A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA INSIGNIFICÂNCIA E DA ADEQUAÇÃO SOCIAL NO CRIME DE
VIOLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS
HATSCHEBACH, Isabela Antonia1
FEISTLER, Ricardo2
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo apresentar a importância da aplicação dos princípios da insignificância e da adequação social no crime de violação
de direito autoral quando do comércio de CDs e DVDs “piratas”. Demonstrando assim, a necessária observância desses princípios na verificação da
tipicidade material no referido delito, além do caráter fragmentário do Direito Penal, o qual não pode ser invocado para tutelar uma conduta que
produza resultado inexpressivo, ou seja, que não cause lesão significativa a bens jurídicos relevantes. Para tanto, foi utilizado de forma descritiva com
fundamentação em obras e pesquisas jurisprudências, observando-se que na maioria das vezes as consequências penais em relação ao delito
supracitado atingem apenas as classes desfavorecidas.
PALAVRAS-CHAVE: Insignificância. Tipicidade Material. Adequação social. Violação de direito autoral. Direito Penal.
THE APPLICATION OF THE PRINCIPLES OF INSIGNIFICANCE AND SOCIAL ADEQUACY OF THE CRIME OF COPYRIGHT
INFRINGEMENT
ABSTRACT
This article aims to present the importance of applying the principles of insignificance and social adequacy of the crime of copyright infringement
when the trade in CDs and DVDs "pirates." Thus demonstrating the necessary observance of these principles in the verification of typicality stuff in
that offense, and the fragmentary character of the Criminal Law, which can not be invoked to protect a pipeline that produces insignificant results, ie,
it does not cause significant damage to goods relevant legal. Therefore, it was used in a descriptive way with reasoning and research works in
jurisprudence, noting that most of the time the penal consequences in relation to the offense aforesaid, reaches only the lower classes.
KEYWORDS: Bickering. Material typicality. Social adequacy. Copyright infringement. Criminal Law.
1 INTRODUÇÃO
Os princípios da insignificância e da adequação social devem ser necessariamente observados pelo aplicador da
norma penal quando da análise da tipicidade material no delito de violação de direito autoral, mais especificamente nos
casos de comercialização de CDs e DVDs pirateados. Atualmente, uma considerável parcela da jurisprudência pátria
têm entendimento favorável pela aplicação dos referidos postulados no delito sob análise, em razão da sociedade aceitar
o comércio de cópias de CDs e DVDs protegidos por direitos autorais, bem ainda, por considerar tal conduta
penalmente irrelevante. Dessa forma verifica-se que a conduta traz consigo uma inexpressiva lesão patrimonial aos
autores do direito autoral violado, além do reduzido grau de reprovabilidade social, que resulta na exclusão da
tipicidade material. O tema em debate é de suma relevância no âmbito do direito penal, devendo o julgador dar maior
importância aos princípios da insignificância e da adequação social, a fim de buscar a realização da justiça material,
bem ainda sanar os equívocos por vezes cometido pelo Poder Público, que acaba punindo tão-somente os chamados
“camelôs” que comercializam CDs e DVDs piratas, enquanto os verdadeiros criminosos continuam impunes.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 CONCEITO DE TIPICIDADE
Inicialmente, cabe destacar que, a doutrina criminalista pátria conceituava crime como sendo toda conduta
humana que infringisse a lei penal, causando lesão ou perigo de lesão à bem jurídico de terceiro. Posteriormente, tal
conceito foi aprimorado, sendo hoje considerado crime toda ação ou omissão, típica, antijurídica e culpável.
Segundo o autor Capez (2007), tipicidade é uma espécie de enquadramento, correspondência entre a conduta
praticada no mundo real ao modelo descrito no tipo legal, assim, para que uma conduta seja considerada crime, dentre
outros fatores, se faz necessário observar a correspondência entre o mundo real e o legal.
