UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS
LICENCIATURA PLENA EM LETRAS
HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA
LÍVIA MARIA ALVARENGA DE LIMA
DIALOGISMO E POLIFONIA EM ENUNCIADOS
PUBLICITÁRIOS
JOÃO PESSOA
OUTUBRO DE 2012
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS
LICENCIATURA PLENA EM LETRAS
HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA
LÍVIA MARIA ALVARENGA DE LIMA
DIALOGISMO E POLIFONIA EM ENUNCIADOS PUBLICITÁRIOS
Trabalho apresentado ao curso de Licenciatura
em Letras da Universidade Federal da Paraíba
como requisito para obtenção do grau de
Licenciado em Letras, habilitação em Língua
Portuguesa.
Orientador: Prof º. Dr . Pedro Farias Francelino
JOÃO PESSOA
OUTUBRO DE 2012
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade Federal da Paraíba.
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
Lima, Lívia Maria Alvarenga de.
Dialogismo e polifonia em enunciados publicitários / Lívia Maria
Alvarenga de Lima. - João Pessoa, 2012.
36 f. : il.
Monografia (Graduação em Letras) – Universidade Federal da
Paraíba - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.
Orientadora: Profº. Dr. Pedro Farias Francelino.
1. Análise do Discurso. 2. Discurso de outrem. 3. Gênero
discursivo - Propaganda. I. Título.
BSE-CCHLA
CDU 82-5
LÍVIA MARIA ALVARENGA DE LIMA
DIALOGISMO E POLIFONIA EM ENUNCIADOS PUBLICITÁRIOS
Trabalho apresentado ao curso de licenciatura em Letras da Universidade Federal da
Paraíba como requisito para obtenção do grau de licenciado em Letras, habilitação em
Língua Portuguesa.
Data de aprovação: _____/_____/_____
Banca Examinadora
Profº Dr. Pedro Faria Francelino – (DLCV/CCHLA/UFPB)
Orientador
Prof.ª Dr.ª Maria da Fátima Benício de Melo (DLCV/CCHLA/UFPB)
Examinador (a)
Prof.ª Dr.ª Laurênia Souto Sales (DL/CCAE/UFPB – Campus IV)
Examinador (a)
Agradecimentos
Rendo aqui meus agradecimentos aqueles que contribuíram, mesmo que
minimamente, para realização do que um dia foi sonho.
Primeiramente quero agradecer a Deus por sua presença real em minha vida e
por ter permitido que eu passasse no vestibular, cursasse, e concluísse este curso. Aos
meus pais pelo incentivo, pela compreensão e principalmente por terem me ensinado os
valores reais da vida. Aos meus irmãos pela confiança e apoio, a minha cunhada pela
sinceridade e alegria. A Demetro, o meu namorado, pelo amor, e antes de tudo pela
paciência que teve com os meus stress no decorrer do curso, por ter segurado minha
mão e ter dito várias vezes: Você consegue! Quando eu mesma deixei de acreditar na
minha capacidade.
Quero render meus agradecimentos também a Sandoval e família, pois sem eles
eu não teria conseguido chegar até aqui. A minha tia Joana e toda sua família, assim
como também a tia Vilany pelas palavras e pela ajuda financeira que ambas me deram.
Aos amigos, Thiago Mamede, Joseane Abílio, Chico Chaves, Antônio Carlos e
Fernanda, pelo incentivo; a Neguinho de Josa, Pedro Chaves e Nilton pelos conselhos
sempre bem vindos; a galera da residência, Jaclécio, vulgo Kéke, Nikácio, Daynne
Dayse, Dayane Caldas, Nara, João Paulo, Henrique, Danielle, Ramísio, José Roberto e
Damião pela companhia e pelos deliciosos momentos no RU. A toda a minha turma, em
especial a Paula, Val e Tamires pelas lágrimas e sorrisos compartilhados, pelo
companheirismo e amizade que mantivemos o curso inteiro e que jamais serão apagados
e pelas madrugadas adentro que passamos juntas. A Jobson, Manoel e Glauco os quais
estenderam-me à mão em um dos momentos que mais precisei. A André, um grande
amigo que conheci no projeto PIBID. E ao Projeto PIBID pelo grande incentivo a
docência.
Aos mestres dessa instituição, pelo ensinamento, principalmente as professoras
Graça Carvalho e Fátima Melo, pois com elas pude ter um carinho maternal, elas me
fizeram, por vários momentos, lembrar minha mãe que estava tão longe. Agradeço
também aos professores Cirineu, Milton Marques, Ferrari, Josete, Expedito Ferraz e Mª
Ester por terem feito do meu curso o melhor de todos. Ao meu orientador, professor
Pedro Francelino, pelas palavras, pelo direcionamento e pelo respeito.
A todos, OBRIGADA pela confiança!
Resumo
Dentre os diversos estudos realizados em Análise de Discurso, uma das temáticas de
grande pertinência é a que se propõe à análise do discurso de outrem, ou seja, a presença
implícita/explícita da palavra de outrem nos enunciados, entendidos como instâncias
dinâmicas e dialógicas mediante as quais interagimos socialmente. Este trabalho tem
por objetivo analisar o discurso de outrem presente no gênero discursivo propaganda,
demonstrando como esse fenômeno enunciativo-discursivo se apresenta no fio do
discurso. Utilizamos como aporte teórico principal as considerações de Bakhtin/
Volochinov (1999/2002), Brait (2005), Faraco (2003), Fiorin (2006) e Sobral (2009)
acerca dos conceitos de dialogismo, polifonia, discurso de outrem e outros conceitos
fundamentais para a análise, os quais foram indispensáveis para compreensão e
identificação dos vários discursos que se entrelaçam no gênero analisado. A pesquisa é
de base bibliográfica e documental e o corpus, composto de cinco propagandas, foi
coletado em sites da internet e é permeado de discursos políticos, jurídicos e religiosos.
As análises apontam que a presença do discurso de outrem no gênero discursivo
propaganda contribui para a formação de variados e múltiplos sentidos, tornando esse
gênero cada vez mais criativo e, consequentemente, mais complexo, bem como
estabelece diferentes atitudes sociais frente aos discursos reportados.
Palavras-chave: Discurso de outrem. Gênero discursivo. Propaganda.
Sumário
INTRODUÇÃO ............................................................................................................08
1 Concepções de linguagem, enunciação e enunciado................................................10
1.1 Dialogismo e polifonia ............................................................................................14
1.2 O discurso de outrem .............................................................................................17
1.3 O gênero propaganda ............................................................................................21
2 Resultados e Discussões..............................................................................................25
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................37
REFERÊNCIAS.............................................................................................................38
8
Introdução
A temática do discurso de outrem tem gerado grandes investigações na área de
Análise do Discurso (AD), isso porque a perspectiva dialógica de linguagem do Círculo
de Bakhtin evidencia que um discurso é sempre atravessado pelo discurso do outro e,
sendo assim, gera interesse na investigação do tema.
Neste trabalho, objetivamos analisar o discurso alheio presente no gênero
discursivo propaganda, tendo como enfoque a Teoria da Enunciação que concebe a
linguagem como um fenômeno sócio-histórico-ideológico. A pesquisa é de base
bibliográfica e documental. Para a sua realização, foram coletadas quinze (15) amostras,
das quais cinco (05) foram escolhidas para análise. Essas propagandas foram retiradas
de sites da internet, mas circularam também em outros meios de comunicação, tais
como TV, jornais, revistas etc. A escolha das cinco (05) propagandas ocorreu, dentre
outros motivos, pelo contexto de circulação das mesmas (visto que algumas não foram
veiculadas em território nacional), pela popularidade/reconhecimento dos produtos e,
principalmente, por abordarem discursos distintos. O período para a coleta dos dados
aconteceu entre os meses de fevereiro e agosto de dois mil e doze (2012).
