Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello
I
Cerca de tres annos são decorridos depois que Lisboa, tomada
de surpreza, na manhã do dia 21 de janeiro de 1886, procurava com
sincero e verdadeiro sentimento, conhecer com segurança a triste
nova que de boca em boca corria.
Fontes Pereira de Mello adoecera gravemente, dizia-se, e os habitantes consternados de uma cidade inteira, a que vieram juntar-se os
de todo o Paiz, começaram de affluir á casa do Pateo do Tijolo correndo a informar-se do estado do enferino.
Era infelizmente verdadeira a noticia!
Fontes Pereira de Mello cahira prostrado pela doença na madrugada d'aquelle mesmo dia e, a morte sinistra estendera desde logo, como um triste e pesado doçel, as negras e sombrias azas, sobre
aquelle leito, onde devia extinguir-se em breve a brilhantíssima luz
de tam grande e previlegiado espirito.
E cada hora decorrida; desde esse momento, era uma esperança
mais, perdida para o coração de quantos o rodeavam aifectuosamente em tam chorados instantes, desde que cada oscilação medida no
relogio do tempo mostrava a todos numa palavra, n'um movimento,
n'um gesto quasi imperceptivel, ou n'um suspiro contido apenas, o
largo passo feito na húmida e ensombrada estrada da eternidade, regada pelas lagrimas de desprendido orvalho que magoados choram
os curvos e pendidos ramos dos sinistros salgueiros que tristes acompanham o caminho da morte.
Dois dias apenas de martyrio e de anceio, dois dias apenas em
que parentes e amigos sentiram estalar de dor o coração oppresso,
dois dias apenas de commoção inolvidável para os que viam pouco
a pouco separar-se dos extremos d'immenso affecto da formosissima
alma que Deus chamava á sua presença e tanto bastou para que
aquelle scintillantissimo astro illuminado pela intelligencia da mais
clara e poderosa luz que temos conhecido, rápido se curvasse 110
percurso da orbita traçada pelas leis immutaveis da natureza, inclinando-se ainda rutilante e vivo para os confins do horisonte como
ardente sol do equador de que o occaso não empana o brilho.
Fontes Pereira de Mello extinguia-se com effeito no pleno uso
das extraordinarias faculdades que recebera no berço e que durante
uma vida inteira esmeradamente cultivara, sem o mais momentâneo
esquecimento de si proprio.
Poucos dias antes reunira ainda em sua casa avultado numero
dos seus amigos pessoaes e politicos e a sua palavra escutada no
religioso silencio, em que fazia sempre ouvir-se pelos seus proprios
adversarios nas luctas dos partidos, tivera ainda todo o colorido vibrante do seu sincero enthusiasmo, a vida intensissima das suas arreigadas convicções, a elegancia da sua inimitável correcção, todo o
calor communicativo d'aquella voz tam de molde e acostumada a
Charrua — Novembro — 1889 — N.o 8
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Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello