Gestão escolar: revendo conceitos
Myrtes Alonso
É um equívoco pensar que o desempenho da escola se expressa apenas nos
resultados da aprendizagem obtidos nas disciplinas e que é fruto exclusivo do
trabalho dos professores isoladamente. Tradicionalmente as escolas eram vistas
como organismos sociais legalmente definidos, cuja estrutura se impunha por
meio de uma definição rígida de papéis e funções, delimitando os territórios de
cada ator, de forma a dificultar ou até mesmo impedir uma atuação conjunta mais
harmoniosa.
Não é possível pensarmos a escola como uma instituição social com funções bem
definidas e inalteradas ao longo do tempo, cuja preocupação principal é a
preservação do patrimônio cultural, cabendo-lhe a tarefa de transmissão e
preservação da cultura. Essa concepção expressa uma posição funcionalista de
organização coerente com os princípios da burocracia, porém incompatível com as
características da sociedade atual.
Essa visão da escola como um sistema fechado incapaz de refletir as mudanças
que ocorrem na sociedade é totalmente incompatível com as exigências de uma
sociedade que se caracteriza por um movimento de mudança acelerada e
desconcertante. A grande contradição, entretanto, é que o motor que impulsiona
essa sociedade é o conhecimento, em outras palavras, esta é uma sociedade do
conhecimento e “as economias do conhecimento são estimuladas e movidas pela
criatividade e pela inventividade” (Hargreaves, 2004, p.17), aspectos pouco
explorados pela escola atual. Significa dizer que é preciso repensar a escola e
suas funções, se pretendemos resgatar o seu valor para a formação das próximas
gerações.
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As modernas concepções administrativas concebem a escola como instituição
social, com funções socialmente definidas, mas também como uma organização
social especialmente destinada à formação das crianças e jovens, e também como
um espaço social que tem vida própria, um organismo vivo que interage com o
ambiente social extraindo dele estímulos e energia necessários para desenvolver
o seu trabalho. Embora se possa aceitar uma certa definição de papéis e funções
isso não é tão rígido, de forma que os diferentes atores podem interpretar os seus
papéis de acordo com a sua percepção da realidade, revelando peculiaridades
importantes no desempenho das escolas.
Os modernos conceitos de gestão, contrariamente ao proposto pela administração
clássica não separam o planejamento da execução, de tal forma que não se pode
pensar em dois grupos distintos de trabalhadores. Uma das premissas dessa
concepção clássica é que ao dividirem-se responsabilidades entre aqueles que
concebem, ou planejam, e aqueles que executam o que foi planejado, se isenta o
trabalhador da responsabilidade pelo sucesso ou fracasso constatado nos
resultados finais do seu trabalho. Essa divisão de responsabilidades traz como
conseqüência um desconcerto geral no desempenho escolar e coloca os dois
grupos – planejadores e executores - em campos separados, às vezes
antagônicos, por sustentarem pontos de vista divergentes sobre a importância das
medidas a serem adotadas, o que dificulta, ou pelo menos impede, a liberação de
recursos e o provimento das condições essenciais à realização do trabalho
pedagógico.
Portanto, nunca é demais advertir que o trabalho de gestão não comporta
separação das tarefas administrativas e pedagógicas nos moldes em que costuma
ocorrer. Mesmo porque, o trabalho administrativo somente ganha sentido a partir
das atividades pedagógicas que constituem as atividades-fim, ou propósitos da
organização escolar. Assim vista a questão, torna-se inaceitável a divisão, muito
freqüente, de atribuições em que o diretor responde pelo trabalho administrativo
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rotineiro, burocrático e de representação, sem qualquer compromisso com o
trabalho pedagógico, visto como responsabilidade exclusiva dos professores e
especialistas do ensino.
É muito comum os gestores dividirem entre si as tarefas de acompanhamento
pedagógico, ficando para os coordenadores a responsabilidade de analisar com
os professores as dificuldades encontradas nesse percurso e ajudá-los a
encontrar soluções para sanar os problemas. Embora essa seja uma prática
comum nas escolas de ensino fundamental, observa-se que ela reforça o caráter
individualista da atividade docente ao invés de abrir espaço para uma ação
coletiva que possibilitaria trazer para a discussão outros problemas comuns a
vários professores, os quais nem sempre são encorajados a fazê-lo. A par disso,
nota-se que esse procedimento aparentemente adequado revela o outro lado da
questão que reforça a tendência de separar o administrativo do pedagógico, na
medida em que libera o corpo diretivo de qualquer envolvimento com o trabalho
docente. Esse encaminhamento da questão poderia suscitar dúvidas frente às
inúmeras demandas que se apresentam ao diretor exigindo dele atenção, algumas
vezes em caráter de urgência.
Essa advertência seria pertinente se estivéssemos pensando nessas tarefas
realizadas em moldes tradicionais, sem o auxilio de alguns recursos hoje
disponíveis com a tecnologia. Poderíamos perguntar: mas, de que forma a
tecnologia pode auxiliar nesse trabalho de acompanhamento e orientação
pedagógica do professor?
