UNIVERSIDADE
CATÓLICA DE
BRASÍLIA
GRADUAÇÃO EM DIREITO
O CARÁTER REGULAR DO DEPÓSITO DE BENS
FUNGÍVEIS (GRÃOS) EM ARMAZÉNS GERAIS:
análise doutrinária e jurisprudencial.
Aluno: Bruno César Alves Pinto
Orientador: Marivaldo Antônio Cazumbá
BRASÍLIA
2006
BRUNO CÉSAR ALVES PINTO
O CARÁTER REGULAR DO DEPÓSITO DE BENS
FUNGÍVEIS (GRÃOS) EM ARMAZÉNS GERAIS:
ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL.
Monografia
apresentada
à
Banca
examinadora da Universidade Católica de
Brasília como exigência parcial para
obtenção do grau de bacharelado em
Direito sob a orientação do Professor
Marivaldo Antônio Cazumbá.
Brasília
2006
BRUNO CÉSAR ALVES PINTO
O CARÁTER REGULAR DO DEPÓSITO DE BENS
FUNGÍVEIS (GRÃOS) EM ARMAZÉNS GERAIS:
ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL
Monografia
apresentada
à
Banca
examinadora da Universidade Católica de
Brasília como exigência parcial para
obtenção do grau de bacharelado em
Direito sob a orientação do Professor
Marivaldo Antônio Cazumbá.
Aprovado pelos membros da banca examinadora em ____/____/____, com
menção_____ (__________________________________________).
Banca Examinadora:
______________________________
Presidente: Prof. Marivaldo Antônio Cazumbá
Universidade Católica de Brasília
______________________________
Integrante: Prof. Dr.
Universidade Católica de Brasília
______________________________
Integrante: Profa. Dra.
Universidade Católica de Brasília
Dedico a Deus que esteve sempre ao
meu lado e me proporcionou a
oportunidade de viver este momento; a
minha família que me apoiou e me
valorizou sempre e a minha namorada e
companheira Jaqueline por todos os
momentos juntos.
Agradeço ao Mestre Marivado Antônio
Cazumbá
por toda
orientação e
conselhos; ao Doutor Eduardo Rodolpho
pela amizade e pela compreensão nos
momentos difíceis.
Teu dever é lutar pelo direito, mas no dia
em que encontrares o direito em conflito
com a justiça, luta pela justiça.
Eduardo Couture
RESUMO
PINTO, Bruno César Alves. O Caráter Regular do Depósito de Bens Fungíveis
(Grãos) em Armazéns Gerais: análise doutrinária e jurisprudencial. 2006. 67 folhas.
Trabalho de conclusão de curso - graduação - Faculdade de Direito, Universidade
Católica de Brasília, 2006.
Depósito Regular de Bens Fungíveis. Objetivo: Explicar as conseqüências jurídicas
do depósito regular e irregular; analisar a possibilidade da configuração dos bens
fungíveis (grãos) em Armazéns Gerais como regular frente a Doutrina e suas
diversas correntes; verificar a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e os
efeitos de suas decisões em Tribunais de Justiça. Método: Análise de Leis
pertinentes ao depósito de bens fungíveis (grãos) em Armazéns Gerais e suas
configurações como regular ou irregular, de acórdãos de Tribunais de Justiça e do
Superior Tribunal de Justiça e de diversos pontos Doutrinários sobre bens fungíveis.
Conclusões: Inúmeros Doutrinadores abrem brechas para uma melhor configuração
do depósito destes grãos como regular pela infungibilidade dos mesmos.
Configuração equivocada do Superior Tribunal de Justiça que considerou regular o
depósito de grãos em Armazéns Gerais por não haver a transferência do bem
depositado.
Palavras-chave: depósito, bens, fungível, Armazéns Gerais, regular.
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SIMBOLOS.
ABREVIATURAS
AGA. por agravo
Art. por artigo
n. por número
EREsp. por Embargos em Recurso Especial
etc. por e outras coisas
REsp. por Recurso Especial
Min. por Ministro
SIGLAS
A.C – Antes de Cristo
CC – Código Civil
CDC – Código de Defesa do Consumidor
CDA – Certificado de Depósito Agropecuário
DJ – Diário de Justiça
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TJ – Tribunal de Justiça
TJMG – Tribunal de Justiça de Minas Gerais
TJPR – Tribunal de Justiça do Paraná
WA – Warrant Agropecuário
SIMBOLOS
§ - parágrafo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................10
Capítulo 1 - O depósito de bens em Armazéns Gerais: evolução e
características peculiares.......................................................................................12
1 Síntese da evolução do Armazém Geral ................................................................... 12
2 O depósito em Armazéns Gerais. ............................................................................. 16
3 O contrato de depósito.............................................................................................. 18
Capitulo 2 - Conseqüências Jurídicas da Caracterização dos Contratos de
Depósito em Armazéns Gerais...............................................................................22
1 Da segurança jurídica do contrato de depósito em Armazéns Gerais segundo Decreto
e Lei posterior. ............................................................................................................. 22
2 Dos bens depositados em Armazém Geral. .............................................................. 26
2.1 Da caracterização dos bens depositados em Armazéns Gerais e suas conseqüências. ..27
3 Da ação de depósito de bens infungíveis, o depósito de grãos em Armazéns Gerais e
seus representantes..................................................................................................... 30
Capítulo 3 - O Posicionamento Doutrinário e Jurisprudencial sobre o Depósito
de Bens Fungíveis em Armazéns Gerais. .............................................................35
1 O posicionamento doutrinário sobre os bens fungíveis e infungíveis e sua
classificação quanto aos grãos em Armazéns Gerais. ................................................. 35
2 O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre o depósito de bens fungíveis
em Armazéns Gerais. .................................................................................................. 42
3 A análise dos posicionamentos doutrinário e jurisprudencial sobre depósito regular
em Armazéns Gerais. .................................................................................................. 59
CONCLUSÃO ...........................................................................................................63
REFERÊNCIAS.........................................................................................................65
ANEXOS ............................................................................................................................ 69
INTRODUÇÃO
A atividade comercial é uma das práticas mais antigas do ser humano. Com o
crescimento desta atividade, lugares próprios para o armazenamento de alguns
produtos tiveram que ser construídos. Dava-se assim, o início do Armazém Geral.
É bem verdade que a finalidade do Armazém Geral se modificou durante a
evolução humana e em nosso país, possui grande valor frente aos agricultores. Os
bens
depositados
podem
ser
guardados
misturadamente,
mas
com
a
obrigatoriedade de serem restituídos da mesma espécie, quantidade e qualidade e,
sendo assim, tal prática enseja cuidados.
Uma vez depositados bens similares se misturam, causando uma
homogeneização dos ganhos que serão auferidos dos mesmos, mas sem dúvida, a
maior preocupação dos que utilizam este instituto é a devolução desses bens de
forma correta. Isto porque dos depósitos serão gerados dois títulos representativos,
tanto do equivalente monetário, quanto do bem físico depositado e estes facilitam a
movimentação do equivalente aos bens depositados.
Com estes títulos, que podem ser movimentados separadamente, seus
possuidores podem fazer inúmeras transações, como dar em garantia de uma
dívida. É bem verdade que os títulos possuem o compromisso com a verdade do
que atestam e sendo assim, as transações eram efetuadas sem qualquer problema,
mas posteriormente poderiam e em vários casos eram detectados problemas com o
atestado nos títulos, pois os Armazéns Gerais nem sempre possuíam a boa - fé de
se responsabilizarem corretamente pelos bens depositados.
Em nossos dispositivos legais, o depositário fiel se obriga a restituir a mesma
coisa que foi depositada, sob pena de prisão. Para o depósito em que o depositário
se obriga a restituir bens com as mesmas especificações dos que lhe foram
confiados, não cabe esta prisão.
Mesmo possuindo dispositivos em algumas legislações pertinentes ao caso
que autorizam a prisão para possíveis fraudes, tal prática nunca foi realizada com
sucesso, pois a Constituição Federal de nosso país é restrita a este assunto.
11
Com o aumento de problemas perante o Armazém Geral, tentou-se a
adequação dos bens fungíveis, em sua maioria grãos, ao caso do depósito regular,
que é tratado por bens infungíveis. Tentativas muitas vezes sem sucesso, mas que
com a insistência daqueles que se viram sem garantias reais, conseguiram esta
caracterização que, de certa forma, ainda não é o ideal para o perfeito julgamento
desta matéria.
Para a jurisprudência firmada, o bem ainda possui a fungibilidade, mas por
estar depositado em Armazém Geral adquire o caráter regular. Trata-se, portanto, de
unicidade de caso em que a doutrina especialista não foi utilizada corretamente.
É certo que para não perder a credibilidade em um depósito de extrema
importância para a economia do país, os Eminentes Magistrados tentaram adequar a
norma existente aos pedidos formulados, pois o direito é que haverá de ser
adequado aos casos proporcionados pelas relações jurídicas.
Baseado em tais fatos, este estudo visa a análise do instituto do Armazém
Geral perante a visão doutrinária da conceituação de bens infungíveis e a
jurisprudencial do depósito no que se refere a grãos e sua possível classificação
como depósito regular de bens fungíveis, característica esta adquirida pela
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Inicialmente tratará da visualização das características pertinentes ao
depósito regular e o irregular comparado ao depósito de grãos em Armazéns Gerais.
Serão estudados alguns doutrinadores que possuem significante importância
para o direito brasileiro e que possuem distinções e posicionamentos singulares
sobre a conceituação dos bens infungíveis e sua possível equiparação aos grãos
depositados em Armazéns Gerais.
Jurisprudencialmente, o estudo será focado no Superior Tribunal de Justiça e
a evolução da teoria do depósito regular de bens fungíveis, com o impacto sofrido
por esta teoria em dois Tribunais de Justiça Estaduais, a títulos exemplificativos.
Capítulo 1
O DEPÓSITO DE BENS EM ARMAZÉNS GERAIS: EVOLUÇÃO E
CARACTERÍSTICAS PECULIARES
1 Síntese da evolução do Armazém Geral
O objetivo do comércio, inicialmente, foi o de atender às necessidades
fundamentais dos povos, mas com a criação da moeda, houve uma significativa
mudança, pois os interesses pessoais para a obtenção de maiores lucros superaram
os interesses pelas necessidades do ser humano.
Para uma melhor realização dos objetivos do comércio, vários institutos
surgiram e alguns mantém até os dias de hoje, tais suas vantagens e benefícios.
Entre essas criações figuram os armazéns de depósito tendo como objetivo facilitar
as operações sobre mercadorias e produtos passando, após regulamentação
jurídica, à denominação de Armazéns Gerais com atribuições de maior amplitude e
de êxito econômico assegurado.
Os estabelecimentos de depósito já foram observados no Egito antigo, por
volta de 1500 a.c, onde se conservavam as mercadorias para os tempos menos
favoráveis às suas produções. Roma antiga também possuía seus armazéns que
eram denominados Horreas, estes privados e os públicos, Publicas ou Fiscalias. A
observação que se faz necessária é a de que sempre o Estado possuiu o comando
ou mesmo a fiscalização destes depósitos, diferentemente do que ocorre
atualmente, onde a fiscalização é quase inexistente quando não é mínima,
comprovando a necessidade de maior orientação e fiscalização pelo próprio Estado.
No Brasil o armazém de depósito teve importância para o acondicionamento
de produtos explorados que iriam para o exterior ou mesmo de produtos necessários
à sobrevivência que vinham do exterior por meio de navios à época da colonização.
Posteriormente, o país veio a ser utilizado não apenas para a exploração, mas para
o cultivo de produtos agrícolas, o que levou o país ao seu crescimento, sendo este a
base da economia nacional até os dias atuais.
13
Já regulamentado, o Armazém Geral possuía grande utilidade para o
acondicionamento dos produtos que são colhidos e em primeiro momento
armazenados perto dos centros de colheita e posteriormente nos armazéns
portuários, onde aguardam por meses o embarque para o exterior.
Mesmo sendo mais utilizados para o depósito de grãos em nosso país, estes
podem armazenar quaisquer produtos facilitando assim, a negociação de produtores
de inúmeros tipos de produtos. A expressão “geral” visa determinar que no armazém
possa ser guardados bens de várias pessoas.
Segundo Lacerda, “Armazéns Gerais são estabelecimentos de depósitos que
se destinam a receber mercadorias, que se deseja ou não vender de pronto, ou caso
se queira exporta-las, importa-las ou ainda faze-las apenas transitar.”1
O grande salto, porem, veio da representação do conteúdo dos Armazéns
Gerais. Se antes as mercadorias só poderiam ser comercializadas com base na boafé, após a criação deste instituto os bens poderiam ser comprovados pelo
conhecimento de depósito e pelo warrant dando a garantia que faltava para os
utilizadores deste instituto.
A história do conhecimento de depósito e do warrant se confunde com a do
Armazém Geral, pois a evolução desses títulos é que fez surgir esse instituto
emissor.
O primeiro regulamento sobre esta matéria foi o Decreto n. 2.647 de 19 de
setembro de 1860 que criou os conhecimentos ou bilhetes de depósito das
mercadorias recolhidas nos armazéns das alfândegas e nos entrepostos
particulares, trapiches, armazéns ou depósitos alfandegários, títulos transferíveis por
endosso. É neste ponto onde encontramos em estado rudimentar os títulos
circulantes emitidos por Armazéns Gerais. Se as mercadorias em viagem podiam ser
negociadas, mediante a transferência por endosso, não seria justo privar o comércio
desse benefício desde o momento em que entrassem para os armazéns.
Em 1869, com a Lei n. 1.746, o governo modifica o Decreto de 1860 e dá
novo nome ao bilhete de depósito, este agora se chamando warrant. O bilhete de
1
LACERDA, José Candido Sampírio de, Da negociação dos títulos emitidos por armazéns gerais e
seus efeitos. 1 ed. Rio de Janeiro: Freita Bastos , 1955. p. 21.
14
depósito, desde sua criação, era para ser equiparado ao warrant, que tem sua
origem na Inglaterra.
A função do warrant de 1869 era a de estabelecer, em regulamento especial,
as regras para a emissão dos títulos e o seu uso. Seguidamente, o governo faz novo
Decreto, esse de número 4.450 de 1870, regulamentando a emissão de títulos de
garantia das mercadorias depositadas nos armazéns das alfândegas ou companhia
de docas.
Apesar do empenho governamental para o crescimento econômico com a
facilitação da circulação de títulos, este esquece de construir os armazéns e docas e
não proporciona qualquer incentivo para que os comerciantes o façam.
Demonstrando estar confuso, o governo emite a Consolidação das Leis
Alfandegárias em 1885, não fazendo qualquer referência ao Decreto n. 4.450 de
1870. Uma das razões é a de que o Decreto n. 4.450 limitou-se a reproduzir com
ligeiros retoques e alguns acréscimos as disposições do Regulamento das
Alfândegas de 1860 e dificultou a circulação dos warrants, pois os serviços que eram
gratuitos pelo Regulamento de 1860, passaram a ter taxas pesadas pelo Decreto n.
4.450.
Um outro ponto que dificultou a utilização dos armazéns e alfândegas foi que
mesmo os títulos emitidos devendo conter a quantia e a qualidade da mercadoria,
aqueles não seriam responsabilizados pela quantia e qualidade da mercadoria
depositada.
Ficando em desuso por anos, a Companhia Docas de Santos, concessionária
das obras de melhoramento do porto de Santos, possuidora de vários armazéns que
comportavam produtos exportados e importados, lembrou ao governo, em 1897, a
necessidade de títulos representativos com garantias melhores do que as possuídas
com os Decretos e Regulamentos da época, surgindo assim, o Decreto n. 2.502 de
1897. Ocorre que este Decreto não se fez eficaz, pois para que se sentissem as
vantagens da instituição e esta se generalizasse nos centros comerciais do Brasil,
seria, antes de tudo, necessário dar-lhe plena liberdade, acabando com o monopólio
legal das alfândegas e companhias de docas e dando disposições que se
moldassem às grandes nações comerciais.
