banco de dados, presente também nas temáticas abordadas nos
programas, nos seminários, nos grupos de estudo e nas oficinas.
O ambiente físico e a plataforma virtual do MP são elementos importantes, criam um
ambiente dinâmico e flexível, que propicia a utilização de uma variedade de metodologias e o
acesso aberto aos processos, às práticas, aos dados e ao conhecimento produzido. Um
equilíbrio metaestável é favorecido pela mediação de um conjunto de elementos heterogêneos
materiais e formais: seja pela mediação humana, de objetos ou do design, seja pela arquitetura
dos ambientes, facilitando e propiciando trocas e fluxos de afetos, informação e
conhecimento, visíveis por meio de:
• Um ambiente físico flexível e aconchegante, contendo uma pequena biblioteca
e sofá, uma pequena cozinha, mesas para grupos, que podem ser desmontadas,
bancadas laterais com computadores para uso público, rede wi-fi, réguas com
saídas (tomadas) de energia elétrica, painéis magnéticos nas paredes para fixar
cartazes, fluxogramas, informações diversas, bancadas expondo em andamento
ou mostra dos projetos realizados;
• Um conjunto de canais de comunicação e memória que podem ser acessados
pelo link da plataforma http://medialab-prado.es/article/siguenos ou que são
indicados para uso durante a oficina, como: wiki, rss feed, flickr, fóruns,
streaming de atividades;
• Um banco de dados de vídeos, textos e podcasts que possibilita recuperar a
memória e acessar o conteúdo de oficinas, eventos, debates, seminários
realizados em sua sede;
• Transmissão por streaming da grande maioria de atividades vinculadas aos
programas. Um calendário e uma assinatura no rssfeed permitem acompanhar
datas, horário e conteúdo que será abordado;
• Design da plataforma simples, bem resolvido, chamando a atenção para a
atividade principal que ocorre em um dado período por meio de imagens e
texto explicativo na página principal e remetendo a outras atividades correlatas
ao tema, as quais aconteceram ou irão acontecer;
179 • A presença de mediadores culturais: pessoas responsáveis por receber, acolher,
informar e ambientar visitantes, colaboradores, responsáveis pelos projetos,
organizar as atividades e o desenvolvimento do processo;
• Um rss feed atrativo e objetivo que comunica com imagens e sínteses as
atividades presentes, passadas e futuras.
Figura 27: Apresentação do AVLAB
Fonte: Flickr Medialab Prado
O fundo de sala na Figura 27 corresponde ao mesmo ambiente da Figura 28. Há um
certo ar de informalidade. A flexibilidade para adequar o ambiente ao tipo de evento e à
metodologia (expositiva, apresentação, grupo, oficina, etc) é uma das características que se
destaca. A interação com o entorno também (Figura 26) é priorizada, concretizada em
projetos como o Facede Digital. Recordamos que o subsolo tem uma comunicação com a
praça por vidros que permitem que o transeunte visualize o que ocorre no interior da sede,
convidando-o a participar pela mera observação ou por um convite a que adentremos o
espaço.
180 Figura 28: Segundo dia de trabalho da oficina internacional Visualizar’ 11: compreender as
infraestruturas; dedicado a visualização de infraestruturas compreendidas como grandes sistemas que
suportam processos globais, desde os que produzem energia e água aos que possibilitam a
comunicação global e mobilidade.
Fonte: Flickr Medialab-Prado, Visualizar11
O registro, realizado pelo próprio Medialab e pelos participantes, forma um vasto
banco de imagens que configura uma narrativa imagética disponibilizada on-line. Digitando a
palavra Visualizar’11 e escolhendo a opção de busca “fulltext”, são registradas 407 fotos e
três fotógrafos principais: Medialab-prado, EOI (Escola de Organization Industrial) e Juan
Freire (Corunã –Spain). A maioria das fotos integra o registro diário do Visualizar’11 pelo
Medialab-prado, ocorrida no período de 14/06/2011 a 01/07/2011, três fotos postadas pela
EOI são relativas ao evento que ocorreu em 05/05/2011 no formato de mesa redonda com a
Temática: Experiências de “Dados Abertos e Inovação Aberta”. A foto da figura 30 permite
retraçar as associações entre os “três fotógrafos” identificados na busca do Flickr. O
Visualizar’11 ocorre com a parceria do EOI, em que Juan Freire é gestor e consultor de
projetos de Inovação.
