UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS LICENCIATURA PLENA EM LETRAS HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA LÍVIA MARIA ALVARENGA DE LIMA DIALOGISMO E POLIFONIA EM ENUNCIADOS PUBLICITÁRIOS JOÃO PESSOA OUTUBRO DE 2012 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS LICENCIATURA PLENA EM LETRAS HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA LÍVIA MARIA ALVARENGA DE LIMA DIALOGISMO E POLIFONIA EM ENUNCIADOS PUBLICITÁRIOS Trabalho apresentado ao curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal da Paraíba como requisito para obtenção do grau de Licenciado em Letras, habilitação em Língua Portuguesa. Orientador: Prof º. Dr . Pedro Farias Francelino JOÃO PESSOA OUTUBRO DE 2012 Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal da Paraíba. Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA). Lima, Lívia Maria Alvarenga de. Dialogismo e polifonia em enunciados publicitários / Lívia Maria Alvarenga de Lima. - João Pessoa, 2012. 36 f. : il. Monografia (Graduação em Letras) – Universidade Federal da Paraíba - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Orientadora: Profº. Dr. Pedro Farias Francelino. 1. Análise do Discurso. 2. Discurso de outrem. 3. Gênero discursivo - Propaganda. I. Título. BSE-CCHLA CDU 82-5 LÍVIA MARIA ALVARENGA DE LIMA DIALOGISMO E POLIFONIA EM ENUNCIADOS PUBLICITÁRIOS Trabalho apresentado ao curso de licenciatura em Letras da Universidade Federal da Paraíba como requisito para obtenção do grau de licenciado em Letras, habilitação em Língua Portuguesa. Data de aprovação: _____/_____/_____ Banca Examinadora Profº Dr. Pedro Faria Francelino – (DLCV/CCHLA/UFPB) Orientador Prof.ª Dr.ª Maria da Fátima Benício de Melo (DLCV/CCHLA/UFPB) Examinador (a) Prof.ª Dr.ª Laurênia Souto Sales (DL/CCAE/UFPB – Campus IV) Examinador (a) Agradecimentos Rendo aqui meus agradecimentos aqueles que contribuíram, mesmo que minimamente, para realização do que um dia foi sonho. Primeiramente quero agradecer a Deus por sua presença real em minha vida e por ter permitido que eu passasse no vestibular, cursasse, e concluísse este curso. Aos meus pais pelo incentivo, pela compreensão e principalmente por terem me ensinado os valores reais da vida. Aos meus irmãos pela confiança e apoio, a minha cunhada pela sinceridade e alegria. A Demetro, o meu namorado, pelo amor, e antes de tudo pela paciência que teve com os meus stress no decorrer do curso, por ter segurado minha mão e ter dito várias vezes: Você consegue! Quando eu mesma deixei de acreditar na minha capacidade. Quero render meus agradecimentos também a Sandoval e família, pois sem eles eu não teria conseguido chegar até aqui. A minha tia Joana e toda sua família, assim como também a tia Vilany pelas palavras e pela ajuda financeira que ambas me deram. Aos amigos, Thiago Mamede, Joseane Abílio, Chico Chaves, Antônio Carlos e Fernanda, pelo incentivo; a Neguinho de Josa, Pedro Chaves e Nilton pelos conselhos sempre bem vindos; a galera da residência, Jaclécio, vulgo Kéke, Nikácio, Daynne Dayse, Dayane Caldas, Nara, João Paulo, Henrique, Danielle, Ramísio, José Roberto e Damião pela companhia e pelos deliciosos momentos no RU. A toda a minha turma, em especial a Paula, Val e Tamires pelas lágrimas e sorrisos compartilhados, pelo companheirismo e amizade que mantivemos o curso inteiro e que jamais serão apagados e pelas madrugadas adentro que passamos juntas. A Jobson, Manoel e Glauco os quais estenderam-me à mão em um dos momentos que mais precisei. A André, um grande amigo que conheci no projeto PIBID. E ao Projeto PIBID pelo grande incentivo a docência. Aos mestres dessa instituição, pelo ensinamento, principalmente as professoras Graça Carvalho e Fátima Melo, pois com elas pude ter um carinho maternal, elas me fizeram, por vários momentos, lembrar minha mãe que estava tão longe. Agradeço também aos professores Cirineu, Milton Marques, Ferrari, Josete, Expedito Ferraz e Mª Ester por terem feito do meu curso o melhor de todos. Ao meu orientador, professor Pedro Francelino, pelas palavras, pelo direcionamento e pelo respeito. A todos, OBRIGADA pela confiança! Resumo Dentre os diversos estudos realizados em Análise de Discurso, uma das temáticas de grande pertinência é a que se propõe à análise do discurso de outrem, ou seja, a presença implícita/explícita da palavra de outrem nos enunciados, entendidos como instâncias dinâmicas e dialógicas mediante as quais interagimos socialmente. Este trabalho tem por objetivo analisar o discurso de outrem presente no gênero discursivo propaganda, demonstrando como esse fenômeno enunciativo-discursivo se apresenta no fio do discurso. Utilizamos como aporte teórico principal as considerações de Bakhtin/ Volochinov (1999/2002), Brait (2005), Faraco (2003), Fiorin (2006) e Sobral (2009) acerca dos conceitos de dialogismo, polifonia, discurso de outrem e outros conceitos fundamentais para a análise, os quais foram indispensáveis para compreensão e identificação dos vários discursos que se entrelaçam no gênero analisado. A pesquisa é de base bibliográfica e documental e o corpus, composto de cinco propagandas, foi coletado em sites da internet e é permeado de discursos políticos, jurídicos e religiosos. As análises apontam que a presença do discurso de outrem no gênero discursivo propaganda contribui para a formação de variados e múltiplos sentidos, tornando esse gênero cada vez mais criativo e, consequentemente, mais complexo, bem como estabelece diferentes atitudes sociais frente aos discursos reportados. Palavras-chave: Discurso de outrem. Gênero discursivo. Propaganda. Sumário INTRODUÇÃO ............................................................................................................08 1 Concepções de linguagem, enunciação e enunciado................................................10 1.1 Dialogismo e polifonia ............................................................................................14 1.2 O discurso de outrem .............................................................................................17 1.3 O gênero propaganda ............................................................................................21 2 Resultados e Discussões..............................................................................................25 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................37 REFERÊNCIAS.............................................................................................................38 8 Introdução A temática do discurso de outrem tem gerado grandes investigações na área de Análise do Discurso (AD), isso porque a perspectiva dialógica de linguagem do Círculo de Bakhtin evidencia que um discurso é sempre atravessado pelo discurso do outro e, sendo assim, gera interesse na investigação do tema. Neste trabalho, objetivamos analisar o discurso alheio presente no gênero discursivo propaganda, tendo como enfoque a Teoria da Enunciação que concebe a linguagem como um fenômeno sócio-histórico-ideológico. A pesquisa é de base bibliográfica e documental. Para a sua realização, foram coletadas quinze (15) amostras, das quais cinco (05) foram escolhidas para análise. Essas propagandas foram retiradas de sites da internet, mas circularam também em outros meios de comunicação, tais como TV, jornais, revistas etc. A escolha das cinco (05) propagandas ocorreu, dentre outros motivos, pelo contexto de circulação das mesmas (visto que algumas não foram veiculadas em território nacional), pela popularidade/reconhecimento dos produtos e, principalmente, por abordarem discursos distintos. O período para a coleta dos dados aconteceu entre os meses de fevereiro e agosto de dois mil e doze (2012). A base teórica adotada é a que se pauta nos trabalhos advindos da Teoria da Enunciação de Bakhtin/ Volochinov (1999/2002), bem como de outros estudiosos que se ocuparam com a temática do dialogismo e polifonia, tais como Brait (2005), Faraco (2003), Fiorin (2006) e Sobral (2009). Fundamentamo-nos, ainda, em trabalhos sobre gêneros do discurso abordados sob a ótica Bakthin (2003) e Marchuschi (2002) e algumas considerações a respeito da linguagem da propaganda com Sandmann (2001) e Jakobson (2007). Para a efetivação da análise, tomamos como ponto de partida o seguinte conceito defendido por Bakhtin/ Volochinov (1999, p.112): [...] a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor. Dessa maneira, a palavra é sempre dirigida a um interlocutor real, tornado-se uma espécie de ponte entre o locutor e interlocutor. Sendo assim, o interlocutor tem livre acesso para estabelecer uma relação ativa frente a outros discursos. 