ANALFABETISMO FUNCIONAL VERSUS
APRENDIZAGEM QUALIFICADA :
A IMPORTÂNCIA DA AUTONOMIA INTELECTUAL
aprendizagem; autonomia intelectual; analfabetismo funcional
Waismam
Profª.Dra.Rosilene Horta-Tavares (FaE-UFMG)
Natureza do Trabalho
Análise parcial da seguinte investigação:
Novas tecnologias da informação e comunicação nos processos ensinoaprendizagem presenciais: os desafios da educação a distância/EAD.
Pesquisa iniciada em 2006, na Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Minas Gerais/UFMG, no âmbito da Didática Crítica.
Objetivo específico deste Relatório de Pesquisa
apresentado ao 14º Congresso da ABED:
 Descrever e problematizar os elementos de contextualização
do ambiente de ensino-aprendizagem;
 elucidando a importância de tal procedimento para se
planejar processos de ensino-aprendizagem socialmente
qualificados, em quaisquer projetos educativos.
Autonomia Intelectual
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Capacidade de os estudantes atuarem enquanto
sujeitos de fato de seu processo de aquisição,
desenvolvimento e produção de conhecimento.
Para serem sujeitos, nesse sentido, deve haver,
no que produzem nas aulas, indícios de sua
capacidade de atuarem como pesquisadores,
críticos, com permanente disposição para
aprender, para interagir e para cooperar com
outros.
Sendo estas competências próprias de indivíduos
autônomos (Piaget).
Analfabetismo Funcional
no Ensino Superior
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Analfabetos funcionais são pessoas que, mesmo
sabendo ler e escrever algo simples, não
possuem as habilidades necessárias – nas quais
identifico, para o ensino superior, a autonomia
intelectual – para viabilizar o seu
desenvolvimento pessoal e profissional (UNESCO,
em 1978).
Um problema que decorre, segundo as premissas
teóricas com as quais venho trabalhando, da
histórica situação subdesenvolvida do Brasil.
Aprendizagem socialmente qualificada
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A Didática – teoria pedagógica – estuda e ensina como
transformar o saber escolar, ou seja, o processo de
pedagogização do saber científico, o que, teoricamente,
redundaria em uma aprendizagem qualificada.
Mas, para isto, tem de haver uma codificação proveitosa de
conhecimentos, de produção própria de saberes e de
transferência destes conhecimentos.
Porém, os conhecimentos tácitos (prévios ou de base)
- subjacentes, portanto, àqueles que são transmitidos nas
universidades - são difíceis de transferir instantaneamente;
E sem os conhecimentos tácitos não é possível que haja
codificação das informações (Lastres). Ou que haja
aprendizagem eficaz proveitosa, com qualidade social.
Aprendizagem socialmente qualificada
em ambientes virtuais
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No ambiente virtual de aprendizagem: o mesmo pode ser
susceptível de não questionamento, ou de ausência de
crítica, no caso de que não existam ações contrárias a isto,
e que fomentem a capacidade crítica do participante
(Franco).
A existência, também, do «analfabetismo digital» limita,
portanto, a investigação, competência essa fundamental
para estudantes com autonomia intelectual.
«Ainda que uma rede possibilite a auto-organização, a
seleção e a filtragem das informações, não existe uma
estrutura interna naquilo que se seleciona, ou seja, um
enquadramento analítico, racional, articulado e bem
fundamentado.» (DYSON, 1998).
Portanto, «inclusão digital não é sinônima de computador, é
sinônimo de capacitação e conhecimento distribuído».
(Silveira)
Observação empírica
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Primeiro, os dados: analfabetos funcionais sabem ler mas
não compreender. De acordo com os dados do Indicador
Nacional de Alfabetismo Funcional/ INAF, de 2007, 75% dos
brasileiros são considerados analfabetos funcionais. Três em
cada quatro brasileiros. Destes, 8% são analfabetos
absolutos, 30% lêem mais compreendem muito pouco e
37% entendem alguma coisa, mas são incapazes de
interpretar e relacionar informações.
Pressuponho, no caso de minhas observações empíricas,
que esteja neste último índice o caso de muitos de alunos
na universidade. O estudo do INAF indicou que apenas 25%
dos brasileiros com mais de 15 anos têm pleno domínio das
habilidades de leitura e de escrita.
Observações empíricas
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Em algumas atividades on-line ou presenciais nessa
experiência de pesquisa-ensino:
Há alunos que não possuem conhecimentos tácitos,
conhecimentos prévios, ou instrução de base;
para compreender, por exemplo, formulações nas quais se
lhes solicita que estabeleçam uma relação entre as idéias
de um autor e as suas próprias idéias;
em respostas de alunos também a trabalhos teóricos, nos
quais há uma maior exigência de elaboração crítica própria,
transparece a lacuna em sua formação de base.
por exemplo, atendo individualmente a alunos que
demandam (felizmente alguns o fazem) a explicitação de
idéias básicas de autores, em textos que são manuais de
– didática!
Metodologia de investigação

Trata-se de uma pesquisa-ensino que tem sua base
epistemológica no materialismo histórico, na dialética e na
teoria crítica (Escola de Frankfurt). Com uma abordagem
interdisciplinar.

Nessa pesquisa têm sido sistematicamente utilizados
– como fontes de dados e como métodos e técnicas de
ensino-aprendizagem – recursos permitidos pela plataforma
Moodle, por e-mails e telefones, em disciplinas presenciais
ou semi-presenciais em cursos de graduação.

Monitoramento semanal do processo pedagógico e sua
relação com a sociedade: ensino- aprendizagem;
planejamento; conteúdos; metodologia; técnicas e recursos
didáticos; relação professora-estudantes e estudantesestudantes; avaliação; bibliografias; relação
universidade/escola básica.
Metodologia de investigação

Registro das opiniões e análises dos alunos sobre
a função epistemológica da utilização das
Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs)
nas disciplinas presenciais.

Análise dos dados pela pesquisadora, também
tendo por base a pesquisa teórica acerca da
intrínseca relação presencial e a distância;

e da conseqüente função econômica desta
relação na “sociedade da informação”, que
modifica os anteriores paradigmas científicos do
papel da educação na sociedade capitalista.
Hipóteses Centrais
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A explicitação e a análise econômica, política e
social do contexto educativo atual são iniciativas
preliminares para o planejamento e solução de
problemas de ensino-aprendizagem, também em
EAD.
Isso, para aqueles que ainda mantêm uma
perspectiva teórica - e prática, principalmente –
críticas, em relação à pós-moderna exploração do
trabalho; e à contemporânea propagação
(potencializada pelas TICs) da diversidade
cultural da alienação política.
Objeto- problema
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Para atingir objetivos de aprendizagens
significativas - para os estudantes e para
a solidificação de uma sociedade
igualitariamente democrática - devem-se
formar nos estudantes habilidades e
conhecimentos que os auxiliem na
formação de sua autonomia intelectual.
Justificativas

Elucidar o problema de qual (ou quais) tipo(s) de analfabetismo
funcional existiria entre estudantes do ensino superior quiçá
contribua com a necessária «identificação dos diferentes fatores
que comprovadamente impactam na aprendizagem em EAD».

Este é um dos desafios apontados no texto de Apresentação do
14º CIAED, quando é ressaltada essa necessidade.

As Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs)
desempenham um papel crescente em âmbito global e em todos
os setores da vida social.

E podem permitir o processamento, a ampliação, a geração, o
controle dos fluxos de informação e de enormes quantidades de
conhecimentos codificados, como analisam diversos estudiosos.