A base teórica adotada é a que se pauta nos trabalhos advindos da Teoria da
Enunciação de Bakhtin/ Volochinov (1999/2002), bem como de outros estudiosos que
se ocuparam com a temática do dialogismo e polifonia, tais como Brait (2005), Faraco
(2003), Fiorin (2006) e Sobral (2009). Fundamentamo-nos, ainda, em trabalhos sobre
gêneros do discurso abordados sob a ótica Bakthin (2003) e Marchuschi (2002) e
algumas considerações a respeito da linguagem da propaganda com Sandmann (2001) e
Jakobson (2007).
Para a efetivação da análise, tomamos como ponto de partida o seguinte
conceito defendido por Bakhtin/ Volochinov (1999, p.112):
[...] a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos
socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real,
este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao
qual pertence o locutor.
Dessa maneira, a palavra é sempre dirigida a um interlocutor real, tornado-se
uma espécie de ponte entre o locutor e interlocutor. Sendo assim, o interlocutor tem
livre acesso para estabelecer uma relação ativa frente a outros discursos.
9
Em um primeiro momento, discorremos acerca dos principais conceitos da
Teoria da Enunciação, tais como linguagem, enunciado e enunciação, dialogismo,
polifonia, discurso de outrem e gêneros do discurso.
Logo em seguida, analisaremos o discurso de outrem no gênero discursivo
propaganda. A escolha do gênero se deu pelo fato de a propaganda ser um gênero muito
popular que se apresenta nas mais variadas formas e suportes, visto que esse gênero
pode aparecer na mídia impressa – jornais, revistas, panfletos etc – ou eletrônica –
cinema, televisão, internet etc. Além disso, a propaganda também é rica na utilização da
linguagem não-verbal que, por sua vez, proporciona diferentes efeitos de sentidos
através das cores, imagens, dentre outros, e sendo assim, tem grande poder de captar a
atenção do leitor.
É importante destacar que o nosso objetivo não está em estabelecer um juízo de
valor em relação aos discursos de outrem, mas em observar como o gênero propaganda
se constitui a partir dessa diversidade de discursos que o atravessam.
10
1. Concepções de linguagem, enunciação e enunciação
Antes de falar sobre enunciação, se faz necessário discorrer sobre língua e
linguagem, ainda que brevemente, sob a ótica Bakhtin e seu Círculo. Nesse trabalho,
nos ocupamos de um conceito de linguagem como dialógica e que incorpora o conceito
de enunciação enquanto interação. Esses conceitos emanam dos trabalhos de
Bakhtin/Volochinov, principalmente em sua obra Marxismo e filosofia da linguagem.
Para iniciarmos, é importante mostrar a concepção de língua que o objetivismo
abstrato e o subjetivismo individualista, correntes do pensamento lingüístico-filosófico
no início do século XX, propagavam, conforme vemos em Marxismo e Filosofia da
Linguagem de Bakhtin/Volochinov (2002), dois membros do Círculo que mais
discutiram o tema da linguagem como fato sócio-ideológico.
Sob o ponto de vista do objetivismo abstrato, a língua é concebida como um
sistema de normas rígidas e imutáveis. Sendo considerada dessa maneira, a língua é
vista sob uma ótica mecanicista. O subjetivismo individualista leva em consideração
somente a fala e ainda afirma ser esta um ato inteiramente individual, apoiando-se na
enunciação monológica para suas reflexões sobre a língua. Já o objetivismo abstrato
rejeita o ato de fala como individual, mas propaga uma visão de língua como sistema de
formas imutáveis, tal como fazia Saussure.
Contrariamente, Bakhtin/Volochinov (2002) conceituam a enunciação como um
produto da interação social, quer seja na fala ou em contextos mais amplos de uma
determinada comunidade linguística e ainda acrescentam: “A estrutura da enunciação e
da atividade mental a exprimir são de natureza social.” (BAKHTIN/VOLOCHINOV,
2002, p.22). Portanto, os fatores exteriores são o centro de organização de toda
enunciação e não o psiquismo individualista, conforme defende o subjetivismo
individualista.
A concepção bakhtiniana de linguagem evidencia ser a interação verbal sua
realidade fundamental e ressalta não ser apenas a interação face a face e sim toda
comunicação verbal de qualquer tipo. Podemos entender a palavra “diálogo” não apenas
como comunicação em voz alta, mas como toda comunicação verbal de qualquer tipo.
Assim, Bakhtin/Volochinov (2002) mostram que a obra, por exemplo, constitui
11
igualmente um elemento de comunicação, pois ela é objeto de discussões ativas, feita
para ser criticada, comentada, elogiada etc.
A filosofia marxista da linguagem assegura que nem o objetivismo abstrato nem
o subjetivismo individualista dão conta da verdadeira natureza da língua. Para
Bakhtin/Volochinov (2002, p.124), “a língua vive e evolui historicamente na
comunicação verbal concreta, não no sistema lingüístico abstrato das formas da língua,
nem no psiquismo individual dos falantes.” Portanto, não há como descartar o contexto
extraverbal da enunciação, pois a linguagem, no pensamento bakhtiniano, é concebida
de um ponto de vista histórico, cultural e social, que inclui a comunicação efetiva e os
sujeitos e discursos nela envolvidos.
Cumpre ainda acrescentar que a linguagem é de natureza ideológica e, para o
falante nativo, a linguagem é vista no seu uso pragmático como um conjunto de
contextos precisos e concretos, de uso de forma particular. Assim, a palavra não é
apenas um item do dicionário, mas parte das diversas enunciações dos locutores. A
filosofia marxista da linguagem ressalta que “a palavra está sempre carregada de um
conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial” (BAKHTIN/VOLOCHINOV,
2002, p.95). Uma só palavra pode tornar-se enunciado porque a sua compreensão irá
depender do horizonte social em que os interlocutores se encontram.
Sendo a língua inteiramente contextual, ela se realiza dentro da enunciação de
natureza social. Em Marxismo e filosofia da linguagem, a enunciação é abordada numa
dimensão discursiva que incorpora caráter interativo, social, histórico e cultural. Dada a
importância da enunciação, faz-se necessária uma explanação, de diversos autores, a
esse respeito. Comecemos, pois, pelos próprios autores do Círculo:
A enunciação, compreendida como uma réplica do diálogo social, é a
unidade de base da língua, trata-se de discurso interior (diálogo
consigo mesmo) ou exterior. Ela é de natureza social ideológica. Ela
não existe fora de um contexto social, já que cada locutor tem um
“horizonte social”. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2002, p.16).
(Destaque dos autores)
Dessa forma, observamos que a língua registra aspectos sociais, assim como
também é determinada pela ideologia, o que reforça seu caráter dialógico, uma vez que
pontos de vista estão sempre em interação. O locutor, em seu horizonte social, constrói
12
seu discurso, sua enunciação, que por sua vez é o produto da interação com outros
indivíduos. Sendo de natureza social e histórica, a enunciação relaciona-se a
enunciações
passadas
e
futuras,
produzindo
e
fazendo
circular
discursos.
Bakthin/Volochinov (2002) consideram a enunciação como fato social, e não como ato
individual, conforme prega subjetivismo individualista.
Sobral (2009, p.95) afirma que “a enunciação é grosso modo o ato de proferir
um enunciado, de dizer alguma coisa que é sempre endereçada a alguém, com um dado
objetivo”. Nesses termos, a enunciação, quando produzida por alguém, tem o propósito
de ser compreendida. O seu sentido não está no indivíduo, nem na palavra ou frase, nem
no interlocutor, mas no resultado que emerge da interação e é através dessa que ocorre a
enunciação, a inter-relação das vozes e o sentido. A enunciação se constrói e promove
novos sentidos em contextos diversos. O Círculo de Bakthin vê a palavra não como um
item do dicionário, mas como parte constituinte das enunciações dos locutores em
situações específicas.