9 Em um primeiro momento, discorremos acerca dos principais conceitos da Teoria da Enunciação, tais como linguagem, enunciado e enunciação, dialogismo, polifonia, discurso de outrem e gêneros do discurso. Logo em seguida, analisaremos o discurso de outrem no gênero discursivo propaganda. A escolha do gênero se deu pelo fato de a propaganda ser um gênero muito popular que se apresenta nas mais variadas formas e suportes, visto que esse gênero pode aparecer na mídia impressa – jornais, revistas, panfletos etc – ou eletrônica – cinema, televisão, internet etc. Além disso, a propaganda também é rica na utilização da linguagem não-verbal que, por sua vez, proporciona diferentes efeitos de sentidos através das cores, imagens, dentre outros, e sendo assim, tem grande poder de captar a atenção do leitor. É importante destacar que o nosso objetivo não está em estabelecer um juízo de valor em relação aos discursos de outrem, mas em observar como o gênero propaganda se constitui a partir dessa diversidade de discursos que o atravessam. 10 1. Concepções de linguagem, enunciação e enunciação Antes de falar sobre enunciação, se faz necessário discorrer sobre língua e linguagem, ainda que brevemente, sob a ótica Bakhtin e seu Círculo. Nesse trabalho, nos ocupamos de um conceito de linguagem como dialógica e que incorpora o conceito de enunciação enquanto interação. Esses conceitos emanam dos trabalhos de Bakhtin/Volochinov, principalmente em sua obra Marxismo e filosofia da linguagem. Para iniciarmos, é importante mostrar a concepção de língua que o objetivismo abstrato e o subjetivismo individualista, correntes do pensamento lingüístico-filosófico no início do século XX, propagavam, conforme vemos em Marxismo e Filosofia da Linguagem de Bakhtin/Volochinov (2002), dois membros do Círculo que mais discutiram o tema da linguagem como fato sócio-ideológico. Sob o ponto de vista do objetivismo abstrato, a língua é concebida como um sistema de normas rígidas e imutáveis. Sendo considerada dessa maneira, a língua é vista sob uma ótica mecanicista. O subjetivismo individualista leva em consideração somente a fala e ainda afirma ser esta um ato inteiramente individual, apoiando-se na enunciação monológica para suas reflexões sobre a língua. Já o objetivismo abstrato rejeita o ato de fala como individual, mas propaga uma visão de língua como sistema de formas imutáveis, tal como fazia Saussure. Contrariamente, Bakhtin/Volochinov (2002) conceituam a enunciação como um produto da interação social, quer seja na fala ou em contextos mais amplos de uma determinada comunidade linguística e ainda acrescentam: “A estrutura da enunciação e da atividade mental a exprimir são de natureza social.” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2002, p.22). Portanto, os fatores exteriores são o centro de organização de toda enunciação e não o psiquismo individualista, conforme defende o subjetivismo individualista. A concepção bakhtiniana de linguagem evidencia ser a interação verbal sua realidade fundamental e ressalta não ser apenas a interação face a face e sim toda comunicação verbal de qualquer tipo. Podemos entender a palavra “diálogo” não apenas como comunicação em voz alta, mas como toda comunicação verbal de qualquer tipo. Assim, Bakhtin/Volochinov (2002) mostram que a obra, por exemplo, constitui 11 igualmente um elemento de comunicação, pois ela é objeto de discussões ativas, feita para ser criticada, comentada, elogiada etc. A filosofia marxista da linguagem assegura que nem o objetivismo abstrato nem o subjetivismo individualista dão conta da verdadeira natureza da língua. Para Bakhtin/Volochinov (2002, p.124), “a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema lingüístico abstrato das formas da língua, nem no psiquismo individual dos falantes.” Portanto, não há como descartar o contexto extraverbal da enunciação, pois a linguagem, no pensamento bakhtiniano, é concebida de um ponto de vista histórico, cultural e social, que inclui a comunicação efetiva e os sujeitos e discursos nela envolvidos. Cumpre ainda acrescentar que a linguagem é de natureza ideológica e, para o falante nativo, a linguagem é vista no seu uso pragmático como um conjunto de contextos precisos e concretos, de uso de forma particular. Assim, a palavra não é apenas um item do dicionário, mas parte das diversas enunciações dos locutores. A filosofia marxista da linguagem ressalta que “a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2002, p.95). Uma só palavra pode tornar-se enunciado porque a sua compreensão irá depender do horizonte social em que os interlocutores se encontram. Sendo a língua inteiramente contextual, ela se realiza dentro da enunciação de natureza social. Em Marxismo e filosofia da linguagem, a enunciação é abordada numa dimensão discursiva que incorpora caráter interativo, social, histórico e cultural. Dada a importância da enunciação, faz-se necessária uma explanação, de diversos autores, a esse respeito. Comecemos, pois, pelos próprios autores do Círculo: A enunciação, compreendida como uma réplica do diálogo social, é a unidade de base da língua, trata-se de discurso interior (diálogo consigo mesmo) ou exterior. Ela é de natureza social ideológica. Ela não existe fora de um contexto social, já que cada locutor tem um “horizonte social”. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2002, p.16). (Destaque dos autores) Dessa forma, observamos que a língua registra aspectos sociais, assim como também é determinada pela ideologia, o que reforça seu caráter dialógico, uma vez que pontos de vista estão sempre em interação. O locutor, em seu horizonte social, constrói 12 seu discurso, sua enunciação, que por sua vez é o produto da interação com outros indivíduos. Sendo de natureza social e histórica, a enunciação relaciona-se a enunciações passadas e futuras, produzindo e fazendo circular discursos. Bakthin/Volochinov (2002) consideram a enunciação como fato social, e não como ato individual, conforme prega subjetivismo individualista. Sobral (2009, p.95) afirma que “a enunciação é grosso modo o ato de proferir um enunciado, de dizer alguma coisa que é sempre endereçada a alguém, com um dado objetivo”. Nesses termos, a enunciação, quando produzida por alguém, tem o propósito de ser compreendida. O seu sentido não está no indivíduo, nem na palavra ou frase, nem no interlocutor, mas no resultado que emerge da interação e é através dessa que ocorre a enunciação, a inter-relação das vozes e o sentido. A enunciação se constrói e promove novos sentidos em contextos diversos. O Círculo de Bakthin vê a palavra não como um item do dicionário, mas como parte constituinte das enunciações dos locutores em situações específicas. Como já dito anteriormente, a linguagem para Bakthin é por natureza dialógica e, a esse respeito, Brait (2005, p. 93) afirma: “a linguagem não é falada no vazio, mas numa situação histórica e