181 Figura 29: Imagem capturada da tela de computador da janela do Flickr, busca Visualizar’11,
na lateral direita motores de busca relacionam outros participantes, redirecionando para
imagens correlatas ao tema.
Fonte: Flickr, Medialab Prado
Figura 30: Mesa realizada em 05/05/2011 sobre o tema dados abertos
Fonte: Flickr, EOI
182 Aplicando um zoom na imagem (a interface do Flickr permite a visualização das
imagens em vários tamanhos e aplicar a ferramenta do zoom), é possível distinguir os
integrantes da mesa, entre eles Juan Freire (o segundo da direita para esquerda) representando
a EOI. O texto explicativo contém um link90 para o vídeo do evento. Na página indicada, os
integrantes são identificados em suas competências e em suas relações com instituições e
projetos. Juan Freire é o moderador da mesa, professor e colaborador da EOI, os demais
participantes, seguindo a ordem da foto da esquerda para direita, são: Daniel Latorre,
desenvolvedor web do projeto DNDzgz91; Rubén Martín, técnico de projetos de dados abertos
da Fundación CTIC92; Alberto Ortiz de Zárate Tercero, responsável pelos dados abertos
Eukadi93 do Departamento da Justiça e Administração Pública do Governo Vasco. Essa
pequena inserção no banco de dados do Flickr, relativo ao Visualizar’11, vem traçar uma rede
de associações em torno de uma ação transversal entre os actantes aqui relacionados: o debate
sobre dados abertos, as cidades digitais, a gestão e a visualização de dados, o
desenvolvimento de tecnologias e aplicativos para acesso a dados e gestão de recursos. São
agenciamentos expressos no desenvolvimento de ações voltadas para a reflexão, pesquisa,
aprendizagem, desenvolvimento tecnológico, focados na política dos dados abertos, no
desenvolvimento de interfaces e na apropriação e na multiplicação dos meios e mediações.
Política, economia, inovação tecnológica, desenvolvimento de tecnologia em termos
de software e hardware, reflexões e práticas em torno da cultura digital, cultura de dados,
cultura livre, instituições acadêmicas, culturais e artísticas, organizações, grupos e coletivos,
comunidades de práticas e virtuais, colaboradores, artistas, designers, programadores,
pesquisadores, público leigo, jovens, adultos de todas as idades, crianças, mediadores
culturais, ambiente físico, plataformas, softwares que suportam partilha e desenvolvimento de
90
http://www.eoi.es/portal/guest/evento/1580/innovacion-abierta-y-open-data
Aplicativo para smartphones que permite identificar a parada de ônibus mais próxima e as redes wifi das
cercanias, a partir de dados públicos disponibilizados na internet. Nasce como um projeto desenvolvido para
Abredatos2010, concurso que propõe o desenvovilmento, em 48h, de um serviço tecnológico para os cidadãos
baseado no uso de dados públicos. Entre as regras esta o uso de ao menos uma fonte de dados abertos, o trabalho
em equipe (presencial ou não), a entrega do aplicativo funcionando e voltado para um serviço oferecido ao
cidadão e fornecer o código aberto. O objetivo é gerar um debate em torno da necessidade dos órgãos públicos
disponibilizarem os dados de forma acessível para uso e reuso por parte dos cidadãos.
92
CITIC é uma equipe interdisciplinar que desenvolve estratégias para melhorar os níveis de transparência do
setor público através da publicação de dados em formato padronizado, aberto e acessível. O que permite o acesso
de informações e dados de instituições públicas de um modo estruturado e e reutilizável por qualquer pessoa
física ou jurídica. Conf.: datos.fundacionctic.org
93
Open Data Euskadi é o portal de acesso dos dados públicos do Governo Vasco em formato reutilizável.
91
183 projetos colaborativos e interativos, master’s livres e formais em cultura digital, metodologias
diversas (seminários, mesas redondas, encontros, oficinas, debates, eventos lúdicos,
apresentações e mostras artísticas), laboratórios de mídias, toda essa gama de actantes forma
um coletivo que aciona toda uma rede colaborativa mediada pelo MP.
5.4 VISUALIZAR’11: PLATAFORMA DE INVESTIGAÇÃO E APRENDIZAGEM
Uma das primeiras experiências, relacionadas com a investigação e com a
aprendizagem em torno do tema de visualização de dados, é oferecida na plataforma virtual
do MP. Acessando o link da convocatória, somos conduzidos de link em link, arquivo em
arquivo, a um banco de dados bem articulado e relacionado. Um fundo branco destaca
palavras e frases em vermelho que conduzem a outros links. A estrutura é a mesma para todas
as páginas da plataforma.