Como já dito anteriormente, a linguagem para Bakthin é por natureza dialógica
e, a esse respeito, Brait (2005, p. 93) afirma: “a linguagem não é falada no vazio, mas
numa situação histórica e social concreta no momento e no lugar da atualização do
enunciado”. Ou seja, o significado da palavra não depende só do locutor e do
interlocutor, mas está relacionado à história no ato de sua realização. Saussure considera
que a linguagem é fundamental para que haja a comunicação, já Bakhtin a considera
não somente fundamental, mas afirma que a linguagem é construída por meio da
interação entre os interlocutores de uma comunidade socialmente organizada. O
conceito de interação trilha o caminho para a análise dos discursos presentes nas
propagandas (corpus de análise desta pesquisa) como construção de sentido e
articulação das vozes que permeiam esse gênero, que apresenta uma natureza
persuasiva.
No que diz respeito ao enunciado, unidade real da comunicação, Sobral (2009)
mostra que para Bakhtin e o Círculo, o enunciado não é apenas a frase ou sequência de
frases e nem tampouco se reduz a materialidade do texto. O enunciado emerge da
interação de sujeitos concretos, em situações concretas e é através dele que nós
aprendemos a utilizar a língua e não por meio de dicionários e gramáticas. A frase e a
13
oração pertencem ao sistema linguístico, enquanto que o enunciado concerne à unidade
do sistema de uso da língua, ou da comunicação discursiva.
Diferentemente das unidades da língua, que são sons, palavras e orações, os
enunciados levam consigo emoções, valores, ideologias etc. Bakhtin (2003) enfatiza
que, diferentemente da frase e da oração, o enunciado requer alternância de sujeitos no
discurso. O contexto da oração é o contexto da fala do mesmo sujeito do discurso (o
falante). Todo enunciado tem um princípio e um fim absoluto. O falante, antes de
produzi-lo, baseia-se em enunciados passados seus e de outros e ao término do seu
enunciado, cede a palavra ao ouvinte ou espera uma compreensão ativamente
responsiva do mesmo.
O enunciado é uma réplica de um diálogo, pois os sujeitos, quando o produzem,
estão participando de um diálogo com outros sujeitos e discursos. E por ser uma réplica,
os enunciados permitem que haja uma resposta ativa por parte do interlocutor.
Para Fiorin (2006, p.19):
[...] o enunciador, para constituir um discurso, leva em conta o
discurso de outrem, que está presente no seu. Por isso, todo discurso é
inevitavelmente ocupado, atravessado, pelo discurso alheio. O
dialogismo são as relações de sentido que se estabelecem entre dois
enunciados.
Como visto, o enunciado é perpassado por diversas vozes e discursos que se
constituem a partir de outros discursos. Aqui, confirma-se o primeiro conceito de
dialogismo, o qual diz que o enunciado é atravessado pelo discurso do outro, ocorrendo,
assim, uma interação entre o discurso atual e outros discursos estabelecidos
anteriormente; é, na verdade, uma espécie de réplica, e sendo assim, pode-se dizer que o
sentido não tem fim. Os enunciados, ao mesmo tempo em que respondem ao já dito,
provocam as mais diversas respostas.
Assim, para ilustrar a teoria do Círculo de Bakhtin, Fiorin (2006) usa o exemplo
da mulher ao volante. Quando alguém comete uma manobra inábil, todos inferem que é
uma mulher que está dirigindo, isso porque a sociedade já tem em mente que somente
as mulheres cometem “erro” no trânsito. Dessa forma, podemos notar que um discurso
constitui-se a partir de outros discursos e não de forma isolada. A palavra está sempre
rodeada por outras palavras.
14
Na concepção do Círculo, não há enunciado neutro, os enunciados são sempre
ideológicos, pois se manifestam na esfera de uma das ideologias, universo que engloba
arte, ciência, religião, política, ética, ou seja, todas as manifestações superestruturais da
produção humana.
Como pudemos perceber, a linguagem, no pensamento bakhtiniano, é concebida
de um ponto de vista histórico, cultural e social que inclui, para efeito de compreensão e
análise, a comunicação efetiva e os sujeitos e discursos nela envolvidos e é com base
nesse pensamento que realizaremos a análise dos dados.
1.1 Dialogismo e polifonia
A natureza dialógica da linguagem é um conceito que desempenhou papel
fundamental nas obras de Bakhtin. Barros (In Brait, 2005) mostra que dialogismo e
polifonia são termos, muitas vezes, utilizados como sinônimos nos escritos de Bakhtin.
A mesma autora diferencia um termo do outro. Dialogismo é princípio constitutivo da
linguagem e de todo discurso. A polifonia, por sua vez, se caracteriza pelas diversas
vozes que constituem um determinado discurso.
Em se tratando do conceito de polifonia, se faz necessário falarmos sobre
heteroglossia dialogizada, já que esses termos, muitas vezes, são tomados como
equivalentes. Faraco (2005) traz uma discussão acerca desses dois conceitos e frisa que,
em “O discurso no romance”, na década de 1930, Bakhtin dá destaque à heteroglossia
dialogizada ou plurilinguismo dialogizado. Para o filosofo russo, importa mais a
dialogização das vozes sociais do que a própria heteroglossia, pois é com a dialogização
que ocorre o encontro sociocultural dessas vozes.
Bezerra (2005) afirma que Bakhtin concebeu duas modalidades no romance: o
monológico e o polifônico. O monológico está associado ao monologismo,
autoritarismo, acabamento; já o polifônico diz respeito ao dialogismo, que se configura
como o “[...] procedimento que constrói a imagem do homem num processo de
comunicação interativa, no qual eu me vejo e me reconheço através do outro, na
imagem que o outro faz de mim”. (BEZERRA, 2005 p.194).
15
Heteroglossia ou plurilinguismo são termos utilizados por Bakhtin para designar
a heterogeneidade da linguagem quando vista pela multiplicidade de línguas sociais
(plurilinguismo real). Faraco (2005, p. 75) salienta que “polifonia, para Bakhtin, não é o
universo de muitas vozes, mas universo em que todas as vozes são eqüipolentes” No
plurilinguismo dialogizado, as vozes sociais se entrecruzam de maneira multiforme e
formam novas vozes. Ainda segundo Faraco (2005, p. 76):
Vivendo num mundo pesadamente monológico, Bakhtin foi, portanto,
muito além da filosofia das relações dialógicas criada por ele e por seu
Círculo e se pôs a sonhar também com a possibilidade de um mundo
polifônico, de um mundo radicalmente democrático, pluralista, de
vozes eqüipolentes, em que, dizendo de modo simples, nenhum ser
humano é reificado, nenhuma consciência é convertida em objeto de
outra, nenhuma voz social se impõe como a última e definitiva
palavra.
O conceito de polifonia é bastante relevante para a elaboração dessa pesquisa,
uma vez que o nosso objetivo primordial é resgatar as diversas vozes presentes no
gênero discursivo propaganda com o fito de mostrar como, mediante esse procedimento,
ocorre a produção de sentidos. São vozes resgatadas do discurso religioso, político e
jurídico, conforme poderá ser visto no próximo capítulo que contém a análise do corpus
dessa pesquisa.
Bezerra (2005) evidencia que a polifonia é a forma suprema do dialogismo. Essa
modalidade do romance dá aos personagens novas representações. No dialogismo os
personagens são livres para expressar suas respostas, de modo que assumem uma
posição ativa, diferentemente da modalidade monológica, em que tudo se volta para o
horizonte do autor, o qual concebe a última palavra como sendo a sua. Os personagens,
na modalidade monológica, assumem uma posição passiva, impossibilitados de
proverem respostas responsivas.
O mesmo autor mostra que a polifonia também se caracteriza pela posição do
autor como regente das vozes que participam do processo dialógico, o que não implica
dizer que ele tenha as vozes e a consciência dos personagens como objeto do seu
discurso, pelo contrário, os personagens se definem no diálogo como sujeitos de seus
próprios discursos. Porém, o autor não se configura como ser passivo, o que ocorre
entre autor e personagem é uma relação dialógica, uma relação de reciprocidade. Os
próprios personagens se definem no diálogo com outros sujeitos e consciências.
