Responsabilidade social ou filantropia?
Elenice C. Roginski M. Santos
Resumo
responsabilidade
social não é
sinônimo de
filantropia, mas
representa a
sua evolução
ao longo do
tempo
Este artigo traz conceitos relacionados à ética e
ética empresarial, responsabilidade social
corporativa e filantropia, da maneira como estão
sendo compreendidos e aplicados por empresários, especialistas, e pelo mundo acadêmico. Apresenta algumas ferramentas para avaliar o grau
de responsabilidade social das empresas, e, com
maior destaque, o balanço social. Discorre sobre
a Certificação Social, que está começando a ser
utilizada pelas organizações brasileiras.
Responsabilidade social é a maneira de conduzir os negócios na forma de uma parceria empresa-comunidade onde a empresa é co-responsável pelo desenvolvimento social da comunidade. Responsabilidade social não é sinônimo
de filantropia, mas representa a sua evolução
ao longo do tempo. Enquanto a filantropia trata
das ações de benemerência da empresa por meio
de participações em campanhas isoladas ou doações aleatórias que faz a instituições sociais, o
conceito de responsabilidade social possui uma
amplitude muito maior. Ao exercer a responsabilidade social corporativa, a empresa coloca
todos os seus produtos, serviços e seus recursos
financeiros a serviço da comunidade, tornandose co-responsável, juntamente com o poder público, por seu desenvolvimento.
Serão utilizados, neste artigo, os termos responsabilidade social empresarial, responsabilidade
social corporativa ou responsabilidade social nos
negócios, querendo sempre significar a responsabilidade social das empresas ou organizações.
Palavras-chave: responsabilidade social,
filantropia, balanço social.
Abstract
This article deals with concepts regarding
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Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.20, n.20, p. 18-27, jul./dez. 2003
corporate social responsibility and philantropy,
as they are being understood and practiced by
entrepreuneurs, specialists, and the academy.
Herein are presented some tools used to evaluate
corporate social responsibility, especially
underlining the so-called “Social Balance
Sheet”. This article also presents the “Social
Certification”, which is a new concept within
Brazilian organizations.
Social responsibility means running business
aiming at building partnerships between
organization and community so that the
organization is partly responsible for the
development of the community. Philanthropic
actions were the first step towards corporate
social responsibility. Philanthropy and social
responsibility have different meanings. Whilst
philantropy deals with charity actions promoted
by the company, such as participating in isolated
campaigns or random donations to charity
organizations, the concept of social
responsibility is broader. In performing its social responsibility, an organization uses all its
products, services and financial resources to
promote the community’s well-being. The
company, jointly with the Government, becomes
co-responsible for the development of the
community. In the article, the terms “social
responsibility in business” and “corporate social responsibility” shall be used in the sense of
“an organization’s social responsibility for the
community”.
Key words: social responsibility, philanthropy,
“social balance sheet”.
Introdução
É possível que, no futuro, os nossos tempos sejam lembrados como a época em que o
homem definitivamente reconheceu a limitada
capacidade de recuperação do meio ambiente, e
entendeu que o progresso tecnológico e a existência de empresas eficientes e lucrativas não
representam o desenvolvimento sustentável de
uma sociedade. Hoje, o lucro como indicativo
de empresa de sucesso não é mais uma verdade
absoluta, a menos que venha acompanhado do
fortalecimento dos vínculos comerciais e sociais da empresa.
No cenário econômico nacional e mundial
o quadro social atual é preocupante. Particularmente no Brasil, a estrutura social se caracteriza
por uma série de iniqüidades distributivas. Junta-se a pobreza estrutural, que se caracteriza por
déficits de infra-estrutura, com a pobreza de capacidade de geração de recursos e produção de
riqueza. Além da distância entre o desempenho
econômico e a situação social, tem-se um grande
contraste interno: o IDH1 do Brasil, igual a 0,777,
está em 65.o lugar dentre os 175 países da ONU,
conforme o Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas (2003); no entanto, o IDH do estado
de Santa Catarina é equivalente ao 45.o mundial,
próximo de países como o Chile, enquanto que o
IDH do Maranhão é bastante inferior à média
nacional e equivale à 123.a posição na escala
mundial (FRIGOLETTO, 2003).