No topo, uma linha divide suavemente as informações sobre o MP, acessadas pelos
tópicos Infomation, Get involved, Follow us, Live e Archive, do lado direito das linhas de
trabalho e atividades oferecidas (workshops, AVLAB Meetings, Seminars, Work Groups,
Open Calls, Presentation and Debates). O vídeo exibido na página da convocatória explicita
os princípios teóricos e metodológicos do programa e da visualização de dados. Um outro
link, disponibilizado no final do texto introdutório, remete para outro vídeo, uma aula sobre a
história da visualização de dados de aproximadamente 1h com José Luis Vicente, o diretor do
programa.
Os vídeos apresentados na plataforma são bem elaborados, visualmente atrativos, e
apresentam um ritmo que associamos ao dinamismo presente nas atividades e, assim, tudo
convida à participação. Os conteúdos são apresentados de forma objetiva, são bem ilustrados
e editados, são narrados em espanhol com legenda em inglês ou vice-versa. O tempo em geral
é de até 15 min, exceto para os vídeos de registro das atividades oferecidas pelo MP. Possuem
um canal de streaming ativo, que transmite as apresentações, os debates, as mesas redondas,
as atividades dos workshops, os encontros e os seminários. Um banco de dados multimídia
pode ser acessado e permite realizar o download de cerca de 500 vídeos, arquivos sonoros e
184 textuais, produção dos últimos 3 anos, cujo acesso e cuja utilização é livre, respeitado o tipo
de licença creative commons designada para os arquivos. O canal de comunicação follow us
apresenta as opções de acesso, a partilha, a redistribuição, o registro e as mídias sociais que
articulam a interconectividade entre os diversos elementos do coletivo.
Figura 31: Recorte da página da convocatória, vídeo apresentando o programa
Fonte: Medialab-prado.es
A documentação do processo é estimulada e priorizada. O wiki é uma dos principais
recursos de registro do processo, o fórum, o primeiro contato reunindo em cada projeto
possíveis colaboradores. A preocupação com a documentação é visível também no LaboCA.
O blog de Jeraman apresenta relato, vídeos, links para acesso aos códigos desenvolvidos,
185 prática que tem origem na programação livre de softwares com o objetivo de melhor
compreensão da estrutura lógica de cada programador ao desenvolver um determinado
código. Ainda que a linguagem utilizada seja a mesma, cada programador tem seu estilo e
precisa documentar os passos para que possa ser compreendido, reproduzido e
‘reprogramado’.
A mediação não é só tecnológica. Há um equilíbrio entre a mediação tecnológica e
humana, na função dos mediadores e dinamizadores culturais. Os mediadores culturais têm a
função de receber os visitantes, apresentar o espaço e integrá-los ao ambiente e às atividades.
O MP oferece uma formação para quem desejar desenvolver atividades como mediadores e
dinamizadores culturais. No Flickr Mediación Cultural, uma das coleções do Flickr do
Medialab Prado, encontramos a seguinte descrição;
No funcionamento do Medialab é fundamental o trabalho dos mediadores e
dinamizadores culturais, presentes sempre no espaço de atividades para que
estes não sejam um lugar somente de emissão de informação, mas também
de recepção, encontro, e conexão entre agentes diversos; os mediadores são
ao mesmo tempo investigadores e agentes socioculturais que favorecem que
as atividades programadas resultem em uma experiência produtiva e
significante para todo o público.
Estes são, de fato, os primeiros que encontramos e conhecemos, mediando a
integração dos participantes entre si, com o ambiente, com os projetos de interesse, com os
recursos e com as tecnologias, disponibilizados para documentação e comunicação com o
entorno cultural, social e político de Madrid e do bairro. Apresentações lúdicas, como a
técnica do Pecha Kucha (uso de fotografia para construir uma narrativa com 20 imagens e
tempo de exposição de 20s, total 400s ou 6 min), são organizadas para melhor conhecer o
perfil dos participantes; busca-se uma integração com o contexto social e político, por
exemplo, na reconstituição do trajeto das manifestações que, naquele momento, aconteciam
por Madrid, como a ocupação da Plaza del Sol; um painel de fotos de todos os participantes é
produzido para melhor identificação nominal dos integrantes e como registro; um quadro
disponibilizado para que possamos escrever nossos contatos e interesses pessoais, por
exemplo, e-mail, fotografia, arte; os colaboradores são recebidos sem restrição, não há critério
de seleção, distinção de nível de conhecimento e capacitação. O acolhimento, a identificação
186 e a gratificação são, na concepção de Vieira (2008), três atitudes relacionadas com as
propriedades que um sistema psicossocial precisa para permanecer, respectivamente: a
sensibilidade, a função memória e a elaboração. São agenciamentos mediados nas ações
promovidas pelos mediadores e pelos dinamizadores culturais e por uma agenda organizada e
metodologicamente planejada.