social concreta no momento e no lugar da atualização do enunciado”. Ou seja, o significado da palavra não depende só do locutor e do interlocutor, mas está relacionado à história no ato de sua realização. Saussure considera que a linguagem é fundamental para que haja a comunicação, já Bakhtin a considera não somente fundamental, mas afirma que a linguagem é construída por meio da interação entre os interlocutores de uma comunidade socialmente organizada. O conceito de interação trilha o caminho para a análise dos discursos presentes nas propagandas (corpus de análise desta pesquisa) como construção de sentido e articulação das vozes que permeiam esse gênero, que apresenta uma natureza persuasiva. No que diz respeito ao enunciado, unidade real da comunicação, Sobral (2009) mostra que para Bakhtin e o Círculo, o enunciado não é apenas a frase ou sequência de frases e nem tampouco se reduz a materialidade do texto. O enunciado emerge da interação de sujeitos concretos, em situações concretas e é através dele que nós aprendemos a utilizar a língua e não por meio de dicionários e gramáticas. A frase e a 13 oração pertencem ao sistema linguístico, enquanto que o enunciado concerne à unidade do sistema de uso da língua, ou da comunicação discursiva. Diferentemente das unidades da língua, que são sons, palavras e orações, os enunciados levam consigo emoções, valores, ideologias etc. Bakhtin (2003) enfatiza que, diferentemente da frase e da oração, o enunciado requer alternância de sujeitos no discurso. O contexto da oração é o contexto da fala do mesmo sujeito do discurso (o falante). Todo enunciado tem um princípio e um fim absoluto. O falante, antes de produzi-lo, baseia-se em enunciados passados seus e de outros e ao término do seu enunciado, cede a palavra ao ouvinte ou espera uma compreensão ativamente responsiva do mesmo. O enunciado é uma réplica de um diálogo, pois os sujeitos, quando o produzem, estão participando de um diálogo com outros sujeitos e discursos. E por ser uma réplica, os enunciados permitem que haja uma resposta ativa por parte do interlocutor. Para Fiorin (2006, p.19): [...] o enunciador, para constituir um discurso, leva em conta o discurso de outrem, que está presente no seu. Por isso, todo discurso é inevitavelmente ocupado, atravessado, pelo discurso alheio. O dialogismo são as relações de sentido que se estabelecem entre dois enunciados. Como visto, o enunciado é perpassado por diversas vozes e discursos que se constituem a partir de outros discursos. Aqui, confirma-se o primeiro conceito de dialogismo, o qual diz que o enunciado é atravessado pelo discurso do outro, ocorrendo, assim, uma interação entre o discurso atual e outros discursos estabelecidos anteriormente; é, na verdade, uma espécie de réplica, e sendo assim, pode-se dizer que o sentido não tem fim. Os enunciados, ao mesmo tempo em que respondem ao já dito, provocam as mais diversas respostas. Assim, para ilustrar a teoria do Círculo de Bakhtin, Fiorin (2006) usa o exemplo da mulher ao volante. Quando alguém comete uma manobra inábil, todos inferem que é uma mulher que está dirigindo, isso porque a sociedade já tem em mente que somente as mulheres cometem “erro” no trânsito. Dessa forma, podemos notar que um discurso constitui-se a partir de outros discursos e não de forma isolada. A palavra está sempre rodeada por outras palavras. 14 Na concepção do Círculo, não há enunciado neutro, os enunciados são sempre ideológicos, pois se manifestam na esfera de uma das ideologias, universo que engloba arte, ciência, religião, política, ética, ou seja, todas as manifestações superestruturais da produção humana. Como pudemos perceber, a linguagem, no pensamento bakhtiniano, é concebida de um ponto de vista histórico, cultural e social que inclui, para efeito de compreensão e análise, a comunicação efetiva e os sujeitos e discursos nela envolvidos e é com base nesse pensamento que realizaremos a análise dos dados. 1.1 Dialogismo e polifonia A natureza dialógica da linguagem é um conceito que desempenhou papel fundamental nas obras de Bakhtin. Barros (In Brait, 2005) mostra que dialogismo e polifonia são termos, muitas vezes, utilizados como sinônimos nos escritos de Bakhtin. A mesma autora diferencia um termo do outro. Dialogismo é princípio constitutivo da linguagem e de todo discurso. A polifonia, por sua vez, se caracteriza pelas diversas vozes que constituem um determinado discurso. Em se tratando do conceito de polifonia, se faz necessário falarmos sobre heteroglossia dialogizada, já que esses termos, muitas vezes, são tomados como equivalentes. Faraco (2005) traz uma discussão acerca desses dois conceitos e frisa que, em “O discurso no romance”, na década de 1930, Bakhtin dá destaque à heteroglossia dialogizada ou plurilinguismo dialogizado. Para o filosofo russo, importa mais a dialogização das vozes sociais do que a própria heteroglossia, pois é com a dialogização que ocorre o encontro sociocultural dessas vozes. Bezerra (2005) afirma que Bakhtin concebeu duas modalidades no romance: o monológico e o polifônico. O monológico está associado ao monologismo, autoritarismo, acabamento; já o polifônico diz respeito ao dialogismo, que se configura como o “[...] procedimento que constrói a imagem do homem num processo de comunicação interativa, no qual eu me vejo e me reconheço através do outro, na imagem que o outro faz de mim”. (BEZERRA, 2005 p.194). 15 Heteroglossia ou plurilinguismo são termos utilizados por Bakhtin para designar a heterogeneidade da linguagem quando vista pela multiplicidade de línguas sociais (plurilinguismo real). Faraco (2005, p. 75) salienta que “polifonia, para Bakhtin, não é o universo de muitas vozes, mas universo em que todas as vozes são eqüipolentes” No plurilinguismo dialogizado, as vozes sociais se entrecruzam de maneira multiforme e formam novas vozes. Ainda segundo Faraco (2005, p. 76): Vivendo num mundo pesadamente monológico, Bakhtin foi, portanto, muito além da filosofia das relações dialógicas criada por ele e por seu Círculo e se pôs a sonhar também com a possibilidade de um mundo polifônico, de um mundo radicalmente democrático, pluralista, de vozes eqüipolentes, em que, dizendo de modo simples, nenhum ser humano é reificado, nenhuma consciência é convertida em objeto de outra, nenhuma voz social se impõe como a última e definitiva palavra. O conceito de polifonia é bastante relevante para a elaboração dessa pesquisa, uma vez que o nosso objetivo primordial é resgatar as diversas vozes presentes no gênero discursivo propaganda com o fito de mostrar como, mediante esse procedimento, ocorre a produção de sentidos. São vozes resgatadas do discurso religioso, político e jurídico, conforme poderá ser visto no próximo capítulo que contém a análise do corpus dessa pesquisa. Bezerra (2005) evidencia que a polifonia é a forma suprema do dialogismo. Essa modalidade do romance dá aos personagens novas representações. No dialogismo os personagens são livres para expressar suas respostas, de modo que assumem uma posição ativa, diferentemente da modalidade monológica, em que tudo se volta para o horizonte do autor, o qual concebe a última palavra como sendo a sua. Os personagens, na modalidade monológica, assumem uma posição passiva, impossibilitados de proverem respostas responsivas. O mesmo autor mostra que a polifonia também se caracteriza pela posição do autor como regente das vozes que participam do processo dialógico, o que não implica dizer que ele tenha as vozes e a consciência dos personagens como objeto do seu discurso, pelo contrário, os personagens se definem no diálogo como sujeitos de seus próprios discursos. Porém, o autor não se configura como ser passivo, o que ocorre entre autor e personagem é uma relação dialógica, uma relação de reciprocidade. Os próprios personagens se definem no diálogo com outros sujeitos e consciências. 