Para mudar esse quadro de déficits e desigualdades será necessário um elevado grau de
maturidade social, formado por pessoas
engajadas em ações sociais e por empresas socialmente responsáveis.
Para ASHLEY (2002), a responsabilidade para com o próximo é também um valor cultural. No Brasil, é bastante difundida a lei de
Gerson, que estimula as pessoas a levar vantagem em tudo. Assim, no país do jeitinho, existe
um conflito entre os valores culturais da integridade e o oportunismo. Entretanto, cultura é
algo dinâmico e as sociedades se transformam.
Pode-se estar presenciando o crescimento de
uma nova cultura no Brasil: a cultura da responsabilidade social empresarial e da responsabilidade social dos cidadãos. Isto significa,
segundo a autora, que novos padrões éticos e
novos valores culturais estão sendo assimilados
pela sociedade e no mundo dos negócios.
O Brasil passou por uma série de crises de
identidade no século passado e a lei de Gérson
fez parte de uma época em que se acreditou que:
herdamos dos escravos a aversão ao trabalho,
dos índios a preguiça, e que os imigrantes recém-chegados eram uma mão-de-obra muito
melhor do que a nacional. A lei de Gérson simbolizou a falta de ética do povo brasileiro. Segundo a lei de Gerson, o mundo é dos espertos,
e o malandro brasileiro era aquele que sempre
se dava bem com pouco esforço.
Hoje, a idéia de que somos um povo trabalhador, que produz, que ajuda, respeita e confia no próximo, parece estar sendo absorvida
pela população brasileira. Dirigentes, clientes,
e a sociedade em geral, já estão se preocupando
em avaliar o grau com que a responsabilidade
social está sendo exercida por uma empresa, e a
sociedade começa a ter expectativas com relação à responsabilidade das empresas com quem
se relacionam. As empresas estão cada vez sendo mais cobradas para que deixem transparente
aos consumidores a sua preocupação com a
comunidade e o que estão fazendo de concreto.
Para medir o grau de desenvolvimento econômico de uma nação existe um grande número
de indicadores. Pode-se conhecer o grau de
maturidade política de um país pela forma com
que são realizadas eleições e pela liberdade de
expressão existente. Para avaliar o grau de maturidade social de uma nação também existem
indicadores, dentre eles o índice de alfabetização da população, renda média, e o próprio IDH,
dentre outros. Mas, como avaliar o nível de
maturidade social das empresas?
Revisão bibliográfica
o lucro como
indicativo de
empresa de
sucesso não é
mais uma
verdade
absoluta
Ética
A questão da ética empresarial é importante e delicada, e já existe o profissional encarregado de cuidar da ética da empresa, o
deontologista (MAIA, 2002). Isto porque os
O IDH é um indicador rápido do estado de desenvolvimento humano. Foi introduzido pelo Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento (PNUD, ou UNDP em inglês), em 1990, a partir de indicadores de educação: alfabetização e taxa de
matrícula, longevidade: esperança de vida ao nascer, e renda: PIB per capita. (United Nations Development Programme, 2003)
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a declaração
dos valores
éticos da
organização dá
o suporte
necessário para
que os
empregados
tomem
decisões
alinhadas com
os valores com
que estão
comprometidos
20
conceitos de ética e ética nos negócios são o
fundamento da atuação responsável de uma empresa. São a base do comportamento moral, do
julgamento do que é certo e o que é errado, e
dos padrões de conduta em uma sociedade.
Uma definição de ética, segundo MANKKALATHIL e RUDOLF (1995), poderia ser o
perfeito entendimento do que é o bem comum e
quais os padrões de conduta necessários para
alcançá-lo. O termo “padrões éticos” é usado
pelos autores para estabelecer a conformidade
com padrões aceitáveis de conduta. Deve-se ter
em mente que os padrões aceitáveis de conduta
são diferentes em cada sociedade, em função
principalmente dos valores e costumes adotados
por essa sociedade, e seria impossível criar um
único padrão de procedimento ético para as empresas em todo o mundo. No entanto, algumas
normas de ética são comuns à grande maioria,
como honestidade, integridade e lealdade.