Na mesma linha de raciocínio, Muñoz Conde (2000, apud GRECCO, 2010, p.152), leciona que sob a ótica da
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Acadêmica do 6º período do Curso de Direito da Faculdade Assis Gurgacz. [email protected]
Orientador e Professor de Direito Penal da Faculdade Assis Gurgacz
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tipicidade formal, deve ocorrer uma adequação do fato cometido à descrição que a lei penal faz, ou seja, apenas os fatos
que forem tipificados na lei penal como delitos, são aptos a ensejar esse ajustamento, em homenagem ao princípio do
nullum crimen sine lege, pelo qual o legislador, quando quer impor ou vedar condutas sob a ameaça de punição, deve,
obrigatoriamente, valer-se de uma lei.
Além disso, o doutrinador Greco (2010) assevera que, além da observância da tipicidade formal, também se faz
necessário se ater a chamada tipicidade conglobante, que surge quando a conduta praticada pelo agente é tida como
antinormativa (contrária à lei penal), bem ainda ofensiva a bens jurídicos relevantes (tipicidade material).
No contexto da tipicidade material o ordenamento jurídico não pode proibir aquilo que ele fomenta, dessa forma
a doutrina salienta:
A lógica mais elementar no diz que o tipo não pode proibir o que o direito ordena e nem o que ele fomenta. Pode
ocorrer que o tipo legal pareça incluir estes casos na tipicidade, como sucede com o do oficial de justiça, e, no
entanto, quando penetramos um pouco mais no alcance da norma que está anteposta ao tipo, nos apercebemos que,
interpretada como parte da ordem normativa, a conduta que se ajusta ao tipo legal não pode estar proibida, porque
a própria ordem normativa a ordena e a iniciativa. (ZAFFARONI, E. Raúl; PIERANGELI, J. Henrique. Manual de
direito penal brasileiro, São Paulo, 2011, p. 458).
Norberto Bobbio, também disserta sobre o assunto:
Um ordenamento jurídico constitui um sistema porque não podem coexistir nele normas incompatíveis. Aqui,
'sistema' equivale à validade do princípio, que exclui a incompatibilidade das normas. Se num ordenamento vêm a
existir normas incompatíveis, uma das duas ou ambas devem ser eliminadas. Se isso é verdade, quer dizer que as
normas de um ordenamento têm um certo relacionamento entre si, e esse relacionamento é o relacionamento de
compatibilidade, que implica na exclusão da incompatibilidade. (BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento
jurídico, Brasília, 1997, p.80).
Isto posto, em concordância com Greco (2010), é imprescindível observar a tipicidade material para fins de
análise da ocorrência do crime, a qual em conjunto com o princípio da intervenção mínima, ressalta a ideia de que
apenas os bens que gozem de importância são passiveis de tutela jurisdicional e somente as lesões que são aptas a
causar uma ofensa relevante a esses bens jurídicos, produzem efeitos na esfera penal, e consequentemente, as bagatelas
devem ser excluídas, com fulcro no postulado da insignificância.
Luiz Regis Prado evidencia com clareza o tema:
O bem jurídico – ponto central da estrutura do delito – constitui, antes de tudo, uma realidade válida em si mesma,
cujo conteúdo axiológico não depende do juízo do legislador (dado social preexistente) (…) O injusto penal
compreende a conduta culpável e ilícita. Do ponto de vista formal, é ilícita quando significa transgressão de uma
norma estatal (mandato ou dever) e, em sentido material, quando opera uma lesão ou perigo de lesão a um
interesse vital garantido pela norma (bem jurídico). (PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico penal e constituição, São
Paulo, 2003, p.36).
Igualmente, Nucci (2006) traduz a tipicidade material como uma adequação a lesividade que atinja os bens
jurídicos socialmente reprováveis ou juridicamente protegidos. Com isso, os princípios da insignificância e da
adequação social configuram causas implícitas de exclusão de tipicidade.
Conclui-se, portanto, que para haver tipicidade penal, deve ocorrer a fusão da tipicidade formal (adequação do
fato à norma penal em abstrato) com a tipicidade conglobante (formada pela junção da conduta antinormativa com a
tipicidade material). Havendo ambas, o fato seguramente poderá ser considerado como penalmente típico.