Por isso, é fundamental, para uma formação universitária
contemporânea - que não seja unicamente instrumental - a
ampliação do uso das tecnologias informacionais para seu sentido
(também) emancipatório do ser humano.
Momento histórico
Mudanças na economia mundial
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1. Na organização do trabalho
Taylorismo (planejamento x execução) > Fordismo (esteira
rolante) > Toyotismo (envolvimento do trabalhador)
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2. Na gestão política da sociedade
Estado > Transnacionais
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3. No desenvolvimento das forças produtivas
Novas tecnologias > TICs
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4. Na educação
- Escolar
- Em serviço
Teorias críticas em Educação
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Base analítica: estrutura da sociedade e sua divisão social.
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Educação como meio de integração e submissão das maiorias.
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Educação como meio de emancipação social e humana.
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Crítica à Escola Tradicional (professor centro; passos Herbart).
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E à Escola Tecnicista (treino; condicionamento).
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Denúncia da racionalidade instrumental (Escola de Frankfurt).
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Construção de uma sociedade sem exploração do trabalho e
sem opressão política.
O Imaterial: Conhecimento, Valor e Capital (2003)
André Gorz
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Necessidade de se diferenciar o conhecimento, que pode ser
codificado e apropriado privativamente
↓
dos saberes vivos e vividos que não podem se desvincular das
habilidades das pessoas e, sendo assim, não são passíveis de
apropriação privada.
Dificuldade em se mensurar o novo trabalho, que ao contrário de
outras épocas, não é medido através do número de horas, e sim
de experiências diárias e interpessoais que agregam valor ao
conhecimento tradicional.
Crítica à tentativa do pensamento dominante de subordinar a
produção coletiva, mais simbólica que material, à lógica do lucro
capitalista.
Para o autor, hackers e programadores de software livre, por
exemplo, são peças-chave na economia do saber, pois ao produzir
e transmitir conhecimento, montam estruturas não-hierarquicas e
horizontais, tornando a sociedade mais rica.
Ver também Sem Logo, de Naomi Klein: movimentos
alterglobalização que utilizam as TICs como formas
emancipatórias de coletivização de saberes e lutas sociais.
Características do sistema Toyota
. Mecanização flexível: uma dinâmica oposta à rígida automação
fordista decorrente da inexistência de escalas que viabilizassem a
rigidez.
. Processo de multifuncionalização de sua mão-de-obra, uma vez que
por se basear na mecanização flexível e na produção para
mercados muito segmentados, a mão-de-obra não podia ser
especializada em funções únicas e restritas como a fordista.