Sobre a ética, escreveu HUMBERTO ECO
“que o fundamento para o comportamento ético, produto de crescimento milenar, é o reconhecimento do papel das outras pessoas e da
necessidade de respeitar nelas aquelas exigências que para nós são inabdicáveis”. (INSTITUTO ETHOS, 2002b).
Por outro lado, para DUBRIN (1998, p.
34) ética nos negócios é um conceito estrito,
relativo a comportamento e moralidade. Define
ético como “o resultado da obrigação moral, ou
da separação do que é certo e do que é errado”.
Cita como exemplo de atitude antiética uma
empresa usar de suborno para obter um contrato junto ao governo.
As discussões sobre a ética das corporações traz aos executivos em todo o mundo a
antiga pergunta: “Se é legal, isso quer dizer que
é ético?” O foco acaba caindo no julgamento do
que é certo ou moral e o que é errado e imoral.
No entanto, o aspecto legal, segundo
MANKKALATHIL e RUDOLF (1995), é apenas uma subcategoria da questão ética, e, uma
das mais inferiores no contexto das teorias de
ética predominantes no ocidente nos dias de hoje.
Afirmam que a dificuldade de se discutir padrões de ética vem da falta de um padrão universal para definir uma ação social.
Segundo ASHLEY (2002) os argumen-
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tos a favor da responsabilidade social
corporativa dividem-se em conceitos éticos e
instrumentais. Os conceitos éticos se referem
ao comportamento segundo normas existentes
e preceitos religiosos, sobre o que é uma ação
correta e moral. Na linha instrumental, os argumentos a favor da responsabilidade social
da empresa se baseiam na avaliação positiva
que existe do desempenho econômico da empresa como conseqüência de sua atuação social. Para a autora, são muitas as interpretações
da expressão responsabilidade social, e para
alguns o aspecto legal é o mais relevante e representa um dever fiduciário; para outros é uma
função social da empresa, e há quem considere responsabilidade social um comportamento
eticamente responsável.
Estabelecer os valores éticos de uma empresa pode ajudá-la a criar relações sólidas com
os seus acionistas, fornecedores, clientes, enfim, todos os seus parceiros, além de ajudá-la a
cumprir a lei, a reduzir os conflitos internos e o
número de processos legais. A declaração dos
valores éticos da organização dá o suporte necessário para que os empregados tomem decisões alinhadas com os valores com que estão
comprometidos.
Filantropia e Responsabilidade Social
Filantropia é uma ação de caridade dirigida
à comunidade, desvinculada do planejamento estratégico da empresa.
Para MAIA (2002), a filantropia difere de
responsabilidade social basicamente porque
filantropia é uma ação social, seja praticada isoladamente ou sistematicamente, e nada diz sobre
a visão da empresa e sobre o planejamento estratégico de sua atuação social. MAIA enfatiza
o que não é responsabilidade social: ações esporádicas, doações e outros gestos de caridade não
vinculados à estratégia empresarial.
Diferem também quanto à divulgação,
porque na filantropia não se procura associar a
imagem da empresa com a ação social, e nos
compromissos de responsabilidade social existe transparência na atuação da empresa para
multiplicar as iniciativas sociais. (MOROSINI;
ARAUJO, 2002)
Segundo GRAJEW (2001), o conceito de
responsabilidade social está se ampliando, passando de filantropia, a relação socialmente
compromissada da empresa com a comunidade, para abranger todas as relações da empresa:
com seus funcionários, clientes, fornecedores,
acionistas, concorrentes, meio ambiente e organizações públicas e estatais. Da mesma forma
ASHLEY (2002) acredita que responsabilidade social é um conceito ainda em construção.