2.2 OS PRINCÍPIOS DA INSIGNIFICÂNCIA E DA ADEQUAÇÃO SOCIAL
No que tange a origem do princípio da insignificância ou bagatela, há divergência na doutrina. Para o autor
Capez (2007), ele teria surgido em Roma, sustentando-se no brocardo: minimis non curat praetor (o pretor não cuida de
questões pequenas). Por outro lado, para Lopes (2000), não há que se falar em origem romana, pois essa sociedade era
essencialmente civilista, sem noção de legalidade penal.
Ademais, conforme denota Gomes (2010), o princípio da insignificância ganhou maior destaque no ano de 1964
com Claus Roxin, possibilitando a exclusão da tipicidade material, dessa forma:
Se por um lado não se pode duvidar que é muito controvertida a origem histórica da teoria da insignificância, por
outro, impõem-se sublinhar que o pensamento penal vem (há tempos) insistindo em sua recuperação (pelo menos
desde o século XIX). São numerosos os autores que desde esse período a invocam e pedem sua restauração, assim
Carrara, Von Liszt, Quintiliano Saldanã, Roxin, Baumann. Nas últimas décadas destaca-se o trabalho de Roxin,
surgindo em 1964, que postulou o reconhecimento da insignificância como causa de exclusão da tipicidade penal
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material. (GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outra excludentes de tipicidade, São Paulo, 2010,
pg. 54/55)
Diante disso, apesar do princípio da insignificância não estar expressamente previsto, ressalta a ideia de um
Direito Penal que possui suas diretrizes voltadas às ofensas relevantes, que lesionem um bem juridicamente tutelado, e
por consequência, possibilita desde o princípio, a exclusão de danos irrelevantes. Assim, o próprio caráter fragmentário
do Direito Penal exige que ele não se preocupe com as bagatelas (Toledo, 2002).
Com efeito, a tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois se não
for capaz de ofender substancialmente, a conduta será atípica, conforme ensina o autor Fernando Capez:
Segundo tal princípio, o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser
admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico. A tipicidade penal
exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico protegido, pois é inconcebível que o legislador tenha imaginado
inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o interesse protegido. Se a
finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico, sempre que a lesão for insignificante, não haverá adequação
típica. (CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Volume 1, São Paulo, 2007, pg. 11-13)
O Supremo Tribunal Federal entende ser aplicável o princípio da insignificância quando presentes os seguintes
requisitos: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo
grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Necessário ainda, destacar o seguinte exemplar jurisprudencial:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. RÁDIO COMUNITÁRIA. OPERAÇÃO SEM
AUTORIZAÇÃO DO PODER PÚBLICO. IMPUTAÇÃO AO PACIENTE DA PRÁTICA DO CRIME
PREVISTO NO ARTIGO 183 DA LEI 9.472/1997. BEM JURÍDICO TUTELADO. LESÃO.
INEXPRESSIVIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. CRITÉRIOS OBJETIVOS.
PRESENÇA. APURAÇÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. I - A
aplicação do princípio da insignificância deve observar alguns vetores objetivos: (i) conduta minimamente
ofensiva do agente; (ii) ausência de risco social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;
e (iv) inexpressividade da lesão jurídica. (...).
Em conformidade com a jurisprudência acima e tendo em vista os requisitos objetivos supracitados que balizam
a aplicação do princípio da insignificância, nota-se que o direito penal só deveria atuar quando ocorresse concretamente
a privação da liberdade. Assim, as restrições de direitos do sujeito se justificariam em face da necessária proteção da
sociedade, sendo imprescindível a demonstração da significativa lesividade da conduta praticada, para fins de auferir a
tipicidade.
Além disso, sob o crivo dos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Poder Público, o direito
penal não pode ser invocado para tutelar uma conduta que produza resultado inexpressivo, ou seja, que não cause lesão
significativa a bens jurídicos relevantes, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à sociedade como um todo.
Superada a análise do postulado da insignificância, se faz necessário analisar o princípio da adequação social,
criado pelo jurista e filósofo alemão Hans Welzel, o qual, segundo Prado (2007), os atos considerados pela sociedade
inofensivos à vida, à segurança e à liberdade, não devem sofrer punição, pois a missão primordial do Direito Penal é
punir as condutas delituosas relevantes à sociedade.