16 Bezerra (2005) ainda acrescenta que uma diversidade de universos e grupos sociais na Rússia chegou à conclusão de que “a essência conflituosa da vida social em formação não cabia nos limites da consciência monológica segura e calmamente contemplativa e requeria outro método de representação” (p.193). Daí surgiu o romance polifônico. Para Bakhtin, a língua tem a propriedade de ser dialógica, mas essas relações dialógicas não se reduzem ao diálogo face a face, estendendo-se a qualquer situação de interação em contextos mais amplos. O diálogo face a face interessa ao Círculo no sentido de entrecruzamento das múltiplas verdades sociais, a confrontação das mais diferentes refrações sociais expressas em enunciados. Faraco (2003) chama a atenção para o fato de que o diálogo face a face é de caráter intrinsecamente social e por isso não pode ser reduzido ao mero encontro de dois falantes empíricos isolados, que trocam enunciados ao acaso. Pelo contrário, deve ser analisado na corrente da interação social que se constitui de seres socialmente organizados, situados e agindo no quadro de relações socioculturais no interior do qual manifestam-se relações dialógicas. O diálogo é a forma mais simples e clássica da comunicação discursiva. Bakhtin caracteriza as relações dialógicas como relações de sentido que se estabelecem entre enunciados ou mesmo no inteiror desses, mesmo que seja uma única palavra, mas que seja tomada como signo e se ouça nela a voz de outro alguém. Tanto é que Bakhtin/Volochinov (2002) afirmam que fora do contexto a palavra é uma verdadeira ficção. Mas se tomada como signo, constitui uma força social imensa. As relações dialógicas só acontecem quando entram na esfera do discurso, transformam-se em enunciados, entendidos não como unidades da língua, mas como unidades da interação social, que possuem um sujeito socialmente organizado. Fiorin (2006, p. 19) apresenta o dialogismo como “as relações de sentido que se estabelecem entre dois enunciados” e estes, por sua vez, não existem fora das relações dialógicas. Para uma melhor compreensão a respeito do dialogismo, é de extrema importância direcionar um olhar para o princípio da heterogeneidade, segundo o qual o meu discurso é estabelecido a partir do discurso do outro. Apontamos aqui o primeiro 17 conceito de dialogismo defendido por Fiorin (2006). Esse primeiro conceito diz respeito ao modo de funcionamento real da linguagem. Os enunciados constituem-se a partir de outros enunciados, estabelecendo uma interação com discursos passados e futuros. O segundo conceito de dialogismo defendido por Fiorin (2006) diz respeito ao diálogo entre os discursos. Para esse estudioso, o dialogismo é o princípio constitutivo da linguagem e a condição de sentido do discurso. Assim, o discurso não é de natureza individual, porque se constrói entre, pelo menos, dois interlocutores que são seres sociais e mantêm relações com outros discursos. Fiorin (2006) evidencia que o princípio geral do agir do sujeito é o terceiro conceito de dialogismo. O sujeito age em relação a outros sujeitos, o indivíduo constitui-se em relação a outros indivíduos. O sujeito vai constituindo-se discursivamente, apreendendo as vozes sociais que constituem a realidade que está imerso, e, ao mesmo tempo suas inter-relações dialógicas. Como a realidade é heterogênea, o sujeito não absorve apenas uma voz social, mas várias que estão em relações diversas entre si. (FIORIN, 2006. p. 55) Assim sendo, o sujeito é constitutivamente dialógico. Seu mundo interior é formado de diferentes vozes e o mundo exterior nunca está acabado, ou fechado, mas sempre em mudanças. Como estamos tratando do discurso da propaganda e por saber que esse gênero tem como característica forte o poder de persuasão, as vozes que permeiam o discurso estão sempre abertas à hibridização. Veremos que os discursos religiosos, políticos e jurídicos, presentes no corpus de análise, são utilizados, entre outras coisas, com o propósito de instigar o leitor a comprar o produto. 1.2 O discurso de outrem A temática do discurso de outrem, do discurso alheio tem grande ênfase nos escritos de Bakhtin. Em Marxismo e filosofia da linguagem, os autores apresentam uma discussão sobre esse tema numa perspectiva dialógica. Para eles, o discurso é sempre atravessado por outros discursos. Esse tema tem relação com conceito de polifonia visto no tópico antecedente. 18 Antes de tudo, é importante ressaltar que nossa pesquisa não está voltada apenas para análise e resgate dos discursos direto, indireto e indireto livre. Esses procedimentos linguístico-discursivos são apenas formas padronizadas para citar o discurso. Em se tratando do discurso de outrem, foco primordial deste trabalho, começaremos pela abordagem apresentada por Bakhtin/Volochinov (2002): “O discurso citado é o discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas é ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciação sobre a enunciação” (p.144). O discurso citado é visto pelo falante como a enunciação de outra pessoa. De fato, como bem mencionam Bakhtin e seu Círculo, um enunciado é sempre marcado por outros enunciados1. No contexto narrativo, o narrador, ao integrar outra enunciação na sua composição, elabora estruturas sintáticas, estilísticas e composicionais como forma de assimilação parcial de outra enunciação e associa a sua própria unidade sintática, estilística e composicional com a outra enunciação, mas conserva a autonomia primitiva do discurso alheio, pois sem ele nada poderia ser compreendido completamente. Outra forma de assimilação do discurso de outrem, no contexto narrativo, diz respeito à transmissão da enunciação da construção linguística para o plano do conteúdo. Aqui, a estrutura da enunciação citada permanece relativamente estável, de modo que o discurso de outrem permanece perceptível. Assim sendo, na transmissão do discurso de outrem, manifesta-se uma relação ativa de uma enunciação a outra por meio da construção estável da própria língua. Bakhtin/Volochinov (2002) apresentam duas orientações principais de transmissão do discurso citado. A primeira orientação é chamada de discurso linear, que diz respeito à assimilação integral do alheio, mantendo-se, inclusive, a sua estrutura sintática, de modo que no discurso citado a autenticidade e integridade do discurso são apreendidas de forma literal. A segunda orientação é chamada de discurso pictórico. 1 Exemplo: “ATÉ OS ANJOS CAIRÃO”. Enunciado retirado de uma propaganda do desodorante Axe Exite. Percebemos que esse enunciado se reporta à voz de outro discurso, no caso, o discurso religioso: “[...] O Dragão foi expulso para a terra e os Anjos do Dragão foram expulsos com ele.” (A BÍBLIA SAGRADA, 1991, Apocalipse 12.9). Ver propaganda no site: http://podscrer.blogspot.com.br/2011/02/nova-propaganda-da-axe-anjos- cairao.html#.UHd7XW_R6UQ. Acesso em: 10/09/2012. 