O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social (2002a), reconhecida instituição
brasileira que se dedica à disseminação da prática da responsabilidade social empresarial, explica a diferença entre responsabilidade social e
filantropia: “A filantropia trata basicamente da
ação social externa da empresa, tendo como
beneficiário principal a comunidade em suas diversas formas (conselhos comunitários, organizações não-governamentais, associações comunitárias etc.)”. Sobre a responsabilidade social,
explica, esta faz parte do planejamento estratégico da empresa, é instrumento de gestão: “A responsabilidade social foca a cadeia de negócios
da empresa e engloba preocupações com o público maior (acionistas, funcionários, prestadores
de serviço, fornecedores, consumidores, comunidade, governo e meio ambiente), cujas demandas e necessidades a empresa deve buscar entender e incorporar em seu negócio. Assim, a responsabilidade social trata diretamente dos negócios da empresa e como ela os conduz”.
Segundo DUBRIN (1998), está surgindo
uma nova concepção de empresa, a empresa
socialmente responsável, que tem como objetivo atender a uma demanda da sociedade, e a
atuação social das organizações torna-se o elemento propulsor do desenvolvimento sustentável da nação. Para o autor, a responsabilidade
social é um conceito mais amplo, que vai além
da ética e se refere a todo o impacto que a atuação da empresa tem sobre a sociedade e o meio
ambiente. A responsabilidade social preconiza
que as empresas possuem deveres para com a
sociedade, além de suas obrigações econômicas
junto aos proprietários e acionistas, e também
além das obrigações legais ou contratuais.
Para CERTO E PETER (1993, p. 21)
“responsabilidade social é a obrigação administrativa de tomar atitudes que protejam e
promovam os interesses da organização juntamente com o bem-estar da sociedade como um
todo”, e complementam: “reconhecer que tais
obrigações existem, tem necessariamente, um
impacto sobre o processo de administração estratégica”.
REA e KERZNER (1997) afirmam que a
responsabilidade social é um ativo intangível,
embora seja considerada um ativo tangível por
alguns, e que pode incluir temas desde a proteção ambiental até a defesa do consumidor. Fazendo uma alusão aos impactos que a responsabilidade social traz a uma empresa, afirmam
que a responsabilidade social pode transformar
um desastre em uma vantagem competitiva para
a organização. Entretanto, a imagem da empresa pode ficar arranhada se não souber agir com
responsabilidade social.
MELO NETO e FROES (2001), por sua
vez, sugerem que a responsabilidade social pode
ser vista como uma prestação de contas da empresa para com a sociedade, uma vez que os
recursos que a organização consome fazem parte
do “patrimônio da humanidade”, ao utilizá-los,
a empresa contrai uma dívida para com a sociedade.
CERTO e PETER (1993) descrevem as
partes interessadas em um negócio, para quem
a empresa tem obrigações e responsabilidades:
- os acionistas ou proprietários, para quem devem aumentar o valor da empresa;
- os fornecedores de materiais e revendedores
de produtos;
- os emprestadores de capital, para reembolsá-los;
- as agências do governo e a sociedades, para
obedecer as leis;
- os grupos políticos, para considerar seus argumentos;
- os empregados e sindicatos, para garantir ambientes seguros de trabalho e reconhecer seus
direitos;
- os consumidores, para fornecer e comercializar
eficientemente produtos seguros;
- os concorrentes, para evitar práticas que desvirtuem o comércio;
- a comunidade local e a sociedade como um
todo, para evitar práticas que prejudiquem o
ambiente.
MELO NETO e FROES (2001, p.100) pro-
a
responsabilidade
social
preconiza que
as empresas
possuem
deveres para
com a
sociedade
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a
responsabilidade
social utilizada
como
ferramenta de
gestão pode ser
ainda um
elemento
motivador do
corpo funcional
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puseram o seguinte conceito de empresa- cidadã:
“Uma empresa-cidadã tem no seu compromisso
com a promoção da cidadania e o desenvolvimento da comunidade os seus diferenciais competitivos. Busca, desta forma, diferenciar-se dos
seus concorrentes assumindo uma nova postura
empresarial – uma empresa que investe recursos
financeiros, tecnológicos e de mão-de-obra em
projetos comunitários de interesse público”. A
empresa-cidadã cria uma imagem de excelência
por sua atuação junto à sociedade, que se reflete
em aumento da confiança, do respeito e da admiração de seus consumidores.