Três especialistas da área de visualização de dados orientam e fazem a crítica aos
projetos durante todo o processo. Assistentes, em geral programadores experientes, dão
suporte tecnológico e em programação no desenvolvimento dos projetos. Apresentações são
organizadas com a finalidade de avaliar criticamente e coletivamente o processo e dinamizar
sua organização e sua execução de objetivo. Na primeira apresentação, os idealizadores dos
projetos apresentam suas ideias para o público, logo no primeiro dia, com um tempo definido
de 15 min; nessa etapa, os colaboradores escolhem ou trocam de projetos de acordo com seus
interesses e com sua identificação (o que também pode ocorrer durante o processo ou algum
elemento novo pode vir a ser integrado). A segunda apresentação, com o tempo de 6 minutos,
é realizada pelo grupo, após uma semana de trabalho. A terceira possui um tempo de 3
minutos. A apresentação final, no último dia, é uma mostra dos protótipos que fica exposta
por mais dois meses no espaço. As apresentações, todas disponibilizadas na plataforma,
solicitam que os grupos objetivem suas ações e suas ideias, organizem o processo e realizem
sua documentação, possibilitando a evolução e a concretização dos objetivos.
Processos tradicionais como seminários, oficinas, debates, mesas redondas, reflexão
crítica, metodologias e técnicas de trabalho em grupo são utilizados; tecnologias de
comunicação em rede integram e conectam os participantes e os conteúdos; softwares de
registro compartilhado permitem a elaboração de um banco de dados e memória; softwares de
edição (imagem, som, texto) e programação possibilitam a autoria e a construção de
conhecimento com o uso de linguagens híbridas. A comunicação, uma ecologia
comunicacional, é um fator priorizado e percebido no modo como a informação é organizada,
tratada esteticamente e comunicada, e no uso de um conjunto de mídias para uma melhor
interconectividade. Solicita-se que haja um compartilhamento dos recursos utilizados, que
podiam ser registrados em um cartaz afixado no espaço, nos wikis e nas ferramentas de
registro e comunicação síncronas, como o Piratepad.
187 Cada participante contribui com seu conhecimento específico, suas habilidades e suas
competências e as condições do ambiente estimulam a participação, a partilha e a
colaboração. No caso do projeto I’m hungry, Tian Li e Hernani Dias apresentaram, logo de
início, um fluxograma estruturado das ideias que gostariam de implementar na forma de um
app. Os tutores avaliavam as propostas, as intervenções dos colaboradores e as contribuições
que traziam e realizavam uma crítica do processo e das propostas, em reuniões com o grupo
ou durante as apresentações. Em alguns momentos, era percebida pelos participantes pouca
flexibilidade dos líderes do projeto em aceitar as opiniões e as sugestões, o que resultou num
sentimento de pouca aceitação e valorização dos atributos de cada um e, um consequente,
desestímulo e questionamento da adesão ao projeto. Um processo colaborativo não é isento de
crises, algumas delas relacionadas, principalmente, aos momentos em que há pouca abertura
para o acolhimento, a identificação e a gratificação dos participantes. O sentimento de fazer
parte e ter parte, de estar contribuindo para o desenvolvimento do processo, de ser valorizado
naquilo que tem para oferecer, é de fundamental importância em um processo dessa natureza.
A ausência desses fatores leva à dispersão e à fragmentação, contudo, para além desses
momentos, o que possibilitou a permanência do grupo e a concretização do protótipo
(REFARM APP) foi a afetividade e a ludicidade, que restauraram a confiança e a
credibilidade de que um projeto colaborativo pode, de fato, ser realizado e gerar resultados
gratificantes. O vídeo da apresentação final do projeto fornece uma leitura visual desse
processo. Ao final, quando o tempo urge e é preciso objetivar resultados, toda e qualquer
ajuda é valiosa. Enquanto uns programavam e finalizavam a interface visual, outros editavam
o vídeo da apresentação, produziam o material gráfico, cuidavam da alimentação do grupo. É
nesses momentos de “necessidade” de agir que a colaboração emerge com mais força.