16
Bezerra (2005) ainda acrescenta que uma diversidade de universos e grupos
sociais na Rússia chegou à conclusão de que “a essência conflituosa da vida social em
formação não cabia nos limites da consciência monológica segura e calmamente
contemplativa e requeria outro método de representação” (p.193). Daí surgiu o romance
polifônico.
Para Bakhtin, a língua tem a propriedade de ser dialógica, mas essas relações
dialógicas não se reduzem ao diálogo face a face, estendendo-se a qualquer situação de
interação em contextos mais amplos. O diálogo face a face interessa ao Círculo no
sentido de entrecruzamento das múltiplas verdades sociais, a confrontação das mais
diferentes refrações sociais expressas em enunciados.
Faraco (2003) chama a atenção para o fato de que o diálogo face a face é de
caráter intrinsecamente social e por isso não pode ser reduzido ao mero encontro de dois
falantes empíricos isolados, que trocam enunciados ao acaso. Pelo contrário, deve ser
analisado na corrente da interação social que se constitui de seres socialmente
organizados, situados e agindo no quadro de relações socioculturais no interior do qual
manifestam-se relações dialógicas. O diálogo é a forma mais simples e clássica da
comunicação discursiva. Bakhtin caracteriza as relações dialógicas como relações de
sentido que se estabelecem entre enunciados ou mesmo no inteiror desses, mesmo que
seja uma única palavra, mas que seja tomada como signo e se ouça nela a voz de outro
alguém. Tanto é que Bakhtin/Volochinov (2002) afirmam que fora do contexto a
palavra é uma verdadeira ficção. Mas se tomada como signo, constitui uma força social
imensa.
As relações dialógicas só acontecem quando entram na esfera do discurso,
transformam-se em enunciados, entendidos não como unidades da língua, mas como
unidades da interação social, que possuem um sujeito socialmente organizado.
Fiorin (2006, p. 19) apresenta o dialogismo como “as relações de sentido que se
estabelecem entre dois enunciados” e estes, por sua vez, não existem fora das relações
dialógicas.
Para uma melhor compreensão a respeito do dialogismo, é de extrema
importância direcionar um olhar para o princípio da heterogeneidade, segundo o qual o
meu discurso é estabelecido a partir do discurso do outro. Apontamos aqui o primeiro
17
conceito de dialogismo defendido por Fiorin (2006). Esse primeiro conceito diz respeito
ao modo de funcionamento real da linguagem. Os enunciados constituem-se a partir de
outros enunciados, estabelecendo uma interação com discursos passados e futuros.
O segundo conceito de dialogismo defendido por Fiorin (2006) diz respeito ao
diálogo entre os discursos. Para esse estudioso, o dialogismo é o princípio constitutivo
da linguagem e a condição de sentido do discurso. Assim, o discurso não é de natureza
individual, porque se constrói entre, pelo menos, dois interlocutores que são seres
sociais e mantêm relações com outros discursos.
Fiorin (2006) evidencia que o princípio geral do agir do sujeito é o terceiro
conceito de dialogismo. O sujeito age em relação a outros sujeitos, o indivíduo
constitui-se em relação a outros indivíduos.
O sujeito vai constituindo-se discursivamente, apreendendo as vozes
sociais que constituem a realidade que está imerso, e, ao mesmo
tempo suas inter-relações dialógicas. Como a realidade é heterogênea,
o sujeito não absorve apenas uma voz social, mas várias que estão em
relações diversas entre si. (FIORIN, 2006. p. 55)
Assim sendo, o sujeito é constitutivamente dialógico. Seu mundo interior é
formado de diferentes vozes e o mundo exterior nunca está acabado, ou fechado, mas
sempre em mudanças. Como estamos tratando do discurso da propaganda e por saber
que esse gênero tem como característica forte o poder de persuasão, as vozes que
permeiam o discurso estão sempre abertas à hibridização. Veremos que os discursos
religiosos, políticos e jurídicos, presentes no corpus de análise, são utilizados, entre
outras coisas, com o propósito de instigar o leitor a comprar o produto.
1.2 O discurso de outrem
A temática do discurso de outrem, do discurso alheio tem grande ênfase nos
escritos de Bakhtin. Em Marxismo e filosofia da linguagem, os autores apresentam uma
discussão sobre esse tema numa perspectiva dialógica. Para eles, o discurso é sempre
atravessado por outros discursos. Esse tema tem relação com conceito de polifonia visto
no tópico antecedente.
18
Antes de tudo, é importante ressaltar que nossa pesquisa não está voltada apenas
para análise e resgate dos discursos direto, indireto e indireto livre. Esses procedimentos
linguístico-discursivos são apenas formas padronizadas para citar o discurso.
Em se tratando do discurso de outrem, foco primordial deste trabalho,
começaremos pela abordagem apresentada por Bakhtin/Volochinov (2002): “O discurso
citado é o discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas é ao mesmo tempo,
um discurso sobre o discurso, uma enunciação sobre a enunciação” (p.144). O discurso
citado é visto pelo falante como a enunciação de outra pessoa. De fato, como bem
mencionam Bakhtin e seu Círculo, um enunciado é sempre marcado por outros
enunciados1.
No contexto narrativo, o narrador, ao integrar outra enunciação na sua
composição, elabora estruturas sintáticas, estilísticas e composicionais como forma de
assimilação parcial de outra enunciação e associa a sua própria unidade sintática,
estilística e composicional com a outra enunciação, mas conserva a autonomia primitiva
do discurso alheio, pois sem ele nada poderia ser compreendido completamente. Outra
forma de assimilação do discurso de outrem, no contexto narrativo, diz respeito à
transmissão da enunciação da construção linguística para o plano do conteúdo. Aqui, a
estrutura da enunciação citada permanece relativamente estável, de modo que o discurso
de outrem permanece perceptível. Assim sendo, na transmissão do discurso de outrem,
manifesta-se uma relação ativa de uma enunciação a outra por meio da construção
estável da própria língua.
Bakhtin/Volochinov (2002) apresentam duas orientações principais de
transmissão do discurso citado. A primeira orientação é chamada de discurso linear, que
diz respeito à assimilação integral do alheio, mantendo-se, inclusive, a sua estrutura
sintática, de modo que no discurso citado a autenticidade e integridade do discurso são
apreendidas de forma literal. A segunda orientação é chamada de discurso pictórico.
1
Exemplo: “ATÉ OS ANJOS CAIRÃO”. Enunciado retirado de uma propaganda do desodorante Axe
Exite. Percebemos que esse enunciado se reporta à voz de outro discurso, no caso, o discurso religioso:
“[...] O Dragão foi expulso para a terra e os Anjos do Dragão foram expulsos com ele.” (A BÍBLIA
SAGRADA, 1991, Apocalipse 12.9).
Ver
propaganda
no
site:
http://podscrer.blogspot.com.br/2011/02/nova-propaganda-da-axe-anjos-
cairao.html#.UHd7XW_R6UQ. Acesso em: 10/09/2012.
19
Aqui, estão presentes estilos mais sutis e versáteis que permitem ao autor demonstrar
suas réplicas. O discurso citante tenta desfazer a estrutura fechada e compacta do
discurso citado. Temos ainda uma terceira orientação, em que o discurso citado é o que
domina a organização do enunciado, porém, essa terceira orientação é mais comum em
discursos literários e, por esse motivo, não será explorada aqui.
Brait (2005) acentua que a transmissão do discurso de outrem configura-se, em
Marxismo e filosofia da linguagem, um estudo do discurso não enquanto fala individual,
mas enquanto instância significativa de vozes que circulam socialmente e se realizam na
e pelas interações entres os sujeitos.
É preciso atentarmos para o fato de que o discurso de outrem se trata de um
mecanismo que não é apreendido através da consciência subjetiva do sujeito, mas por
meio da interação social estabelecida pelos interlocutores na sociedade. Vale salientar
que o contexto da interação social é responsável pela escolha de elementos linguísticos
da enunciação de outrem que seja socialmente pertinente.