Segundo a Business for Social Responsibility (BSR), organização sediada nos Estados Unidos que forma parcerias com empresas
para o sucesso comercial com responsabilidade
social, a responsabilidade corporativa ajuda
empresas nos seguintes aspectos:
- facilita o acesso ao capital de investidores;
- aumenta as vendas e reforça a visibilidade da
marca;
- atrai e mantém uma força de trabalho produtiva;
- ajuda a gerenciar riscos;
- facilita a tomada de decisões.
A gestão da responsabilidade social ocorre em duas dimensões, basicamente, segundo
MELO NETO e FROES (2001): a responsabilidade social interna e a responsabilidade social
externa à empresa. Enquanto a responsabilidade interna tem como foco os funcionários da
empresa e suas famílias, a dimensão externa está
relacionada com a responsabilidade da empresa para com a comunidade onde está inserida e
a sociedade como um todo. Atuando em ambas
as dimensões a empresa exerce a sua cidadania
empresarial e torna-se uma empresa-cidadã.
Todas as partes interessadas no negócio, que
são a interface da empresa com a sociedade,
estão presentes em uma das dimensões.
A responsabilidade social interna é considerada por MELO NETO e FROES (id.) como
uma prioridade inquestionável sobre a atuação
de responsabilidade externa. Justificam sua posição afirmando que ao privilegiar ações externas em detrimento de benefícios ao quadro funcional cria-se descontentamento, ansiedade e
desmotivação.
Da mesma forma, a professora MARIA
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CECÍLIA COUTINHO ARRUDA, citada por
ASHLEY (2002), acredita que é incoerente a
empresa desenvolver grandes projetos
assistenciais para a comunidade e não tratar bem
seus funcionários.
Uma empresa responsável é aquela que
ouve os interesses de todos o segmentos da sociedade, como acionistas, funcionários, fornecedores, prestadores de serviços, consumidores,
comunidade, governo e meio ambiente, e busca
atendê-los. A empresa socialmente responsável
não atende somente as demandas de seus acionistas ou proprietários, mas de todos os agentes
com quem interage.
A responsabilidade social utilizada
como ferramenta de gestão pode ser ainda
um elemento motivador do corpo funcional.
A imagem de empresa-cidadã está sendo cada
vez mais percebida e valorizada pelos clientes e consumidores, e ainda está sendo importante para atrair e manter uma força de
trabalho produtiva. ROCHA, no artigo Por
uma boa causa: Quer trabalhar bem e ainda cuidar de sua carreira? O caminho é trabalhar em uma empresa socialmente responsável, aborda o aspecto de motivação dos
próprios funcionários em conseqüência da
atuação responsável da empresa. Rocha afirma que muitos profissionais hoje buscam
fazer alguma diferença na vida das pessoas,
além de obter o sucesso na carreira (ROCHA, 2001).
Como medir a Responsabilidade
Social Corporativa
Segundo CERTO e PETER (1993) não
existe consenso sobre o significado exato de responsabilidade social e do grau ideal, ou mínimo, da responsabilidade de uma empresa.
Para ASHLEY (2002), as empresas estão
sentindo a necessidade de utilizar um modelo
conceitual e analítico para avaliar a sua responsabilidade social, e evidentemente, diversas
abordagens conceituais levam a um grande número de metodologias operacionais.
Dentre elas, MELO NETO e FROES
(2001) propõem uma matriz para avaliar o nível de responsabilidade social de uma empresa.
Utiliza-se uma escala de 0 a 3 para avaliar cada
um dos seguintes vetores de responsabilidade
social:
- grau de apoio ao desenvolvimento da comunidade;
- grau de investimento na preservação do meio
ambiente;
- grau de investimento no bem-estar dos funcionários e de seus dependentes;
- grau de investimento na criação de um ambiente de trabalho agradável;
- grau de transparência das comunicações dentro e fora da empresa;
- grau de retorno aos acionistas;
- grau de sinergia com os parceiros, grau de satisfação dos clientes e/ou consumidores.
Com referência à gestão de uma organização que cumpre todos os requisitos legais, é
oportuno lembrar que segundo ARRUDA, citada por ASHLEY (id.), a lei tem brechas que
permitem injustiças sociais.