19 Aqui, estão presentes estilos mais sutis e versáteis que permitem ao autor demonstrar suas réplicas. O discurso citante tenta desfazer a estrutura fechada e compacta do discurso citado. Temos ainda uma terceira orientação, em que o discurso citado é o que domina a organização do enunciado, porém, essa terceira orientação é mais comum em discursos literários e, por esse motivo, não será explorada aqui. Brait (2005) acentua que a transmissão do discurso de outrem configura-se, em Marxismo e filosofia da linguagem, um estudo do discurso não enquanto fala individual, mas enquanto instância significativa de vozes que circulam socialmente e se realizam na e pelas interações entres os sujeitos. É preciso atentarmos para o fato de que o discurso de outrem se trata de um mecanismo que não é apreendido através da consciência subjetiva do sujeito, mas por meio da interação social estabelecida pelos interlocutores na sociedade. Vale salientar que o contexto da interação social é responsável pela escolha de elementos linguísticos da enunciação de outrem que seja socialmente pertinente. Assim como mostra Bakhtin e seu Círculo, existem diferenças essenciais entre a recepção ativa da enunciação de outrem e sua transmissão no interior de um contexto. Toda transmissão tem um fim específico e sempre leva em conta uma terceira pessoa, a qual reforça a influência das forças sociais sobre o modo de apreensão do discurso. A esse respeito, Bakhtin/Volochinov (2002) afirmam: A língua não é o reflexo das hesitações subjetivo-psicológicos, mas das relações sociais estáveis dos falantes. Conforme a língua, conforme a época ou os grupos sociais, conforme o contexto apresente tal ou qual objetivo específico, vê-se dominar ora uma forma, ora outra, ora uma variante, ora outra (BAKTHIN/VOLOCHINOV, 2002, p.147). Nesse sentido, uma mesma enunciação, um mesmo discurso pode ganhar significados diferentes dependendo do contexto e da época em que o falante se encontra. O falante se constrói através da interação social e não de maneira isolada, já que para Bakhtin, a língua transcende as formas cristalizadas e antigas, configurando-se como um sistema evolutivo. Na transmissão do discurso de outrem, devem-se analisar as diferentes atitudes sociais frentes aos diversos discursos e ver como elas se expressam nos modos de reportar esses discursos, lembrando que, como afirma Faraco (2003), há hierarquias que precisam ser consideradas; é importante ver a posição que o discurso a 20 ser reportado ocupa nessa hierarquia, pois ela interfere no modo de transmissão do discurso. A linguística estrutural, ao colocar a linguagem, do ponto de vista do falante, como algo que não necessita do outro para a comunicação, considera o ouvinte como um ser que se posiciona passivamente diante do locutor. Para Bakhtin (2003), o ouvinte ocupa uma posição responsiva na comunicação. O próprio falante espera uma compreensão ativamente responsiva: espera uma resposta, uma participação, uma concordância ou discordância etc., por parte do ouvinte. Bakhtin (2003, p. 272) diz que todo falante já é um respondente, isso porque [...] ele não é o primeiro falante, o primeiro a ter violado o eterno silêncio do universo, e pressupõe não só a existência do sistema da língua que usa, mas também de alguns enunciados antecedentes – dos seus alheios – com os quais o seu enunciado entra nessas ou naquelas relações (baseia-se neles, polemiza com eles, simplesmente os pressupõe já conhecidos do ouvinte. Cada enunciado é um elo na corrente complexamente organizada de outros enunciados. Vimos aqui a constatação de que nosso discurso é construído a partir do discurso de outrem. O ouvinte, ao assumir uma posição passiva no discurso, conforme defende a linguística em geral, não corresponde ao participante real (o falante) da comunicação discursiva. Quanto a isso, Bakhtin/Volochinov (2002) dizem que “Aquele que apreende a enunciação de outrem não é um ser privado da palavra, mas ao contrário, um ser cheio de palavras interiores.” (p.147). Ou seja, toda a atividade mental do falante é mediada pelo discurso interior e é através disso que ocorre a junção com o discurso que é apreendido do exterior. É no discurso interior que se efetua a apreensão do discurso de outrem. Faraco (2003) diz que o discurso reportado é o fenômeno linguístico mais discutido nos textos de Bakhtin e Volochinov. Para Faraco (2003 p.124), [...] reportar não é fundamentalmente reproduzir, repetir; é principalmente estabelecer uma relação ativa entre o discurso que reporta e o discurso reportado; uma interação dinâmica entre essas duas dimensões. Nesses termos, o discurso reportado não se limita a meras citações, mas, pelo contrário, relaciona-se à apreensão do discurso de outrem conforme já foi mencionado 21 anteriormente. Entre o discurso citante e o discurso citado ou reportante e reportado, deve haver uma relação dialógica, uma vez que eles só se formam e vivem através dessa inter-relação e não de maneira isolada. 1.3 O gênero propaganda Antes de falarmos do gênero propaganda, é importante mostrarmos os conceitos que Bakhtin (2003) e Marcuschi (2002) apresentam sobre gêneros discursivos/textuais. Na Antiguidade, estudavam-se apenas os gêneros centrados no âmbito da literatura, mas, com o passar dos tempos, os gêneros do discurso foram ganhando mais ênfase, desde as breves réplicas do diálogo até gêneros mais complexos como os documentos oficiais. Bakhtin (2003) denominou os gêneros do discurso como “tipos relativamente estáveis de enunciados” (p.262). Essa denominação se dá pelo fato de os gêneros do discurso apresentarem três elementos em sua estrutura definida: conteúdo temático, estilo e estrutura composicional, os quais são determinados pelo campo da comunicação. É importante ressaltar que há uma grande heterogeneidade dos gêneros, pois à medida que a sociedade necessita, novos gêneros surgem, por isso eles são infinitos. A esse respeito, Bakhtin (2003) afirma: A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo (p.262). Cabe ainda salientar que cada gênero possui um propósito comunicativo diferente. Isso implica dizer que, para sermos bons leitores e escritores, devemos desenvolver habilidades para usarmos recursos verbais e não verbais requeridos pelo gênero discursivo em questão. Marchuschi (2002) é outra grande referência na área de estudos sobre gêneros. Ele usa a expressão gêneros textuais, denominando-os como: 22 [...] uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. (p.22-23). Os gêneros são, portanto, textos dinâmicos ligados à vida cultural e social. São textos que circulam na nossa sociedade e possuem funções e propósitos comunicativos distintos. A propaganda, por exemplo, tem como propósito vender um produto, uma ideia, uma ideologia. É um gênero que se configura como um dos mais lidos popularmente, isso porque ele se faz muito presente nos meios de comunicação, além de possuir uma linguagem acessível para os leitores/ouvintes do dia-a-dia e, possivelmente, futuros consumidores. Segundo Sandmann (2001), o principal desafio desse gênero é prender a atenção do leitor ou ouvinte, por isso as propagandas geralmente são criativas, utilizam cores fortes, doses de humor, além de muitas outras coisas, como estratégias para fazer com que o leitor/ouvinte fique “vidrado” no que está sendo propagado. Feito isso, outros desafios aparecem, como convencê-lo ou levá-lo a comprar o produto. A propaganda é um gênero que possui e combina linguagem verbal e não verbal e isso poderá ser visto nas propagandas elencadas no corpus dessa pesquisa. Ao falar da linguagem da propaganda, Sandmann (2001) relembra as funções da linguagem estudadas por Jakobson (2007), o qual apresenta seis funções da linguagem: emotiva conativa, referencial, poética, fática e metalinguística. Dentre essas seis funções, de acordo Sandmann (2001), duas delas ganham destaque na linguagem da propaganda, a função conativa e a função poética, também nomeadas pelo mesmo autor como funções apelativa e estética, respectivamente. Mas isso não significa dizer que as demais funções não se façam presentes nesse gênero; elas podem aparecer, mas não de forma predominante. Em se tratando da função apelativa, Sandmann (2001) enfatiza que o principal objetivo desta consiste em persuadir o leitor, seja na compra de um produto, uma ideia etc. Porém, ele afirma: Naturalmente, vender um produto ou uma ideia é função de toda linguagem da propaganda e não só quando a função apelativa se faz presente com suas marcas lingüísticas típicas: períodos interrogativos, 23 verbo no modo imperativo, pronomes pessoais