REFARM APP reuniu em torno do desenvolvimento de um aplicativo de celular um
grupo heterogêneo: Adolfo Estalella, antropólogo espanhol; Ana Ceruti (43 anos), designer de
ambientes espanhola; Daniela Brill (21 anos), estudante de artes da Colômbia; Diego
Paonessa (42 anos), artista e designer de interface argentino; Enrique César (30 anos),
mexicano graduado em comunicação e design; Erica Takenouchi (35 anos), designer gráfica;
Miguel Alonso (33 anos), agricultor, videoartista e hacker espanhol; Hernani Dias
(coordenador), português graduado em designer e artes gráficas, ecodesigner; Izabel Goudart
(46 anos), química, educadora e fotógrafa brasileira; Tian Li (líder do projeto, 25 anos),
188 mestrando em ciências da computação e tecnologia chinês; Rémy Greinhofer (30 anos),
graduado em ciências da computação, especializado em segurança de TI e ativista de software
aberto e livre francês; Max Kazemzadeh, artista e professor assistente de Arte e Mídia da
Universidade Gallaudet; USA, Medialabforun; I’m hungry Flickr álbum; re:farm blog; I’m
hungry Piratepad; Open spreadsheet; Table Pads; Processing; Open Street Map; Open gap
phone; sistema Android; celulares, notebooks; redes wi-fi; alegria; entusiasmo; generosidade
intelectual; e muitos momentos compartilhados em torno da mesa, um excelente ambiente
para fazer amigos e compartilhar o pão.
Essa narrativa pode ser reconstruída acessando a cartografia on-line. A quantidade de
informações textuais, sonoras e imagéticas solicita uma atenção flutuante que “revela uma
nova faceta da consciência, não como intencionalidade, mas como o domínio de mutações,
inclusive da própria intencionalidade” (KASTRUP, 2007, p. 17), atenção necessária para que
possamos apreender as dinâmicas de uma aprendizagem em rede, como se estivéssemos
capturando um pássaro em pleno voo.
189 6.0 IVY-MARÃEN: A TERRA SEM MALES, ANO 2297
O povo iroquês de América do Norte exigia que os mais velhos somente
tomassem suas decisões depois de considerar o impacto que teriam até sua
sétima geração. Tenho para mim, que este é exatamente, o enfoque que
necessitamos adotar em caráter urgente. Do contrário, pensar no futuro que
herdaram nossos netos, parece insuportável. (GOLDSMITH, 2009, p. 8)
Darcy Ribeiro, em 1997, ocasião em que era senador da República, escreveu um texto
por encomenda do Senado, em que Ping e Olav, um chino e um escandinavo, viajavam pela
terra de Ivy-Marãen, palavra antiga da língua tupi-guarani que significa terra sem males. IvyMarãen, além de designar a macro-nação que ocupava toda a América do Sul, corresponde à
morada de um povo só, os ivynos, unificados pela fusão das raças e integrados por uma
mesma língua e cultura. Ping e Olav, munidos de capacetes que possibilitavam uma
comunicação de seus pensamentos, em tempo real e direto, a múltiplas pessoas, por meio dos
sistemas mundiais de comunicação, mostravam, detalhadamente, tudo o que viam. Foram de
ponta a ponta, num estalar de dedos, transmitindo para o Lexomundo, a grande Universidade
do Mundo, por avançados sistemas de comunicação, tudo o que aprendiam e viam.
Espantaram-se com tudo o que presenciaram, assim como aconteceu com os cibernéticos que
os acompanhavam: a abundância reconstituída da natureza e os modos particulares e
integrados de viver e comunicar de seus habitantes, contextualizados aos ambientes que
habitavam e cheios de alegria de viver.
O Lexomundo emite o saber humano para toda a Terra e funciona como um enlace de
qualquer pessoa. Se esta desenvolveu bem seus talentos para conectar-se e pedir orientação, é
bem atendida e posta em contato com as pessoas mais capazes de ajudá-la no seu campo de
formação. Ao fim do período, terminada a formação, seus mestres a orientam a se inscrever
na universidade como um novo mestre, aberto a seus próprios discípulos. Dentre outras
características, chamou-lhes a atenção a modernidade dessa civilização (de Ivy Marãen),
190 assentada na ciência mais avançada e na tecnologia de ponta, mas capaz de valorizar
profundamente toda a nossa herança humanística de forma generalizada.