ASHLEY (2002) apresenta ainda outros
modelos existentes para analisar a responsabilidade social corporativa. Entre eles, o modelo
proposto por Ederle e Tavis propõe três níveis
de desafios éticos a serem enfrentados pela empresa:
- nível 1, a empresa atende aos requisitos éticos
mínimos;
- nível 2, a organização atende além do nível
ético mínimo;
- nível 3, a empresa tem aspirações de atender a
ideais éticos.
MARTIN (2002) traz mais uma proposta
para medir o grau de responsabilidade social de
uma empresa. Trata dos obstáculos que os executivos que desejam transformar suas empresas em empresas-cidadãs enfrentam. Se investem pesado em iniciativas que seus rivais não
adotam, podem ser derrotados pela concorrência; caso adotem uma política de recursos humanos digna de uma democracia, podem estar
dirigindo empregos para países com leis trabalhistas menos rígidas e custos de produção inferiores. Com o nome de “A Matriz da Virtude:
Calculando o Retorno da Responsabilidade
Corporativa”, o autor apresenta uma ferramenta para ajudar os executivos nessa difícil tarefa
(MARTIN, 2002).
Para avaliar as atividades sociais com relação ao custo e ao valor social agregado,
MELO NETO e FROES (2001) estabelecem
uma metodologia que permite medir o valor do
benefício social gerado e o custo/benefício de
um determinado projeto ou atividade. Sugerem
que sejam avaliados os valores sociais agregados em todas as etapas do projeto, com a utilização da “cadeia de valor” que propõem. Realizada a análise, a empresa pode definir sua estratégia de atuação privilegiando as atividades
de maior nível de agregação de valor social e
eliminando aquelas de maior custo/ benefício e
que geram menor valor social.
Dentre as ferramentas anteriormente citadas, e outras tantas existentes, para medir o grau
de responsabilidade social de uma organização,
destaca-se o balanço social. O balanço social
surgiu nos anos 60, quando parte da população
da Europa e Estados Unidos realizou um movimento de boicote às empresas ligadas à guerra
do Vietnã. A sociedade estava exigindo uma
prestação de contas por parte dessa empresas.
Muitas organizações em diversos países passaram então a divulgar suas ações no campo social, o que resultou na criação de um instrumento
chamado balanço social (IBASE, 2002). No
Brasil, a Revista de Estudos de Administração
n.º 10, da FAAP (1978), apresentou na década
de 70 um artigo sobre o balanço social e sua
iminente utilização no Brasil. Entretanto, a idéia
do balanço social foi se consolidar somente no
início da década de 80 em nosso País. Um de
seus defensores foi o sociólogo Herbert de Souza, através do Instituto Brasileiro de Análises
Sociais e Econômicas (Ibase), que presidia. O
Ibase, desde a sua criação, incentiva as empresas a se tornarem empresas responsáveis, comprometidas com a qualidade de vida da comunidade, com o meio ambiente e com o bem-estar
da população em geral, e também a divulgarem
seus investimentos em ações sociais através da
publicação anual do balanço social.
Segundo NEVES (1998), o balanço social é o conjunto de despesas feitas pela empresa,
exigidas ou não por lei, que afetam positivamente a qualidade de vida da comunidade e da
sociedade em geral. Exemplifica as ações: saúde, alimentação, transporte, creches, ecologia,
a empresa pode
definir sua
estratégia de
atuação
privilegiando as
atividades de
maior nível de
agregação de
valor social
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o balanço
social fornece
dados
importantes
para tomada de
decisões
estratégicas
pelos dirigentes
educação, treinamento, etc.
O balanço social reúne informações sobre
ações, projetos e benefícios voltados ao público
interno, seus empregados e colaboradores, investidores, acionistas, analistas financeiros de
mercado e a própria comunidade. Representa
um grande passo em direção à transparência de
gestão e à valorização da atuação social de uma
empresa, conciliada com seus objetivos econômicos. Como fundamento desse movimento estão a ética corporativa, o conceito de desenvolvimento sustentável e a expectativa de que as
empresas possam atender as necessidades da
sociedade, no exercício de sua responsabilidade
social. O balanço social fornece dados importantes para tomada de decisões estratégicas pelos dirigentes, estimula e motiva os funcionários a se integrarem no esforço pelo bem-estar e
desenvolvimento da comunidade, e mostra aos
clientes, fornecedores e investidores a maneira
como a empresa é administrada.