e possessivos de 2º pessoa, verbo na 2ª pessoa, vocativos, pronomes de tratamento de dêiticos (SANDMANN, 2001, p.27). Dessa forma, mesmo que essas marcas citadas acima não se façam presentes na linguagem da propaganda, a função apelativa torna-se, de algum modo, presente, já que persuadir o destinatário acaba sendo o objetivo de toda linguagem da propaganda. A principal marca linguística da função apelativa são os verbos no modo imperativo. É comum vermos propagandas com formas verbais imperativas, como “compre”, “venda”, “use” etc. São verbos que, de certo modo, expressam não só um pedido, mas também uma ordem. A imagem abaixo é um exemplo de propaganda que faz uso de um verbo no modo imperativo. Vejamos: Fonte: http://ilusaoatrevida.blogspot.com.br/2012/03/as-funcoes-da-linguagem.html. Acesso em: 10/07/2012. Como dito anteriormente, a função estética também ganha destaque na linguagem da propaganda, pois seu principal propósito é chamar a atenção do destinatário para texto, para o código do anúncio. E para isso, essa função utiliza recursos como ritmo, rima, aliteração, paranomásia e muitos outros. São recursos que ajudam o destinatário a memorizar o enunciado. Exemplo: 24 Fonte: http://redacaonocafe.wordpress.com/2012/02/09/funcao-poetica-a-beleza-dotexto/. Acesso em: 10/07/2012 O recurso utilizado nessa propaganda foi a rima, que, segundo Sandmann (2001, p. 57), consiste na “repetição de um som, ou melhor, de uma sílaba ou sílabas, é fenômeno que pode estar no final de versos mas também no meio de versos, frase ou período”. No capítulo que segue, veremos como esses e outros recursos se fazem presentes na propaganda com vista à produção de sentidos. 25 2. Resultados e Discussões O corpus desta pesquisa constitui-se de propagandas coletadas na internet, mas que também circularam em outros meios de comunicação. São propagandas que veiculam discursos religiosos, políticos e jurídicos. Vale salientar que o intuito deste trabalho não está em estabelecer um juízo de valor em relação aos anúncios publicitários analisados abaixo, mas em resgatar outros discursos que se entrelaçam e que dialogam com os dizeres do discurso da propaganda, o que faz com que a enunciação se torne uma teia discursiva. O que buscamos saber é como o enunciado se constrói e forma novos sentidos, e como o gênero em questão se forma com a presença dos múltiplos e variados discursos. O corpus é constituído por cinco (05) propagandas, que abordam as temáticas do discurso jurídico, político e religioso, conforme veremos abaixo. Figura 1: Propaganda do creme dental Close up. Fonte: http://agenciakaleidoscopio.blogspot.com.br/2010/04/intertextualidade.html. Acesso em: 18/04/2012. A figura acima é uma propaganda do creme dental da marca close up. Esse creme dental surgiu nos Estados Unidos na década de 60 e chegou ao Brasil por volta do ano de 1971. 26 A UNILEVER, uma das maiores empresas de bens de consumo do mundo, é a empresa que fabrica essa marca de creme dental. Ela se volta para o segmento de higiene pessoal, limpeza, alimentos e sorvetes. Além da close up, a UNILEVER também fabrica as marcas consagradas como: Omo, Comfort, Seda, Lux, Kibon, Hellmann’s, Arisco, Knorr, Becel, Maizena, AdeS, Dove, Axe, e Rexona, entre outras. A close up é conhecida como a marca que fala com o mundo jovem e para isso, usa campanhas ousadas, criativas e produtos diferenciados. A linha close up é bastante ampla e possui produtos adequados para o hálito, branqueamento, tratamento de cáries etc. Para cada momento, existe um close up perfeito. No caso da propaganda acima, temos o close up White Now, o qual, segundo informações, deixa os dentes mais brancos com uma única escovação. Esse modelo proporcionaria um efeito branqueador imediato, além de oferecer toda a proteção de um creme com flúor para uso diário. A missão dessa marca de creme dental é promover aos consumidores uma relação saudável, com hálito refrescante que dá segurança para as pessoas chegarem mais perto umas das outras. Essas propagandas geralmente circulam em TV’s aberta e a cabo, rádio, internet, outdoor e em demais suportes adequados para esse tipo de gênero. Não diferente de outras propagandas, a marca close up usa o recurso da persuasão para induzir o leitor a comprar o produto. Na figura acima, podemos ver que há uma intertextualidade com umas das Leis de Talião, a qual diz: “olho por olho, dente por dente”. Essa Lei foi criada pelo Código de Hamurabi e era uma das mais utilizadas pelos povos da antiguidade. Segundo Arruda e Piletti (2002), O Código de Hamurabi foi formulado por Hamurabi, um dos reis da Babilônia, e consistia, de modo geral, em estabelecer valores morais. De acordo com Castro (2007), a Lei de Talião ou Princípio da Pena, como também conhecida, é exemplificada na Bíblia Sagrada pela frase “olho por olho, dente por dente” que consiste na pena equivalente ao dano causado. Ou seja, o causador do crime era punido da forma como o executou. Isso resulta na compreensão de que a propaganda não só faz analogia à Lei de Talião, mas também reporta o seguinte discurso Bíblico: “Contudo, se houver dano grave, então pagará vida por vida, olho por olho, dente por dente, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golte” (Êxodo, 21. 23-25). 27 No enunciado da propaganda temos: “olho por olho, close up por close up”, o qual tem como intuito revelar a credibilidade do creme dental na garantia do branqueamento dos dentes. Assim, como a expressão “olho por olho, dente por dente”, que se reporta às Leis de Talião, bem como ao enunciado bíblico, está associada à garantia da justiça, a expressão “olho por olho, close up por close up” está associada à garantia de bons resultados, ou seja, à obtenção dentes brancos e brilhantes. Além de reportar ao discurso bíblico, o anúncio em destaque também utiliza o discurso jurídico para enfatizar a credibilidade do produto que está sendo anunciado. Essa voz jurídica é percebida por meio da balança da justiça e comprovada pelo enunciado que se encontra ao lado da mesma, o qual diz: “faça justiça ao seu sorriso com close up White Now seus dentes mais brancos e brilhantes”. Dessa forma, observamos que a concepção de justiça gera o sentimento de confiança e o sujeito produtor dessa propaganda se utilizou dessa noção para fazer com que as pessoas confiem na ação do creme dental e deem credibilidade ao produto, o que, consequentemente, despertará o interesse para adquiri-lo. Assim, constatamos que há uma sobreposição da voz jurídica e religiosa, que nos direcionam para os efeitos de sentido de compromisso justo e bom do produto. Vale salientar que essas vozes são percebidas por meio do princípio da polifonia, que consiste no entrecruzamento das várias vozes no discurso. Ainda referente a essa propaganda, reportamo-nos à concepção bakhtiniana a qual enfatiza que na construção do enunciado há um diálogo existente entre o indivíduo e a sociedade, portanto, temos uma enunciação de caráter sócio-ideológico. A propaganda em destaque nos permite inferir que as vozes jurídica e religiosa dão um aspecto novo à propaganda deste produto. Vejamos agora, outro tipo de discurso na imagem que segue. 28 Figura 2: Propaganda da Bombril Fonte: http://comunicaunivates.blogspot.com.br/2010_09_01_archive.html. Acesso em: 20/04/2012 A propaganda acima ilustra uma propaganda da marca Bombril, marca fundada no ano de 1948, na cidade de São Paulo. É uma empresa de higiene e limpeza doméstica. É comum vermos nas propagandas da Bombril, em TV’s, internet etc., que essa marca possui “Mil e uma utilidades”, isso porque, de acordo com as propangadas, ela possui uma lã de aço que pode ser utilizada para várias finalidades. Sua missão é ser a melhor linha de higiene e limpeza doméstica brasileira que dá qualidade de vida e facilidade ao seus consumidores. A propaganda acima foi produzida no ano de 2010 pela WMcCnn, uma moderna agência tradicional da publicidade que constrói marcas multinacionais e se preocupa em gerar campanhas que entrem para a cultura popular do país, bem como promover propagandas criativas, embasadas e espontâneas. Na imagem acima, temos o ator Carlos Moreno (garoto propaganda da marca) caraterizado dos candidados Dilma Rousseff (PT), Plínio de Arruda Sampaio (PSOL), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV), que disputaram as eleições à Presidência da República no primeiro turno de 2010. 