15
Dificultando ainda mais, surgiu em dezembro de 1898 a Lei n. 559 que
modificou o plano e o sistema do regulamento de 1897 e estabeleceu as vendas
públicas para mercadorias importadas e para o café.
Em 1900 surge a Lei do Orçamento da Receita n. 746, que autorizou o
governo a designar nas alfândegas os armazéns necessários para receberem em
depósito gêneros nacionais e emitirem warrants.
A companhia Docas de Santos aparelhou-se para emitir esses títulos, mas o
art. 29, n. 24, da Lei n. 746 designou armazéns da Alfândega da Capital Federal e
da Estação Marítima da Estrada de Ferro Central do Brasil para receberem
mercadorias de importação ou quaisquer outras de produção nacional, não sujeitas
a deterioração ou explosão, destinadas a servirem de base à emissão de
conhecimentos de depósitos e warrant. Mais uma vez, o governo se desentende
com os comerciantes.
Nessa situação, a Companhia Docas de Santos, investiu esforços perante o
governo federal para que definitivamente se regulassem a criação, a circulação e a
extinção daqueles títulos e, autorizado pelo Ministério da Fazenda, convidou José
Xavier Carvalho de Mendonça para a elaboração do projeto de lei.
Em 1901 surge o projeto de lei que logo foi enviado à câmara. Após 2
emendas, foi enviado ao senado em 1903, onde foi aceita em primeira discussão e
em 21 de novembro de 1903 surge o Decreto n. 1.102 que regulamenta o
conhecimento de depósito e warrant em Armazéns Gerais.
A elaboração histórica deste Decreto foi importantíssimo para uma
consolidação que se mostra útil até os dias de hoje, ao menos em boa parte de seus
dispositivos.
No ano de 2000 surge a disposição sobre o sistema de armazenagem dos
produtos agropecuários pela Lei n. 9.973. É a primeira Lei que dispôs sobre o
depósito agropecuário, já demonstrando a preocupação com a segurança jurídica de
seus usuários onde previa a responsabilização pelo depositário de qualquer dano
causado por seus empregados agindo por culpa ou dolo e da liberdade para que as
partes,
de
comum
constrangimentos.
acordo,
possam
formular
garantias
para
eventuais
16
Como já poderia ser previsto pela Lei n. 9.973/2000, surge a Lei n.
11.076/2004 dando nova redação a alguns dispositivos e dispondo sobre o
Certificado de Depósito Agropecuário – CDA, o Warrant Agropecuário – WA. Esta lei
não modificou em grande quantidade a Lei geral dos Armazéns Gerais. Tentava-se
uma especificação para os grãos que é um ponto de referência econômica para o
Brasil.
Mesmo existindo leis específicas para o depósito de bens agropecuários, os
depósitos de grãos nos Armazéns Gerais sofreram uma drástica mudança em 2002.
Existindo dispositivos claros e incontestáveis, estes obtiveram alteração que
geraram divergências entre os juristas e os doutrinadores contemporâneos.
Observando a evolução do Armazém Geral é de se salientar que este não
chegou
ao
seu
ultimo
estágio,
necessitando
urgentemente
de
novas
regulamentações que possam sanar as dúvidas que surgiram em tempos atuais,
principalmente perante o depósito de grãos, o que comprova assim, a evolução
natural do direito que está ligada intimamente às relações naturais do homem.
2 O depósito em Armazéns Gerais.
O país possui inúmeros Armazéns Gerais espalhados por várias localidades,
facilitando a vida de pequenos e médios comerciantes e produtores que não
possuem recursos para a construção de seus próprios armazéns.
Ocorre que ao serem armazenados, os bens de diferentes proprietários
podem vir a ser misturados, pois estes são colocados juntamente com outros bens
sendo diferenciados dos demais apenas por sua natureza e qualidade.
Ao serem colocados em conjunto com bens de diferentes proprietários, na
maioria das vezes, ocorre a unificação de lucros, pois cada proprietário investe
diferentemente, gerando especificações distintas para a mesma espécie de bens.
A regulamentação para tal prática e contida no Decreto n. 1.102/1903 que
trata das regras para o estabelecimento de empresas de Armazéns Gerais,
17
determinando os direitos e obrigações dessas empresas, dispondo em seu artigo 12,
in verbis:
Art. 12 - Nos armazéns gerais podem ser recebidas mercadorias da
mesma natureza e qualidade, pertencentes a diversos donos,
guardando-se misturadas. Para este gênero de depósito deverão os
armazéns gerais dispor de lugares próprios e se aparelhar para o
bom desempenho do serviço. As declarações de que trata o art. 1º
juntará o empresário a descrição minuciosa de todos os aprestos do
armazém, e a matrícula no registro do comércio somente será feita
depois de exame mandado proceder pela Junta Comercial, por
profissionais e à custa do interessado.
§ 1º - Neste depósito, além das disposições especiais na presente
Lei, observar-se-ão as seguintes:
1) o armazém geral não é obrigado a restituir a própria mercadoria
recebida, mas pode entregar mercadoria da mesma qualidade;
2) o armazém geral responde pelas perdas e avarias da mercadoria,
ainda mesmo no caso de força maior.
§ 2º - Relativamente às docas, entrepostos particulares e trapiches
alfandegados, a atribuição acima conferida à Junta Comercial cabe
ao Governo Federal.2
Analisando este artigo, percebemos que não havia uma especificação
minuciosa, pois o artigo, em seu caput, nos diz apenas em mercadorias da mesma
natureza e qualidade, pertencentes a diversos donos, guardando-se misturadas,
ficando a qualidade expressa no Decreto a critério do armazenador.
O que torna este ponto singular para a análise pretendida nesta pesquisa é o
fato de que em nenhum outro momento neste Decreto ou de qualquer outra norma
subseqüente pode-se visualizar uma minuciosa qualificação para que se possam
armazenar bens de uma mesma natureza e qualidade.
Pertinente a este trabalho, os bens agrários, que possuem a Lei n.
11.076/2004 especificando o conhecimento de depósito e warrant no que for
referente a produtos agrários, passando a ter a denominação de certificado de
depósito agropecuário – CDA e warrant agropecuário - WA não obtive maior sucesso
uma vez que, não se preocupou em aprofundar a qualificação do bem, pois de certa
forma não vislumbrava qualquer dúvida.
2
BRASIL. Decreto n. 1.102, de 21 de novembro de 1903. Institui regras para o estabelecimento de
empresas de armazéns gerais, determinando os direitos e obrigações dessas empresas. Diário Oficial
da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 21 de novembro. Disponível em:
<http://legislacao.planalto.gov.br/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/DPL%201.1021903?OpenDocument>. Acessado em 09 set. 2005
18
Acontece que a primeira lei de depósito em Armazéns Gerais é do ano de
1903, ou seja, 101 anos de diferença em relação à lei que especificou os depósitos
agrários e, mesmo com tanto espaço de tempo, o legislador não aprofundou esta
questão, o que vai contra os princípios do direito, que são modificáveis com o
decorrer do tempo, adequando-se aos padrões contemporâneos.
Podemos verificar então, a partir do depósito de grãos de mais de um
proprietário, inúmeros casos em que a qualidade dos grãos de mesma natureza
pode ser questionada como, por exemplo, a simples colheita em dias diferentes em
que um prazo de apenas um dia já implicaria em uma qualificação que poderia ser
analisada.
Com esta unificação dos grãos, há também uma unificação dos ganhos, o que
para os que investiram em maior quantidade, financeiramente, acarreta uma perda
considerável.
3 O contrato de depósito
O contrato a ser observado acerca do depósito de bens fungíveis em
Armazéns Gerais, com exceção aos bens agrários que se regulamentam pelo CDA e
WA, é o conhecimento de depósito e warrant.
Segundo Martins, “conhecimento de depósito e warrant servem para atestar a
disposição da mercadoria e movimentação do crédito por parte do proprietário, muito
o auxiliando nas suas transações comerciais.” 3
São títulos emitidos ao mesmo tempo, a pedido do depositante, pelo
Armazém Geral, mas que podem circular separadamente.
Regras comuns ao conhecimento de depósito e warrant deverão cada um, ser
à ordem, transmissível mediante endosso de seus proprietários e conter sua
designação própria, a denominação da empresa de Armazém Geral e sua sede, o
nome a profissão e o domicílio do depositante ou de terceiro por ele indicado, a
3
MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 13 ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Forense,
1995, p. 391.
19
natureza e quantidade das mercadorias em depósito, designadas pelos nomes mais
usados, no comércio, seu peso, o estado dos envoltórios e todas as marcas e
indicações próprias para estabelecerem sua indicação; em se tratando de
mercadorias fungíveis, a sua qualidade; a indicação do segurador da mercadoria e o
valor do seguro, a declaração dos impostos e direitos fiscais, dos encargos e
despesas a que a mercadoria está sujeita; a do dia em que começaram a correr as
armazenagens; a data da emissão dos títulos e a assinatura do empresário ou
pessoa devidamente habilitada por este para assiná-los, conforme artigo 15 do
Decreto n. 1.102/1903, que não obteve reformas na Lei n. 11.076/2004, que
especifica os critérios para o depósito de bens agropecuários.
Após tal emissão, o depositante possui em mãos instrumentos para a
movimentação de crédito, com garantia suficiente para com quem vai transacionar,
conforme artigo 17 do Decreto n. 1.102/1903, in verbis:
Art. 17 - Emitidos os títulos de que trata o art. 15, os gêneros e
mercadorias não poderão sofrer embaraço que prejudique a sua livre
e plena disposição, salvo nos casos do art. 27.4
Para os grãos, a disposição atual da Lei n. 11.076/2004 deixa melhor
especificado a segurança em relação à embaraços que o bem possa ter em seu
artigo 12, in verbis:
Art. 12. Emitidos o CDA e o WA, o produto a que se referem não
poderá sofrer embargo, penhora, seqüestro ou qualquer outro
embaraço que prejudique a sua livre e plena disposição.5
4
BRASIL. Decreto n. 1.102, de 21 de novembro de 1903. Institui regras para o estabelecimento de
empresas de armazéns gerais, determinando os direitos e obrigações dessas empresas. Diário Oficial
da República do Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 21 de novembro. Disponível em:
<http://legislacao.planalto.gov.br/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/DPL%201.1021903?OpenDocument>. Acessado em 09 set. 2005
5
BRASIL. Lei 11.076, de 30 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o Certificado de Depósito
Agropecuário – CDA, o Warrant Agropecuário – WA, o Certificado de Direitos Creditórios do
Agronegócio – CDCA, a Letra de Crédito do Agronegócio – LCA e o Certificado de Recebíveis do
os
Agronegócio – CRA, dá nova redação a dispositivos das Leis n 9.973, de 29 de maio de 2000, que
dispõe sobre o sistema de armazenagem dos produtos agropecuários, 8.427, de 27 de maio de 1992,
que dispõe sobre a concessão de subvenção econômica nas operações de crédito rural, 8.929, de 22
de agosto de 1994, que institui a Cédula de Produto Rural – CPR, 9.514, de 20 de novembro de
1997, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário e institui a alienação fiduciária de
o
coisa imóvel, e altera a Taxa de Fiscalização de que trata a Lei n 7.940, de 20 de dezembro de 1989,
e dá outras providências. Diário Oficial da República Ferativa do Brasil, Brasília, DF, 31 de dezembro.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2004-2006/2004/Lei/L11073.htm>. Acessado
em 09 set. 2005
20
O conhecimento de depósito atesta a propriedade da mercadoria, ou seja, se
há a transferência do certificado de depósito, há a transferência de proprietário do
que está depositado no Armazém Geral.
É o que explica Miranda (2006), in verbis:
A finalidade do conhecimento de depósito é representar e atestar a
propriedade das mercadorias, sendo que a sua transferência
equivale à transferência das mercadorias depositadas, dando ao
endossário do conhecimento a disponibilidade das mercadorias,
inclusive o direito de retirá-las dos armazéns gerais como se dono. 6
Possui a característica, portanto, de título representativo, ou seja, a função de
representar o montante que lhe é especificado evitando assim, que a mercadoria em
si transite.
Caso haja transferência, o novo proprietário do conhecimento de depósito
responderá pelo pagamento do warrant, não podendo dispor livremente das
mercadorias, a não ser que consigne a importância relativa ao warrant, se a dívida
não estiver vencida.
Assim como o conhecimento de depósito representa a mercadoria
depositada, o warrant serve de instrumento comprobatório de penhor. “A simples
transferência do warrant dá ao cessionário o direito de penhor sobre as mercadorias,
ficando o seu proprietário com a obrigação de solver essa dívida quando delas se
desfizer.”7
Martins (1995) nos ensina ainda que ao adquirir as mercadorias, mediante a
cessão do conhecimento de depósito, o cessionário adquiriu um bem gravado com
uma dívida, pela qual passou a se responsabilizar; e a livre disposição das
mercadorias sofre, por isso mesmo, restrição, donde facilmente se compreende a
razão pela qual o Decreto estabelece que somente pode ser a mercadoria retirada
dos Armazéns-Gerais mediante a devolução, a estes, do conhecimento de depósito
e do warrant.8
Mais a mercadoria depositada não poderá ser retirada apenas quando o
prazo do contrato do warrant se findar. Caso o portador do conhecimento de
6
MIRANDA, Maria Bernadete. Curso teórico e prático dos títulos de crédito. 1 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006. p. 137.
7
MARTINS, Fran. Títulos de crédito. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense , 2002, v. II, p 257.
8
MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 13 ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Forense,
1995, p. 393
21
depósito queira fazer a retirada dos bens, basta depositar junto ao Armazém Geral a
quantia referente ao warrant. É de ser observado que o valor a ser depositado é o
que consta do verso do conhecimento de depósito e, será depositado em favor de
quem se apresentar com o título do warrant. 9
Os mesmos fundamentos visualizados no conhecimento de depósito e
warrant são utilizados pelo CDA e WA, sendo estes apenas para os produtos
agrários, atualmente.
9
MARTINS, Fran. Títulos de crédito. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v. II. p. 256
Capitulo 2
CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS DA CARACTERIZAÇÃO DOS
CONTRATOS DE DEPÓSITO EM ARMAZÉNS GERAIS
1 Da segurança jurídica do contrato de depósito em Armazéns
Gerais segundo Decreto e Lei posterior.
O que possibilita a credibilidade do título representativo de bens depositados
é a segurança total, tanto do bem quanto do valor equivalente ao bem.
Para tanto, há dispositivos legais que regulamentam o comprometimento do
depositário para qualquer constrangimento referente ao bem depositado.
O Decreto n. 1.102/1903 já dispunha de argumentos que davam garantia para
um depósito seguro.
No artigo 1º, § 2º e 5º do Decreto 1.102/1903, há tanto a disposição acerca da
fidelidade do depositário que assume a responsabilidade perante a junta comercial e
de quem poderia ser proprietários de Armazéns Gerais, in verbis:
Art. 1 - As pessoas naturais ou jurídicas, aptas para o exercício do
comércio, que pretenderem estabelecer empresas de armazéns
gerais, tendo por fim a guarda e conservação de mercadorias e a
emissão de títulos especiais, que as representem, deverão declarar à
Junta Comercial do respectivo distrito:
[...]
§ 2º - Arquivado na secretaria da JUNTA COMERCIAL um exemplar
das folhas em que se fizer a publicação, o empresário assinará termo
de responsabilidade, como fiel depositário dos gêneros e
mercadorias que receber, e só depois de preenchida esta
formalidade, que se fará conhecida de terceiros por novo edital da
Junta, poderão ser iniciados os serviços e operações que constituem
objeto da empresa.
[...]