Existem, basicamente, duas correntes
quanto à elaboração do balanço social empresarial. A primeira é a corrente francesa, que
surgiu com a “Le Bilan Social” de 1977, voltada para o bem-estar do empregado, sua família
e o ambiente de trabalho. A segunda corrente,
que prevalece em nosso País, é a corrente americana. Esta defende uma abordagem mais ampla quanto à atuação da empresa em todos os
aspectos e atores envolvidos em seu negócio:
geração de emprego e renda, meio ambiente, investimentos em tecnologia, ambiente de trabalho, bem-estar dos funcionários, apoio ao desenvolvimento tecnológico e também quanto ao
ambiente de trabalho e assistência médica.
(MELO NETO e FROES, 2001).
O Global Reporting Initiative (GRI), empreendimento de abrangência internacional que
se propõe a desenvolver e disseminar diretrizes para o desenvolvimento do relatório social, elaborou um modelo de balanço social baseado no conceito de sustentabilidade de gestão. Enfoca os aspectos econômicos e social
do negócio. A Natura, empresa brasileira de
perfumaria de cosmética, foi a primeira em-
presa brasileira a publicar seu balanço social
do ano 2000, no modelo GRI, composto por
95 indicadores econômicos, sociais e
ambientais. (INSTITUTO ETHOS, 2001)
O modelo sugerido por SOUZA em 1977,
citado por HERZOG (2001), para as empresas
brasileiras, conhecido como o balanço social
modelo Ibase, é quantitativo e é composto por
dados de investimentos em creches, alimentação, salários, capacitação dos funcionários, participação nos lucros, entre outros.
O Instituto Ethos criou um modelo baseado nos modelos existentes: Ibase, GRI, e nos
preceitos do Institute of Social and Ethical
Accountability – ISEA2 .
O relatório de responsabilidade social do
Instituto Ethos possibilita a todas as empresas
a busca das melhores práticas sociais, exercidas
pelas empresas com os melhores indicadores.
Este relatório enfoca a gestão de uma empresa sob os seguintes aspectos:
• Econômico: valor adicionado, produtividade, investimento
• Social: bem-estar da força de trabalho,
direitos do trabalhador e direitos humanos, promoção da diversidade, investimentos na comunidade, entre outros
• Ambiental: impactos dos processos, produtos e serviços no ar, água, terra, biodiversidade e saúde. (INSTITUTO ETHOS, 2001,
p.15)
Herbert de Souza dizia que o balanço social não tem donos, mas tem muitos beneficiários,
pois todos os grupos que interagem com a empresa são beneficiados com sua publicação. Seja
qual for o modelo utilizado, o importante é que o
balanço social seja utilizado para mostrar à sociedade quais são as empresa responsáveis, e para
conscientizar as empresas do quanto elas ainda
podem fazer pela comunidade.
A Certificação Social
A primeira norma de certificação social, a
“Social Accountability 8000” (SA 8000) foi
criada em 1977 pelo Council on Economic
O ISEA é responsável pela Accountability 1000 (AA 1000), uma norma básica em responsabilidade social e ética,
com enfoque de auditoria e relato.
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Priorities Accreditation Agency (CEPAA), fundamentada nas normas da Organização Internacional do Trabalho, na Declaração Universal
dos Direitos Humanos e na Declaração Universal dos Direitos da Criança. A SA 8000 funciona como um verificador dos princípios éticos
das relações da empresa com todos os agentes
com quem interage. São avaliados os processos
produtivos, relações com a comunidade e relações com os empregados e seus dependentes.
Seus principais pontos de análise são o trabalho infantil, constrangimento no trabalho, saúde e segurança, liberdade de associação e direito de negociação coletiva, discriminação, práticas disciplinares, horas de trabalho, remuneração justa e a administração de sua aplicação
(PACHECO, 2001).
