Reavaliação de
Dos primeiros embates aos dias de hoje, o sindicalismo petista constituiu uma
das vertentes que atuaram na construção do partido. E continua fundamental
para que as relações econômicas e trabalhistas sejam humanizadas Olívio Dutra
Na década de 70 do século
passado, em especial nos
seus últimos anos, quando
foi criada a Comissão Nacional PróPT, o mundo do trabalho no Brasil
passava por transformações significativas decorrentes da concentração de empresas e fusionamento de
bancos com aplicação intensiva de
novas tecnologias e novos métodos de
gerenciamento de pessoal. O regime
militar – a ditadura – agia com mão
de ferro e apoio explícito do grande
capital nacional e internacional e razoável respaldo de setores médios e até
populares. O Estatuto do Trabalhador
Rural, uma das primeiras medidas do
regime, angariava a simpatia de famílias de pequenos agricultores ou
filhos destes que foram levados do Sul
e de outras regiões para o “eldorado”
da ocupação de terras às margens
da Transamazônica. Os grupos que
haviam optado pelo enfrentamento
armado à ditadura sofriam constantes
revezes e as mortes, torturas e desaparecimentos nas prisões e fora delas
minavam sua resistência.
No mundo sindical o regime entendia ter um controle ainda maior por
conta da própria legislação trabalhista
– a CLT –, que desde a década de 1940
colocava os sindicatos sob minucioso
e apascentado controle do Estado. Os
Partidos Comunistas estavam pos-
tos, mais uma vez, na ilegalidade. O
Ministério, as Delegacias Regionais e
as Secretarias Estaduais do Trabalho
eram dirigidos por quadros escolhidos
a dedo pelo regime, seus defensores e
seus áulicos. Muitos deles, se não militares da ativa ou da reserva, oriundos
da ala conservadora da Democracia
Cristã, com seu discurso e cursos de
formação pregando a conciliação entre
o capital e o trabalho e a obediência
servil às autoridades. Em Câmaras
Municipais, Assembleias Estaduais e
Congresso Nacional, nas raras vezes
em que ainda teimaram em se manifestar, criticando ou denunciando
desmandos, parlamentares entravam
para o rol dos cassados e perseguidos
politicamente. A censura explícita e/
ou induzida impunha à imprensa, aos
artistas e produtores culturais um
cerceamento constante à liberdade
de informação, opinião e criação. Na
economia pregava-se que era preciso
fazer o “bolo crescer para depois dividir”. A participação do povo estava
de bom tamanho nos atos oficiais bem
programados, na alegria dos carnavais
e nas celebrações das vitórias da seleção brasileira. O “Pra Frente Brasil”
e o “Ame-o ou deixe-o” eram as duas
faces da moeda do Milagre.
Com todo esse sufoco, no entanto, no movimento popular e sindical
construíam-se respiradouros. Eram
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os mutirões populares, para enfrentar
solidariamente problemas de moradia,
transporte, saúde, carestia. Eram as
comissões por local de trabalho fazendo pontes com oposições sindicais
em inúmeras categorias primeiro nas
regiões mais industrializadas – São
Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte,
Porto Alegre –, espraiando-se em seguida para outras regiões e localidades
do país, como Salvador, Recife, Belém
e Fortaleza. Eram iniciativas localizadas, algumas atomizadas às vezes,
ou no início, que logo encontravam
meios de intercambiar experiências
e construir formas de ação conjunta.
As pequenas frestas foram se transformando em janelas e depois em portas
com basculantes e duas folhas.
Os impedimentos impostos pelo
regime através da máquina oficial de
repressão e controle que, na estrutura sindical, contava com a adesão
ideológica e militante da maioria das
direções das confederações, federações e sindicatos de maior porte do
país, eram superados com paciência
e persistência através de pequenas,
médias e grandes reuniões por ocasião do 1º de Maio, com semanas
sindicais paralelas às oficiais, por
celebrações de datas de categorias
e aniversários de sindicatos ou de
datas da história social do país que
mereciam rememoração.
paradigmas
democrática e da indisposição contra
qualquer verticalidade ou centralismo foi sempre um divisor de águas
entre heranças autoritárias e o Novo
Sindicalismo.
A herança sindical do PT vem desse Novo Sindicalismo. A ênfase na organização pela base, na radicalidade
democrática, na combatividade na
ação faz parte de sua grandeza. Mas
as limitações na formulação teórica
de uma práxis nos fazem ainda hoje,
depois da criação da Associação Nacional dos Movimentos Populares
(Anampos) e da Central Única dos
Trabalhadores (CUT) e da conquista
de mandatos executivos e legislativos
nos três níveis do Estado brasileiro,
titubeantes em questões-chave como a
relação ricamente contraditória entre
movimentos sociais-partidos-governo,
liberdade, autonomia e independência
sindical. Nossa ambiguidade é grande,
por exemplo, diante do Imposto Sindical, que combatemos sempre pelo
caráter impositivo e de atrelamento da
entidade sindical ao aparelho de Estado. Na Constituinte não conseguimos
construir um posicionamento comum
com o campo popular democrático
sobre essa questão e acabamos perdendo a oportunidade de substituí-lo
definitivamente por uma contribuição
decidida em assembleia de trabalhadores. A Confederação Nacional das
Indústrias (CNI) e outras confederações patronais, junto com as representações oficias e oficiosas dos trabalhadores, conseguiram a maioria na
Constituinte para manter o imposto.
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Parizotti/Site CUT Nacional
Nessas ocasiões lideranças de diferentes origens, faixas etárias, regiões,
concepções ideológicas se conheciam
melhor, trocavam ideias, intercambiavam experiências e teciam, sem
rigidez doutrinária, um ideário democrático de organização pela base
e uma agenda comum de lutas para
cada conjuntura.
Era pela disposição de cada uma
se empenhar em suas bases pela irradiação e espraiamento dessas bandeiras como motivadoras de debates,
agregadoras de forças, estimuladoras
de mobilização e organização que as
direções sindicais passavam a ser
qualificadas de combativas, em contraste com as direções “pelegas” e/ou
acomodadas nas cúpulas da estrutura
sindical. A questão da radicalidade
Sindicalismo
Arquivo pessoal
Estamos também diante de novos
desafios que nos propomos como protagonistas da construção de um Outro
Mundo Possível e Necessário, conforme reflexões do Fórum Social Mundial em suas diferentes edições, que
colocam para as entidades sindicais
e dos demais movimentos populares
responsabilidades de maior complexidade que as de ordem puramente
categorial e corporativa que são, e
continuarão a ser, a base e razão de
sua existência. O conceito de Sindicato
Cidadão implica não só a reavaliação
de paradigmas, mas uma postura cada
vez mais internacionalista e solidária
com causas que vão além das da ca-
1983: 1º Encontro Setorial
Sindical do PT
O conceito de Sindicato Cidadão implica
uma postura internacionalista e solidária
que vai além dos temas corporativos
tegoria ou da corporação. Penso que
ainda não temos uma formulação
mais clara sobre esse realinhamento
de percurso. O que podemos propor
e discutir para ajudar a pavimentar
o caminho da globalização humanizada, enquanto responsáveis por entidades que representam milhares de
trabalhadores –homens e mulheres, de
diferentes idades e etnias – que vivem
segregados e excluídos, em permanente estado de exceção dentro do chamado Estado de Direito Democrático, no
espaço urbano das maiores cidades do
mundo? A solução para o emprego e
o salário é o subsídio ou o privilégio
fiscal para as grandes empresas, em
especial as do setor automobilístico?
Nosso sonho de consumo é cada um
ter seu automóvel? A solução é construir mais espaços para circulação
do veículo particular (remover vilas,
abrir avenidas, duplicar vias, construir
elevados, viadutos, edifícios de garagem) e reduzir os espaços de fruição
coletiva e trânsito das pessoas? É só
um exemplo da necessidade que as
entidades sindicais têm de incluir na
pauta de discussão com a base, junto com suas atividades específicas,
a formulação de um modelo de desenvolvimento que se contraponha
de forma alternativa e consistente ao
modelo em curso no globo.
A vertente sindical do PT intercambiou intensamente experiências e reflexões com o Movimento
Sindical Internacional, respeitando
suas diferentes correntes, sem se
vincular organicamente a nenhuma
delas. Mas a Secretaria Sindical Nacional do PT, constituída no Encontro
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Nacional de Sindicalistas do Partido,
no dia 24/7/1982, no Colégio Equipe,
na capital paulista, nascia sob o signo do apoio entusiasta e classista ao
Solidariedade, da Polônia, cujo líder,
Lech Walesa, um trabalhador metalúrgico, foi mais tarde eleito presidente de seu país.
No Brasil temos um trabalhador
metalúrgico e líder sindical, Luiz Inácio Lula da Silva, fundador da Anampos, do PT e da CUT, presidente da
República reeleito, ouvido e respeitado
internacionalmente, sem deixar de se
orgulhar e nos orgulhar de sua origem
e compromissos.
O PT é um partido de construção
coletiva e solidária – não surgido de
gabinetes executivos e legislativos
(conquistou esses espaços depois,
na sua trajetória, por seu programa e
suas candidaturas) –, por isso a contribuição de suas diferentes vertentes,
sendo a sindical apenas uma delas, foi
e será sempre fundamental para seu
aperfeiçoamento e consolidação. ✪
Olívio Dutra é presidente do Diretório Regional
do PT do Rio Grande do Sul
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