29 Começaremos a analisar a propaganda em destaque por seu aspecto não verbal. Observemos que as cores das roupas que alguns “candidatos” estão usando, remetem à cor do partido a que eles pertecem. Na imagem, Dilma aparece com uma roupa vermelha, cor do PT, e bastante sorridente; já o tucano José Serra olha para Dilma com expressão de desdém, isso porque as pesquisas eleitorais apontavam a candidata pestista como sua principal concorrente. Plínio de Arruda, por sua vez, está atrás de todos os candidatos e isso reflete os resultados das pesquisas eleitorais, em que ele sempre obtinha o menor índice de porcentagem. Marina Silva expressa um semblante bastante calmo e usa uma roupa esverdeada, remetendo-se ao Partido Verde. Podemos inferir, então, que o não verbal, nessa propaganda, retrata a postura que cada um desses sujeitos exerceram nas eleições de 2010, além de causar um efeito de humor na propaganda. Percebemos, ainda, a sobreposição do discurso político instaurado nos enunciados: “Pesquisas apontam: “1001% dos brasileiros preferem Bom Bril” e “Sujeira, não. Bom Bril é a solução. Para um Brasil limpinho, vote Bom Bril”, contidos na figura acima. No primeiro enunciado, nota-se que a marca Bom Bril utiliza um percentual elevado, acima do normal (1001%), para enfatizar que a sociedade prefere o Bom Bril em detrimento dos candidatos que disputaram as eleições à Presidência da República. O Bom Bril aparece como um quinto candidato e o único capaz de limpar, purificar a sujeira do Brasil. Essa ideia é comprovada no outro enunciado, o qual diz: “Sujeira, não. Bom Bril é a solução. Para um Brasil limpinho, vote Bom Bril”. Notemos que há duas palavras nesse enuciado que são de natureza dicotômicas: “sujeira” e “limpinho”. Podemos inferir que a “sujeira” refere-se à situação do Brasil que será solucionada, apenas, com o uso do Bom Bril. Desse modo, concluímos que a propaganda induz o leitor a “votar”, “comprar” a lã de aço Bom Bril. É notório que a propaganda não agride nem se mostra favorável ou contrária aos candidatos, mas afirma que o Bom Bril – quinto candidato – é a melhor opção de voto. O discurso político foi trazido para esta propaganda não com o intuito de fazer uma propaganda política propriamente dita, mas de tornar o discurso reportado um recurso discursivo com fins persuasivos. É exatamente essa recepção do discurso de outrem que constitui a peça fundamental para o processo dialógico da propaganda. Dessa forma, remetemos às palavras de Bakhtin/Volochinov(2002), quando afirmam que o discurso citante e o discurso citado se formam em uma relação dialógica. Podemos acrescentar ainda que, na elaboração desse anúncio, o sujeito produtor levou em 30 consideração o contexto de transmissão do discurso levado, pois a propaganda foi direcionada para um público heterogêneo. Observemos a propagada seguinte que reporta também um discurso político. Figura 3: Propaganda do Bom Bril Fonte: http://colunas.revistaepocanegocios.globo.com/coffeebreak/2010/10/18/bombril-tambem-no- segundo-turno/. Acesso em: 20/04/2012 A WMcCnn, também criou uma propaganda da Bom Bril nas eleições de segundo turno de 2010. Na propaganda antecedente a essa, vimos que a imagem trazia os quatro cadidados às eleições para presidente no primeiro turno. Nesta imagem, Carlos Moreno aparece caracterizado apenas como Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), candidatos que passaram do primeiro para o segundo turno e continuaram na disputa para a presidência do Brasil. Além da leitura visual, podemos identificar o discurso político presente no enunciado: “Nem situação. Nem oposição. Para um Brasil limpinho Bom Bril é a solução”. Assim como na propaganda no primeiro turno, essa propaganda também retrata, de forma implícita, a sujeira do Brasil. Cumpre falar, mesmo não sendo este o objetivo do nosso trabalho, da função da linguagem estética ou poética, aquela que tem o propósito de direcionar o crivo do destinatário para o código da propaganda. No 31 referido enunciado, há o uso do recurso da rima em: “Nem situação. Nem oposição. Para um Brasil limpinho Bom Bril é a solução”. Ora, esta rima não foi imposta de modo aleatório, mas com a finalidade de fazer com que o enunciado ficasse gravado na mente do leitor. Mas é importante destacar que a função predominante nessa propaganda é conativa, também conhecida como apelativa, aquela que direciona o sujeito para a compra do produto. No caso dessa imagem, a função estética é vista como um recurso, uma estratégia para o objetivo maior do enunciado, que é a persuasão. Embaixo da imagem dos sujeitos candidatos, há um enunciado que diz: “Bom Bril preferido por 1001% dos brasileiros”. Partimos da premissa de que, para o entendemento desse enunciado o leitor precisa entender que esta lã de aço é conhecida por ter mil e uma (1001) ultilidades e por ser reconhecida de tal maneira; dentre essas 1001 utilidades, podemos deduzir que há pelo menos uma delas que serve para limpar a corrupção do Brasil. Como visto no primeiro capítulo, a concepção filosófica de linguagem bakhtiniana afirma que a enunciação é, por natureza, diálogica e é exatamente isso que podemos identificar nas propagandas aqui analisadas, em que a enunciação é construída considerando-se os aspectos social, histórico e cultural. Sendo assim, faz-se circular discursos. São discursos que se entrelaçam, dialogam e formam novos sentidos no campo da publicidade. Isso caracteriza o processo dialógico na propaganda. Vejamos agora as duas últimas propagandas; ambas abordam a mesma temática. 32 Figura 4 – Propaganda das sandálias Havaianas Fonte: http://blogdaleilahh.blogspot.com.br/2009_11_01_archive.html Acesso em: 01/05/2012 No ano de 1962, em São Paulo, surgiu a primeira sandália “Havaianas”, fabricada pela empresa Alpargatas. Esta tomou como inspiração, para a criação das Havaianas, uma sandália japonesa chamada Zori. Isso nos leva a entender o porquê de muitas pessoas ainda nomearem as Havaianas como sandálias Japonesas. A Alpargatas também fabrica ou fabricou as sandálias “dupé”, que apresentam modelos semelhantes aos das Havaianas, porém não alcançaram tanto sucesso quanto esta última. As propagandas das sandálias Havaianas normalmente aparecem em suportes como TV, internet, outdoor etc. Atualmente, muitas dessas propagandas são realizadas com atores famosos, o que as tornam cada vez mais conhecidas. Como podemos perceber na propaganda acima, o que mais chama atenção é o enunciado que nela aparece, e não o modelo da sandália, que por sinal, não sabemos qual seja. No enunciado temos: “Heresia ou não, temos cá para nós que no sétimo dia Ele descansou por aqui”. O “Ele” a que o enunciado se refere diz respeito a uma divindade maior, ou seja, Deus. Segundo a Bíblia Sagrada (1991, Gênesis 2.3), “Deus então abençoou e santificou o sétimo dia, porque foi nesse dia que Deus descansou de todo o seu trabalho como criador.” Nota-se, então, que a passagem bíblica, ao ser deslocada 33 para esta propaganda, veste-se de um novo sentido que será atribuído por meio dos leitores, os quais podem estabelecer diversas possibilidades de sentido. A respeito do texto bíblico, Faraco (2005) ressalta que nossa