§ 5º - Não poderão ser empresários, administradores ou fiéis de
armazéns gerais os que tiverem sofrido condenação pelos crimes de
23
falência culposa ou fraudulenta, estelionato, abuso de confiança,
falsidade, roubo ou furto.10
Já no artigo 11 do mesmo Decreto, observamos a responsabilidade do
Armazém Geral perante o bem depositado, in verbis:
Art. 11 - As empresas de armazéns gerais, além
responsabilidades
especialmente
estabelecidas
nesta
respondem:
das
lei,
1º - pela guarda, conservação e pronta e fiel entrega das
mercadorias que tiverem recebido em depósito, sob pena de serem
presos
os
empresários,
gerentes,
superintendentes
ou
administradores sempre que não efetuarem aquela entrega dentro de
24 horas depois que judicialmente forem requeridos;
Cessa a responsabilidade nos casos de avarias ou vícios
provenientes da natureza ou acondicionamento das mercadorias, e
força maior, salvo a disposição do art. 37, § único;
2º - pela culpa, fraude ou dolo de seus empregados e prepostos e
pelos furtos acontecidos aos gêneros e mercadorias dentro dos
armazéns.
§ 1º - A indenização devida pelos armazéns gerais nos casos
referidos neste artigo, será correspondente ao preço da mercadoria e
em bom estado no lugar e no tempo em que devia ser entregue.
O direito à indenização prescreve em três meses, contados do dia
em que a mercadoria foi ou devia ser entregue.11
[...]
Dando ainda mais segurança aos depositantes, o artigo 35 do mesmo
Decreto, trata das penas para os que emitirem os títulos de Conhecimento de
depósito e Warrant e de qualquer forma não cumprirem com suas obrigações, in
verbis:
Art. 35 - Incorrerão nas penas de prisão celular por um ou quatro
anos e multa de 100$ a 1:000$:
1º - Os que emitirem os títulos referidos no capítulo II, sem que
tenham cumprido as disposições dos arts. 1º e 4º, desta lei.
2º - Os empresários ou administradores de armazéns gerais que
emitirem os ditos títulos sem que existam em depósito as
mercadorias ou gêneros neles especificados; ou que emitam mais de
10
BRASIL. Decreto n. 1.102, de 21 de novembro de 1903. Institui regras para o estabelecimento de
empresas de armazéns gerais, determinando os direitos e obrigações dessas empresas. Diário Oficial
da República do Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 21 de novembro. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/decreto/Antigos/D1102.htm>. Acessado em 09 set. 2005
11
BRASIL. Decreto n. 1.102, de 21 de novembro de 1903. Institui regras para o estabelecimento de
empresas de armazéns gerais, determinando os direitos e obrigações dessas empresas. Diário Oficial
da República do Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 21 de novembro. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/decreto/Antigos/D1102.htm>. Acessado em 09 set. 2005
24
um conhecimento de depósito e de "warrant" sobre as mesmas
mercadorias ou gêneros, salvo os casos do art. 20.
3º - Os empresários ou administradores de armazéns gerais que
fizerem empréstimos ou quaisquer negociações por conta própria ou
de terceiro, sobre os títulos que emitirem.
4º - Os empresários ou administradores de armazéns gerais que
desviarem, no todo ou em parte, fraudarem ou substituírem por
outras, mercadorias confiadas a sua guarda, sem prejuízo da pena
de prisão de que trata o art. 11, nº 1.
5º - Os empresários ou administradores de armazéns gerais que não
entregarem em devido tempo, a quem de direito, a importância das
consignações de que trata o art. 22 e as quantias que lhes sejam
confiadas nos termos desta lei.
§ 1º - Se a empresa for sociedade anônima ou comanditária por
ações incorrerão nas penas acima cominadas os seus
administradores, superintendentes, gerentes ou fiéis de armazéns
que para o fato criminoso tenham concorrido direta ou indiretamente.
§ 2º - Se os títulos forem emitidos pelas repartições federais de que
tratam os artigos 2º e 3º, incorrerão nas penas acima os fiéis ou
quaisquer funcionários que concorreram para o fato.
§ 3º - Nesses crimes cabe a ação pública.12
Para uma visão superficial, o depositante não correria risco algum, pois o
Decreto possuía, se não todos, quase todos os casos em que o depositário arcaria
com qualquer problema com o depósito.
Apesar dos artigos 11, § 1º e 35, § 4º do Decreto n. 1.102/1903 autorizarem a
prisão pela não conservação, pronta e fiel entrega das mercadorias que tiverem
recebido em depósito ou fraude ou substituição por outras mercadorias confiadas a
sua guarda, tal prisão não é válida em nosso ordenamento jurídico. Isto porque os
bens depositados são considerados fungíveis e, para que a prisão tenha
embasamento legal teria que ser caracterizado a infungibilidade do bem e assim, ser
considerado o depositário como fiel, obrigando-o a restituir coisa certa, regulando-se
pelo instituto do depósito regular.
Mesmo com sinais de mudança dos parâmetros pertinentes ao depósito em
Armazéns Gerais (inúmeras ações de depósito pela armazenagem de grãos sendo
caracterizadas, contrariando o dispositivo do Decreto n. 1.102/1903), surge a Lei n.
9.973/2000, em seu art. 6º e seus parágrafos, tentando confirmar alguns dispositivos
12
BRASIL. Decreto n. 1.102, de 21 de novembro de 1903. Institui regras para o estabelecimento de
empresas de armazéns gerais, determinando os direitos e obrigações dessas empresas. Diário Oficial
da República do Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 21 de novembro. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/decreto/Antigos/D1102.htm>. Acessado em 09 set. 2005
25
do Decreto n. 1.102/1903 e dando novas formas de garantia para os depósitos
agropecuários, in verbis:
Art. 6o O depositário é responsável pela guarda, conservação, pronta
e fiel entrega dos produtos que tiver recebido em depósito.
§ 1o O depositário responderá por culpa ou dolo de seus empregados
ou prepostos, pelos furtos, roubos e sinistros ocorridos com os
produtos depositados, bem como pelos danos decorrentes de seu
manuseio inadequado, na forma da legislação específica.
§ 2o O presidente, o diretor e o sócio-gerente da empresa privada, ou
o equivalente, no caso de cooperativas, assim como o titular de firma
individual, assumirão solidariamente com o fiel responsabilidade
integral pelas mercadorias recebidas em depósito.
§ 3o O depositário e o depositante poderão definir, de comum acordo,
a constituição de garantias, as quais deverão estar registradas no
contrato de depósito ou no Certificado de Depósito Agropecuário CDA.
§ 4o A indenização devida em decorrência dos casos previstos no §
1o será definida na regulamentação desta Lei.
§ 5o O depositário não é obrigado a se responsabilizar pela natureza,
pelo tipo, pela qualidade e pelo estado de conservação dos produtos
contidos em invólucros que impossibilitem sua inspeção, ficando sob
inteira responsabilidade do depositante a autenticidade das
especificações indicadas.
§ 6o Fica obrigado o depositário a celebrar contrato de seguro com a
finalidade de garantir, a favor do depositante, os produtos
armazenados contra incêndio, inundação e quaisquer intempéries
que os destruam ou deteriorem.
§ 7o O disposto no § 3o deste artigo não se aplica à relação entre
cooperativa e seus associados de que trata o art. 83 da Lei no 5.764,
de 16 de dezembro de 1971.13
Mesmo com a preocupação da nova legislação em por fim aos conflitos
existentes entre os magistrados e o Decreto n. 1.102/1903, esta não obteve grande
sucesso. Apesar dos dispositivos legais garantirem a responsabilização dos
depositários e até mesmo a prisão de seus administradores, as disposições
constitucionais e do Código Civil de 1916 e 2002 eram e são contrarias a prisão por
depósito de bens fungíveis.
13
BRASIL. Lei n. 9.973, de 29 de maio de 2000. Dispõe sobre o sistema de armazenagem dos
produtos agropecuários. Diário Oficial da República Ferativa do Brasil, Brasília, DF, 29 de maio.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L9973.htm>. Acessado em 14 de ago. 2006
26
2 Dos bens depositados em Armazém Geral.
Os Armazéns Gerais possuem a característica de acomodar bens que
possam ser misturados entre si, dando a responsabilidade apenas de restituírem
bens que se equiparem ao máximo aos que foram depositados.
Tal disposição está contida no Decreto n. 1.102/1903 que regulamenta o
depósito de bens em Armazéns Gerais, em seu artigo 12, § 1º, 1º nos diz, in verbis:
[...}
1º, O armazém geral não é obrigado a restituir a própria mercadoria
recebida, mas pode entregar mercadoria da mesma qualidade.14
[...]
Uma vez que não há uma singularidade entre os produtos, estes são
classificados como fungíveis, pois podem ser trocados por outros, desde que
possuam características iguais.
Pontes de Miranda conceitua fungibilidade, in verbis:
Fungibilidade é a substituibilidade qualitativa e quantitativa. Em vez
de se levar em conta a individualidade da coisa atende-se ao gênero,
que é classe. A formação da classe é determinada pelo tráfico
habitual, e não arbitrariamente. 15
Nos dá, portanto, uma série de características para a formação do bem
fungível, mas deixa claro que estas características são encontradas na própria coisa.
Partindo deste entendimento, a nossa legislação possui o contrato de mútuo
como sendo específico para a restituição de bens de características idênticas.
Dispõe o artigo 645 da Lei n. 10.406 de 2002, in verbis:
Art. 645. O depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se
obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade,
regular-se-á pelo disposto acerca do mútuo. 16
14
BRASIL. Decreto n. 1.102, de 21 de novembro de 1903. Institui regras para o estabelecimento de
empresas de armazéns gerais, determinando os direitos e obrigações dessas empresas. Diário Oficial
da República do Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 21 de novembro. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/decreto/Antigos/D1102.htm>. Acessado em 09 set. 2005
15
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 2 ed. Rio de Janeiro:
Borsoi. 1954, Tomo II, p. 25.
16
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 de janeiro. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/2002/L10406.htm>. Acessado em 13 de set. 2005
27
Mútuo, segundo Monteiro (1998) é o “contrato pelo qual alguém transfere a
propriedade de coisa fungível a outrem, que se obriga a lhe pagar coisa do mesmo
gênero, qualidade e quantidade”.17
Podemos observar a partir do artigo 645 do Código Civil de 2002 e do
conceito fornecido por Washington de Barros que a fungibilidade do bem é
fundamental para a determinação do depósito.
A fungibilidade está ligada extremamente à qualidade. A grande questão,
então, é separar produtos, acima de tudo, pela qualidade que possuem, pois as
inúmeras formas de qualificarmos certo bem podem levá-lo à infungibilidade, ou
seja, a singularidade do bem.
Neste ponto de especificação da qualidade é que se mostra necessário o
instrumento legal para auxílio dos moldes do contrato de depósito de bens em
Armazéns Gerais.
Venosa (2006) salienta que “a vontade das partes pode gerar inúmeras
especificações ao bem, que em princípio é fungível, mas será colocado em zona
cinzenta, não muito fácil de qualificar.” 18
A observação de venosa é de extrema importância, pois a qualificação que se
mostrar muito complexa terá que ser feita perante os contratantes durante a
formulação do contrato e não ficando a cargo de qualquer de uma das partes após a
celebração do contrato.
2.1 Da caracterização dos bens depositados em Armazéns Gerais e
suas conseqüências.
É de suma importância saber qualificar um bem que será depositado. Bens
que não possuem uma qualificação muito complexa são classificados como
fungíveis e serão regularizados por mútuo. Já os Bens que possuem uma
17
MONTEIRO , Washington de barros. Curso de direito civil. 30 ed. São Paulo: Saraiva, 1998, v. V, 2
parte, p. 218.
18
VENOSA, Silvio de salvo. Direito civil: parte geral. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2006, v. I, p. 316.
28
qualificação complexa os tornando singulares são classificados como infungíveis e
se regularizaram pelo depósito.
Venosa observa a diferença de mútuo para depósito, in verbis:
O mútuo é no interesse do que recebe a coisa; o depósito, no
interesse de quem deposita. Por outro lado, o depósito não se
confunde com as relações de gentileza, que nascem quando se
permite deixar a coisa, ainda que não se toque nela, sem se assumir
o dever de deposito.19
Essas diferenças acarretam processos, deveres e obrigações distintas, pois
como preconiza o art. 5 º, LXVII da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988, não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário
infiel.
Partindo do princípio constitucional, e da singularidade, o artigo 652 do
Código Civil de 2002 nos diz, in verbis:
Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que
não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante
prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos.20
O Código salienta a singularidade ao expressar “o restituir” deixando clara a
referência de ser o bem, coisa certa.
A singularidade do bem é caráter fundamental para a prisão, pois só poderá
ser preso aquele que estiver em poder de bem que não há como ser restituído por
outro.
A ação que será proposta para a devolução dos bens depositados será a
Ação de Depósito, conforme artigo 901 e seguintes do Código de Processo Civil
(BRASIL, 1973). Mais especificamente, o artigo 904 do mesmo código, nos diz, in
verbis:
Art. 904. Julgada procedente a ação, ordenará o juiz a expedição de
mandado para a entrega, em 24 (vinte e quatro) horas, da coisa ou
do equivalente em dinheiro.
Parágrafo único. Não sendo cumprido o mandado, o juiz decretará a
prisão do depositário infiel.21
19
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2006, v.I, p 57.
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República
Ferativa do Brasil, Brasília, DF, 10 de janeiro. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/2002/L10406.htm>. Acessado em 13 de set. 2005
20
29
Se a prisão civil só pode ser concretizada, no que se refere a depósito, por
bens infungíveis, bens fungíveis regularizados por mútuo não levam à prisão civil.
A boa - fé está ligada diretamente a este contrato, pois é o Armazém Geral o
único emissor do título de crédito representativo (conhecimento de depósito e
warrant), capaz de atestar o depósito de certo bem. A confiança é tamanha que a
fiscalização para atestar se tal depósito existe ou mesmo se já existiu é realizada
apenas pelas juntas comerciais, conforme art. 22 do Decreto n. 1.102 de 1903, ou
por visitas dos possuidores do conhecimento de depósito e warrant aos armazéns.
Acontece que, assim como o direito e suas legislações evoluem, as formas de
burlar tais legislações também evoluem e se pensarmos em uma legislação de mais
de cem anos, que é a que regulamenta as disposições do depósito em Armazéns
Gerais, podemos visualizar o quão distante está das formas de atuação do direito
atual, em que antes era a confiança que gerava a maioria dos contratos.
Pode–se visualizar então, inúmeras possibilidades de um Armazém Geral não
cumprir suas obrigações de guardar, conservar e se responsabilizar por qualquer
dano que ocorra até que seja retirado pela parte que seja legítima, como por
exemplo, utilizar o título de warrant emitido para uma certa mercadoria e solicitar
empréstimo bancário com o mesmo e, posteriormente recebendo o valores da
mercadoria tanto pelo banco quanto pela pessoa que possui o conhecimento de
depósito e que retirava a mercadoria, uma vez que esse título tem papel
representativo de valor da mercadoria representada pelo conhecimento de depósito
e que mesmo sendo retirada a mercadoria do armazém, a pessoa que retirou é
obrigada a depositar o valor que consta do warrant perante o mesmo.
Esta e outras inúmeras possibilidades foram aplicadas diversas vezes na
prática, por muitos e muitos anos, estando somente o Armazém Geral sendo
responsabilizado por todas as dívidas com os bancos.
Tal prática de burlar o sistema legal ensejou uma desconfiança no setor
bancário ao pedido de empréstimos a partir deste título.
21
BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da
República Ferativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/L5869.htm>. Acessado em 18 de mar. 2006
30
3 Da ação de depósito de bens infungíveis, o depósito de grãos em
Armazéns Gerais e seus representantes.
A medida judicial para a restituição de bens armazenados em Armazéns
Gerais é, em regra, a Ação de Mutuo. Isso porque nos Armazéns Gerais o bem pode
ser guardado misturadamente com outros bens de mesma característica, mas de
proprietários distintos.
Como a Ação de Mútuo não ensejava nenhum malefício direto ao
representante do Armazém Geral, este se via livre, pois quem arcava
completamente com o ônus do não pagamento de tal promessa era o Armazém,
mesmo com inúmeros dispositivos contidos no Decreto e Leis posteriores garantindo
a responsabilidade.
Ante a completa sensação de impunidade, os prejudicados postulavam em
juízo Ação de Depósito de Bens Infungíveis sobre a alegação de que os grãos
entregues ao Armazém Geral são coisa certa, pois as características contidas em
cada safra são completamente distintas de qualquer outra, descaracterizando assim,
o mútuo.
Esta foi uma tentativa desesperadora, a princípio, dos depositantes que se
viam sem qualquer garantia para a restituição de seus bens, mas que ganhava força
pela ocorrência cada vez mais freqüente de fraudes envolvendo esse depósito.
Inúmeras foram os processos no decorrer dos tempos para tentar imputar a
maior das responsabilidades aos representantes dos Armazéns Gerais, pois o Brasil,
por ser um país produtor em massa de grãos, possui neste depósito uma importante
etapa para a movimentação financeira adequada.
A perda na credibilidade deste importante depósito decorrente da impunidade
dos fraudadores, fez com que os magistrados de primeiro grau modificassem seus
entendimentos para dar maior garantia ao depósito.
Apesar da mudança de entendimento, esta não possuía um embasamento
adequado, pois são poucos os doutrinadores que se aventuram em sustentar a tese
de que bens fungíveis, a princípio, possam ser caracterizados como infungíveis pela
qualificação excessiva de suas propriedades.
31
Os entendimentos dos juizes de primeiro grau foram, em sua maioria,
unificados. Posteriormente, a maioria dos desembargadores dos Tribunais
correspondentes também cederam a este entendimento, mas o Superior Tribunal de
Justiça não fez o mesmo. Isto porque mesmo o sistema econômico requerendo uma
outra garantia, esta não poderia ser dada sem uma justificativa plausível de que
bens agropecuários, especificamente grãos, passariam a ser classificados dentro
dos Armazéns Gerais como bens infungíveis.
Havia ainda um segundo problema, pois mesmo conseguindo configurar o
depósito como sendo infungível, a imputação da pena de prisão, que era o objetivo
final para esta configuração, esbarrava em uma dificuldade, pois o responsável pelo
depósito seria o Armazém Geral e não seus proprietários.
Nos artigo 11, § 1 e 35, § 4º do Decreto n. 1.102/1903 os responsáveis pelo
Armazém Geral seriam responsabilizados com suas prisões, mas o que ocorria é
que a prisão se daria por fundamentação em artigos que não foram construídos no
depósito regular e, assim sendo, teriam que ser usados de forma análoga, o que
proporcionaria um entendimento com possíveis falhas.
Houve porém, uma segunda possibilidade para se imputar a responsabilidade
dos bens depositados nos Armazéns Gerais a seus responsáveis que é a
descaracterização da personalidade jurídica onde o responsável pela empresa é
quem responde por ela.
Inicialmente, o único dispositivo legal para tal prática era contido no Código de
Defesa do Consumidor, Lei n. 8.078/1990, em seu art. 28, disposto in verbis:
Art. 28 - O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da
sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de
direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou
violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração
também será efetivada quando houver falência, estado de
insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica
provocados por má administração.22
Baseando-se neste preceito legal, os juizes decidiram, inúmeras vezes, em
desconsiderar personalidades jurídicas, como pode ser observado, por exemplo, em
uma das inúmeras jurisprudências do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
22
BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá
outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 de setembro.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L8078.htm>. Acessado em 23 de abriu. 2006
32
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. MANEJO PELO
DEVEDOR. GARANTIA DO JUÍZO. PESSOA JURÍDICA.
DESCONSIDERAÇÃO. FRAUDE E ABUSO DE DIREITO... 3.A
pessoa jurídica não se confunde com as pessoas que a integram.
Todavia, é lícito ignorar-se a existência da pessoa jurídica sempre
que a sua autonomia seja utilizada para a materialização de uma
fraude ou abuso de direito. Com isso, o responsável pelo mau uso da
personalidade jurídica própria da entidade fica diretamente
comprometido com a obrigação. [...]23
Acontece que o depositante de um bem não pode ser considerado
consumidor por não ser o destinatário final para consumo do bem, portanto, a ação
teria que ser proposta por via reflexa a este entendimento, o que não garantia por
completo o sucesso da ação.
Com surgimento do CC/2002, mais precisamente seu art. 50, que de certa
forma confirma o art. 28 do CDC, os depositantes dos armazéns gerais tiveram uma
nova fonte de direito para postulares seus pedidos, visto que esta Lei abrange uma
gama ainda maior de beneficiados, pois ela não trata apenas de consumidores e sim
de qualquer um que se veja prejudicado.
Dispõe o art. 50 da Lei n. 10.406/2002, in verbis:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado
pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz
decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe
couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos
administradores ou sócios da pessoa jurídica.24
Mesmo com este dispositivo, os representantes dos Armazéns Gerais não se
viam prejudicados, pois somente o patrimônio dos responsáveis será afetado.
Portanto, se precavendo de tais perdas e objetivando a ilicitude do lucro, os
responsáveis pelos Armazéns Gerais, antes mesmo de iniciarem qualquer
movimentação financeira poderiam retirar a maioria ou até mesmo todo patrimônio
de seu nome.
23
BRASIL, Distrito Federal, Brasília. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Agravo de Instrumento n.
582996. Agravante João de Paiva Marques e Agravado Comércio e Representação de Materiais
Elétricos Mercúrio Ltda e Oswaldo Toller. Relator: Desembargador valter Xavier. Brasília, 15 de abril
de 1996. Diário de Justiça da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 22 de mai. 1996.
Disponível
em
<http://tjdf19.tjdf.gov.br/cgibin/tjcgi1?DOCNUM=42&PGATU=3&l=20&ID=60549,66100,30905&MGWLPN=SERVIDOR1&NXTPG
M=jrhtm03&OPT=&ORIGEM=INTER>. Acesso em: 17 de julho de 2006
24
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 de janeiro. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/2002/L10406.htm>. Acessado em 13 de set. 2005
33
Muitas vezes, o patrimônio do Armazém Geral não comportava o tamanho da
dívida, pois nem sempre ele devia apenas uma instituição financeira e sendo
desconsiderada a personalidade jurídica, esta não integrava nenhum bem a mais
para a solvência de tal dívida.
Ante esta possibilidade, os Magistrados passaram a decidir de forma distinta,
pois a questão não visava apenas à restituição do bem ou de seu equivalente, mas
sim da prisão civil pelo não cumprimento de tal determinação.
Partindo desta observação, a pena há de ser cominada a quem for o
representante da pessoa jurídica em juízo. Trata-se de efeito de pretensão civil, e
não criminal; de modo que o argumento da “personalidade” não cabe. O princípio de
que a pena não passa da pessoa do delinqüente é de direito penal, e não civil; e no
próprio direito penal não isenta os herdeiros de responder dentro das forças da
herança.
Assim melhor explica Pontes de Miranda:
A pena de prisão é, na ação de depósito, apenas meio coercitivo
para se obter a execução da obrigação de restituir o depósito.
Advirta-se em que - se o depositário se adianta em conseguir a
coisa, ou o equivalente fixado por perito – citado o depositante, não
cabe pensar - se em cominação de prisão.25
Analisando este posicionamento, os responsáveis seriam aqueles que se
responsabilizam pelo Armazém Geral, dando um novo olhar aos depósitos de bens
fungíveis, mesmo estes sendo expressamente pela Lei n. 10.406 em seu artigo 645,
tratados como mútuo.
O embasamento desta teoria era prevista no artigo 11 do Decreto n.
1.102/1903, tentando assim caracterizar o depositário fiel, como sendo os
responsáveis pelo armazém, possibilitando assim, a prisão civil.
Esta afirmativa era combatida com a alegação de que os bens eram fungíveis
e consumíveis, e que eram dados em garantia, daí descaracterizado o depósito em
face da tradição simbólica.
Usando este paradigma ao seu favor, os proprietários de Armazéns Gerais
que visavam à má fé dos negócios, possuíam uma vantajosa arma para os grandes
golpes, uma vez que as sacas poderiam ser dadas em garantia de grandes
25
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 2 ed. Rio de Janeiro:
Borsoi, 1954, Tomo II, p. 25.
34
empréstimos feitos diretamente aos bancos e quando tais garantias eram requeridas
pelos bancos, o único que tinha a responsabilidade com a entrega de tal bem era o
próprio armazém e não os seus proprietários.
Capítulo 3
O POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL SOBRE O
DEPÓSITO DE BENS FUNGÍVEIS EM ARMAZÉNS GERAIS.
1 O posicionamento doutrinário sobre os bens fungíveis e
infungíveis e sua classificação quanto aos grãos em Armazéns
Gerais.
O ponto principal de toda discussão é a da classificação quanto a
fungibilidade ou não dos grãos depositados em armazéns gerais, pois como já foi
explanado, as responsabilidades geradas a partir de sua classificação se distinguem
profundamente.
Os legisladores do Decreto n. 1.102 de 1903 basearam-se no princípio de que
bens fungíveis são aqueles que podem ser substituídos por outros de mesma
espécie, quantidade e qualidade e que por isso, os grãos poderiam ser guardados
misturadamente,
desde
que
pudessem
ser
devolvidos
com
todas
suas
características.
No ano de 1916, com a entrada em vigor do Código Civil pela Lei n. 3.071, foi
ratificado o entendimento do Decreto n. 1.102 no artigo 50 que nos diz, in verbis:
Art. 50. São fungíveis os móveis que podem, e não fungíveis os que
não podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e
quantidade.26
A partir deste entendimento que, aparentemente, parecia imutável, diversos
doutrinadores tomaram caminhos distintos sobre o tema.
Antes da análise sobre a fungibilidade ou não dos bens, cabe ressaltar a
distinção de coisas e bens, pois os doutrinadores sempre utilizam a expressão coisa
para classificar o objeto.
Para Diniz, “as coisas abrangem tudo quanto existe na natureza, exceto a
pessoa, mas como “bens” só se consideram as coisas existentes que proporcionam
26
BRASIL. Lei n. 3.071, de 01 de janeiro de 1916. Código Civil. Diário Oficial da República dos
Estados Unidos Brasil, Rio de Janeiro, RJ. 10 de janeiro. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L3071.htm>. Acessado em 13 de set. 2005
36
ao homem uma utilidade, sendo suscetíveis de apropriação, constituindo, então, o
seu patrimônio.”27
Como bem explanado por Diniz, a expressão “coisa” é o gênero do qual os
bens são a espécie, podendo ser utilizada pelos doutrinadores a expressão “coisa”
sem prejuízo para a conclusão deste estudo, uma vez que, bem advém da coisa.
Após a distinção entre coisa e bem, passamos à análise sobre a fungibilidade
e a infungibilidade das coisas.
Segundo Pontes de Miranda “a fungibilidade é gênero da coisa, pois não
pode ser analisada individualmente e nem mesmo pode ser determinado
arbitrariamente porque advém do tráfico habitual do produto.” 28
O tráfico habitual é fundamental para a fungibilidade da coisa segundo Pontes
de Miranda. Para ele, a fundamentação da fungibilidade advém da circulação da
coisa, ou seja, se esta poderá ser substituída por outra coisa com as mesmas
características, mas que seja facilmente reposta.
Seguido este entendimento, podemos entender que jamais sacas de grãos,
como sacas de soja estocados em um determinado armazém, poderiam ser
classificadas como infungíveis, pois estas possuem o tráfico habitual, que é a
facilidade de serem repostas por qualquer outras sacas de soja contidas no mesmo
local, argumento este, necessário para a classificação fungível.
Partindo deste princípio, também podemos atestar que a infungibilidade não
poderá vir da simples vontade das partes, pois a coisa fungível possui o tráfico
habitual e mesmo pela vontade das partes, essa característica não desaparecerá,
tornando impossível a fungibilidade no momento do acordo.
Pontes de Miranda ainda distingue sua teoria do tráfico habitual dos negócios
jurídicos, como bem enfatiza:
A fungibilidade não se confunde com a determinação da coisa
pelo gênero e pela quantidade, a que se refere o art. 875, pois
essa determinação não advém do tráfico, e sim de enunciados
27
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Teoria geral do direito civil. 20 ed. ver. e amp..
São Paulo: Saraiva, 2003, v. I, p. 275.
28
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Parte geral. 1 ed. Rio de
Janeiro: Booksaller, 2000, Tomo II, p. 56.
37
do negócio jurídico, nem se pode tornar infungível, por alguma
proposição do negócio jurídico, a coisa o que é.29
O artigo 875 do Código Civil brasileiro de 1916 nos dizia que “Nas coisas
determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se o
contrário não resultar do título da obrigação. Mas não poderá dar a coisa pior, nem
será obrigado a prestar a melhor.” Este artigo foi substituído pelo artigo 244 do
código civil brasileiro de 2002, não obtendo modificação.
A observação feita por Pontes de Miranda acerca do negócio jurídico, hoje
regulamentado pelo artigo 244 do CC de 2002, reforça ainda mais a sua
conceituação a cerca da fungibilidade da coisa pelo tráfico habitual e nos leva a crer
que sua idéia central é a de tornar a teoria da fungibilidade simples, possibilitando a
todos
um
entendimento
rápido
e
convincente
e,
impossibilitando,
assim,
questionamentos ou novas teorias a respeito do tema.
Seguindo Pontes de Miranda, Rodrigues explica que “Não fungíveis são as
que não podem substituir-se por outras da mesma espécie e qualidade”30
A conceituação simples sobre a fungibilidade e a infungibilidade novamente é
percebida, mas a característica para esta conceituação possui outra base.
A substituibilidade da coisa possui a centralidade do conceito, uma vez que se
a coisa puder ser substituída por outra, sem prejuízo do credor, esta será fungível.
Para um melhor entendimento, Rodrigues faz sua explanação da seguinte
forma:
Trata-se, evidentemente, da maneira de encarar a coisa, tendo em
vista o interesse econômico, porque, na realidade, cada uma das
coisas em questão pode ser individuada. Apenas, na órbita jurídica, a
equivalência de seus valores faz com que se apresentem
reciprocamente substituíveis, sem prejuízo para quem quer que
seja.31
Rodrigues mostra-se peculiar, em sua observação, pois a coisa pode ser
diferenciada, mas esta diferenciação não poderá dar valores distintos para coisas
aparentemente idênticas.
29
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Parte geral, 1 ed. Rio de
Janeiro: Booksaller, 2000, Tomo II, p. 56
30
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Parte geral. 34 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. I, p. 128
31
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Parte geral. 34 ed. São Paulo. Saraiva, 2003, v. I, p. 128
38
A partir dessa explanação, Rodrigues abre um entendimento distinto de
Pontes de Miranda, admitindo a possibilidade da coisa se tornar infungível ou
fungível dependo da vontade das partes, desde que seus valores não sejam
alterados no âmbito jurídico, Mas um questionamento torna-se pertinente, uma vez
que, no momento em que as partes encontram a diferenciação nas coisas, estas
poderão ser melhores ou piores se comparadas e, sendo assim, poderão ter
diferentes valores.
A título exemplificativo, esta possibilidade poderia ocorrer se algumas sacas
de soja fossem depositadas em um Armazém Geral e fosse acordado entre
depositante e depositário que tais sacas deveriam ser distinguidas das demais por
estas terem tido melhor adubação, pois esta diferenciação não se mostra aparente e
se misturadas não poderão ser distinguidas das demais sacas de sojas adubadas
normalmente.
