Relato de Caso Estenose faríngea: benefícios do laser de CO2 Pharyngeal stenosis: the benefits of CO2 laser Resumo Introdução: O tratamento endo-oral com laser de CO2 para ressecção de estenose faringoesofágica apresenta-se como uma opção terapêutica viável na resolução dos casos sem sucesso após tratamentos convencionais com dilatações. Os autores apresentam um caso de estenose faringoesofágica tratado cirurgicamente com sessões de laser de CO2 e discorrem sobre resultados funcionais e qualidade de vida no pós-operatório do paciente. Objetivo: Descrever a tendência e os benefícios intrínsecos de tal técnica cirúrgica por via endo-oral para ressecção de estenose faringoesofágica ocorrida após laringectomia total com esvaziamento cervical e radioterapia adjuvante. Relato de Caso: Paciente do gênero feminino, 52 anos, com diagnóstico de carcinoma espinocelular de laringe, estádio T4N1M0, submetido a laringectomia total, com esvaziamento cervical radical modificado e radioterapia adjuvante. Evoluiu com grave estenose faringoesofágica mesmo após tentativas de dilatações com sondas, sem sucesso. Foi submetido à ressecção cirúrgica com laser de CO2 em quatro sessões, com intervalo de 30 dias entre as mesmas. Após ressecção da estenose faringoesofágica, a paciente apresentou resultados funcionais satisfatórios. Evoluiu com boa deglutição para dieta pastosa (aproximadamente 1200 ml por dia) até sólidos e com ganho ponderal satisfatório. Comentários finais: O presente trabalho demonstra que o uso do laser de CO2 é válido na ressecção de estenose faríngea ou faringoesofágica por ser um método conservador, que proporciona bom resultado terapêutico e poucas complicações pós-operatórias. Luiz Augusto Nascimento 1 Julia Alessandra Santos Ferreira 2 Henrique Valle Lacerda 2 André Luiz Queiroz 3 Abstract Introduction: The endo-oral treatment with CO2 laser for resection of pharyngoesophageal stenosis is a valid therapeutic option in resolving cases without success after dilatation with conventional treatments. The authors present a case of pharyngoesophageal stenosis surgically treated with CO2 laser, focusing on functional outcomes and quality of life in the postoperative period of the patient. Objective: To write the trend and the intrinsic benefits of such surgical technique by endo-oral resection of pharyngoesophageal stenosis occurred after total laryngectomy with neck dissection and adjuvant radiotherapy. Case Report: Female patient, 52 years, diagnosed with laryngeal squamous cell carcinoma, stage T4N1M0, who underwent total laryngectomy and modified radical neck dissection and adjuvant radiotherapy. Evolved with severe stenosis even after pharyngoesophageal dilations attempt to probe, without success. She underwent surgical resection with CO2 laser in four sessions with an interval of 30 days between them. After resection of pharyngoesophageal stenosis, patient showed satisfactory results. Evolved with swallowing good for soft diet (approximately 1200 ml per day) until solid and with satisfactory weight gain. Final comments: This case demonstrates that the use of CO2 laser is valid in resection of pharyngeal or pharyngoesophageal stenosis by being a conservative method that provides good therapeutic result and few postoperative complications. Key words: Esophageal Stenosis; Pharynx; Laryngectomy; Lasers; Carbon Dioxide. Descritores: Estenose Esofágica; Faringe; Laringectomia; Lasers; Dióxido de Carbono. Introdução A cirurgia endoscópica utilizando o laser de dióxido de carbono (CO2) tem sido amplamente realizada com o advento da evolução das técnicas cirúrgicas em lesões de cabeça e pescoço. Strong e Jako deram início a essa modalidade de tratamento após demonstrarem a eficácia de ressecções de lesões malignas de laringe em pacientes classificados como T1N0M0, Tis e papilomatose laríngea1,2. A eficácia do laser de CO2 é explicada pela alta concentração de energia produzida, que por sua vez é responsável pela destruição tecidual por meio de dois mecanismos: desnaturação protética e vaporização de 1)Doutor em Medicina - Unifesp EPM. Chefe do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Universitário de Brasília. 2)Acadêmico(a) de Medicina. 3)Médico Cirurgião de Cabeça e Pescoço. Instituição: Hospital Universitário de Brasília. Brasília / DF – Brasil. Correspondência: Julia Alessandra Santos Ferreira - SGAN 605, Av. L2 Norte - Brasília / DF - Brasil - CEP: 70840-901 – E-mail: [email protected] Artigo recebido em 21/08/2012; aceito para publicação em 09/12/2012; publicado online em 30/06/2013. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 2, p. 109-112, abril / maio / junho 2013 – –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 109 Estenose faríngea: benefícios do laser de CO2. água. Foi observado, também, que esses mecanismos são responsáveis pela ablação tecidual, obliteração de microvasos e coagulação sanguínea1,2. Autores diversos já concluíram que o laser de CO2 é um versátil método de tratamento porque pode ser utilizado em variadas situações devido à evolução da técnica cirúrgica e modernização dos aparelhos. As principais indicações cirúrgicas evidenciadas foram para lesões malignas: tumores passíveis de conservação laríngea T1, T2 e selecionados casos T33,4. Entretanto, foram discutidas abordagens bem sucedidas de ressecção com laser de CO2 em casos de estenose da faringe após laringectomia e radioterapia associada ao uso de mitomicina C5, 6, 7. Nosso objetivo é descrever a tendência e os benefícios intrínsecos de tal técnica cirúrgica endo-oral para ressecção de estenose faringoesofágica ocorrida após laringectomia total com esvaziamento cervical e radioterapia adjuvante. Nascimento et al. Figura 1. Estenose faríngea antes das sessões com laser de CO2. Relato de Caso Paciente do gênero feminino, 52 anos, tabagista, com história de rouquidão nos últimos três anos e diagnóstico de carcinoma espinocelular T4N1M0 em prega vocal esquerda, há dois anos. Foi submetida à laringectomia total com esvaziamento cervical radical modificado bilateral, evoluindo, no pós-operatório, com fístula faringo-cutânea e infecção cervical, tratada com antibioticoterapia. Na sequência do tratamento, foi submetida a radioterapia adjuvante (RA) em um total de 40 sessões (7040 Cgy dose total), por dois meses. Concomitantemente às sessões de RA, a paciente evoluiu com estenose faringoesofágica, observando-se importante obstrução alta de trato digestório logo após última sessão radioterápica. Desse modo, a paciente foi submetida à dilatação de faringe e esôfago cervical com uso de sondas (ogivas) de Souttar, sem sucesso e com o agravante de causar estenose no terço médio do esôfago. Ao todo, foram realizadas seis dilatações com intervalo médio de dez dias entre elas. Como complicação, a paciente evoluiu com outra infecção cervical e fístula salivar, sendo submetida a antibioticoterapia. Devido ao quadro importante de disfagia, foi-lhe indicado gastrostomia, havendo difícil adaptação nutricional da paciente, com importante perda ponderal de 6kg em 60 dias. Os autores optaram por ressecção da estenose faríngea por via endo-oral em quatro sessões - intervalo de 30 dias entre cada uma -, usando-se laser de CO2 (Deca Laser®) com braço articulado de titânio, com ponteira de mão reta, em modo contínuo e frequência de 10 watts. A técnica cirúrgica foi realizada por meio de indução anestesia geral, com intubação endotraqueal via traqueostoma. A paciente foi posicionada em situação supina, dorso elevado, com coxim localizado sob cintura escapular com hiperextensão do pescoço. A técnica de ressecção usada em todas as sessões cirúrgicas foi de modo circular. No intra-operatório, ao final do procedimento com Figura 2. Trans-operatório da segunda sessão cirúrgica. laser, foi realizada aplicação de mitomicina C por contato local (0,4mg/cc) por 5 minutos e lavagem local com soro fisiológico logo após aplicação. Após ressecção completa da estenose faringoesofágica por meio do uso de laser de CO2, em quatro sessões, a paciente apresentou deglutição satisfatória em termos quantitativos e qualitativos, com evolução de dieta pastosa (aproximadamente 1200ml por dia) a dieta sólida em cerca de 90 dias. O ganho ponderal se demonstrou como 6 kg no mesmo período, considerandose retirada de gastrostomia após 30 dias da última sessão de laser de CO2. Para avaliação de perviedade faringoesofágica, a paciente foi submetida a exame de deglutograma após 50 dias da última sessão de laser de CO2, havendo evidência de bom resultado da área faríngea corrigida (Figura.3). A epitelização da área ressecada demonstrouse recuperada ao exame de endoscopia digestiva alta, também após 50 dias da última sessão de laser. A paciente permanece sob acompanhamento póscirúrgico com avaliações clínicas de rotina e videofaringoscopias seriadas. 110 e������������������������������������������������ Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 2, p. 109-112, abril / maio / junho 2013 Estenose faríngea: benefícios do laser de CO2. Figura 3. Pós operatório tardio. Seta indica bom resultado da área faríngea corrigida. Discussão A radioterapia adjuvante é comum no tratamento de neoplasias avançadas de cabeça e pescoço, principalmente em pacientes submetidos a laringectomia total. Como efeito adverso, pode ser observado o desenvolvimento de estenose de estruturas da faringe ou esôfago cervical, causando disfagia progressiva8. Como tratamento conservador, podem ser realizadas dilatações seriadas, mas quando não apresentam sucesso, o procedimento cirúrgico com laser de CO2 por via endo-oral pode ser uma opção viável assim como indicado para o paciente do presente trabalho. Alguns autores descrevem indicações do uso do laser de CO2 em otorrinolaringologia, e, dentre elas, no tratamento de estenoses de faringe e laringe, conseguindo bom resultado funcional. A técnica apresenta benefícios como: melhor hemostasia devido a fotocoagulação de células e obliteração de vasos (demonstrando que a disseminação de células neoplásicas é prevenida); diminuição da dor no pós-operatório devido a menor manipulação da área cirúrgica (pouco edema tecidual); menor incidência de reestenose (justificada pela precisão da técnica e menor quantidade de fibrose tecidual); diminuição do tempo do ato cirúrgico; menor tempo de hospitalização e menor risco de complicações pós-operatórias ou comorbidades9,10, corroborando os resultados obtidos pela nossa equipe. Embora o uso de laser de CO2 via endo-oral proporcione muitas vantagens na cirurgia de cabeça e pescoço, este também pode oferecer riscos incomuns em período pós-operatório. Algumas complicações e intercorrências são citadas na literatura como: hemorragia, obstrução de Nascimento et al. vias aéreas, edema e hipóxia de tecido lingual e paresia do nervo hipoglosso (devido a retração e compressão da língua durante a cirurgia), assim como queimadura de lábios, mucosa oral e orofaringe, injúrias dentárias (desgaste e desprendimento de dentes), infecções, disfagia e combustão de vias aéreas3. Vale ressaltar que durante as sessões de procedimento cirúrgico com laser de CO2 deste estudo não houve intercorrências transoperatórias, porém, foi observado evolução de estenose no terço médio do esôfago - não há como afirmar se foi causada por lesão actínica da radioterapia, ou pela infecção grave que a paciente apresentou no período hospitalar anterior às sessões com laser de CO2, ou por estes fatores em conjunto. Ao final de cada sessão de ressecção de estenose faringoesofágica no presente caso, foi utilizada mitomicina C como coadjuvante do tratamento – tal procedimento já descrito por outros autores6, 7. A mitomicina C é um antibiótico isolado da bactéria Streptomyces caespitosus e antineoplásico alquilante, com efeito inibidor de hipercelularidade pós-ressecção tissular. Seu mecanismo de ação é caracterizado pela atividade intracelular, diminuindo a intensidade do processo de cicatrização através da inibição da multiplicação celular, síntese de proteínas e proliferação de fibroblastos. Na finalidade de tratar estenoses, seu uso é tópico e o tempo de utilização varia de 4 a 6 minutos. Estudiosos relataram o uso da mitomicina C após cirurgia com laser de CO2, sendo tratamento coadjuvante nas estenoses faríngeas já que promove diminuição da intensidade do processo de cicatrização6,7. Os autores desse estudo observaram melhora da qualidade de vida da paciente após última sessão de ressecção por laser de CO2, havendo satisfatória restituição do seu estado de saúde, com melhora da disfagia e recuperação ponderal importante. Conclusão O laser de CO2 é método inovador para a ressecção de estenose faríngea após os tratamentos convencionais de dilatações sem sucesso. Observamos, na paciente em questão, resultados satisfatórios como: recuperação parcial da deglutição via fisiológica, ganho ponderal e consequente melhora da qualidade de vida. O uso do laser de CO2 é um procedimento viável a ser considerado na ressecção de estenose faríngea ou faringoesofágica por ser um método conservador. Observamos bom resultado terapêutico após quatro sessões. Porém, acreditamos que estudos multicêntricos comparativos necessitam ser realizados a fim de se estabelecer um protocolo de condutas para a técnica sugerida. Referências 1. Strong MS, Jako GJ. 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