A modernidade de Ivy-Marãen se expressa e se vê por toda parte e de muitos
modos, principalmente na sua capacidade e gozo de comunicação com o
mundo. Diante deles qualquer ser humano merece respeito como ser único,
que vale à pena conhecer e ouvir. (RIBEIRO, 2008, p. 56)
A utopia de um mundo onde a diversidade é preservada em sua multiplicidade de
manifestações, ações e formas, onde o respeito por todas as nossas relações é generalizado e a
unidade de um povo, como os ivynos, é manifestada em sua capacidade ampliada de
comunicação com o mundo, parecia algo, até pouco tempo, impossível de ser imaginado e
sonhado. Hoje, ainda que nos pareça ser esta condição algo impossível de ser atingido,
presenciamos mutações mediadas pela comunicação em rede planetária de nossa
sensibilidade, sociabilidade, cultura e subjetividades. Uma perspectiva ecológica é retomada,
seja porque urge que coloquemos nossa atenção em nossas relações, seja pelo fato de que as
mutações que presenciamos implicam um consciência da mudança, cuja manifestação pode
ser percebida no “fosso entre gerações” ou na sensibilidade juvenil (MEAD, 1970; MARTÍNBARBERO, 2000).
RE:FARM APP: a new landscape to grow friends and food é fruto de uma experiência
de produção colaborativa, mediada pelas tecnologias e linguagens digitais, que, ampliando a
capacidade de comunicação e expressividade de um coletivo, possibilitou o enlace entre
homens e mulheres de nacionalidade, idade, formação, temperamento e personalidade
distintos, em torno do desenvolvimento de uma interface para celular, objetos que também
habita esse coletivo.
O slogan carrega átomos de mediações agenciadas por coletivos espalhados pelo
mundo: a criação de new landscap, novos ambientes, voltados para o crescimento.
Crescimento da amizade e do alimento, por meio de uma linguagem interativa e de
dispositivos físicos conectados por ondas eletromagnéticas, que geram condições para que um
ambiente participativo, de partilha e colaboração, emerja. Isto não é utopia, já que foi, de fato,
concretizado um protótipo, que não permaneceu apenas no papel. O mais importante não é o
191 protótipo em si, mas o processo que resultou em sua concretização e as transformações que
originou. Voltamos a nossos países, porém ainda nos comunicamos e, dentro dos limites e
possibilidades de cada um e de seus contextos particulares, outras ações têm reverberado.
Figura 32: Storyboard elaborado para apresentação final e exposição dos projetos do Visualizar’11
Fonte: Arquivo pessoal
Um dos principais actantes que mobilizaram o direcionamento para o crescimento e
para a aprendizagem do coletivo foi o ambiente promovido por uma plataforma de
prototipado colaborativo, o MP. Um sistema ambiente voltado para a evolução, crescimento e
aprendizagem deve propiciar condições para que determinadas propriedades surjam e possam
garantir a autonomia do sistema, isto é, a capacidade de gerar sensibilidade, função de
memória e elaboração de informação de modo adequado para que o sistema permaneça e
evolua. O MP está em fase de pleno crescimento (de estrutura física e programas); suas ações
têm sido replicadas em vários outros ambientes, como: o Interctivos’12 em Mauá, que
acontecerá em novembro de 2012, e o Aprender Brincando, que inicia suas atividades na
segunda semana de setembro de 2012, logo após o depósito dos volumes deste texto, também
uma outra reverberação das trocas efetuadas com este ambiente, ambos projetos de caráter
aberto, participativo e experimental, baseados no desenvolvimento de projetos colaborativos,
192 na cultura livre e de dados abertos. Trata-se de pistas de que a aprendizagem em rede tem um
grande potencial de germinar novas formas.