Atualmente, qualquer organização, por mais simples que seja, trabalha com a
tecnologia para agilizar e tornar mais efetivos os processos de acompanhamento,
controle, articulação entre os setores, registro e correção de falhas, reformulação
de processos e produtos, manutenção e atualização de memórias, reduzindo o
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tempo de operação, fornecendo condições mais precisas para o processo da
tomada de decisão. A escola, ao contrário das demais organizações, permaneceu
alheia às formas mais avançadas de administração e gestão, preferindo recorrer
aos processos informais de comunicação e utilizando soluções menos elaboradas,
mais artesanais, que inviabilizam a visão globalizante e a compreensão de sua
realidade.
Hoje temos consciência que é preciso buscar novos caminhos se quisermos
avançar na direção de uma escola mais eficiente e democrática, aberta à
diversidade de pensamentos e culturas, bem como ao diálogo com as distintas
formas de expressão de idéias; articuladora de conhecimentos produzidos em
seus espaços com informações e conhecimentos advindos de outros segmentos
da sociedade; inserida em sua comunidade, com quem busca a solução para as
problemáticas contextuais.
Precisamos ter consciência de que não se pode administrar, se não tivermos um
sistema de informações eficiente, que nos forneça todos os dados
que
necessitamos para tomarmos as medidas necessárias. Qualquer decisão
aparentemente administrativa tem conseqüências pedagógicas, portanto, não é
possível responsabilizar alguém que tomou decisões cujo alcance ele ignora.
Precisamos pensar em sistemas mais modernos de gestão escolar, nos quais o
diretor dispõe de um conjunto de informações organizadas e atualizadas de todas
as atividades que se realizam na escola.
Com o auxilio do computador e de um sistema de informações em rede com
alguns programas especiais, o diretor deveria dispor das informações necessárias
para acompanhar tanto as atividades pedagógicas quanto as administrativas,
desenvolver procedimentos de gestão compartilhada e redimensionar o fluxo de
informações, de modo a agilizar a comunicação e favorecer o diálogo entre todos
os membros da comunidade escolar, bem como a troca de experiências e o
desenvolvimento de processos colaborativos com outras escolas e organizações.
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Do ponto de vista das atividades pedagógicas o sistema seria alimentado por
informações disponibilizadas pelos professores diariamente, informando sobre o
desenvolvimento da sua programação, os projetos em andamento, a situação dos
alunos na disciplina, as dificuldades apresentadas na aprendizagem dos
conteúdos trabalhados e a sua análise da situação. Esses registros, na verdade,
constituem os diários de bordo ou memórias dos professores em termos efetivos
do que foi realizado e conseguido, mas expressam também a tomada de
consciência do professor, da sua ação e do efeito que ela provocou sobre a
classe.
Ainda que o trabalho pedagógico seja realizado predominantemente na sala de
aula, pelos professores, é importante lembrar que todas as experiências
vivenciadas na escola, com os colegas, com professores, dirigentes ou outros
auxiliares, concorrem para a formação do aluno e fazem parte do cotidiano
escolar, o que faz supor que a forma como a escola está organizada, o clima
existente e as oportunidades que ela oferece exigem cuidados especiais da parte
da direção. Além disso, os resultados apresentados pela escola, o desempenho
escolar, são de responsabilidade geral dos membros da escola e, em última
análise, quem responde por isso é o diretor da escola.
Portanto, é fundamental que o diretor perceba o seu papel e as suas funções a
partir dos objetivos educacionais e dos projetos que a escola se propõe a
desenvolver. O que não se pode conceber é uma administração que define
prioridades com base em critérios internos da própria função, permitindo uma
expansão desmedida desse setor em detrimento das atividades-fim da escola,
quais sejam: o ensino e a aprendizagem.
De outra parte, o trabalho realizado pelos professores com os seus alunos não
resulta apenas do conhecimento que o professor tem do aluno, da matéria ou
mesmo do seu oficio de ensinar. As condições que cercam o seu trabalho, as
crenças, os ideais e valores que compõem a comunidade escolar, o ambiente em
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geral, a cultura do grupo, todos esses fatores são elementos importantes na
determinação do modo de agir dos professores, do maior ou menor compromisso
com os estudantes e com a educação, em suma, é um conjunto de forças que não
podem ser desconsideradas quando se procura avaliar o desempenho escolar.
É possível afirmar que tanto o clima como a cultura da escola são fatores
importantes que condicionam em grande parte a ação docente influenciando os
resultados das práticas que se desenvolvem em sala de aula e da aprendizagem
do aluno. É nesse espaço que se pode notar a importância da gestão como
elemento facilitador ou obstaculizador do trabalho pedagógico.