cultura mantém relações diferentes com o texto sagrado do Cristianismo, pois, ao passo que no período medieval este texto foi concebido como palavra de autoridade, em outros contextos, este mesmo texto é reconhecido como um texto literário, como tantos outros, e sendo assim, passa a ser visto não mais como uma palavra de autoridade, embora também mantenha uma hierarquia de valores. Dessa forma, o ato de reportar permite que o texto passe do estilo linear, o qual preserva a sua integridade, para o estilo pictório, que permite o enunciador demonstrar suas réplicas. De certa forma, o sujeito produtor da propaganda expressa seu ponto de vista de maneira sutil. No enunciado dessa propaganda, podemos perceber explicitamente o discurso de outrem. Vale salientar que esta propaganda causou bastante polêmica, pois o público cristão a entendeu como uma verdadeira heresia. As sandálias Havaianas eram ou ainda são concebidas como o calçado próprio para descanso e o enunciado quis mostrar que até Deus usou e descansou com as Havaianas. A persuasão, neste caso, está respaldada em uma força maior, ou seja, em Deus, pois se até ele usou e descansou com as havaianas, então isso significa que o calçado realmente é próprio e bom para o descanso. Antigamente, esse modelo de sandália era usado apenas em casa, e mais, apenas para tomar banho, mas com o passar do tempo, começaram a ser usadas em diversas ocasiões e até como sinônimo de moda. Além do discurso religioso, a referida propaganda também dá margem a outras significações. Podemos perceber cores marcantes que indicam a nacionalidade brasileira, que também é ratificada pela figura de uma bola de futebol, a qual faz analogia ao Brasil como o país do futebol, assim como também aparece a expressão “cá prá nós”, típica dos falares brasileiro. 34 Figura 5- Propaganda do energético Red Bull Fonte:http://portalimprensa.uol.com.br/cdm/caderno+de+midia/48301/conar+decide+suspender+com ercial+da+red+bull+que+tem+jesus+como+personagem. Acesso em: 02/08/2012. A bebida Red Bull foi fundada por Dietrich Mateschitz no ano de 1984, e em 1987 essa bebida começou a ser vendida no mercado austríaco. A empresa Red Bull chegou ao Brasil no ano de 1999 deixando-o conhecido como o país chave para esse energético, pois, segundo o site oficial desta bebida, foram desenvolvidas, aqui, novas estratégias de marketing que consistem em não levar o produto para o consumidor, mas em trazer o consumidor para o produto. Ainda de acordo com o site oficial, essa bebida tem o jeito semelhante ao estilo brasileiro, no sentido de ser dinâmica, festiva, dentre outras coisas. Na imagem acima, o não verbal desempenha uma função importante na compreensão do anúncio. Há três sujeitos na propaganda, um deles se assemelha a imagem de Jesus Cristo, pois, segundo uma matéria postada na revista Istoé (2012) a concepção da aparência física de Jesus que se consagrou é de um homem europeu: alto, branco, de olhos azuis, cabelos longos, ondulados e barba. Mas esse assunto é amplo e demanda espaços maiores para discussão. Os outros personagens nos levam a crer que são dois apóstolos de Cristo. Tendo isso em vista, e levando em consideração o cenário da propaganda, que contém um barco sobre as águas, remetemos a uma passagem bíblica. Antes de citar a passagem bíblica, é interessante recordarmos o comercial, intitulado “Campanha Red Bull-Nazaré” que foi divulgado, principalmente, na 35 televisão. No comercial, Jesus está acompanhado de dois discípulos e um deles é o apóstolo Pedro. Em dado momento, Jesus diz que vai para casa e sai andando sobre as águas, o que causa impacto nos discípulos. Pedro, então, pergunta como é que ele consegue andar sobre as águas e, logo em seguida, o outro discípulo diz que isso ocorreu porque Jesus tomou Red Bull. Jesus, porém, responde que o fez porque estava pisando em pedras, conforme pode ser visto na imagem abaixo. Fonte: http://www.odiario.com/blogs/inforgospel/2012/02/15/milagre-feito-por-jesus-esatirizado-em-comercial-assista-e-comente/. Acesso em: 02/08/2012. Esse comercial reporta a passagem bíblica: Entre as três e as seis da madrugada, Jesus foi até os discípulos, andando sobre o mar. Quando os discípulos o avistaram, andando sobre o mar, ficaram apavorados, e disseram: “É um fantasma!” E Jesus, porém, logo lhes disse: “Coragem! Sou eu. Não tenham medo.” (A BÍBLIA SAGRADA, 1991, Mateus 14.25-27) O comercial utiliza o discurso religioso para mostrar que Cristo só consegue a façanha porque tomou o energético, mesmo que ele tenha proferido que o “milagre” só foi possível porque estava pisando em pedras. A voz mais evidenciada nesse comercial é, sem dúvidas, a voz do discurso religioso evidenciada na fala de Jesus. O enunciado a que a situação da propaganda se refere é deslocado da passagem bíblica para enfatizar, de modo geral, o poder que o energético possui. É esse deslocamento do enunciado bíblico que estabelece a relação dialógica da propaganda. É cabível mencionar que o comercial foi retirado do ar, pois os cristãos protestaram e o CONAR (Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária) decidiu 36 acatar o pedido, uma vez que fere a respeitabilidade religiosa. Nesse caso, recordamos as palavras de Bakhtin/Volochinov (2002, p.152): “Pode ser que o discurso de outrem seja recebido como um único bloco de comportamento social, como uma tomada de posição inanalisável do falante.”. Ou seja, os leitores podem ter entendido como uma má conduta que afronta não só a igreja seja ela qual for, mas também e, sobretudo, a palavra de Deus, como assim é considerada a Bíblia pelos cristãos. 37 Considerações Finais O discurso reportado é um tema bastante amplo. Muitas são as propagandas que contêm discursos alheios, mas as que aqui analisamos foram suficientes para percebermos como o enunciado se constrói e forma novos sentidos a partir da retomada do discurso de outrem. O discurso da propaganda é persuasivo por natureza, uma vez que o propósito comunicativo desse gênero reside justamente no ato de convencer o consumidor a adquirir o produto. Com a transposição do discurso reportado, a propaganda enfatiza cada vez mais esse traço persuasivo. Quando Bakhtin/Volochinov (1999, p.114) afirmam: “A situação e os participantes mais imediatos determinam a forma e o estilo ocasionais da enunciação”, entendemos que é o leitor quem dá forma à enunciação, levando sempre em consideração o contexto social em questão. O importante é que o sujeito leitor, além de perceber as diversas vozes no discurso, tenha compreensão de que a inclusão dos vários discursos se dá não apenas como forma de reconhecimento desses textos, mas como uma interação dinâmica entre o discurso citante e o discurso citado, nos termos de Bakhtin/Volochinov (2002). Identificamos, portanto, que esse universo discursivo desperta opiniões valorativas e posturas crítica nos leitores, tanto é que, como visto no corpus analisado, uma das propaganda foi censurada. Porém, o que nós procuramos averiguar foi o aspecto dialógico dos enunciados e constatamos que a enunciação não ocorre de maneira monológica e sim de forma dialógica, constituindo, assim, um território comum do locutor e interlocutor. Além disso, observamos também que o gênero discursivo propaganda, com a presença do discurso reportado, torna-se mais criativo e dinâmico, uma vez que causam impacto nas pessoas. 38 Referências A BÍBLIA SAGRADA. Apocalipse. Brasília: Edição Pastoral, 1991. A BÍBLIA SAGRADA. Êxodo. Brasília: Edição Pastoral, 1991. A BÍBLIA SAGRADA. Gêneses. Brasília: Edição Pastoral, 1991. A BÍBLIA SAGRADA. Matheus. Brasília: Edição Pastoral, 1991. ARRUDA, José Jobson de A. e PILETTI, Nelson. Povos da Mesopotâmia: sumérios, acádios e assírios. In: Toda a História. 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