Assim como mostra Bakhtin e seu Círculo, existem diferenças essenciais entre a
recepção ativa da enunciação de outrem e sua transmissão no interior de um contexto.
Toda transmissão tem um fim específico e sempre leva em conta uma terceira pessoa, a
qual reforça a influência das forças sociais sobre o modo de apreensão do discurso.
A esse respeito, Bakhtin/Volochinov (2002) afirmam:
A língua não é o reflexo das hesitações subjetivo-psicológicos, mas
das relações sociais estáveis dos falantes. Conforme a língua,
conforme a época ou os grupos sociais, conforme o contexto apresente
tal ou qual objetivo específico, vê-se dominar ora uma forma, ora
outra, ora uma variante, ora outra (BAKTHIN/VOLOCHINOV, 2002,
p.147).
Nesse sentido, uma mesma enunciação, um mesmo discurso pode ganhar
significados diferentes dependendo do contexto e da época em que o falante se encontra.
O falante se constrói através da interação social e não de maneira isolada, já que para
Bakhtin, a língua transcende as formas cristalizadas e antigas, configurando-se como
um sistema evolutivo. Na transmissão do discurso de outrem, devem-se analisar as
diferentes atitudes sociais frentes aos diversos discursos e ver como elas se expressam
nos modos de reportar esses discursos, lembrando que, como afirma Faraco (2003), há
hierarquias que precisam ser consideradas; é importante ver a posição que o discurso a
20
ser reportado ocupa nessa hierarquia, pois ela interfere no modo de transmissão do
discurso.
A linguística estrutural, ao colocar a linguagem, do ponto de vista do falante,
como algo que não necessita do outro para a comunicação, considera o ouvinte como
um ser que se posiciona passivamente diante do locutor. Para Bakhtin (2003), o ouvinte
ocupa uma posição responsiva na comunicação. O próprio falante espera uma
compreensão ativamente responsiva: espera uma resposta, uma participação, uma
concordância ou discordância etc., por parte do ouvinte.
Bakhtin (2003, p. 272) diz que todo falante já é um respondente, isso porque
[...] ele não é o primeiro falante, o primeiro a ter violado o eterno
silêncio do universo, e pressupõe não só a existência do sistema da
língua que usa, mas também de alguns enunciados antecedentes – dos
seus alheios – com os quais o seu enunciado entra nessas ou naquelas
relações (baseia-se neles, polemiza com eles, simplesmente os
pressupõe já conhecidos do ouvinte. Cada enunciado é um elo na
corrente complexamente organizada de outros enunciados.
Vimos aqui a constatação de que nosso discurso é construído a partir do discurso
de outrem. O ouvinte, ao assumir uma posição passiva no discurso, conforme defende a
linguística em geral, não corresponde ao participante real (o falante) da comunicação
discursiva.
Quanto a isso, Bakhtin/Volochinov (2002) dizem que “Aquele que apreende a
enunciação de outrem não é um ser privado da palavra, mas ao contrário, um ser cheio
de palavras interiores.” (p.147). Ou seja, toda a atividade mental do falante é mediada
pelo discurso interior e é através disso que ocorre a junção com o discurso que é
apreendido do exterior. É no discurso interior que se efetua a apreensão do discurso de
outrem.
Faraco (2003) diz que o discurso reportado é o fenômeno linguístico mais
discutido nos textos de Bakhtin e Volochinov. Para Faraco (2003 p.124),
[...] reportar não é fundamentalmente reproduzir, repetir; é
principalmente estabelecer uma relação ativa entre o discurso que
reporta e o discurso reportado; uma interação dinâmica entre essas
duas dimensões.
Nesses termos, o discurso reportado não se limita a meras citações, mas, pelo
contrário, relaciona-se à apreensão do discurso de outrem conforme já foi mencionado
21
anteriormente. Entre o discurso citante e o discurso citado ou reportante e reportado,
deve haver uma relação dialógica, uma vez que eles só se formam e vivem através dessa
inter-relação e não de maneira isolada.
1.3 O gênero propaganda
Antes de falarmos do gênero propaganda, é importante mostrarmos os conceitos
que Bakhtin (2003) e Marcuschi (2002) apresentam sobre gêneros discursivos/textuais.
Na Antiguidade, estudavam-se apenas os gêneros centrados no âmbito da
literatura, mas, com o passar dos tempos, os gêneros do discurso foram ganhando mais
ênfase, desde as breves réplicas do diálogo até gêneros mais complexos como os
documentos oficiais.
Bakhtin (2003) denominou os gêneros do discurso como “tipos relativamente
estáveis de enunciados” (p.262). Essa denominação se dá pelo fato de os gêneros do
discurso apresentarem três elementos em sua estrutura definida: conteúdo temático,
estilo e estrutura composicional, os quais são determinados pelo campo da
comunicação.
É importante ressaltar que há uma grande heterogeneidade dos gêneros, pois à
medida que a sociedade necessita, novos gêneros surgem, por isso eles são infinitos. A
esse respeito, Bakhtin (2003) afirma:
A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque
são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e
porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de
gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se
desenvolve e se complexifica um determinado campo (p.262).
Cabe ainda salientar que cada gênero possui um propósito comunicativo
diferente. Isso implica dizer que, para sermos bons leitores e escritores, devemos
desenvolver habilidades para usarmos recursos verbais e não verbais requeridos pelo
gênero discursivo em questão.
Marchuschi (2002) é outra grande referência na área de estudos sobre gêneros.
Ele usa a expressão gêneros textuais, denominando-os como:
22
[...] uma noção propositalmente vaga para referir os textos
materializados que encontramos em nossa vida diária e que
apresentam características sócio-comunicativas definidas por
conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica.
(p.22-23).
Os gêneros são, portanto, textos dinâmicos ligados à vida cultural e social. São
textos que circulam na nossa sociedade e possuem funções e propósitos comunicativos
distintos. A propaganda, por exemplo, tem como propósito vender um produto, uma
ideia, uma ideologia. É um gênero que se configura como um dos mais lidos
popularmente, isso porque ele se faz muito presente nos meios de comunicação, além de
possuir uma linguagem acessível para os leitores/ouvintes do dia-a-dia e, possivelmente,
futuros consumidores.
Segundo Sandmann (2001), o principal desafio desse gênero é prender a atenção
do leitor ou ouvinte, por isso as propagandas geralmente são criativas, utilizam cores
fortes, doses de humor, além de muitas outras coisas, como estratégias para fazer com
que o leitor/ouvinte fique “vidrado” no que está sendo propagado. Feito isso, outros
desafios aparecem, como convencê-lo ou levá-lo a comprar o produto. A propaganda é
um gênero que possui e combina linguagem verbal e não verbal e isso poderá ser visto
nas propagandas elencadas no corpus dessa pesquisa.
Ao falar da linguagem da propaganda, Sandmann (2001) relembra as funções da
linguagem estudadas por Jakobson (2007), o qual apresenta seis funções da linguagem:
emotiva conativa, referencial, poética, fática e metalinguística. Dentre essas seis
funções, de acordo Sandmann (2001), duas delas ganham destaque na linguagem da
propaganda, a função conativa e a função poética, também nomeadas pelo mesmo autor
como funções apelativa e estética, respectivamente. Mas isso não significa dizer que as
demais funções não se façam presentes nesse gênero; elas podem aparecer, mas não de
forma predominante.
Em se tratando da função apelativa, Sandmann (2001) enfatiza que o principal
objetivo desta consiste em persuadir o leitor, seja na compra de um produto, uma ideia
etc. Porém, ele afirma:
Naturalmente, vender um produto ou uma ideia é função de toda
linguagem da propaganda e não só quando a função apelativa se faz
presente com suas marcas lingüísticas típicas: períodos interrogativos,
23
verbo no modo imperativo, pronomes pessoais e possessivos de 2º
pessoa, verbo na 2ª pessoa, vocativos, pronomes de tratamento de
dêiticos (SANDMANN, 2001, p.27).