Seguindo o pensamento de Rodrigues acerca da infungibilidade perante as
partes, Venosa salienta que:
A vontade das partes não pode tornar fungíveis coisas infungíveis,
por faltar prática material, mas a infungibilidade pode resultar de
acordo de vontades ou das condições especiais da coisa, à qual,
sendo fungível por natureza, se poderá atribuir o caráter de
infungível.32
Portanto, para Venosa as partes podem acordar em tornar infungível bem
fungível sem restrição da igualdade de valores que salienta Rodrigues.
Pode ser observado ainda que apenas o bem fungível poderá possuir a
característica de se tornar infungível pelo requerimento das partes. Isto ocorre
porque a fungibilidade é qualidade da própria coisa e haverá situações em que
apenas o caso concreto poderá classificar o objeto, diferentemente da coisa
infungível que independerá da situação em que se encontrar, pois sempre será
infungível.
Partindo de tal análise e observando as condições especiais da coisa,
podemos, por exemplo, classificar algumas sacas de soja que foram plantadas em
solo de extrema qualificação e colhidas em tempo correto o que elevou seus valores
de forma a se destacar de todas as outras sacas de soja da mesma região, podendo
32
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. 11 ed. São Paulo: Atlas, parte geral, 2001, v. I, p. 267.
39
assim, serem classificadas como infungíveis ao passo que as demais sacas de soja
dos diversos produtores da região poderão ser classificadas como fungíveis.
Porem, em qualquer caso, a infungibilidade sempre parte da própria coisa,
mesmo que as partes acordem em qualificá-la distintamente das demais coisas, ou
seja, para se classificar uma coisa como infungível ela terá, necessariamente que
possuir algum diferencial, por mínimo que seja.
Venosa complementa suas observações com ênfase na caracterização da
coisa fungível, onde explana, in verbis:
Nem por isso, contudo, pode-se afirmar, como pretendem alguns
autores, que a fungibilidade seja atributo da vontade das partes. Tal
qualidade resulta da própria coisa, de seu sentido econômico e não
físico e do número de coisas iguais encontráveis. A fungibilidade é
qualidade objetiva da própria coisa e não é dada pelas partes, que
não podem arbitrariamente alterar a natureza dos objetos.33
O ponto central da idéia de Venosa é com relação ao número de coisas iguais
encontráveis. Para ele, para uma coisa ser infungível não é necessário que ela seja
única, mas que não existam diversas coisas idênticas à aquela, tolerando um
número considerável, mas deixa claro que não poderá ser classificado como
infungível o bem que seja naturalmente fungível, sem o consentimento das partes.
Portanto, para Venosa sacas de grãos poderiam ser classificadas como
infungíveis ao serem armazenadas em um armazém geral desde que, o número de
sacas de grãos seja considerável se comparado a um universo restrito e estejam o
depositante e o depositário concordando com a infungibilidade da coisa, desde que
esta coisa já se destaque de alguma forma.
Caio Mário, em sua explanação sobre bens fungíveis, restringe estes à
apenas bens móveis e qualifica-os:
A fungibilidade é própria dos móveis, porque normalmente são eles
suscetíveis de se caracterizarem pela quantidade, pelo peso ou pela
medida – numero, pondere, mensurave constant - , e é por isso que
o código civil (art. 85), da mesma forma que o Código alemão (§ 91),
restringe a definição aos bens móveis.34
Para Caio Mário a qualidade não se mostra o diferencial da fungibilidade para
a infungibilidade da coisa, mas sim, a quantidade e peso ou medida. Portanto, segue
33
34
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. parte geral. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2001, v.I, p. 267.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 21 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006,
v.I, p. 426.
40
a mesma linha de raciocínio de Venosa, pois se preocupa com a quantidade de
coisas para a distinção.
Distingue de Venosa com relação à vontade das partes. Para Venosa as
partes não poderão, em momento algum, tornar a coisa infungível em fungível, por
ser esta qualidade da coisa e sendo assim, imutável. Já Caio Mário aceita esta
possibilidade, mas com restrições:
A vontade atua dentro de certos limites, para fazer infungíveis coisas
naturalmente fungíveis, ou vice-versa. Mas não pode ir ao extremo
de considerar fungíveis bens individualmente caracterizados, ao
arrepio da definição legal. 35
Para exemplificar esta teoria, Caio Mário utiliza o exemplo dos escritores
Franceses, onde exemplificam que Títulos de Bolsa são coisa naturalmente
infungíveis porque se distinguem pela numeração de ordem, pela emissão, pelo
valor, etc., mas prestam-se a serem negociados como coisas fungíveis, se
abandonam os seus elementos individuais para serem tratados como quantidade de
títulos não determinados isoladamente.
A análise de Caio Mário se mostra pertinente e bem explicada, e em se
tratando do depósito de grãos em Armazéns Gerais, estes, mesmo sendo
classificados como infungíveis poderiam vir a ser classificados novamente como
fungíveis.
Como forma de exemplificas, podemos visualizar algumas sacas de grãos de
soja que foram diferenciadas de todas as demais colhidas nas proximidades,
tornando-se infungíveis, por atenderem todos os requisitos necessários para a
exportação dados por um determinado importador, e que poderiam vir a tornarem-se
fungíveis caso tal transação não ocorresse e estas sacas fossem utilizadas
nacionalmente.
Para Serpa Lopes a coisa não poderá ser classificada pela vontade das
partes, pois esta qualidade é típica da própria coisa:
A fungibilidade da coisa é uma qualidade da coisa, econômica e não
física, já que depende da estimativa que dela se possa fazer no
35
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 21 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006,
v.I, p. 426.
41
comércio, e assim uma qualidade objetiva subtraída do arbítrio das
partes. 36
Diz-nos, ainda, que o objeto possui características próprias em certo meio
limitado, pois objetos tidos como idênticos podem se tornar únicos quando divididos
e estando neste limite, como expõe:
Pode ocorrer que o objeto, embora genericamente determinado,
receba uma especificação mais intensa, como se daria numa compra
e venda relativa a um dos relógios que possuo etc., caso em que a
separação do objeto da obrigação só se realiza dentro de um círculo
limitado das coisas e não tendo em vista a massa geral
compreendida pela espécie. 37
Existem várias marcas de relógios de pulso similares e, se observarmos uma
marca, esta possuirá muitos modelos de relógios de pulso que são fabricados em
linha de produção, ou seja, possui a fungibilidade. Acontece que se observarmos
diferentes modelos em um espaço limitado, estes possuirão diferenças que são
características de cada um.
Se analisarmos este exemplo frente ao depósito de grãos em armazéns
gerais, podemos considerar a soja em geral (comparativo a todas as marcas de
relógio de pulso) produzida nos diversos estados brasileiros, por diferentes
agricultores que podem ou não valorizar sua plantação conforme o investimento que
fazem na terra, no adubo, no tempo de plantio, na quantidade de hidratação da terra,
etc., (marcas de relógios de pulso) que por sua vez são estocadas em diferentes
armazéns gerais, próximos aos locais de colheita desta soja (relógios de marcas
similares, mas diferenciados pelo modo em que foram produzidos e por estarem em
ambiente restrito).
Serpa Lopes faz a distinção entre fungibilidade e designação do objeto, que é
onde há a confusão nas intenções das partes:
Os que afirmam depender a fungibilidade da intenção das partes
confundem infungibilidade com o modo de designar o objeto do
contrato, pois que às partes é facultado indicar a mesma coisa, ora
com o caráter de gênero, ora com o caráter individual. 38
36
SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. 9 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro. Freita
Bastos, 2000, v. I, p. 389.
37
SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. 9 ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Freita
Bastos, 2000, v. I, p. 389.
38
SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. 9 ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Freita
Bastos, 2000, v. I, p. 389.
42
O que ocorre é que a infungibilidade está contida no objeto que pode ou não
ser destacado pelas partes. Seria, por exemplo, tentar tornar infungível duas canetas
de mesma cor, com mesmo valor, feitas em seqüência e com os mesmos materiais,
sendo que tais objetos não possuem distinção alguma.
2 O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre o
depósito de bens fungíveis em Armazéns Gerais.
Na análise sobre bens fungíveis e infungíveis feita perante o posicionamento
doutrinário, a maioria dos doutrinadores possui o depósito de grãos em armazéns
gerais como sendo fungíveis, mas isto ocorre se analisado de uma forma geral.
O posicionamento jurisprudencial se mostra distinta da maioria doutrinária,
mas tal mudança ocorreu a poucos anos.
Ante inúmeras irregularidades ocorridas em vários Armazéns Gerais, os que
sofriam os danos, postulavam ações de depósito sobre bens infungíveis e assim,
tentavam garantir o constrangimento ilegal dos responsáveis dos armazéns gerais,
forçando o pagamento da dívida.
A quantidade de ações e a importância do depósito de grãos em Armazéns
Gerais fizeram com que os Tribunais de Justiça tomassem posicionamentos
distintos.
Passamos, portanto, à análise de dois Tribunais de Justiça brasileiros, o
TJMG e o TJPR que se depararam com a situação em estudo. É de se salientar que
a escolha destes Tribunais de Justiça se deu de forma aleatória e tais casos se dão
de forma exemplificativa.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais não modificou seu posicionamento,
que é favorável à maioria dos doutrinadores, como é demonstrado:
AÇÃO DE DEPÓSITO - SACAS DE CAFÉ - PRISÃO CIVIL - IMPOSSIBILIDADE.
[...]
Na hipótese em comento, constata-se que o número de sacas de
cafés expressas nas notas fiscais (f. 14/16) não corresponde à
43
quantidade constante nas chamadas guias de entradas de
mercadorias (f. 17/19). Ademais, nestas referidas guias, não existe
qualquer menção à necessidade de devolução da mesma coisa ou
mesmo à individualização do café deixado. Portanto, caracteriza-se
como depósito irregular.39
[...]
Neste caso, o Eminente Magistrado considerou que se houvesse a
especificação do bem depositado, este poderia ser analisado como infungível e a
ação de depósito seria pertinente.
Em outra análise, o Eminente Magistrado aduz que as coisas fungíveis não
prestam ao depósito clássico, porque pressupõe este, coisas individuadas e,
completa seu entendimento pelo fato de que as partes não individualizaram os
grãos:
AÇÃO DE DEPÓSITO - SACAS DE CAFÉ - PRISÃO CIVIL - IMPOSSIBILIDADE.
[...]
Infere-se dos autos que os contendores firmaram, em 26/03/2001,
um "Contrato em Dação de Pagamento e de Depósito" (f. 08/09), por
meio do qual o Apelado confessou dever e ter entregado ao Apelante
a quantia de 120 (cento e vinte) sacas de café (cláusulas 1ª e 2ª),
recebendo-as de volta, em depósito, para entrega em 30/09/2001
(cláusula 3ª), e assumindo o encargo de fiel depositário das
mencionadas sacas (cláusula 4ª).
Contratos como o ora analisado são denominados pela doutrina
especializada de depósito irregular, uma vez que incidem sobre
coisas fungíveis e são ajustados mediante transferência do domínio
ao depositário, que pode usar e consumir os bens que lhe são
confiados, com obrigação apenas de restituí-los em objetos que
sejam do mesmo gênero, qualidade e quantidade.
[...]
No mesmo sentido, observe-se a doutrina de Humberto Theodoro
Júnior, verbis:
‘Sob outro aspecto, o depósito contratual pode ser regular ou
irregular: o primeiro é o que tem por objeto coisas não fungíveis, e o
depositário se obriga a restituir especificamente a própria coisa
depositada; e o irregular é o que incide sobre coisas fungíveis, e
39
BRASIL, Minas Gerais, Belo Horizonte. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível n.
2.0000.00.446536-9/000(1). Apelante Muzambinho Armazéns Gerais Ltda e Apelado Edmo Augusto
de Mello. Relator: Desembargador Roberto Borges De Oliveira. Belo Horizonte, 07 de junho de 2005.
Diário de Justiça da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 de ago. 2005. Disponível em
<http://www.tjmg.gov.br/juridico/jt/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=2&comrCodigo=0&ano=0&numeroProc
esso=446536&complemento=0&sequencial=0&pg=0&resultPagina=10&palavrasConsulta=&tipoMarca
cao=>. Acesso em: 09 de agosto de 2006
44
ajustado mediante transferência do domínio ao depositário, que pode
usar e consumir os bens que lhe são confiados, com obrigação
apenas de restituí-los em objetos que sejam do mesmo gênero,
qualidade e quantidade. O depósito irregular escapa do regulamento
específico do depósito e sujeita-se à disciplina legal do mútuo’
("Curso de Direito Processual Civil", Editora Forense, 6ª edição, vol.
III, p. 54. Grifamos).
[...]
Dúvida não há, lado outro, de que os bens dados em depósito sacas de café - são fungíveis, não tendo as partes se manifestado
quanto à sua individuação, a fim de torná-los infungíveis.
Por conseguinte, ao contrário do que alega o Apelante, diante da
caracterização do negócio como depósito irregular, sobre ele incidem
as regras concernentes ao mútuo, que não ensejam a ação de
depósito. 40
[...]
As decisões analisadas foram publicadas em 13/08/2005 e 01/05/2004, ou
seja, o entendimento jurisprudencial do STJ já havia se modificado, mas tal
entendimento não foi absorvido pelo TJMG.
Diferentemente do que ocorre no TJMG, os Eminentes Magistrados do
Tribunal de Justiça do Paraná, mudaram seu entendimento com o passar dos anos,
principalmente após a mudança de posicionamento do STJ.
Inicialmente não havia a possibilidade da prisão por divida de grãos, mas os
juizes de primeiro grau já se antecipavam a tal mudança julgando favoravelmente as
ações que visavam a restituir dos bens ou seu equivalente em dinheiro, sob pena de
prisão.
Mais os Tribunais de Justiça movem-se pela segurança jurídica de suas
decisões, ou seja, a mudança de um entendimento deve ser bem analisada ou partir
de um entendimento do STJ.
Por estes e outros motivos quaisquer, o TJPR reformou algumas decisões,
como exposta:
40
BRASIL, Minas Gerais, Belo Horizonte. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível n.
2.0000.00.414629-2/000(1). Apelante Anilson Albino de Oliveira e Apelado Cerrado Novo Armazéns
Gerais e Representações Ltda. Relator: Desembargador Roberto Borges de Oliveira. Belo Horizonte,
30 de março de 2004. Diário de Justiça da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 01 de mai.
2004.
Disponível
em
<http://www.tjmg.gov.br/juridico/jt/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=2&comrCodigo=0&ano=0&numeroProc
esso=414629&complemento=0&sequencial=0&pg=0&resultPagina=10&palavrasConsulta=&tipoMarca
cao=>. Acesso em: 09 de agosto de 2006
45
AÇÃO DE DEPÓSITO - BEM FUNGÍVEL DEPÓSITO IRREGULAR POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DAS REGRAS DO MÚTUO REQUERIMENTO DE PRISÃO DO DEPOSITÁRIO INFIEL
IMPOSSIBILIDADE.
O bem depositado correspondia a 126.241 Kg de milho em grãos a
granel, semi duro, amarelo, tipo 3, safra 94/95, ou seja, a um bem
fungível, isto é, bem substituível por outros, desde que seja do
mesmo gênero, qualidade e quantidade. Assim, o regime aqui
aplicável seria o depósito irregular, o qual caracteriza-se pela
aplicação das regras do mútuo.
[...]
Pelo exposto, conclui-se incabível a ação de depósito com pedido de
prisão civil do devedor por tratar de depósito irregular (bens
fungíveis) o qual é regulado pelas regras do mútuo. Sendo assim,
denota-se a via inadequada utilizada pelo autor e a conseqüente
extinção do feito sem julgamento de mérito.41
[...]
A decisão do TJPR seguiu os mesmo moldes das decisões do TJMG.
O que se passa a ver de agora para frente é a evolução de um entendimento
que se tinha imutável, pois transpassa o entendimento da maioria doutrinária, pois o
TJPR reconhece a infungibilidade dos grãos depositados em armazéns gerais, como
é demonstrado:
AÇÃO DE DEPÓSITO. PRODUTO AGRÍCOLA. ARMAZÉM GERAL.