Assim o autor leciona:
A teoria da adequação social, concebida por Hanz Welzel, significa que, apesar de uma conduta se subsumir
formalmente ao modelo legal, não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida(...) Convém
observar que “as condutas socialmente adequadas não são necessariamente exemplares, senão condutas que se
mantêm dentro dos marcos da liberdade de ação social”. Noutro dizer: a ação adequada socialmente é toda
atividade desenvolvida no exercício da vida comunitária segundo uma ordem condicionada historicamente. É ela
portadora de um determinado significado social, sendo expressada funcionalmente no contexto histórico-social da
vida de um povo. (PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, São Paulo, 2007,pg. 149).
É importante frisar que o princípio da adequação social, assim como o da insignificância, acaba por excluir a
tipicidade material, ou seja, as condutas são formalmente típicas, mas não são objetos de reprovação social e
consequentemente são toleradas pela sociedade (GOMES, 2010).
Comungando do mesmo entendimento, Greco (2010) ressalta o caráter duplo do princípio da adequação social.
Primordialmente, tal princípio assevera a limitação da interpretação dos tipos penais e por reflexo, sua exclusão quando
considerados socialmente aceitos e adequados. Em segundo plano, direciona-se ao legislador em duas vertentes, onde a
primeira indica as condutas que o legislador efetivamente deseja proibir e a segunda indica a possibilidade do legislador
repensar e assim retirar os tipos penais que são socialmente aceitos e condizentes com a evolução da sociedade.
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Diante do que foi dito, e tendo sempre em mente que o Direito Penal é a ultima ratio no ordenamento jurídico,
resta claro que sua finalidade é garantir a proteção dos bens jurídicos mais essenciais à sociedade, excluindo, portanto,
as condutas que sejam consideradas ínfimas (lesão inexpressiva ao bem jurídico) e aquelas aceitas pela sociedade.
2.3 A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA INSIGNIFICÂNCIA E DA ADEQUAÇÃO SOCIAL NO DELITO
PREVISTO NO ART. 184, § 2º, DO CÓDIGO PENAL
Na lição de Bitencourt (2012), direito autoral compreende os benefícios, vantagens, prerrogativas e direitos
patrimoniais, morais e econômicos decorrentes de criação artísticas, científicas, literárias e profissionais de seu criador,
inventor ou autor.
A Carta Política assegura expressamente o direito autoral em seu art. 5º, inciso XXVII, quando dispõe que “aos
autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros
pelo tempo que a lei fixar”.
Desta forma, há crime de violação de direito autoral quando o agente viola “direitos de autor e os que lhe são
conexos” (art. 184, CP). No presente trabalho, será analisada a segunda figura qualificada do crime de violação de
direitos autorais (art. 184, § 2º, CP), a qual recai sobre o agente que pratica a violação de direito do autor ou conexos
com o “intuito de lucro direto ou indireto”, podendo o eventual infrator sofrer uma pena de 2 a 4 anos de reclusão, e
multa.
Obviamente, o tipo penal sob análise visa punir a conduta dos agentes que exercem papel relevante na cadeia da
“pirataria”, ou seja, os verdadeiros “chefões” do comércio ilegal de CDs e DVDs piratas, que obtêm fortuna com essa
prática ilegal, e não os miseráveis ambulantes que arriscam a própria vida para manter a própria subsistência e de sua
família.
Há algum tempo, alguns tribunais pátrios vêm aplicando os princípios da insignificância e da adequação social
como causa excludente de tipicidade material, em relação à violação de direito autoral quando da venda de DVDs e
CDS piratas.