Dessa forma, mesmo que essas marcas citadas acima não se façam presentes na
linguagem da propaganda, a função apelativa torna-se, de algum modo, presente, já que
persuadir o destinatário acaba sendo o objetivo de toda linguagem da propaganda.
A principal marca linguística da função apelativa são os verbos no modo
imperativo. É comum vermos propagandas com formas verbais imperativas, como
“compre”, “venda”, “use” etc. São verbos que, de certo modo, expressam não só um
pedido, mas também uma ordem. A imagem abaixo é um exemplo de propaganda que
faz uso de um verbo no modo imperativo. Vejamos:
Fonte:
http://ilusaoatrevida.blogspot.com.br/2012/03/as-funcoes-da-linguagem.html.
Acesso em: 10/07/2012.
Como dito anteriormente, a função estética também ganha destaque na
linguagem da propaganda, pois seu principal propósito é chamar a atenção do
destinatário para texto, para o código do anúncio. E para isso, essa função utiliza
recursos como ritmo, rima, aliteração, paranomásia e muitos outros. São recursos que
ajudam o destinatário a memorizar o enunciado. Exemplo:
24
Fonte:
http://redacaonocafe.wordpress.com/2012/02/09/funcao-poetica-a-beleza-dotexto/. Acesso em: 10/07/2012
O recurso utilizado nessa propaganda foi a rima, que, segundo Sandmann (2001,
p. 57), consiste na “repetição de um som, ou melhor, de uma sílaba ou sílabas, é
fenômeno que pode estar no final de versos mas também no meio de versos, frase ou
período”. No capítulo que segue, veremos como esses e outros recursos se fazem
presentes na propaganda com vista à produção de sentidos.
25
2. Resultados e Discussões
O corpus desta pesquisa constitui-se de propagandas coletadas na internet, mas
que também circularam em outros meios de comunicação. São propagandas que
veiculam discursos religiosos, políticos e jurídicos.
Vale salientar que o intuito deste trabalho não está em estabelecer um juízo de
valor em relação aos anúncios publicitários analisados abaixo, mas em resgatar outros
discursos que se entrelaçam e que dialogam com os dizeres do discurso da propaganda,
o que faz com que a enunciação se torne uma teia discursiva. O que buscamos saber é
como o enunciado se constrói e forma novos sentidos, e como o gênero em questão se
forma com a presença dos múltiplos e variados discursos. O corpus é constituído por
cinco (05) propagandas, que abordam as temáticas do discurso jurídico, político e
religioso, conforme veremos abaixo.
Figura 1: Propaganda do creme dental Close up.
Fonte: http://agenciakaleidoscopio.blogspot.com.br/2010/04/intertextualidade.html. Acesso em:
18/04/2012.
A figura acima é uma propaganda do creme dental da marca close up. Esse
creme dental surgiu nos Estados Unidos na década de 60 e chegou ao Brasil por volta
do ano de 1971.
26
A UNILEVER, uma das maiores empresas de bens de consumo do mundo, é a
empresa que fabrica essa marca de creme dental. Ela se volta para o segmento de
higiene pessoal, limpeza, alimentos e sorvetes. Além da close up, a UNILEVER
também fabrica as marcas consagradas como: Omo, Comfort, Seda, Lux, Kibon,
Hellmann’s, Arisco, Knorr, Becel, Maizena, AdeS, Dove, Axe, e Rexona, entre outras.
A close up é conhecida como a marca que fala com o mundo jovem e para isso,
usa campanhas ousadas, criativas e produtos diferenciados. A linha close up é bastante
ampla e possui produtos adequados para o hálito, branqueamento, tratamento de cáries
etc. Para cada momento, existe um close up perfeito. No caso da propaganda acima,
temos o close up White Now, o qual, segundo informações, deixa os dentes mais
brancos com uma única escovação. Esse modelo proporcionaria um efeito branqueador
imediato, além de oferecer toda a proteção de um creme com flúor para uso diário.
A missão dessa marca de creme dental é promover aos consumidores uma
relação saudável, com hálito refrescante que dá segurança para as pessoas chegarem
mais perto umas das outras. Essas propagandas geralmente circulam em TV’s aberta e a
cabo, rádio, internet, outdoor e em demais suportes adequados para esse tipo de gênero.
Não diferente de outras propagandas, a marca close up usa o recurso da
persuasão para induzir o leitor a comprar o produto. Na figura acima, podemos ver que
há uma intertextualidade com umas das Leis de Talião, a qual diz: “olho por olho, dente
por dente”. Essa Lei foi criada pelo Código de Hamurabi e era uma das mais utilizadas
pelos povos da antiguidade. Segundo Arruda e Piletti (2002), O Código de Hamurabi foi
formulado por Hamurabi, um dos reis da Babilônia, e consistia, de modo geral, em
estabelecer valores morais.
De acordo com Castro (2007), a Lei de Talião ou Princípio da Pena, como
também conhecida, é exemplificada na Bíblia Sagrada pela frase “olho por olho, dente
por dente” que consiste na pena equivalente ao dano causado. Ou seja, o causador do
crime era punido da forma como o executou. Isso resulta na compreensão de que a
propaganda não só faz analogia à Lei de Talião, mas também reporta o seguinte
discurso Bíblico: “Contudo, se houver dano grave, então pagará vida por vida, olho por
olho, dente por dente, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe
por golte” (Êxodo, 21. 23-25).
27
No enunciado da propaganda temos: “olho por olho, close up por close up”, o
qual tem como intuito revelar a credibilidade do creme dental na garantia do
branqueamento dos dentes. Assim, como a expressão “olho por olho, dente por dente”,
que se reporta às Leis de Talião, bem como ao enunciado bíblico, está associada à
garantia da justiça, a expressão “olho por olho, close up por close up” está associada à
garantia de bons resultados, ou seja, à obtenção dentes brancos e brilhantes.
Além de reportar ao discurso bíblico, o anúncio em destaque também utiliza o
discurso jurídico para enfatizar a credibilidade do produto que está sendo anunciado.
Essa voz jurídica é percebida por meio da balança da justiça e comprovada pelo
enunciado que se encontra ao lado da mesma, o qual diz: “faça justiça ao seu sorriso
com close up White Now seus dentes mais brancos e brilhantes”. Dessa forma,
observamos que a concepção de justiça gera o sentimento de confiança e o sujeito
produtor dessa propaganda se utilizou dessa noção para fazer com que as pessoas
confiem na ação do creme dental e deem credibilidade ao produto, o que,
consequentemente, despertará o interesse para adquiri-lo.
Assim, constatamos que há uma sobreposição da voz jurídica e religiosa, que
nos direcionam para os efeitos de sentido de compromisso justo e bom do produto. Vale
salientar que essas vozes são percebidas por meio do princípio da polifonia, que
consiste no entrecruzamento das várias vozes no discurso.
Ainda referente a essa propaganda, reportamo-nos à concepção bakhtiniana a
qual enfatiza que na construção do enunciado há um diálogo existente entre o indivíduo
e a sociedade, portanto, temos uma enunciação de caráter sócio-ideológico. A
propaganda em destaque nos permite inferir que as vozes jurídica e religiosa dão um
aspecto novo à propaganda deste produto. Vejamos agora, outro tipo de discurso na
imagem que segue.
28
Figura 2: Propaganda da Bombril
Fonte: http://comunicaunivates.blogspot.com.br/2010_09_01_archive.html. Acesso em: 20/04/2012
A propaganda acima ilustra uma propaganda da marca Bombril, marca fundada
no ano de 1948, na cidade de São Paulo. É uma empresa de higiene e limpeza
doméstica.
É comum vermos nas propagandas da Bombril, em TV’s, internet etc., que essa
marca possui “Mil e uma utilidades”, isso porque, de acordo com as propangadas, ela
possui uma lã de aço que pode ser utilizada para várias finalidades. Sua missão é ser a
melhor linha de higiene e limpeza doméstica brasileira que dá qualidade de vida e
facilidade ao seus consumidores.
A propaganda acima foi produzida no ano de 2010 pela WMcCnn, uma moderna
agência tradicional da publicidade que constrói marcas multinacionais e se preocupa em
gerar campanhas que entrem para a cultura popular do país, bem como promover
propagandas criativas, embasadas e espontâneas. Na imagem acima, temos o ator
Carlos Moreno (garoto propaganda da marca) caraterizado dos candidados Dilma
Rousseff (PT), Plínio de Arruda Sampaio (PSOL), José Serra (PSDB) e Marina Silva
(PV), que disputaram as eleições à Presidência da República no primeiro turno de 2010.
29
Começaremos a analisar a propaganda em destaque por seu aspecto não verbal.
Observemos que as cores das roupas que alguns “candidatos” estão usando, remetem à
cor do partido a que eles pertecem. Na imagem, Dilma aparece com uma roupa
vermelha, cor do PT, e bastante sorridente; já o tucano José Serra olha para Dilma com
expressão de desdém, isso porque as pesquisas eleitorais apontavam a candidata pestista
como sua principal concorrente. Plínio de Arruda, por sua vez, está atrás de todos os
candidatos e isso reflete os resultados das pesquisas eleitorais, em que ele sempre
obtinha o menor índice de porcentagem. Marina Silva expressa um semblante bastante
calmo e usa uma roupa esverdeada, remetendo-se ao Partido Verde. Podemos inferir,
então, que o não verbal, nessa propaganda, retrata a postura que cada um desses sujeitos
exerceram nas eleições de 2010, além de causar um efeito de humor na propaganda.
Percebemos, ainda, a sobreposição do discurso político instaurado nos
enunciados: “Pesquisas apontam: “1001% dos brasileiros preferem Bom Bril” e
“Sujeira, não. Bom Bril é a solução. Para um Brasil limpinho, vote Bom Bril”, contidos
na figura acima. No primeiro enunciado, nota-se que a marca Bom Bril utiliza um
percentual elevado, acima do normal (1001%), para enfatizar que a sociedade prefere o
Bom Bril em detrimento dos candidatos que disputaram as eleições à Presidência da
República. O Bom Bril aparece como um quinto candidato e o único capaz de limpar,
purificar a sujeira do Brasil. Essa ideia é comprovada no outro enunciado, o qual diz:
“Sujeira, não. Bom Bril é a solução. Para um Brasil limpinho, vote Bom Bril”. Notemos
que há duas palavras nesse enuciado que são de natureza dicotômicas: “sujeira” e
“limpinho”. Podemos inferir que a “sujeira” refere-se à situação do Brasil que será
solucionada, apenas, com o uso do Bom Bril. Desse modo, concluímos que a
propaganda induz o leitor a “votar”, “comprar” a lã de aço Bom Bril.
É notório que a propaganda não agride nem se mostra favorável ou contrária aos
candidatos, mas afirma que o Bom Bril – quinto candidato – é a melhor opção de voto.
O discurso político foi trazido para esta propaganda não com o intuito de fazer uma
propaganda política propriamente dita, mas de tornar o discurso reportado um recurso
discursivo com fins persuasivos. É exatamente essa recepção do discurso de outrem
que constitui a peça fundamental para o processo dialógico da propaganda. Dessa
forma, remetemos às palavras de Bakhtin/Volochinov(2002), quando afirmam que o
discurso citante e o discurso citado se formam em uma relação dialógica. Podemos
acrescentar ainda que, na elaboração desse anúncio, o sujeito produtor levou em
30
consideração o contexto de transmissão do discurso levado, pois a propaganda foi
direcionada para um público heterogêneo. Observemos a propagada seguinte que
reporta também um discurso político.
Figura 3: Propaganda do Bom Bril
Fonte:
http://colunas.revistaepocanegocios.globo.com/coffeebreak/2010/10/18/bombril-tambem-no-
segundo-turno/. Acesso em: 20/04/2012
A WMcCnn, também criou uma propaganda da Bom Bril nas eleições de
segundo turno de 2010. Na propaganda antecedente a essa, vimos que a imagem trazia
os quatro cadidados às eleições para presidente no primeiro turno. Nesta imagem,
Carlos Moreno aparece caracterizado apenas como Dilma Rousseff (PT) e José Serra
(PSDB), candidatos que passaram do primeiro para o segundo turno e continuaram na
disputa para a presidência do Brasil.
Além da leitura visual, podemos identificar o discurso político presente no
enunciado: “Nem situação. Nem oposição. Para um Brasil limpinho Bom Bril é a
solução”. Assim como na propaganda no primeiro turno, essa propaganda também
retrata, de forma implícita, a sujeira do Brasil. Cumpre falar, mesmo não sendo este o
objetivo do nosso trabalho, da função da linguagem estética ou poética, aquela que tem
o propósito de direcionar o crivo do destinatário para o código da propaganda. No
31
referido enunciado, há o uso do recurso da rima em: “Nem situação. Nem oposição.
Para um Brasil limpinho Bom Bril é a solução”. Ora, esta rima não foi imposta de modo
aleatório, mas com a finalidade de fazer com que o enunciado ficasse gravado na mente
do leitor. Mas é importante destacar que a função predominante nessa propaganda é
conativa, também conhecida como apelativa, aquela que direciona o sujeito para a
compra do produto. No caso dessa imagem, a função estética é vista como um recurso,
uma estratégia para o objetivo maior do enunciado, que é a persuasão.
Embaixo da imagem dos sujeitos candidatos, há um enunciado que diz: “Bom
Bril preferido por 1001% dos brasileiros”. Partimos da premissa de que, para o
entendemento desse enunciado o leitor precisa entender que esta lã de aço é conhecida
por ter mil e uma (1001) ultilidades e por ser reconhecida de tal maneira; dentre essas
1001 utilidades, podemos deduzir que há pelo menos uma delas que serve para limpar a
corrupção do Brasil.
Como visto no primeiro capítulo, a concepção filosófica de linguagem
bakhtiniana afirma que a enunciação é, por natureza, diálogica e é exatamente isso que
podemos identificar nas propagandas aqui analisadas, em que a enunciação é construída
considerando-se os aspectos social, histórico e cultural. Sendo assim, faz-se circular
discursos. São discursos que se entrelaçam, dialogam e formam novos sentidos no
campo da publicidade. Isso caracteriza o processo dialógico na propaganda. Vejamos
agora as duas últimas propagandas; ambas abordam a mesma temática.
32
Figura 4 – Propaganda das sandálias Havaianas
Fonte: http://blogdaleilahh.blogspot.com.br/2009_11_01_archive.html Acesso em: 01/05/2012
No ano de 1962, em São Paulo, surgiu a primeira sandália “Havaianas”,
fabricada pela empresa Alpargatas. Esta tomou como inspiração, para a criação das
Havaianas, uma sandália japonesa chamada Zori. Isso nos leva a entender o porquê de
muitas pessoas ainda nomearem as Havaianas como sandálias Japonesas. A Alpargatas
também fabrica ou fabricou as sandálias “dupé”, que apresentam modelos semelhantes
aos das Havaianas, porém não alcançaram tanto sucesso quanto esta última.
As propagandas das sandálias Havaianas normalmente aparecem em suportes
como TV, internet, outdoor etc. Atualmente, muitas dessas propagandas são realizadas
com atores famosos, o que as tornam cada vez mais conhecidas.
Como podemos perceber na propaganda acima, o que mais chama atenção é o
enunciado que nela aparece, e não o modelo da sandália, que por sinal, não sabemos
qual seja.
