Eventos aparentemente ameaçadores à vida
Apresentação: Gustavo D. R. Matos
Coordenação: Lisliê Capoulade
Programa de Internato em Pediatria – Escola Superior de Ciências da
Saúde – ESCS-DF
www.paulomargotto.com.br
Brasília, 15 de agosto de 2013
Identificação
• ID: A.C.C.D., sexo feminino, 2
semanas, 3950g, natural de
Taguatinga, residente e procedente do
Cruzeiro. Informante: mãe
Queixa Principal
• “Tossindo e ficando roxinha”
História da Doença Atual - PSI
• Mãe informa que desde o nascimento a
criança apresenta engasgos esporádicos.
Há uma semana, além dos engasgos,
passou a apresentar tosse, catarro
amarelado e episódios de cianose. Já
procurou diversos atendimentos médicos,
com prescrição de sintomáticos e
domperidona, sem melhora. Mãe procurou
atendimento nesta unidade por episódio
de vômito ocorrido hoje. Sem outras
queixas no momento.
Antecedentes
• Primeira internação
• Gestação sem intercorrências. Parto cesáreo a termo por
cesária prévia; 38s+5d, pesando 3508g, estatura de
49cm, PC=32,5cm, Apgar 9/10, TS A+/O+, pré natal
completo
• 1 irmã, 3 anos e 6 meses, hígida
• Mãe, 33 anos, hígida, não tabagista; pai 33 anos, hígido,
não tabagista
• Coabitam 4 pessoas em apartamento no Cruzeiro, sem
animais domésticos.
• Há pelúcias no domicílio. Saneamento básico completo.
• Dieta: leite materno exclusivo
COMENTÁRIOS
Exame Físico
• BEG, taquidispnéica, corada, hidratada,
anictérica, acianótica, afebril, ativa, reativa ao
manuseio, chorosa.
• ACV: RCR, 2T, BNF, sem sopros, FC=139
bpm
• AR: MV fisiológico, sem ruídos adventícios, sat
O2 99% em Oxitenda a 6L/min, FR 75 ipm
• Abd: plano, RHA+, flácido, indolor, ausência de
massas e visceromegalias.
• Extremidades bem perfundidas, sem edema
HIPÓTESES?
CONDUTA?
Conduta na Admissão
•
•
•
•
•
•
•
Dieta oral zero
Hidratação venosa com TIG
Ampicilina 100 mg/kg/dia 6/6h
Gentamicina 4 mg/kg/dia
O2 em oxitenda a 6L/min
Dipirona SOS
Foram solicitados exames laboratoriais e
radiografia de tórax no leito
Hemograma [não disponível no
TrakCare]:
• Hemoglobina: 13,5 g/dL;
• Hematócrito: 38%;
• Leucograma: 6.600/mL ->
27%segmentados, 0 bastão, 70%
linfócitos, 3% monócitos, 0 eosinófilo
• Plaquetas: 423.000/mL
COMENTÁRIOS
Caso Clínico
• Hipóteses diagnósticas: cianose e
apnéia a/e. Coqueluche? DRGE?
Sepse neonatal?