AÇÃO ADEQUADA. BEM FUNGÍVEL. IRRELEVÂNCIA. PRISÃO
CIVIL. CABIMENTO.
[...]
Pertinente à impossibilidade jurídica do pedido, por que os réus
alegaram que, em se tratando de produto fungível não tem
cabimento a ação de depósito, o primeiro grau disse que a
fungibilidade foi afastada pela vontade das partes.
Nesta parte, a
fundamentação.
decisão
fica
mantida,
embora
por
outra
É que a espécie não trata de penhor relacionado com contrato de
mútuo ou bem dado em garantia com alienação fiduciária de bem
fungível e consumível comerciável, circunstância em que se aplicaria
a jurisprudência citada pelos recorrentes e haveria necessidade de
se discutir se a coisa fungível não ganhou foros de infungibilidade
pela vontade das partes.
41
BRASIL, Paraná, Curitiba. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação Cível n. 0101089-7. Apelante
Cerealista Vitorinense Ltda e outro e Apelado Banco do Brasil SA. Relator: Desembargador Antonio
Prado Filho. Curitiba, 02 de outubro de 2001. Diário de Justiça da República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 22 de mar. 2002. disponível em
<http://www.tj.pr.gov.br/consultas/judwin/ListaTextoProcesso.asp?Linha=26&Processo=173510&Text
o=Acórdão>. Acesso em: 12 de agosto de 2006
46
Já decidi, como juiz do Tribunal de Alçada, no sentido da tese
defendida pelos recorrentes, mas se tratava de penhor mercantil ou
contrato de mútuo com garantia de alienação fiduciária de bem
fungível e consumível comerciável, caso em que entendi não ser
possível a ação de depósito.
A espécie dos autos é diametralmente oposta.
Trata-se de contrato clássico de depósito feito com armazém geral
conveniando com órgão do Governo a fim de receber cereais
produzidos por agricultores, estes sim os mutuários.
Neste caso específico não discrepa a jurisprudência das duas
Turmas de Direito Privado da nossa mais alta corte em matéria
infraconstitucional:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
DEPÓSITO.
ARMAZÉM
GERAL.
PRISÃO
REPRESENTANTE LEGAL. POSSIBILIDADE.
AÇÃO
CIVIL
DE
DO
Tratando-se de contrato de depósito clássico (simples), ainda que de
bens fungíveis, pelo qual representante de empresa armazenadora
recebe-os para guarda e conservação, a sua prisão civil é cabível na
hipótese da infidelidade. Peculiaridade do caso concreto
DEPÓSITO. PRODUTO AGRÍCOLA. ARMAZÉM GERAL.
Cabe ação de depósito para o depositante obter do armazém geral a
restituição do produto agrícola (milho) objeto de contrato de depósito.
Dec. 1102, de 21.11.1903. Situação diversa do depósito de coisa
fungível e consumível, bens próprios dados em garantia do contrato
bancário, efetuado em nome do devedor que não exerce atividade de
armazém geral, hipótese que se sujeita às regras de mútuo.42
[...]
Analisando o voto do Eminente Magistrado, observamos que este já havia
proferido voto similar anteriormente, demonstrando que não formulou tal voto apenas
vinculado ao entendimento do STJ, mas é bastante utilizado a jurisprudência de tal
tribunal.
Os demais Tribunais de Justiça também possuem suas divergências quanto
ao posicionamento do STJ, mas em observação superficial, o que se vê é a
tendência de todos os Tribunais de Justiça seguirem o entendimento do Superior
Tribunal de Justiça.
42
BRASIL, Paraná, Curitiba. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação Cível n. 0166039-5. Apelante
Armazéns Gerais Fraga Ltda e outros e Apelado Banco do Brasil SA. Relator: Desembargador Ruy
Cunha Sobrinho. Curitiba, 16 de dezembro de 2004. Diário de Justiça da República Federativa do
Brasil, Brasília, DF, 14 de fev. 2005. disponível em
<http://www.tj.pr.gov.br/consultas/judwin/ListaTextoProcesso.asp?Linha=17&Processo=268667&Text
o=Acórdão>. Acesso em: 12 de agosto de 2006.
47
É certo que o Superior Tribunal de Justiça possui força em seus julgamentos,
mas é de se salientar que tal entendimento só se modifica a partir de um pequeno
entendimento, a do juiz singular.
A análise das jurisprudências dos Tribunais de Justiça de Minas Gerais e
Paraná serviu para a introdução da análise das jurisprudências do Superior Tribunal
de Justiça. Isso porque observamos como se porta um TJ frente a um entendimento
diverso do que se vinha tendo como correto. É certo que o TJMG não seguiu a nova
linha sobre o depósito em armazéns gerais, mas é bem verdade que este
entendimento irá ser modificado com o passar dos tempos, pois como foi dito, o que
se busca é a segurança jurídica e um entendimento pacificado.
Como foi dito anteriormente, era pacificado que o depósito de grãos em
armazéns gerais se regia pelo mútuo. Tal entendimento não era diferente no
Superior Tribunal de Justiça, como é demonstrado em entendimento jurisprudencial
no Recurso Especial nº. 188462:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DEPÓSITO.
DESCABIMENTO. CARÁTER SECUNDÁRIO. GARANTIA DO
MÚTUO. RECURSO DESACOLHIDO.
[...]
Dispõe o art. 12:
‘Art. 12. Nos armazéns-gerais podem ser recebidas mercadorias da
mesma natureza e qualidade, pertencentes a diversos donos,
guardando-os misturadas.
Para este gênero de depósito deverão os armazéns-gerais dispor de
lugares próprios e se aparelhar para o bom desempenho do serviço.
[...]
§ 1º Neste depósito, além das disposições especiais na presente Lei,
observar-se-ão as seguintes:
1º) o armazém-geral não é obrigado a restituir a própria mercadoria
recebida, mas pode entregar mercadoria da mesma qualidade; [...]’.
Não prospera a alegação de que esse dispositivo se refira ao
depósito nos armazéns gerais como regular. Inexiste colisão entre tal
norma e o art. 1280 do Código Civil, que remete ao mútuo a
disciplina do depósito de coisas fungíveis, principalmente em face do
§ 1°, 1°, que reforça a fungibilidade dos bens depo sitados nos ditos
armazéns.43
43
BRASIL, Distrito Federal, Brasília. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 188462.
Recorrente Banco do Brasil S/A e Recorrido Cassol Armazens Gerais Ltda. Relator: Ministro Sálvio
48
[...]
Observamos que o ponto principal para a desclassificação do depósito regular
é o § 1º, 1º do artigo 12 da Lei n. 1.102/1903. O que se passa a ver adiante é a
jurisprudência do STJ acumulada de anos de julgamentos similares, usada para
comprovar esse posicionamento:
[...]
Quanto ao mais, trata-se de ação de depósito movida pelo
recorrente. Via da qual pretende a restituição de toneladas de milho e
de soja a granel. Esta Corte já firmou entendimento no sentido do
descabimento da ação de depósito de coisas fungíveis, conforme se
colhe do REsp 86305-MO (DJ 20.05.96), relator o Ministro Ruy
Rosado de Aguiar, com esta ementa:
‘Ação de depósito. Depósito irregular. Penhor mercantil. Coisas
fungíveis. Aplicação das regras do mútuo.
O depósito de coisas fungíveis, - remédios dados em garantia no
penhor mercantil, - é regulado pelas regras do mútuo (art. 1.280 do
CC) e não enseja a ação de depósito. Precedentes do STJ’.
O voto condutor desse acórdão destacou:
‘Em que pese aos doutos com opinião diversa, a verdade é que a
jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça firmou-se no
sentido preconizado pelos recorrentes. Isto é, no penhor mercantil,
onde os obrigados e garantes da dívida ficam com a posse dos bens
móveis, - sendo estes fungíveis e consumíveis, pois constituem
mercadorias (remédios) destinados à venda, no cumprimento do
próprio objetivo da empresa devedora, - o depósito irregular assim
constituído regula-se pelas regras do mútuo (artigo 1.280 do Código
Civil.)’
‘Depósito. Coisas fungíveis.
O depósito irregular não se confunde com mútuo, tendo cada um
finalidades específicas. Aplicam-se-lhe, entretanto, as regras deste,
não sendo possível o uso da ação de depósito para obter o
cumprimento da obrigação de devolver as coisas depositadas, cuja
propriedade transferiu-se ao depositário. O adimplemento da
obrigação de devolver o equivalente há de buscar-se em ação
ordinária, não se podendo pretender a prisão do depositário’ (REsp
n° 3013-SP, 3º Turma, rel. em.Min. Eduardo Ribeiro, DJ 19/08/91).
‘Ação de depósito. Penhor mercantil. Coisas fungíveis e consumíveis.
Tratando-se de bens fungíveis e consumíveis, aplicam-se ao
depósito as regras do mútuo, pelo que incabível a ação de depósito
com pedido de prisão do devedor. Precedentes do STJ.
de Figueiredo Teixeira. Brasília, 26 de outubro de 1999. Diário de Justiça da República Federativa do
Brasil, Brasília, DF, 15de mai. 2000. disponível em
<http://www.stj.gov.br/webstj/Processo/JurImagem/frame.asp?registro=199800680187&data=15/05/2
000>. Acesso em: 07 de outubro de 2005
49
Recurso especial conhecido e provido’
(REsp n° 15597-MS, 4ª Turma, rel, em. Min.Barros Mo nteiro, DJ
10/05/93).
‘Ação de depósito. Penhor mercantil. Garantia de mútuo. Bens
fungíveis e consumíveis depositados em poder de diretor da empresa
mutuária. Tradição simbólica. Precedentes. Recurso provido.
- Em sendo fungíveis e destinados à comercialização os bens dados
em garantia, sobre os quais se haja instituído a obrigação de guarda,
incabível pretender exigi-los por meio de ação de depósito, seja
porque aplicáveis em casos tais as regras do mútuo (art. 1280, CC),
seja por existência de incompatibilidade com o dever de custódia’
(REsp n°31.490-RJ. 4ª Turma, rel. em. Min. Sálvio d e Figueiredo, DJ
13/09/93).
No mesmo sentido: REsp 11.108/RS, da eg. 3ª Turma, rel. Min.
Cláudio Santos; REsp 48.180/GO, 5ª Turma, rel. Min. Costa Leite;
REsp 13.5911/MG, 3ª Turma, rel. Min. Nilson Naves; REsp
16.949/MG, rel. Min. Waldemar Zveiter.44
[...]
Percebe-se, desta análise, que o princípio de todo o entendimento era a
fungibilidade da coisa e sua possível consumação, assim como a maioria dos
doutrinadores observavam.
Ressalte-se, ainda, que um ponto possuía divergência entre os Eminentes
Magistrados nas citações aferidas deste acórdão, que é a transferência ou não da
propriedade da coisa depositada para o depositário.
Na citação do acórdão no REsp n° 3013/SP da 3ª Turm a de relatoria do Min.
Eduardo Ribeiro, DJ 19/08/91, afere-se que a análise da ação de depósito para bens
fungíveis é prejudicada porque a propriedade da coisa transferiu-se ao depositário.
Já no entendimento do Min. Sálvio de Figueiredo no acórdão no REsp n°31.490/RJ
da 4ª Turma, DJ 13/09/93, a obrigação do depositário é apenas a de guarda, ou
seja, não há a transferência de propriedade.
Alguns dos Eminentes Ministros citados nesse acórdão darão novo
entendimento a esta mesma matéria.
44
BRASIL, Distrito Federal, Brasília. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 188462.
Recorrente Banco do BrasilS/A e Recorrido Cassol Armazens Gerais Ltda. Relator: Ministro Sálvio de
Figueiredo Teixeira. Brasília, 26 de outubro de 1999. Diário de Justiça da República Federativa do
Brasil, Brasília, DF, 15de mai. 2000. disponível em
<http://www.stj.gov.br/webstj/Processo/JurImagem/frame.asp?registro=199800680187&data=15/05/2
000>. Acesso em: 07 de outubro de 2005
50
Convém notar que este acórdão foi publicado em 15 de maio de 2000, ou
seja, em menos de um ano o entendimento do Tribunal iria iniciar um processo de
modificar profunda.
Em 19 de fevereiro de 2001 te inicio o julgamento do REsp 46017/MG que
iniciou a mudança do entendimento jurisprudencial do STJ.
O Eminente Ministro Waldemar Zveiter foi o primeiro a dar voto divergente do
entendimento de seu tribunal, como passa a ser exposto:
CONHECIMENTO
DE
DEPÕSITO
—
WARRANT
RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES DOS ARMAZÉNS
GERAIS ONDE DEPOSITADA A MERCADORIA
I - Podem os representantes legais da pessoa jurídica serem
compelidos, pena de prisão, à entrega da coisa depositada ou do seu
equivalente em dinheiro, não fora assim, aliás a responsabilidade
decorrente do depósito, sendo depositária, a pessoa jurídica, seria
mera ficção, sem possibilidade de conduzir a efeitos práticos, porque
ninguém seria alcançado pela coerção que a lei, excepcionalmente e
sustentada em texto constitucional, permite seja exercida.
II — Cabe à empresa de armazéns gerais proceder à entrega das
mercadorias a quem, como legítimo possuidor, apresente aqueles
títulos. O conhecimento de depósito presta-se a evidenciar, em
princípio, quem o proprietário da mercadoria, propriedade que se
transmite com o endosso.
III — Tal entendimento prevalece ainda quando os administradores
do armazém onde depositadas as mercadorias são as mesmas
pessoas sócias de outra empresa tomadora de empréstimo junto ao
banco, eis que emitiram os títulos e os endossou à instituição
financeira, porquanto sua responsabilidade é regulada por lei
específica.
IV — Recurso conhecido e provido.45
[...]
O Banco Real S/A propôs ação de Depósito contra Mogiana Agri Serviços
Armazéns Gerais Ltda., João Roberto de Araújo Barbosa, Silvio Ferras Pires e Flavio
Leite de Morais sob a fundamentação de que concedeu um financiamento à CIA
Mogiana de Óleos Vegetais representado por Cédula Rural Pignoratícia destinado á
comercialização de soja em grão, nos termos dos Decreto-Lei n.° 79/66.
45
BRASIL, Distrito Federal, Brasília. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 46017.
Recorrente Banco Real S/A e Recorrido Silvio Ferraz Pires. Relator: Ministro Waldemar Zveiter.
Brasília, 19 de fev. de 2001. Diário de Justiça da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11de
jun. 2001. disponível em
<http://www.stj.gov.br/webstj/Processo/JurImagem/frame.asp?registro=199400085680&data=11/06/2
001>. Acesso em: 27 de agosto de 2005
51
Para garantir a obrigação ofereceu a empresa 23.728.813 KG de soja em
grão a granel, regularmente depositada nos Armazéns Gerais Mogiana Agri Serviços
Armazéns Gerais Ltda. Este último emitiu um conhecimento de depósito e um
‘warrant’ como comprobatórios do depósito da mercadoria.
O Juiz singular decretou a prisão dos responsáveis pelo armazém geral em
24 horas, se não houvesse a restituição das coisas ou o equivalente em dinheiro.
Apreciando apelação de ambas as partes a Primeira Câmara Civil do Tribunal de
Alçada do Estado de Minas Gerais, de ofício, excluiu da lide João Roberto de Araújo
Barbosa, Sílvio Ferraz Pires e Flávio Leite de Morais, sob a argumentação de que a
ação baseava-se no conhecimento de depósito e no Warrant emitidos pela Mogiana
Agri Serviços Armazéns Gerais Ltda. e o nome das pessoas excluídas não possuíam
correspondência com referidos documentos, mas em seu voto, o Desembargador
Relator admite que a legislação específica sobre armazéns gerais prevê
expressamente a prisão de seus administradores e/ou sócios em casos como
presente.
Ante este entendimento, o Eminente Ministro Relator proferiu seu voto da
seguinte forma:
[...]