No enunciado temos: “Heresia ou não, temos cá para nós que no sétimo dia Ele
descansou por aqui”. O “Ele” a que o enunciado se refere diz respeito a uma divindade
maior, ou seja, Deus. Segundo a Bíblia Sagrada (1991, Gênesis 2.3), “Deus então
abençoou e santificou o sétimo dia, porque foi nesse dia que Deus descansou de todo o
seu trabalho como criador.” Nota-se, então, que a passagem bíblica, ao ser deslocada
33
para esta propaganda, veste-se de um novo sentido que será atribuído por meio dos
leitores, os quais podem estabelecer diversas possibilidades de sentido. A respeito do
texto bíblico, Faraco (2005) ressalta que nossa cultura mantém relações diferentes com
o texto sagrado do Cristianismo, pois, ao passo que no período medieval este texto foi
concebido como palavra de autoridade, em outros contextos, este mesmo texto é
reconhecido como um texto literário, como tantos outros, e sendo assim, passa a ser
visto não mais como uma palavra de autoridade, embora também mantenha uma
hierarquia de valores.
Dessa forma, o ato de reportar permite que o texto passe do estilo linear, o qual
preserva a sua integridade, para o estilo pictório, que permite o enunciador demonstrar
suas réplicas. De certa forma, o sujeito produtor da propaganda expressa seu ponto de
vista de maneira sutil. No enunciado dessa propaganda, podemos perceber
explicitamente o discurso de outrem. Vale salientar que esta propaganda causou
bastante polêmica, pois o público cristão a entendeu como uma verdadeira heresia.
As sandálias Havaianas eram ou ainda são concebidas como o calçado próprio
para descanso e o enunciado quis mostrar que até Deus usou e descansou com as
Havaianas. A persuasão, neste caso, está respaldada em uma força maior, ou seja, em
Deus, pois se até ele usou e descansou com as havaianas, então isso significa que o
calçado realmente é próprio e bom para o descanso.
Antigamente, esse modelo de sandália era usado apenas em casa, e mais, apenas
para tomar banho, mas com o passar do tempo, começaram a ser usadas em diversas
ocasiões e até como sinônimo de moda.
Além do discurso religioso, a referida propaganda também dá margem a outras
significações. Podemos perceber cores marcantes que indicam a nacionalidade
brasileira, que também é ratificada pela figura de uma bola de futebol, a qual faz
analogia ao Brasil como o país do futebol, assim como também aparece a expressão “cá
prá nós”, típica dos falares brasileiro.
34
Figura 5- Propaganda do energético Red Bull
Fonte:http://portalimprensa.uol.com.br/cdm/caderno+de+midia/48301/conar+decide+suspender+com
ercial+da+red+bull+que+tem+jesus+como+personagem. Acesso em: 02/08/2012.
A bebida Red Bull foi fundada por Dietrich Mateschitz no ano de 1984, e em
1987 essa bebida começou a ser vendida no mercado austríaco. A empresa Red Bull
chegou ao Brasil no ano de 1999 deixando-o conhecido como o país chave para esse
energético, pois, segundo o site oficial desta bebida, foram desenvolvidas, aqui, novas
estratégias de marketing que consistem em não levar o produto para o consumidor, mas
em trazer o consumidor para o produto. Ainda de acordo com o site oficial, essa bebida
tem o jeito semelhante ao estilo brasileiro, no sentido de ser dinâmica, festiva, dentre
outras coisas.
Na imagem acima, o não verbal desempenha uma função importante na
compreensão do anúncio. Há três sujeitos na propaganda, um deles se assemelha a
imagem de Jesus Cristo, pois, segundo uma matéria postada na revista Istoé (2012) a
concepção da aparência física de Jesus que se consagrou é de um homem europeu: alto,
branco, de olhos azuis, cabelos longos, ondulados e barba. Mas esse assunto é amplo e
demanda espaços maiores para discussão. Os outros personagens nos levam a crer que
são dois apóstolos de Cristo. Tendo isso em vista, e levando em consideração o cenário
da propaganda, que contém um barco sobre as águas, remetemos a uma passagem
bíblica.
Antes de citar a passagem bíblica, é interessante recordarmos o comercial,
intitulado “Campanha Red Bull-Nazaré” que foi divulgado, principalmente, na
35
televisão. No comercial, Jesus está acompanhado de dois discípulos e um deles é o
apóstolo Pedro. Em dado momento, Jesus diz que vai para casa e sai andando sobre as
águas, o que causa impacto nos discípulos. Pedro, então, pergunta como é que ele
consegue andar sobre as águas e, logo em seguida, o outro discípulo diz que isso
ocorreu porque Jesus tomou Red Bull. Jesus, porém, responde que o fez porque estava
pisando em pedras, conforme pode ser visto na imagem abaixo.
Fonte:
http://www.odiario.com/blogs/inforgospel/2012/02/15/milagre-feito-por-jesus-esatirizado-em-comercial-assista-e-comente/. Acesso em: 02/08/2012.
Esse comercial reporta a passagem bíblica:
Entre as três e as seis da madrugada, Jesus foi até os discípulos,
andando sobre o mar. Quando os discípulos o avistaram, andando
sobre o mar, ficaram apavorados, e disseram: “É um fantasma!” E
Jesus, porém, logo lhes disse: “Coragem! Sou eu. Não tenham medo.”
(A BÍBLIA SAGRADA, 1991, Mateus 14.25-27)
O comercial utiliza o discurso religioso para mostrar que Cristo só consegue a
façanha porque tomou o energético, mesmo que ele tenha proferido que o “milagre” só
foi possível porque estava pisando em pedras.
A voz mais evidenciada nesse comercial é, sem dúvidas, a voz do discurso
religioso evidenciada na fala de Jesus. O enunciado a que a situação da propaganda se
refere é deslocado da passagem bíblica para enfatizar, de modo geral, o poder que o
energético possui. É esse deslocamento do enunciado bíblico que estabelece a relação
dialógica da propaganda.
É cabível mencionar que o comercial foi retirado do ar, pois os cristãos
protestaram e o CONAR (Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária) decidiu
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acatar o pedido, uma vez que fere a respeitabilidade religiosa. Nesse caso, recordamos
as palavras de Bakhtin/Volochinov (2002, p.152): “Pode ser que o discurso de outrem
seja recebido como um único bloco de comportamento social, como uma tomada de
posição inanalisável do falante.”. Ou seja, os leitores podem ter entendido como uma
má conduta que afronta não só a igreja seja ela qual for, mas também e, sobretudo, a
palavra de Deus, como assim é considerada a Bíblia pelos cristãos.
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Considerações Finais
O discurso reportado é um tema bastante amplo. Muitas são as propagandas que
contêm discursos alheios, mas as que aqui analisamos foram suficientes para
percebermos como o enunciado se constrói e forma novos sentidos a partir da retomada
do discurso de outrem.
O discurso da propaganda é persuasivo por natureza, uma vez que o propósito
comunicativo desse gênero reside justamente no ato de convencer o consumidor a
adquirir o produto. Com a transposição do discurso reportado, a propaganda enfatiza
cada vez mais esse traço persuasivo.
Quando Bakhtin/Volochinov (1999, p.114) afirmam: “A situação e os
participantes mais imediatos determinam a forma e o estilo ocasionais da enunciação”,
entendemos que é o leitor quem dá forma à enunciação, levando sempre em
consideração o contexto social em questão.
O importante é que o sujeito leitor, além de perceber as diversas vozes no
discurso, tenha compreensão de que a inclusão dos vários discursos se dá não apenas
como forma de reconhecimento desses textos, mas como uma interação dinâmica entre
o discurso citante e o discurso citado, nos termos de Bakhtin/Volochinov (2002).
Identificamos, portanto, que esse universo discursivo desperta opiniões
valorativas e posturas crítica nos leitores, tanto é que, como visto no corpus analisado,
uma das propaganda foi censurada. Porém, o que nós procuramos averiguar foi o
aspecto dialógico dos enunciados e constatamos que a enunciação não ocorre de
maneira monológica e sim de forma dialógica, constituindo, assim, um território comum
do locutor e interlocutor. Além disso, observamos também que o gênero discursivo
propaganda, com a presença do discurso reportado, torna-se mais criativo e dinâmico,
uma vez que causam impacto nas pessoas.
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