Comparemos com as palavras de Jacques Monod: Todos os homens de
ciência devem ter, penso eu, tomado consciência de que sua reflexão, em
nível profundo, não é verbal: é uma experiência imaginária, simulada com a
ajuda de formas, de forças, de interações que só muito mal compõem uma
“imagem” no sentido visual do termo. E aqui completamos por nossa conta
e risco: artistas e cientistas são aqueles que encontram vias para flagrar, dar
corpo, coisificar essas instâncias – instantes naquilo que chamamos suas
grandes descobertas: ícones da sensibilidade que aspira a ser inteligida (arte)
e ícones da intelecção que aspira a ser sensível (ciência). (SANTAELLA,
1980, p. 16)
A aprendizagem em rede foi, neste trabalho, descrita como um processo evolutivo que
emerge do crescimento e da evolução de três ecossistemas integrados e indissociáveis: o
ecossistema comunicacional (percepção); o ecossistema cognitivo (mente-espaço); o
ecossistema digital (mente-tempo) e a emergência da mente coletiva (plano da vida). Certos
padrões percebidos e vivenciados no experenciar do programa Visualizar’11 e na trajetória
espiralada que nos conduziu até o ambiente do Medialab Prado também fazem parte desta
descrição. Padrões que podem ser compreendidos como hábitos, na acepção peirceana desta
palavra, leis gerais que operam em direção à razoabilidade criativa, movimento tríplice da
ação sígnica, expressam-se nas categorias da primeiridade, secundidade e terceiridade.
Reproduzo aqui um outro trecho, entre muitos espalhados por esta tese, do pensamento
de Santaella (1980). Este não será o último, mas certamente é um reflexo da sensibilidade da
autora, sempre à espreita para captar o que está à frente de seu tempo e de sua lucidez, para
expressá-la de forma objetiva e, ao mesmo tempo, poética. O trecho é longo, mas vale à pena
ser lido:
O mais importante, porém, é que isso pode nos levar a crer que talvez não
tenhamos de esperar até o ano de 2828 como preconizou Poe no Eureka,
para que o dito pensamento científico humano possa se livrar da hegemonia
e amarras da indução e dedução.
Mas, podemos ousar um pouco mais e levar nosso pensamento mais avante.
O que vem a ser a sociedade sem classes, de contradições não antagônicas
193 sonhada por Marx, senão uma estruturação social hiper-complexa cujas
bases de organização repousam na coordenação, na parataxe, isto é, na
analógica e não na subordinação e hierarquias rígidas? Não estaria Peirce no
caminho certo ao dizer que a ética ou ciência da ação deveria repousar sobre
a estética ou quase-ciência da analógica? É por acaso que Marx diz que a
objetivação da existência humana, tanto no modo teórico como prático,
representa tornar os sentidos humanos, assim como criar sentidos humanos
correspondentes à vasta riqueza da vida humana e natural? É por acaso
também que ele diz que uma sociedade sem classes não há pintores; quando
muito, há pessoas que, entre outras coisas, pintam? É a partir disso que
arriscamos afirmar que o homem não tenha encontrado vias de concretizar o
sonho de uma sociedade frouxamente hierarquizada ou de contradições não
antagônicas justo porque seu pensamento se mantém ainda agrilhoado à
rigidez de hierarquias lógico-discursivas. É justamente o veneno da profunda
irracionalidade da exploração do homem pelo homem e na qual as clausuras
do saber se falam e o poder se instala, o que tem bloqueado os caminhos de
uma estruturação social hierarquizada icônica ou analogicamente.
Hierarquias analógicas não seriam aqui outra coisa senão a tradução da
produtividade em relações de partilha, a da autoridade em relações de
paridade, a da criatividade em relações de sabedoria (visto que a única
sabedoria possível é a da criação – só sabemos bem aquilo que descobrimos)
e a tradução da mutualidade em relações de reciprocidade. Não seria isso na
correspondência com aquilo que Marx entendia por homem genérico?
(SANTAELLA, 1980, p. 28-29, grifo nosso)
Apesar da falência das grandes narrativas, entre as quais o Marxismo se inclui, não
podemos deixar de lado o valor do pensamento de Marx. Essa analógica parece ter brotado na
multiplicidade contida na linguagem hipermídia, predominantemente icônica, cuja lógica
instaura um modo mais abdutivo de pensar e exige uma atenção fora de foco e uma atitude
colaborativa para reagrupar as associações por meio da produção de uma profusão de signos,
de um processo de semiose crescente, que vem ampliando as camadas da semiosfera, na
potencialização de mentes coletivas e de um processo de aprendizagem em rede.
Mas, que condições foram observadas e descritas ao seguirmos os rastros digitais?
Essas inscrições que, espalhadas nos bancos de dados em rede, carregam a materialidade dos
processos e as dinâmicas de aprendizagem que ali ocorreram?