Além disso, é do conhecimento efetivo da comunidade escolar e de suas reais
necessidades que deve alimentar-se a direção para definir a sua proposta de ação
e aplicação dos recursos existentes. Enquanto responsável último pelo
desempenho escolar compete ao dirigente prover as condições necessárias para
que o trabalho pedagógico possa desenvolver-se da melhor forma possível e de
acordo com a Proposta Pedagógica estabelecida em conjunto com a comunidade
escolar. Ao tempo que se espera do diretor uma ação provedora das condições e
facilitadora desse trabalho, é de se supor que ele desenvolva instrumentos
adequados de acompanhamento e orientação das atividades pedagógicas,
permitindo a ele e aos demais educadores o controle dessas ações segundo
critérios claramente estabelecidos com os professores e demais membros da
comunidade escolar.
Não restam dúvidas de que a melhor forma dos gestores favorecerem a
construção de um ambiente saudável e estimulante para os professores é através
do trabalho colaborativo e da formação de equipes de trabalho. Situações como
essas reduzem as distâncias entre gestores, professores, alunos, funcionários e
comunidade, propiciando que todos possam atuar como sujeitos da educação,
rompendo com as barreiras criadas pela hierarquia e isso é importante porque o
trabalho educativo é produto de uma interação em que onde todos os envolvidos
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participam e são influenciados de alguma forma. Na condição de educando ou de
educador ambos se modificam. Portanto, o ato educativo é uma ação de via dupla
e é com essa idéia em mente que professores e alunos devem se envolver nesse
processo.
Os gestores, por sua vez, nada mais são do que educadores que, em dado
momento, se tornaram responsáveis pela condução desse processo. Cabe-lhes,
portanto, criar as condições necessárias para que ele se efetive, mas para tanto, é
necessário que sejam parte desse processo e não apenas meros espectadores ou
controladores da situação.
Quando a direção dispõe informações registradas e disponibilizadas, torna-se
possível acompanhar e interferir de maneira discreta no trabalho pedagógico
realizado pelos professores, além de permitir que a sua comunicação com os pais
seja bem fundamentada.
Nesse ponto queremos lembrar novamente que as tecnologias são excelentes
recursos de comunicação quando bem utilizadas. Propiciam superar muitas
dificuldades, como por exemplo, as limitações de tempo a que estão sujeitos os
professores, permitindo que compartilhem idéias, troquem experiências ou
simplesmente mantenham uma certa aproximação com os colegas . A formação
de redes é um excelente recurso para manter as pessoas inter-relacionadas, em
contato próximo e constante, compartilhando idéias e discutindo problemas e
soluções, porém, esse recurso nem sempre está disponível na escola ou não
consegue alcançar boa parte da comunidade escolar.
De outra parte, é do conhecimento efetivo da comunidade escolar e de suas reais
necessidades que deve alimentar-se a direção para definir a sua proposta de ação
e aplicação dos recursos existentes. Enquanto responsável último pelo
desempenho escolar compete ao dirigente prover as condições necessárias para
que o trabalho pedagógico possa desenvolver-se da melhor forma possível e de
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acordo com a Proposta Pedagógica estabelecida em conjunto com a comunidade
escolar. As TIC permitem acompanhar a execução da Proposta Pedagógica.
Comparar o pretendido, projetado, com o que se está realizando, mudar rumos,
fazer alterações...
Ao mesmo tempo em que se espera do diretor uma ação provedora das condições
e facilitadora desse trabalho, é de se supor que ele desenvolva instrumentos
adequados de acompanhamento e orientação das atividades pedagógicas,
permitindo-lhe
o
controle
dessas
ações
segundo
critérios
claramente
estabelecidos com os professores e demais membros da comunidade escolar. As
TIC permitem o acompanhamento e orientação, registro, memória da escola,
divulgação.
Nesse contexto é necessária uma atenção especial para a melhor utilização dos
recursos tecnológicos na escola, de forma que eles possam concorrer para
atualizar, ampliar e dinamizar o trabalho escolar, aproximando-o das situações
reais e dos desafios que serão enfrentados pelos alunos na sociedade em que
vivem.
Questões:
1 - Você acha que o clima existente em sua escola favorece a introdução de
inovações com o objetivo de melhorar o ensino e a aprendizagem?
2 - Que medidas podem ser sugeridas para se obter uma participação mais efetiva
da comunidade? Que formas de participação poderiam ser sugeridas e
estimuladas pelos gestores?
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3 - Como poderiam ser utilizados os recursos tecnológicos de sua escola para
dinamizar e tornar mais efetivo o trabalho de gestão?
4 - Em quais atividades da escola a participação da comunidade se efetiva?
5 - Existe preocupação, em sua escola, de traçar planos de ação juntamente com
a comunidade?
Sugestão de leituras:
FULLAN, M. & HARGREAVES, A. A escola como organização aprendente. Porto
Alegre; Artmed, 2000.
VIEIRA, A.T., ALMEIDA, M.E.B. E ALONSO, M. Gestão Educacional e Tecnologia.
São Paulo, Avercamp, 2003.
HARGREAVES, A. O Ensino na sociedade do conhecimento. Porto Alegre,
Artmed, 2004. Revista Nova Escola.
Este texto foi produzido para o curso Gestão Escolar e Tecnologias.
ALONSO, M. Gestão escolar: revendo conceitos. São Paulo, PUC-SP, 2004.
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