• Conduta: Dieta zero, HV com TIG,
ampicilina 100mg/kg/dia, gentamicina
4mg/kg/dia, O2 em tenda, Dipirona
SOS
Condução do caso
 No BOX 20
• Segundo DIH (manhã): Não apresentou novos episódios de
apnéia, mas teve 4 episódios de cianose no primeiro dia de
internação. Cd: passagem de sonda orogástrica para
reintrodução de dieta. Solicitado ecocardiograma e sorologias
para Influenza A H1N1 e para Vírus Sincicial Respiratório
[TrakCare: “amostra não recebida”]
• Segundo DIH (tarde): Boa aceitação da dieta. Sem novos
episódios de engasgo ou apnéia, apenas choro intenso. Tosse
em pequena quantidade Sem febre ou outras queixas. Cd:
Avaliação noturna para possibilidade de aumentar a dieta
• Segundo DIH (noite): Tia (informante do dia) referia choro
contínuo por 40 min. Não apresentou cianose. Boa aceitação da
dieta pela sonda. Pequena quantidade de tosse. Cd: aumenta
dieta, diminui O2 inalatório para cateter nasal 2L/min,
azitromicina EV. Monitorização cardíaca contínua e dosagem
de transaminases a cada 3 dias [no TrakCare: amostra não
colhida]
• Terceiro DIH (manhã): Ocorreu um episódio de apnéia,
sem cianose. Tosse em pequena quantidade. Eliminações
presentes. Surgimento de rash não evanescente à
digitopressão. Cd: Aumento da dieta, redução do O2 para
1L/min. À ala A
 Nova HDA - Admissão Ala A:
• "mãe informa que desde o nascimento a criança
apresenta engasgos esporádicos. Há uma semana, além
dos engasgos, passou a apresentar tosse, catarro
amarelado e episódios de cianose, sem febre. Já
procurou diversos atendimentos médicos, com prescrição
de sintomáticos e domperidona, sem melhora. Após
internação, mãe refere apenas 4 episódios de cianose dia
02/04 e hoje apresentou um episódio de vômito com
tremores fugazes após e iniciou exantema em todo o
corpo. No momento, criança dormindo, em uso de sonda
orogástrica; mãe refere que está aceitando bem a dieta e
o O2 sob cateter nasal. Eliminações presentes, afebril"
• Quarto DIH: sem novas alterações. Cd: ajuste da dose da
ampicilina, solicito novo ecocardiograma. Avaliação da
fonoaudiologia para retirada da sonda
 Avaliação da fonoaudiologia: presença de reflexos de
busca, sucção e proteção. RN sugou bem com
adequados parâmetros de SpO2 (96-99%) Cd: autorizada
retirada da sonda, manter O2, orientar família quanto ao
posicionamento na amamentação
• À tarde, a criança apresentou agitação seguida por
hipotonia, após uma mamada. Iniciados domperidona e
omeprazol. Passada SNE, que enrolou no estômago e
não progrediu para intestino.
• Quinto DIH: Pais apresentam exantema que melhorou
com anti-histamínico. Criança não apresentou novas
crises. Diagnóstico: ALTE. Cd: repassagem da SNE
•
Sexto DIH: Sem novas crises, suspensa azitromicina.
•
Sétimo DIH: Tosse seca relacionada às mamadas, sem outras
alterações. Cd: suspenso O2, novo pedido ecocardiograma.
Suspensas ampicilina e gentamicina, iniciada amoxicilina+clavulanato
•
Oitavo DIH: sem novas crises. Apresentou no dia anterior 3 episódios
de regurgitação. Cd: retirada da sonda
•
Nono DIH: Sem novas crises, apresentou no dia anterior um episódio
de engasgo na mamada. Sem outras queixas. Cd: Alta hospitalar;
Encaminhamento à gastropediatria; Retornar na enfermaria com
ecocardiograma; completar 10 dias de amoxicilina+clavulanato;
ranitidina e domperidona; retorno se piora
APPARENT LIFE
THREATENING EVENTS
(Eventos aparentemente ameaçadores à vida)
Definição
 ALTE não é um diagnóstico específico, mas a descrição
de uma alteração aguda, inesperada do padrão
respiratório do infante. Pode incluir alguma combinação
das seguintes características:
• Apnéia
• Alteração da cor da pele (cianose, palidez ou pletora)
• Alteração do tônus muscular (geralmente hipotonia,
raramente rigidez)
• Engasgo ou asfixia
• A recuperação ocorre após estimulação ou mesmo
ressuscitação.
• Os ALTEs contêm um grupo heterogêneo de pacientes de
idades variáveis com fisiopatologias diversas.
Epidemiologia
• Incidência: 0,2 a 1,9% dos lactentes
menores que 1 ano; 0,6 a 5 a cada
1000 nascidos vivos; ou 2,3 a 4,2% das
internações de unidades de
emergência, principalmente entre 11 e
12 semanas de vida
ALTE X SIDS
• Pensava-se antigamente em uma relação causal
entre ALTE e a síndrome da morte súbita do
lactente (SIDS), por eventos de ALTE prévios.
• Mas a maioria das crianças falecidas por SIDS
nunca apresentou apnéia anteriormente ao
falecimento.