Merece provimento, contudo, quanto à questão relativa ao § 4° do
art. 35 do Decreto n. 1.1 02103.
O acórdão não nega a condição de gerentes e diretores da
MOGIANA ARMAZÉNS GERAIS das pessoas excluídas. A ação de
depósito foi proposta contra a empresa.
E ainda afirma que os seus administradores podem sofrer a pena de
prisão civil, segundo o dispositivo supra.
Ao excluir os sócios da lide, o decisum, em verdade, tornou ineficaz a
decisão de prisão dos administradores dos armazéns gerais, que ele
mesmo disse cabível.
Não importa que esses sejam, também, os gerentes e sócios da
empresa tomadora do empréstimo que originou o conhecimento de
depósito e o ‘warrant’, porquanto sua responsabilidade é regulada
por lei específica.
Não se pode esquecer que tais títulos podem ser endossados,
inclusive a terceiros, estranhos à relação existente entre o banco e a
devedora.
[...]
Como ali ficou expresso, o conhecimento de depósito presta-se a
evidenciar quem o proprietário da mercadoria. Com o endosso, a
52
propriedade, em principio, se transmite. O endosso do “warrant”
significa a constituição de penhor sobre os bens. Aquele que detém
os dois títulos terá, como regra, a completa disponibilidade das
coisas depositadas.
Portanto, in casu, melhor se houve o julgador monocrático ao
analisar o pleito, merecendo prevalecera entendimento ali
consignado.
Forte em tais lineamentos, conheço do recurso em parte e, nessa
parte, dou-lhe provimento para, cassando o acórdão recorrido,
restabelecer a sentença de primeiro grau.46
O voto do Ministro Waldemar Zveiter é baseado no parágrafo 4º do artigo 35
do Decreto n. 1.102/1903, ou seja, ele reconhece o depósito como regular e admite
a prisão civil dos responsáveis pelo armazém, mas como já foi dito anteriormente, a
prisão não poderá ocorrer nestes moldes, pois a formulação deste artigo não foi
baseado no depósito de bens infungíveis e assim, não seguiu o rito do depósito
regular.
Inconformado com a divergência do Ministro Relator com relação à
jurisprudência do STJ, pediu vista aos autos para uma análise o Eminente Ministro
Ari Pargendler que proferiu seu voto no dia 13 de março de 2001, da seguinte forma:
[...]
Pedi vista dos autos porque a ementa do voto do eminente Relator
colide com a orientação da Turma, para cuja maioria — contra o meu
entendimento (vide voto vencido que proferi no REsp n° 137.616) - a
infidelidade no depósito de coisas fungíveis não é punida com a pena
de prisão civil.
Lê-se na primeira parte dessa ementa:
‘1 - Podem os representantes legais da pessoa jurídica ser
compelidos, pena de prisão, à entrega da coisa depositada ou do seu
equivalente em dinheiro. Não fora assim, aliás, a responsabilidade
decorrente do depósito, sendo depositária a pessoa jurídica, seria
mera ficção, sem possibilidade de conduzir a efeitos práticos, porque
ninguém seria alcançado pela coerção que a lei, excepcionalmente e
sustentada pelo texto constitucional, permite seja exercida’.
[...]
Obiter dictum, ainda que, do ponto de vista lógico, não se flagre
contradição no julgado, a respectiva conclusão não se sustenta
juridicamente.
46
BRASIL, Distrito Federal, Brasília. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 46017.
Recorrente Banco Real S/A e Recorrido Silvio Ferraz Pires. Relator: Ministro Waldemar Zveiter.
Brasília, 19 de fev. de 2001. Diário de Justiça da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11de
jun. 2001. disponível em
<http://www.stj.gov.br/webstj/Processo/JurImagem/frame.asp?registro=199400085680&data=11/06/2
001>. Acesso em: 27 de agosto de 2005
53
Na ação de depósito ajuizada contra uma pessoa jurídica, a pena de
prisão civil só pede ser imputada ao respectivo administrador; nessas
condições, se os efeitos da sentença, ou pelo menos um deles,
recairão sobre ele, segue-se que é litisconsorte necessário no
processo.
Em casos desse jaez, todavia, a Turma, de ofício, tem concedido
habeas corpus, ao fundamento de que a infidelidade no depósito de
coisas fungíveis não autoriza a prisão civil.
A menos que esse entendimento seja alterado, é isso que deve ser
feito na espécie, e assim voto, ressalvando ponto de vista pessoal.47
Apesar do Eminente Ministro reconhecer a possibilidade da prisão civil dos
responsáveis pelo armazém geral, o entendimento do STJ é superior à sua vontade.
É de importante relevância o comentário final do Min. Ari Pargendler, pois demonstra
a tendência de um novo entendimento jurisprudencial, pois fica claro que ele vota
em um sentido que não é o de sua vontade.
Percebendo a complicação do caso, a Min. Nancy Andrighi pediu vista do
processo para proceder sua análise e, no dia 26 de março de 2001 proferiu o
seguinte voto:
[...]
A hipótese versa a titularidade passiva em ação de depósito, no qual
figura o armazém geral, seus sócios e o depositário. Contudo, não se
trata de depósito clássico, porque a soja não foi depositada para ser
conservada e devolvida ao proprietário, mas por artifício jurídico,
constituída como garantia de mútuo financeiro, ainda que tenha
havido emissão de “warrant” e endosso do conhecimento de
depósito.
[...]
Em recente julgamento, a e. 4ª Turma, no HC n. 14935, Rel. Min.
Ruy Rosado, em 06-03-2001, pontuou que:
‘Esta Quarta Turma, a partir do precedente citado no relatório - AGA
196654/MG, Rel Min. César Ásfor Rocha - distingue: a) de um lado, o
contrato de depósito feito em garantia de dívida no qual o depositário
aparece como sendo o devedor de um financiamento e os bens são
dados em garantia dessa divida bens que são do devedor e
permanecem na sua posse, que normalmente o emprega na sua
atividade industrial ou comercial, b) situação essa que pode ser
equiparada ao do comerciante que recebe produção agrícola em
seus armazéns, inicialmente a título de depósito, mas para
47
BRASIL, Distrito Federal, Brasília. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 46017.
Recorrente Banco Real S/A e Recorrido Silvio Ferraz Pires. Relator: Ministro Waldemar Zveiter.
Brasília, 13 de mar. de 2001. Diário de Justiça da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11de
jun. 2001. disponível em
<http://www.stj.gov.br/webstj/Processo/JurImagem/frame.asp?registro=199400085680&data=11/06/2
001>. Acesso em: 27 de agosto de 2005
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posteriormente adquiri-la, quando for da conveniência das partes, ou
depois de efetuados procedimentos de preparação e seleção do
produto, hipótese em que o recebedor do produto agrícola é o
prometido comprador.
Nesses dois casos, sendo os bens fungíveis e consumíveis, aplica-se
a regulação do mútuo e não cabe a ação de depósito, podendo ser
transformada a ação em ordinária’.
[...]
Portanto, no caso em tela, a mercadoria nunca foi depositada pelo
BANCO REAL S/A para ser conservada e depois devolvida, mas foi
constituída como garantia de cédula rural pignoratícia e continuou na
posse direta dos devedores, mutuários, que também são
proprietários da empresa de serviços de armazéns gerais, ainda que
haja a peculiaridade da emissão de warrant e endosso do
conhecimento de depósito, pois cuidou-se de artifício jurídico para
transfigurar um depósito atípico em depósito clássico.
Forte nestas razões, NÃO CONHEÇO
acompanhando o Min. Ari Pargendler.48
o
recurso
especial,
O que podemos aferir desta análise é que a configuração do depósito como
sendo regular só se daria se o banco tivesse depositado os grãos para serem
conservados e depois devolvidos, pois da forma como se deu, os grãos depositados
foram dados como garantia de uma dívida e eles nunca saíram da posse dos
responsáveis pelo armazém, que também são as pessoas que, em nome de CIA
Mogiana de Óleos Vegetais, contraíram dívida com o banco.
Diante desta análise, foi observado um golpe que levou a perda, pelo banco,
do equivalente a mais de 23 mil toneladas de grãos.
A observação feita pela Min. Nancy Andrighi é proveniente do acórdão no
Habeas Corpus 14935, de relatoria do Min. Ruy Rosado de Aguiar, que modificou o
entendimento do STJ. Cumpre ressaltar que ao tempo do voto do Min. Waldemar
Zveiter este voto ainda não havia sido proferido.
Este Habeas corpus possui a seguinte ementa:
DEPÓSITO. BEM FUNGÍVEL (SOJA). ARMAZÉM GERAL
O empresário ou administrador de armazém geral que recebe
mercadoria fungível para depósito pode guardá-la misturada com
48
BRASIL, Distrito Federal, Brasília. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 46017.
Recorrente Banco Real S/A e Recorrido Silvio Ferraz Pires. Relator: Ministro Waldemar Zveiter.
Brasília, 26 de mar. de 2001. Diário de Justiça da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11de
jun. 2001. disponível em
<http://www.stj.gov.br/webstj/Processo/JurImagem/frame.asp?registro=199400085680&data=11/06/2
001>. Acesso em: 27 de agosto de 2005
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outros, mas tem a obrigação de restituí-Ia, na forma dos arts. 11, §1°,
12, § 1°, n° 1, e 35, § 40 da Dec. n. 1102, de 21.1 1.1903, sendo
cabível o ação de depósito e o decreto de prisão civil.
Habeas corpus denegado.49
[...]
Em seu julgamento, o Eminente Ministro Ruy Rosado faz a distinção dos
depósitos em cinco e inova ao configurar o depósito regular de bens fungíveis em
armazéns gerais, uma mistura do depósito regular e irregular, como é observado:
Trata-se de prisão civil do depositário que recebe coisas fungíveis
(soja).
Nessa matéria, é possível distinguir:
[...]
c) o depósito regular de bem fungível em armazém geral, regulado
pelo Dec. n° 1102, de 1903. Embora de bem fungível é regular: ‘É
bom lembrar que não é a natureza de fungível do bem depositado
que por si só transforma o depósito em irregular’ (Orlando Gomes,
Contratos, p. 343). ‘Não se trata, no caso, de depósito irregular, pois
a propriedade das mercadorias não passa para os armazéns; apenas
tratando-se de coisas fungíveis, não fica o depositário obrigado a
devolver as mesmas que lhe foram entregues, mas outras da mesma
qualidade, respondendo, ainda, pelas perdas e avarias que se
verificarem, mesmo que resultantes de força maior (Dec. n° 1.102, de
1903, art. 12, § 1º)’ (Fran Marfins, Contratos e Obrigações
Comerciais, Ed. Forense, Rio de Janeiro, l5ª Edição, p. 388)..
Nesse caso, há o contrato de depósito efetuado por comerciante que
atua como depositário e explora armazém geral, negócio ao qual não
se liga contrato de financiamento, nem integra operação complexa de
aquisição de safra agrícola.
No contrato celebrado pelo armazém geral, o armazenador pode
receber mercadorias da mesma natureza e qualidade, pertencentes a
diversos donos, guardando-as misturadas (art. 12). Embora não seja
obrigado a restituir a ‘própria mercadoria recebida’, tem o dever de
restituí-la na mesma qualidade (§ 1°, n° 1). Quer d izer, qualquer que
seja a natureza do bem, fungível ou infungível, há a obrigação de
restituir. O empresário ou o administrador de armazém geral que
desviar a mercadoria confiada à sua guarda pode sofrer a prisão civil
prevista no art. 11, § 1°, se não efetuada a entreg a ordenada pelo
Juiz, e responde pelo crime do art. 35 do Decreto.
49
BRASIL, Distrito Federal, Brasília. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 14935.
Impetrante Cícero João de Oliveira e Impetrado Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça do Mato
Grosso do Sul. Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Brasília, 06 de mar. de 2001. Diário de
Justiça da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11de jun. 2001. disponível em
<http://www.stj.gov.br/webstj/Processo/JurImagem/frame.asp?registro=200001213865&data=11/06/2
001>. Acesso em: 13 de agosto de 2005
56
Logo, no contrato de depósito celebrado com armazém geral, cabe a
ação de depósito, ainda que a mercadoria recebida seja fungível,
pois o contrato de depósito é típico e não existe para garantia de
débito, nem se destina à compra pelo depositário.50
[...]
Ocorre a distinção porque o depositário tem que entregar o bem depositado
no Armazém Geral seja fungível ou não, e isto faz com que o depositário se torne fiel
em sua obrigação, assim se enquadrando nos dispositivos referentes ao Decreto n.
1.102/1903.
Proferindo o voto neste sentido, o Min. Ruy Rosado não se atentou às regras
do depósito regular. Como pôde ser observado, poder-se-ia ter feito analogia dos
bens fungíveis depositados aos bens infungíveis e assim, caracterizado o depósito
regular, mas o Eminente Ministro optou por classificar o depósito como regular de
bens fungíveis.
Em seu voto há contradição, pois ao dizer que o bem a ser devolvido possuirá
a mesma qualidade significa dizer que o bem poderá ou não ser o mesmo que lhe foi
confiado, caracterizando o depósito fungível e, mesmo assim admite a prisão civil.
Partindo deste entendimento, podemos observar que este tipo de depósito não será
apenas no que se referir a Armazém Geral, e sim, a todos os outros tipos de
depósito clássicos de bens fungíveis que tenham objetos definidos, que deverá ser
devolvido com a mesma qualidade.
É bem verdade que apenas será beneficiado por esta configuração aquele
que depositou e espera receber o bem, excluindo os depósitos que são dados como
garantida de pagamento de dívida.
Julga como certo a prisão civil dos responsáveis pelo Armazém Geral com
fundamentação no artigo 11, § 1º do Decreto n. 1.102/1903 e assim facilita a
visualização da descaracterização da personalidade jurídica, o que antes não era
feito. Inclui ainda o artigo 35 do mesmo Decreto para a resposta ao crime cometido,
50
BRASIL, Distrito Federal, Brasília. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 14935.
Impetrante Cícero João de Oliveira e Impetrado Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça do Mato
Grosso do Sul. Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Brasília, 06 de mar. de 2001. Diário de
Justiça da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11de jun. 2001. disponível em
<http://www.stj.gov.br/webstj/Processo/JurImagem/frame.asp?registro=200001213865&data=11/06/2
001>. Acesso em: 13 de agosto de 2005
57
artigo este que anteriormente foi o embasamento para a configuração da prisão civil,
como no REsp 46017/MG de relatoria do Min. Waldemar Zveiter.
É certo que este acórdão possui o peso histórico de ser o divisor de eras, pois
diferencias em cinco os depósitos de bens. A partir deste acórdão as 3ª e 4ª turma
do Superior Tribunal de Justiça passaram a julgar, no mesmo sentido, as ações
pertinentes a este assunto e aos demais casos de depósito configurados por este
acórdão.
Em 12 de novembro de 2003 foi julgado pela Segunda Seção do STJ, que
compreende a 3ª e 4ª turma, o EREsp 396699. O Resp 396699 é proveniente da 3ª
turma e, em seu julgamento os Ministros consideraram ser possível a prisão por
depósito clássico de bens fungíveis. Foram opostos embargos de divergência sob a
alegação de que a 4ª turma ainda não possuía jurisprudência unificada sobre este
assunto.
O processo possui a relatoria do Eminente Ministro Ary Pargendler que assim
julgou:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ARMAZÉM
FUNGÍVEL. CABIMENTO. AÇÃO DE DEPÓSITO.
GERAL.
BEM
1. O contrato de armazenagem de bem fungível caracteriza depósito
regular, pois firmado com empresa que possui esta destinação
social, sem qualquer vinculação a financiamento, ut Decreto
1.102/1903. Cabível, portanto, a ação de depósito para o
cumprimento da obrigação de devolver coisas fungíveis, objeto de
contrato típico. Precedentes (Resp 210.674/RS e REsp 418.973/RS).