Como exemplo, temos os seguintes julgados:
SENTENÇA ABSOLUTÓRIA
Protocolo n.º: 201.000.439.296
Natureza: Ação Penal Pública Incondicionada
Acusado: PRISCILA MONTEIRO DA SILVA
Infração: Artigo 184, § 2º, do Código Penal Brasileiro
Analisando detida e cuidadosamente estes autos, tenho que é plausível e justo a absolvição da acusada das
imputações que lhe vinham sendo feitas nesse processado, em atenção ao princípio da adequação social. Sucede
que a acusada, em depoimento na delegacia, único momento em que foi ouvida, confessou que adquiriu os Cds e
DVDs com ela apreendidos pelo valor de R$ 1,00, sendo que os expunha a venda no momento da abordagem por
R$ 3,00, ou caso o cliente quisesse, vendia dois por R$5,00. (...) Diante deste contexto, não pairam dúvidas de que
a acusada efetivamente perpetrou o fato que lhe é imputado na exordial acusatória. Contudo, ainda será preciso
analisar a adequação típica deste agir, isto é, se a comercialização de cópias não autorizadas de CDs/DVDs
caracteriza infração penal, mormente considerada a sua nítida aceitação social. Ante todo o exposto, e com
fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão
constante na denúncia, e de consequência ABSOLVO a acusada PRISCILA MONTEIRO DA SILVA das
acusações que lhe são feitas nestes autos. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com as devidas baixas.
E
APELAÇÃO CRIMINAL - VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL (art. 184, § 2º do CÓDIGO PENAL) COMERCIALIZAÇÃO DE DVD'S FALSIFICADOS - APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO
MÍNIMA, DA ADEQUAÇÃO SOCIAL E DA INSIGNIFICÂNCIA-INEXPRESSIVA LESÃO AO BEM
JURÍDICO TUTELADO ATIPICIDADE DA CONDUTA - ABSOLVIÇÃO É MEDIDA QUE SE IMPÕE PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL – SENTENÇA MANTIDA. I - O Direito Penal deve reprimir aqueles
comportamentos considerados altamente reprováveis ou danosos à sociedade. II - Segundo preconizado pelo
Princípio da Adequação Social, as condutas proibidas sob a ameaça de uma sanção penal não podem abranger
aquelas socialmente aceitas e consideradas adequadas pela sociedade. III - O Princípio da Insignificância
considera atípica a conduta delitógena, sempre que esta for considerada irrelevante penalmente, ou quando trouxer
como consequência uma inexpressiva lesão patrimonial, além do reduzido grau de reprovabilidade social. IV Apelo improvido. Decisão unânime.
O juiz prolator da sentença absolutória proferida nos autos n. 201.000.439.296, da 10ª Vara Criminal da Comarca
de Goiânia/GO, citada acima, absolveu a acusada do crime de violação de direito autoral pela prática de
comercialização de CDs e DVDs piratas, com fulcro no postulado da adequação social, haja vista que entendeu que no
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delito em questão, mesmo que exista a configuração da cadeia delitiva, se faz necessário realizar uma análise minuciosa
da tipicidade material.
Outrossim, o Tribunal de Justiça do Estado do Sergipe, nos termos do acórdão destacado alhures, explanou sobre
a possibilidade de aplicar o principio da adequação social em relação a violação de direito autoral de CDs e DVDs,
tendo em vista ser uma conduta considerada pelo núcleo da sociedade aceita e , devendo ocorrer, portanto, a restrição do
direito penal e a consequente exclusão do crime.
Ainda, cabe dizer que as classes mais privilegiadas são as verdadeiras fomentadoras do crime em tela, pois
diariamente o praticam, seja pela internet, iphones, ipods e até mesmo pelos seus carros luxuosos, os quais possuem
equipamentos em formato digital para MP3, onde as músicas são “baixadas” sem qualquer pagamento de taxa, e por
consequência a reprimenda penal acaba girando em torno das classes desfavorecidas.
Com apoio do autor Gomes (2002):
O controle social é altamente discriminatório e seletivo. Enquanto os estudos empíricos demonstram o caráter
majoritário e ubíquo do comportamento delitivo, a etiqueta de delinquente, sem embargo, manifesta-se como um
fator negativo que os mecanismos do controle social repartem com o mesmo critério de distribuição dos bens
positivos (fama, riqueza, poder etc.): levando em conta o status e o papel das pessoas. De modo que as "chances"
ou "riscos" de ser etiquetado como delinquente não dependem tanto da conduta executada (delito), senão da
posição do indivíduo na pirâmide social (status). Os processos de criminalização, ademais, vinculam-se ao
estímulo da visibilidade diferencial da conduta desviada em uma sociedade concreta, isto é, guiam-se mais pela
sintomatologia do conflito que pela etiologia do mesmo (visibilidade versus latência). (GOMES, Luiz Flávio.