• 80% das SIDS ocorrem entre 00:00 e 6:00,
enquanto 82% dos ALTEs ocorrem entre 8:00 e
20:00. Os fatores de risco para SIDS e ALTE são
diferentes
• Programas de prevenção da SIDS não causaram
redução na incidência de ALTE
Fatores de risco
SIDS
ALTE
Dormir em posição prona
Apnéia repetida
Falta de aleitamento materno
Palidez
Tabagismo
História de cianose
Dificuldades de aleitamento
Risco de recorrência de ALTE:
imaturidade, história prévia de
outros episódios de ALTE
anteriormente à internação, e
infecção viral de trato respiratório.
ALTE X Apnéia da Prematuridade
Apnéia da
prematuridade:
Episódio inexplicado de
cessação da respiração por
20 segundos ou mais, ou
pausas menores, mas
associadas a bradicardia,
cianose, palidez e/ou
hipotonia acentuada.
Somente para RNs com
idade gestacional corrigida
menor que 37 semanas
ALTE
Episódio assustador ao
observador caracterizado
por combinação de apnéia
(central ou obstrutiva),
mudança de coloração da
pele, mudança acentuada
do tônus muscular, engasgo
ou reflexo de vômito.
Etiologia
• Gastrointestinal: DRGE (quando há
eventos associados à alimentação),
embora não haja evidência de que o
tratamento reduza o risco
• SNC: epilepsia, hemorragia ventricular,
hidrocefalia
• Outras: cardiopatias, obstrução das vias
aéreas superiores, distúrbios metabólicos,
anafilaxia e outras condições
Extraído de Anjos AM, 2005
ALTE e DRGE
• Êmese ou regurgitação no momento do
evento;
• Episódios ocorrem quando o paciente
está acordado e supino
• ALTE é caracterizada por apnéia
obstrutiva
ALTE e maus tratos
• Eventos recorrentes e severos requerindo RCP
que ocorrem na presença de um único
cuidador
• A avaliação diagnóstica extensiva não revela
explicação razoável para esses eventos
repetitivos
• A mãe parece uma cuidadora dedicada, pode
ser profissional da saúde (Munchausen por
procuração)
• Atentar para sinais de maus tratos (sufocações
repetidas, etc)
Incluir na História Clínica - 1
Obter na HDA:
• Condições da criança: desperta ou durante o sono; posição da
criança (prona ou supina); localização da criança (berço, cama
dos pais, cadeirinha, etc), roupa de cama, travesseiros
• Atividade durante o momento do evento: alimentação, tosse,
asfixia, engasgo, vômitos
• Esforços respiratórios: nenhum, respiração rasa, gasping,
hiperpnéia
• Cor: palidez, pletora, cianose, distribuição (corpo inteiro, ao
redor da boca)
• Movimento e tônus: rígido, hipotônico, movimentos tônicoclônicos
• Duração do evento
Incluir na História Clínica - 2
Antecedentes:
• História pré-natal: uso de drogas, tabaco, álcool na
gravidez
• Pequeno para idade gestacional?, prematuro?
• História do parto: trauma obstétrico, hipóxia, sepse
presumida
• História alimentar: engasgos, tosses, ganho inadequado
de peso
• DNPM: marcos apropriados para a idade
• Padrão de sono, comportamento da criança
• História médica pessoal e familiar
• História de traumas
Realizar no Exame Físico
•
•
•
•
•
Realizar antropometria
Sinais vitais
Procurar sinais físicos de trauma
Avaliar o desenvolvimento
Avaliar obstrução de VAS, incluindo
pesquisa de dismorfismo facial
Exames Complementares
• Se a história e o exame sugerem que o evento
não foi fatal, e se a explicação do evento for
explicada, não necessariamente são
necessários exames de laboratório
• A avaliação laboratorial inicial costuma incluir
hemograma, EAS, glicemia, eletrólitos, uréia e
creatinina, cálcio, magnésio, radiografia de
tórax e ECG. Se o infante possui alteração no
sensório, devem-se realizar exame toxicológico
Exames Complementares
• Consulta com especialista em apnéia
infantil pode ser útil
• Obtenção de polissonografia multicanal
(EEG+medições dos movimentos
torácicos e abdominais+ ECG +
oximetria + pHmetria esofágica)
Manejo da criança
• Observação intra-hospitalar com
monitorização cardiorrespiratória, para
documentação de possíveis novos
episódios
• O tratamento clínico ou cirúrgico da
doença subjacente é possível em cerca
de 50% dos casos de ALTE
Extraído e adaptado de Romaneli M,2012
Tratamento
• O tratamento é direcionado à causa
subjacente, caso ela seja encontrada
• A abordagem de crianças com ALTE
em que não há causa definida é
controverso. A monitorização domiciliar
já foi utilizada no passado, mas a
eficácia do monitoramento não foi
demonstrada em estudos controlados.