2. Embargos de divergência conhecidos mas improvidos.
A ação de depósito é adequada para o cumprimento da obrigação de
devolver coisas fungíveis, objeto de contrato de depósito clássico,
ainda que seja o irregular, e não o propriamente dito. Recurso
conhecido e provido” (REsp nº 210.674, RS, Relator o Ministro César
Asfor Rocha, D.J. 27.3.2000).
Voto, por isso, no sentido de conhecer divergência e de lhes negar
provimento.51
51
BRASIL, Distrito Federal, Brasília. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em
Recurso Especial n. 396699. Embargante Vanderlei Luiz Ziani e Embargado Primeira Banco do Brasil
S/A. Relator: Ministro Ary Pargendler. Brasília, 12 de nov. de 2003. Diário de Justiça da República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 03 de mai. 2004. disponível em
<https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200200631652&dt_publicacao=03/05/2004>.
Acesso em: 19 de agosto de 2005
58
Após o voto do Ministro Relator, conhecendo dos embargos de divergência,
mas lhes negando provimento, no que foi acompanhado pelos Srs. Ministros
Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior, pediu vista do possesso a. Ministra
Nancy Andrighi que, em 10 de dezembro de 2003, proferiu seu voto nos seguintes
termos:
Como bem delineado, no acórdão embargado, e consignado no voto
condutor, trata-se, no caso em tela, de contrato típico de depósito,
que permite, conforme entendimento já consolidado nesta Seção, o
ajuizamento de ação de depósito.
Nesse sentido já me manifestei no Resp 418.973/RS:
‘A despeito do fundamento acima alinhavado, registro o meu
entendimento pessoal, em consonância com os precedentes da
Quarta Turma deste Tribunal, no sentido de que a prisão do
depositário infiel é cabível na situação em que o ônus recaia na
figura de representante de empresa armazenadora, pois nesse caso,
ainda que fungíveis, os bens foram recebidos efetivamente para que
fossem guardados e conservados mediante a celebração de contrato
de depósito clássico (simples, autônomo em relação aos
depositários.’
Forte em tais razões, acompanho o i. Min. Rel. e nego provimento
aos embargos de divergência.52
Após o voto da Ministra Nancy Andrighi, acompanhando o voto do MinistroRelator, e os votos dos Ministros Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro e Barros
Monteiro, no mesmo sentido, a Seção, por unanimidade, conheceu dos embargos de
divergência, mas lhes negou provimento nos termos do voto do Ministro Relator e
assim, unificaram os entendimentos das turmas e concretizaram o entendimento do
Superior Tribunal de Justiça.
52
BRASIL, Distrito Federal, Brasília. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em
Recurso Especial n. 396699. Embargante Vanderlei Luiz Ziani e Embargado Primeira Banco do Brasil
S/A. Relator: Ministro Ary Pargendler. Brasília, 10 de dez. de 2003. Diário de Justiça da República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 03 de mai. 2004. disponível em
<https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200200631652&dt_publicacao=03/05/2004>.
Acesso em: 19 de agosto de 2005
59
3 A análise dos posicionamentos doutrinário e jurisprudencial
sobre depósito regular em Armazéns Gerais.
Confrontando as análises sobre a fungibilidade dos grãos segundo a doutrina
e os julgamentos do STJ, com relação ao depósito regular de bens fungíveis,
observações se mostram necessárias.
A doutrina contém divergências ao ser analisada profundamente. Inúmeros
entendimentos podem ser formulados a partir de uma posição, como foi visto na
análise de bens fungíveis e infungíveis.
Em geral, os doutrinadores entendem que os bens possuem características
inerentes a suas qualidades. Sendo assim, as partes poderiam, por meio de acordo,
tornar bens fungíveis com características distintas em bens infungíveis. Se assim
não concordasse, o proprietário dos grãos poderia qualificar minuciosamente o seu
bem, de forma que este tornaria – se infungível pela falta de grãos similares.
Os grãos, se observados com rigor, possuem características próprias e, assim
sendo, poderiam ser incluídos em depósitos regulares por diferentes visões
doutrinárias.
É certo que há correntes doutrinárias que não admitem qualquer mudança no
entendimento uma vez firmado, como é o caso de Pontes de Miranda, que considera
um bem fungível pelo fato de poder ser trocado por outro com as mesmas
características. Já há outras correntes, como a de Caio Mário, que admitem a
fungibilidade ou a infungibilidade pela vontade das partes.
Inúmeros pontos poderiam ter sido observados pelos Eminentes Magistrados
ao invés de ser formulada nova teoria para a prisão civil de depositários fiel para
Armazéns Gerais, mas estes preferiram utilizar os argumentos de prisão oferecidos
pelo Decreto 1.102/1903.
A preocupação era em imputar obrigações maiores aos responsáveis pelos
Armazéns Gerais, pois, por vários anos, os depositários praticaram golpes muitas
vezes milionários e provocaram a desconfiança deste depósito que é de
fundamental importância para a economia de um país produtor em massa de grãos.
60
O Min. Waldemar Zveiter iniciou a mudança deste entendimento ao observar
que mais de vinte e três milhões de quilos de grãos foram usados indevidamente e
causariam uma perda milionária aos cofres de um banco. Tentou, então, qualificar
este ato de acordo com o artigo 35 do Decreto n. 1.102/1903. Foi um ato sem muita
fundamentação, pois não possuía nenhum embasamento, tanto doutrinário quanto
jurisprudencial
de
sua
corte.
Corajosamente
tentou
dar
novos
ares
de
responsabilidade aos depositários.
Em voto-vista, o Min. Ary Pargendler claramente julgou desfavorável ao seu
entendimento, pois já havia proferido voto similar em outro processo e percebia a
preocupação do Eminente Ministro Waldemar Zveiter, mas preferiu seguir o
posicionamento do STJ.
No acórdão do HC 14935 o Min. Ruy Rosado, decididamente, pos fim ao
entendimento do STJ e iniciou uma nova era para os contratos de depósito.
Foi utilizado o entendimento de Fran Martins para se classificar a prisão civil
destes responsáveis, como é visto:
Não se trata, no caso, de depósito irregular, pois a propriedade das
mercadorias não possa para os armazéns; apenas tratando-se de
coisas fungíveis, não fica o depositário obrigado a devolver as
mesmas que lhe foram entregues, mas outras da mesma qualidade,
respondendo, ainda, pelas perdas e avarias que se verificarem,
mesmo que resultantes de força maior (Dec. n° 1.102 , de 1903, art.
12, § 1º).53
Ora, se a parte não é obrigada a devolver a mesma coisa, está claro que a
propriedade da coisa foi transferida. Falho, portanto, este entendimento.
Poderia ter usado a teoria de Venosa que visualiza o bem fungível
transformando em infungível se este estiver em um universo restrito e se o bem
possuir características que possibilitam essa diferenciação.
O Armazém Geral poderia representar facilmente este espaço restrito, onde
os diversos grãos de diversos produtores se encontram e é verificada a distinção
dada por seus proprietários. Certamente os grãos que recebem a especificação
minuciosa não serão guardados misturadamente.
53
MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais: ed. ver. aum. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2000, p. 388.
61
Determinando que o bem receba maior especificação em seu contrato, a
decisão do STJ seria no sentido de prevenir ações futuras de possíveis fraudes ao
caracterizar o bem como infungível e garantindo a responsabilidade do
representante do armazém.
Se assim tivesse julgado, o bem ainda seria fungível, mas com características
infungíveis o que poderia configurar o depósito regular sobre bens naturalmente
fungíveis, mas que por características demonstradas pelo depositante em suas
qualificações, o modificaram por aquele momento.
Caio Mário explica melhor este posicionamento ao afirmar que o bem,
inicialmente fungível e posteriormente caracterizado como infungível poderá vir a se
tornar novamente fungível, demonstrando que a principal característica é dada pelo
próprio bem, teoria essa também defendida por Venosa.
Talvez a melhor teoria seja a de Serpa Lopes que já em primeira análise
visualiza o bem como fungível ou infungível por suas próprias qualidades. Sendo
assim, grãos com todas suas especificações serão considerados infungíveis queiram
ou não seus depositantes e depositários. Ocorre que legalmente a responsabilidade
só poderia ser imputada ao Armazém Geral e seus representantes legais se tais
qualificações fossem minuciosas, o que demonstra mais uma vez a falta de
especificação no Decreto n. 1.102/1903 e Leis posteriores que o modificaram com
relação a uma especificação minuciosa.
Observando todas essas precauções, os depositantes sempre iriam optar
pelo armazenamento do bem como sendo infungível, observando todas as
características inerentes ao bem.
No entanto, preferiu o STJ em pacificar o contrato de depósito de grãos em
Armazéns Gerais em regular, mesmo o bem sendo fungível para acolher também os
depositantes que já haviam observado o dano contra seu patrimônio.
O único que pode requerer a prisão do bem, após o voto do Min. Ruy Rosado,
é o depositante que possuía o bem e legalmente ainda o possui, ou seja, aquele que
recebeu o CDA e o WA.
A tentativa em especificar este ponto foi o de dar uma garantia maior ao
depositante e não abranger muito o tema para não abrir precedentes capazes de
serem usados nos diversos tipos de depósito de bens fungíveis.
62
Apesar do brilhantismo do Min. Ruy Rosado em conseguir distinguir cinco
tipos de depósito, o principal motivo para esta distinção foi o depósito em Armazéns
Gerais. Mesmo com o entendimento possuindo falhas, este nunca foi questionado
por qualquer outro Ministro porque, provavelmente, esta configuração foi quase
impossível e, mesmo sendo necessária para dar maior segurança aos que utilizam
este depósito, nunca havia tido um embasamento que demonstrasse o mínimo de
segurança para os Magistrados.
A adaptação feita pelo Min. Ruy Rosado não logrou fundamentos lógicos para
a maioria dos doutrinadores, pois estes ainda não consideram este tipo de depósito
como sendo regular. Alguns doutrinadores nem citam, em suas obras, o novo
posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, como é o caso de Venosa que,
mesmo em 2006, coloca apenas a jurisprudência antiga, a visualizada pelo Min.
Eduardo Ribeiro, que não admite esta prisão.
Necessária é a fundamentação para a prisão civil para o caso de depósito de
grãos em Armazéns Gerais. Tentou-se um depósito baseado na doutrina, mas as
vias escolhidas não foram unânimes. Melhor teria sido a união de vários
entendimentos doutrinários em seus pontos favoráveis a este tipo de depósito.
Toda a confusão é proveniente do art. 12, caput do Decreto n. 1.102/1903 em
que é autorizado o depósito misturado dos bens. Poderia ter o legislador, nas leis
subseqüentes e que modificaram este Decreto, ter dado a possibilidade do
depositante escolher se quer ou não que seus bens sejam guardados misturados,
mesmo este sendo fungíveis, pois seria observado que o bem não passou para a
propriedade do depositário e sendo assim a teoria do Min. Ruy Rosado seria
perfeitamente utilizada a este.
Se tal ponto fosse modificado, não só o entendimento do Min. Ruy Rosado
poderia ser usado como o de vários doutrinadores que poderiam ser analogicamente
observados dando ainda mais segurança a este entendimento que se formou.
De qualquer forma, esta mudança de entendimento jurisprudencial demonstra
claramente a evolução do direito e sua dinâmica frente os conflitos da sociedade.
Tinha-se como imutável a questão dos depósitos regulares e irregulares, mas hoje já
se têm, jurisprudencialmente, cinco configurações distintas.
CONCLUSÃO
Os Armazéns Gerais fazem parte da história da civilização humana. É
primordial, portanto, o uso correto deste instituto. Uma lei do início do século
passado vigora, em parte, até os dias de hoje, demonstrando que foi muito bem
elaborada.
Acontece que as relações envolvendo pessoas se modificam com o tempo e
isso faz com que o direito também se modifique. Neste estudo foram analisados o
Decreto n. 1.102/1903 e leis posteriores que tentaram confirmar os dispositivos
contidos neste Decreto sobre o depósito de grãos.
Os grãos são de suma importância para a economia do país e os Armazéns
Gerais representam importante forma de movimentação financeira quando aqueles
estão depositados nestes. Portanto, se a confiança neste depósito não é plena, o
ciclo econômico não será perfeito.
Observando a imperfeição do ciclo econômico e as inúmeras ações
propostas por aqueles que estavam sendo lesados, os magistrados tentavam dar
garantias que antes não eram vislumbradas.
Tentou-se, por anos, a configuração de uma responsabilidade que,
legalmente, a princípio, não poderia existir que é a configuração do depósito de bens
fungíveis como sendo regular. Com isso os responsáveis pelos Armazéns Gerais
possuíam a obrigação da devolução do que lhes foi confiado sob pena de prisão.
Diante dos problemas causados por fraudes e do quão importante é a
confiança neste depósito, o STJ julgou procedente o pedido de imputação de prisão
civil por depósito fiel, mas inicialmente sem uma argumentação bem elaborada.
O argumento final utilizado pelo Min. Ruy Rosado, no entanto, não possuiu
um embasamento indiscutível. Tanto é que apenas nos Armazéns Gerais, no que se
referir ao depósito de grãos, é que conseguimos visualizar o depósito regular de
bens fungíveis. A restrição se deu, certamente, para este não se tornar um
precedente para todos os outros casos de depósitos de bens fungíveis, que são
regulados pelo mútuo.
Atualmente
alguns
Tribunais
de
Justiça
estaduais
divergem
do
posicionamento do STJ, mas nos que passaram a utilizar este posicionamento, se
mostra visível o poder de um precedente de um Tribunal Superior, pois demonstra
64
segurança e confiança no que está sendo julgado para os Tribunais de Justiça
inferiores.
É certo que este posicionamento não é unânime entre os doutrinadores,
muito pelo contrário, a maioria se põe contra este entendimento se analisado
superficialmente. Analisando profundamente e em diversos pontos no que diz
respeito a bens fungíveis perante os mesmos doutrinadores percebemos que a
maioria poderia aceitar o caráter infungível do bem em condições especiais.
A lei que especificou o depósito de grãos em Armazéns Gerais não obteve o
sucesso desejado e apenas ratificou os pontos comentados do Decreto n.
1.102/1903 dos Armazéns Gerais, mesmo aquela sendo de cento e um anos após.
O que se viu, portanto, foi uma forma de tentar legislar, por parte do Min.
Ruy Rosado, sobre um tema complexo e inovou com cinco distintas formas de
depósito e assim tentou a conciliação com os casos analisados pelos magistrados.
Essa forma de julgar, por um lado, teve que ser utilizada, pois de outra forma não
haveria como ser dado a configuração do depósito capaz de imputar a
responsabilidade da prisão.
Este estudo evidencia que o direito é que deve se adaptar à sociedade, bem
assim que um conceito pode e deve comportar outras formas de entendimentos e
interpretação para se adequarem a casos singulares, como é a situação de depósito
de bens fungíveis (grãos) em Armazéns Gerais.
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Depósito Agropecuário – CDA, o Warrant Agropecuário – WA, o Certificado de
Direitos Creditórios do Agronegócio – CDCA, a Letra de Crédito do Agronegócio –
LCA e o Certificado de Recebíveis do Agronegócio – CRA, dá nova redação a
dispositivos das Leis nos 9.973, de 29 de maio de 2000, que dispõe sobre o sistema
de armazenagem dos produtos agropecuários, 8.427, de 27 de maio de 1992, que
dispõe sobre a concessão de subvenção econômica nas operações de crédito rural,
8.929, de 22 de agosto de 1994, que institui a Cédula de Produto Rural – CPR,
9.514, de 20 de novembro de 1997, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento
Imobiliário e institui a alienação fiduciária de coisa imóvel, e altera a Taxa de
Fiscalização de que trata a Lei no 7.940, de 20 de dezembro de 1989, e dá outras
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ANEXOS
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Bruno Cesar Alves Pinto - Universidade Católica de Brasília