Para atingir seus objetivos os japoneses investiram na educação
e qualificação de seu povo e o toyotismo, em lugar de avançar na
tradicional divisão do trabalho, seguiu também um caminho
renovado, incentivando uma atuação voltada para o
“enriquecimento” do trabalho:
especialmente em sua componente intelectual –
“capital cultural ou humano”.
Indícios da Investigação em curso
Fatores que, interligados e complexos, causariam, ao menos
em parte, o problema da deficiência de autonomia de
estudantes de cursos superiores na condução e
responsabilidade sobre sua aprendizagem:
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1. A formação de base (Educação Básica e
educação familiar) de estudantes do ensino
superior, assim como a formação que têm na
universidade, não parecem ter como objetivo
central fomentar a capacidade discente em
conduzir e se responsabilizar por sua própria
aprendizagem.
Indícios da Investigação em curso
Fatores que, interligados e complexos, causariam, ao menos em
parte, o problema da deficiência de autonomia de estudantes de
cursos superiores na condução e responsabilidade sobre sua
aprendizagem:
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2. Parte considerável (cujo índice será detectado pela
pesquisa) dos estudantes sujeitos da investigação
- talvez por não saber como fazê-lo - não possuiria
hábitos concretos e sistemáticos de estudos
individuais, dentre os quais a leitura, prévia às aulas,
de textos indicados pelos professores, condição
fundamental para uma boa aprendizagem.
Indícios da Investigação em curso
Fatores que, interligados e complexos, causariam, ao menos em
parte, o problema da deficiência de autonomia de estudantes de
cursos superiores na condução e responsabilidade sobre sua
aprendizagem:
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3. A estrutura econômico-política do ensino no Brasil,
também no Ensino Superior, possuiria princípios
pautados, o mais das vezes, pela transmissão
superficial dos conhecimentos; pela fragmentação
entre os diversos saberes científicos; e pela
concentração,
no
papel
do
professor,
da
responsabilidade pela aprendizagem dos alunos.
Indícios da Investigação em curso
Fatores que, interligados e complexos, causariam, ao menos em parte, o
problema da deficiência de autonomia de estudantes de cursos superiores
na condução e responsabilidade sobre sua aprendizagem:
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4. A real estratificação curricular X a propalada
interdisciplinaridade.
5. A ausência - na prática - de um projeto pedagógico
comum do corpo docente e discente.
6. A
«desorganização política», aliada a uma certa
alienação, dos estudantes.
7. Formas negativas de competitividade entre professores
– ainda que por vezes veladas – que, aliadas ao fator
ausência, na prática, de um projeto pedagógico elaborado
coletivamente, podem dificultar o que seria uma necessária
orientação comum de atuação didática docente mais
conjunta.
Não há o que fazer [?]
Momento atual: na atualidade a perspectiva da
Didática é assumir a multifuncionalidade do
processo de ensino-aprendizagem e articular suas
três dimensões: técnica, humana e política no
centro configurador de sua temática.
Para que os estudantes conduzam sua própria
formação devem:
 a) saber planejar e organizar seu próprio tempo,
especificamente para fins de seus estudos;
 b) saber ler e estudar textos teóricos;
 c) saber redigir um texto próprio.
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Não há o que fazer [?]
Quanto aos
estariam:
conhecimentos
necessários
aos
estudantes
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a) O que é autonomia individual e coletiva.
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b) A estrutura política e didática do ensino superior no
Brasil, condicionada pela economia-política global.
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c) A origem político-econômica da persistência histórica e
mundial da fragmentação dos saberes científicos.
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d) A explicação e análise do fato – estrutural - de haver
(sim!) concentração, no papel do professor, na
responsabilidade pela aprendizagem dos alunos.
Esperança ou hipóteses novas
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Se tais habilidades e conhecimentos fossem
adquiridos pelos estudantes, sob a perspectiva de
teorias críticas, possivelmente eles chegariam a um
nível mais elevado, do que o atual, de autonomia
sobre seu próprio processo de aprendizagem.
Para o que seria necessária uma verdadeira unidade
de ação entre o corpo docente e o corpo discente.
O que produziria um conhecimento, ou a uma
aprendizagem
mais
significativa
individual
e
socialmente.
Conclusões
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Aprofundamento da investigação para analisar meios para
potencializar a capacidade de o estudante saber:
estabelecer relações entre o conteúdo das aulas com a sua
realidade;
relatar as possíveis mudanças provocadas nos seus conceitos;
buscar fontes extras como subsídios para enriquecer sua
aprendizagem;
apropriar-se do conhecimento de forma reflexiva;
construir pontos de vista próprios;
realizar, desenvolver e construir, a partir de pesquisa própria,
análises críticas e argumentativas;
reconstruir a informação recebida tornando-a significativa para si
e para coletivos sociais, com vistas à produção de novos
conhecimentos e à aplicação sobre sua realidade.
e, ir além, quem sabe, ajudando a transformar a dura realidade
social de seu país?
Conclusões
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Desafio: elaborar construtos teóricos consistentes em torno da
hipótese de que no ensino superior existe um dado tipo (ou tipos)
de analfabetismo funcional.
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Elucidar o problema de qual (ou quais) tipo(s) de analfabetismo
funcional existiria entre estudantes do ensino superior quiçá
contribua com um dos desafios apontados por Litto [13], quando
ressalta a necessidade de «identificação dos diferentes fatores
que comprovadamente impactam na aprendizagem em EAD».
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Mas, a análise está condicionada ao argumento consensual entre
teóricos diversos: para o Brasil atingir um patamar de qualidade
social na educação, também a distância, teria de se tornar um
país desenvolvido.
Conclusões
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Assim, dentre outros possíveis elementos, impedindo o
acesso digital universal e uma aprendizagem eficaz e
qualificada em atividades ou cursos realizados a distância,
está a combinação no país de baixa renda e uma enorme
desigualdade social, restrição de tempo de acesso (quando
há) e baixo nível de escolaridade e nesta, de uma boa
aprendizagem, – da maioria da população.]
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Se esta estrutura não muda em sua base, o analfabetismo
funcional, também no Ensino Superior, persistirá.

Ou será que o analfabetismo funcional seria, na atualidade,
necessário às novas formas de alienação econômica (maisvalia relativa) e política?
Muito obrigada!
Rosilene
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