Prognóstico
• O desenvolvimento neuropsicomotor e cognitivo
não costuma sofrer grandes alterações, em geral
• O desfecho das crianças que experimentam um
ALTE depende em que subgrupo ele se encontra.
Um ALTE como evento de apresentação de uma
condição severa, como epilepsia ou outras
condições neurológicas, possuem mortalidade
maior. O risco de SIDS associada a ALTE é maior
quando o evento é associado a hipoventilação
central, distúrbios epilépticos e arritmias cardíacas,
como a bradicardia sinusal, a síndrome de WolffParkinson-White e a síndrome do QT longo.
Referências Bibliográficas
1.
2.
3.
4.
5.
Corwin MJ. Apparent life-threatening event in infants.
UpToDate, 2013.
Romaneli MTN, Bacarat ECE. Evento com aparente risco de
morte: uma revisão. Rev Paul Pediatr 2012; 30(4):576-85
Anjos AM, Nunes ML. Eventos com aparente risco de vida:
incidência, etiologia e investigação clínica. Scientia Medica,
2005 15(4): 258-62
Hall KL, Zalman B. Evaluation and Management of Apparent
Life-Threatening Events in Children. American Family
Physician 2005; 71(12):2301-2308
Kiechl-Kohlendorfer U, Hof D, Pupp Peglow U, TrawegerRavanelli B, Kiechl S. Epidemiology of apparent life
threatening events. Arch Dis Child 2005 90:297-300.
Nota do Editor do site, Dr. Paulo R.
Margotto.
Consultem também!
Caso Clinico:ALTEapparent life-threatening
events
Manuela Costa, Lisliê
Capoulade
2008
• Anteriormente eram denominados de Quase Morte Súbita, o
que implicava numa associação muito estreita com a Síndrome
da Morte Súbita do Lactente.
• Devem ser considerados como um sintoma e não como um
diagnóstico definitivo.
• Incidência: 0,06% dos nascidos vivos; 0,6% dos pacientes com
menos de 1 ano atendidos em serviços de emergência; 2,2%
das crianças hospitalizadas.
• Mais frequente em crianças com menos de 6 meses, e
principalmente, nos menores de 3 meses.
• Recorrência: 0 a 24%.
• Fatores de risco: prematuridad;, infecção por vírus sincicial
respiratório; RNPT submetidos a anestesia geral;crianças que
se alimentam rapidamente, que tossed com frequencies ou
engage durante as reechoes.
ALTE – Aparente
life-threatening
events
• Definição
Miriam Martins
Leal
2012
• Episódio que aterroriza o observador,
caracterizado pela combinação dos
seguintes fatores: apnéia (central ou
obstrutiva), alterações na coloração da
pele (cianose, palidez ou pletora),
alteração no tono muscular (hipotonia,
hipertonia), sufocação ou engasgo.
• Conduta
• Se a observação da criança demonstra padrão
respiratório e o exame físico normais, a criança
pode ser liberada para casa, com orientações.
• Para as crianças que necessitaram de
reanimação ou com o exame físico anormal, é
recomendada a internação para investigação e
monitoração, de no mínimo 24 horas.
• Sala de Parto
• O maior risco de ocorrer ALTE nas primeiras 24h
é na segunda hora de vida.
• O evento ocorre porque o nariz da criança pode
ser pressionado contra o tórax ou abdomen da
mãe e levar a obstrução aguda das vias áreras.
• Outro fator que contribui pode ser fadiga pós-natal
da mãe e da criança, potencialmente pode não
responder a asfixia.
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Caso Clínico: Eventos aparentemente ameaçadores à vida