A SA 8000 segue os moldes dos esquemas
internacionais de avaliação de conformidade da
International Organization for Standardization
(ISO)3 , e, da mesma forma, tem a validade de
um ano, com auditorias semestrais, e também
prevê ações corretivas e preventivas. O processo de certificação é igualmente lento e trabalhoso, mas hoje já tem-se dezenas de projetos de
certificação sendo realizados no Brasil. Avon
do Brasil, ALF do Brasil, BRINOX, De Nadai
são algumas empresas que já possuem a
certificação SA 8000. (BALANÇO SOCIAL,
2003)
Outra norma que busca assegurar padrões
de conduta éticos das empresas, a AA 1000,
que foi criada em 1999 pelo ISEA, é uma norma de contabilidade e auditoria baseada em princípios éticos e sociais, que enfatiza o diálogo
entre empresas e partes interessadas e o
engajamento dos stakeholderes 4 . (MELO
NETO; FROES, 2001).
Conclusão
A filantropia foi o passo inicial em direção à responsabilidade social.
Estudiosos, especialistas e empresários
têm proposto definições para o conceito responsabilidade social, com diferentes abordagens, diferentes enfoques, mas que se
complementam. Pode-se entender a responsabilidade social corporativa como a capacidade
desenvolvida pelas organizações de ouvir, compreender e satisfazer expectativas e interesses
legítimos de seus diversos públicos. Ações de
filantropia são motivadas por razões humanitárias, e na responsabilidade social impera o
sentimento de responsabilidade. As ações de
filantropia são isoladas e reativas, e na maioria das vezes trata-se de opção pessoal do dirigente, enquanto os compromissos de responsabilidade social compreendem ações pró-ativas, integradas, inseridas no planejamento estratégico e na cultura da organização e envolvem todos os colaboradores.
O conceito de responsabilidade social é
bastante amplo, e como conseqüência, a avaliação do grau de responsabilidade social de uma
organização não é uma tarefa simples. O balanço social é hoje uma ferramenta de gestão utilizada por empresas, em todos os países, para
avaliar o nível da responsabilidade corporativa.
É o instrumento que permite à empresa demonstrar todas as ações sociais de cidadania desenvolvidas em um determinado período. Já existem, e estão começando a ser utilizadas pelas
empresas brasileiras, normas de Certificação
quanto à sua atuação socialmente responsável.
A SA 8000 e a AA 1000 certificam que uma
empresa possui produtos ou serviços executados de forma socialmente correta. Podem ser
comparadas à ISO 9000, de certificação de qualidade, e à ISO 14000, de certificação ambiental.
Ao assumir um efetivo compromisso com
a ética e a sustentabilidade social e ambiental
do planeta, as empresas estão exercendo plenamente sua responsabilidade social e ajudando a
construir um mundo melhor para todos. E estão
lucrando com isso!
ações de
filantropia são
motivadas por
razões
humanitárias,
e na
responsabilidade
social impera o
sentimento de
responsabilidade
Rede de institutos de padronização de 145 países, que trabalham em parceria com organizações internacionais,
governos, indústrias e representantes de consumidores. A SA 8000 pode ser vista como um sistema de verificação de
condições dignas de trabalho. Também pode ser utilizada pela comunidade e pela sociedade em geral para monitorar
esse aspecto da gestão da empresa.
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Stakeholders são os públicos interno e externo da empresa; representam todos os envolvidos e interessados no negócio.
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Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.20, n.20, p. 18-27, jul./dez. 2003
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a SA 8000 e a
AA 1000
certificam que
uma empresa
possui produtos
ou serviços
executados de
forma
socialmente
correta
Autora
Elenice C. Roginski M. Santos,
engenheira civil, pós-graduada em
Finanças, Master in Business Administration
pela Baldwin-Wallace College/ OHIO-USA, e
dissertação de mestrado defendida e aprovada
na área de Responsabilidade Social
pela BW-FAE/CDE.
Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.20, n.20, p. 18-27, jul./dez. 2003
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Responsabilidade social ou filantropia?