Criminologia, 4ed, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002)
Além disso, não é difícil de perceber a aplicação prática do princípio da adequação social, já que o próprio
Estado é um dos maiores fomentadores da prática de violação de direitos autorais, afinal é evidente o comércio de CDs
e DVDs piratas, dentre outros produtos contrabandeados e vendidos sem nota fiscal em estabelecimentos autorizados
pelo próprio Estado. (ACRE, Tribunal de Justiça, AP. 0020901-41.2007.8.01.0001/2011, Relator: Des.Feliciano
Vasconcelos, 2011).
Outro ponto que merece ser salientado, é que o próprio fisco considera a elisão dos tributos (II – Imposto de
Importação e IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados), não excedentes a R$ 20.000,00 (vinte mil reais),
insignificantes, conforme a portaria n. 75/2012 do Ministério da Fazenda, portanto, não há que se repudiar a conduta
dos ambulantes de rua, que por vezes por falta de opção e com o anseio de alimentar sua família, acabam por se sujeitar
à prática da venda de CDs e DVDs piratas. (Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ACR 00014-9698.2009.404.7211/SC, Relator: Des. Victor Luiz dos Santos Laus, 2013).
Observa-se pelos fundamentos expendidos acima, que o princípio da insignificância deve ser aplicado nos crimes
de violação de direito autoral de CDs e DVDs, excluindo de plano a tipicidade material do delito, já que o Direito Penal
não deve se preocupar com bagatelas, ou seja, com condutas que provoquem lesões ínfimas, por vezes tuteladas na
esfera cível ou administrativa (menos graves). (SERGIPE, Tribunal de Justiça, Apelação n. 0732/2011, Relator: Des.
Luiz Antônio Araújo Mendonça, 2011).
Sobre o princípio em comento, Jesus (1999) disserta que:
Princípio da insignificância. Ligado aos chamados ‘crimes de bagatela’ (‘ou delitos de lesão mínima’), recomenda
que o direito penal, pela adequação típica, somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade,
reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de perturbações jurídicas mais leves (pequeníssima relevância
material). Esse princípio tem sido adotado pela nossa jurisprudência nos casos de furto de objeto material
insignificante (subtração de um pano de chão, sapatos usados de pouco valor, uma passagem de ônibus etc.); lesão
insignificante ao Fisco; maus-tratos de importância mínima; descaminho e dano de pequena monta; lesão corporal
de extrema singeleza etc. (JESUS, Damásio Evangelista de. Código Penal Anotado, São Paulo, 1999, pg. 02)
Malgrado a aplicação dos princípios aqui suscitados, não se pretende defender a descriminalização
do delito em tela, pois o Estado deve sim combater o comércio ilegal de CDs e DVDs piratas quando houver relevância
penal, porém tal punição deve ocorrer em face dos verdadeiros criminosos, ou seja, sobre aqueles que exercem papel
fundamental na cadeia da pirataria, quais sejam: agentes que fabricam e comercializam em massa as cópias de obra
intelectual ou artística, utilizando-se de “mulas” ou “camelôs” para construir impérios.
3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ficou evidenciada no presente artigo, a necessária observância dos princípios da insignificância e da adequação
social pelo aplicador da norma penal, quando da análise da tipicidade material no delito de violação de direito autoral,
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mais especificamente nos casos de comercialização de CDs e DVDs pirateados, a fim de se obter o verdadeiro valor de
justiça, o qual advém da própria essência do Direito.
Por resultado, ao ser feito tal análise e se verificar que a conduta é aceita pela sociedade, e que a mesma não
cause uma lesão expressiva ao bem jurídico tutelado, qual seja, direito autoral, certo é a exclusão da tipicidade material
e do consequente delito.
Igualmente, se a partir da análise dos juízes da lei, estiverem presentes os requisitos nomeados pelo Supremo
Tribunal Federal, ou seja: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c)
reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada, necessário
é o afastamento da tipicidade material, não tendo que se falar em conduta criminosa.
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Direito - Isabela 1