A plataforma, que inclui espaço físico, interface digital e espaços intersticiais, tem sua
arquitetura baseada em três princípios: ser um ambiente aberto, participativo e experimental,
voltado para a produção colaborativa e para a investigação, a reflexão, a experimentação e as
práticas da cultura digital.
194 A cultura aberta de dados, do software livre e do creative commons são princípios que
norteiam a elaboração da plataforma, bem como o aprendizado e a experimentação no uso das
linguagens e das tecnologias digitais como uma forma consciente da importância de
participarmos ativamente de como os dados são moldados, organizados e disseminados. Os
recursos tecnológicos de comunicação, registro e produção são priorizados em seu aspecto de
mediação tecnológica, que, afetando os planos da sensibilidade, da ação e da lógica, criam
condições para que a aprendizagem em rede ocorra e para que a mente coletiva emerja como
uma propriedade do sistema.
São três ecologias: a digital, que mobiliza o plano político; a cognitiva, que mobiliza a
produção de conhecimento e a transformação do ambiente; e a comunicacional, que propicia o
aumento de nossa sensibilidade por meio da interatividade, da interconectividade e da
interdependência (nutrir e cuidar das relações) do sistema. A colaboração é uma ação
coordenada pela participação e pela partilha, as quais só podem ocorrer em sistemas mais
flexíveis, horizontais e que valorizem todas as relações. As quatro ‘liberdades’ implícitas na
cultura do software livre, da ética hacker e do creative commons são princípios que emergem
com a cultura digital e com a expressão da estética, da ética e da lógica, que direcionam a
percepção, a ação e a conduta para uma analógica. Para que a aprendizagem em rede ocorra e
permaneça, é fundamental que estejamos atentos aos desdobramentos que estes originam e
aos novos ambientes que fazem brotar.
Lara (2011), educadora e pesquisadora espanhola que estuda os processos de
aprendizagem da cultura digital, durante uma sessão de debate do MP voltada para a temática
de discussão do papel dos laboratórios como o Medialab Prado, expõe as seguintes ideias,
síntese da novidade que parece estar por trás desses novos ambientes:
Existe sim, no entanto, uma profunda brecha manifesta entre os
procedimentos, canais e objetivos da educação tradicional, aquela que nos
rodeia no mundo físico mais próximo e o universo que temos aprendido a
compreender na internet. Como construir pontes e como incorporar as lições
aprendidas nos dois ambientes é o desafio. Precisamos, portanto, de satélites
da cultura digital por bairros, espaços públicos onde as pessoas podem
aprender a lógica de rede, onde é possível colocar em prática essas novas
formas de pensar e de fazer juntos, onde a colaboração e o compartilhamento
são as regras básicas de qualquer edifício do conhecimento.
195 Estes espaços são os ramos naturais da rede, trazendo cultura digital para as
ruas, traduzir os bytes em átomos e espalhar os seus valores em prática todos
os dias. Esses espaços cidadãos bem projetados para educar-se a produzir,
pensamento e ação, idéias e protótipos. A aprendizagem não tem que ser o
alvo, mas é o resultado extraído de todo o processo. (LARA, 2011, p. 2).
Será esta uma das respostas possíveis para a indagação que Santaella (2010b, p. 6)
deixa em aberto ao falar sobre a aprendizagem ubíqua?
Ou seja, inaugura-se uma modalidade de aprendizagem que é tão
contingencial, inadvertida e não deliberada que prescinde da equação ensinoaprendizagem caracterizadora dos modelos educacionais e da forma de
educar. O que emerge, portanto, é um novo processo de aprendizagem sem
ensino. Isto posto, cumpre indagar sobre as possíveis consequências que
essas condições trazem para a educação.
Trata-se de ambientes flexíveis, mais oxigenados, que estimulem a diversidade e uma
atitude para a abertura e para a fluidez, que nos permita expandir nossos horizontes em
direção a um vir a ser cósmico. Quando há fechamento, imposição, limitação no universo das
escolhas, a cooperação é impossível:
A cooperação emerge quando você expande a percepção, abre o coração e
está disposto a criar um resultado Maior que beneficie a todos. A cooperação
é impossível quando você é rígido ou deseja controlar o resultado. Isso
também acontece quando cooperando como o Universo. Coopere com todas
as situações da vida, sendo aberto e fluido. Torne-se um Eu mais expandido.
Integre as experiências da vida e os novos horizontes com fluidez.
(Sincronário da Paz, 2012, p. 191)
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226 ANEXO 1
227 
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