DOAÇÃO DE ÓRGÃOS
Tópicos Especiais de Direito Civil: Bioética e
Biodireito
Anna de Moraes Salles Beraldo

“Nenhum de nós pode se considerar livre da
possibilidade
de
precisar
de
um
órgão
transplantado. O destino aponta para qualquer
um”.
Revista Veja: Transplantes
 Eram 4h20 da tarde de 21 de julho de 2001 quando
a dona de casa catarinense Margarida Fritzke
recebeu a notícia de que sua filha, Raquel, entrara
em morte encefálica. Aos 20 anos, a moça não
resistiu a uma cirurgia no cérebro para a retirada
de um tumor na glândula hipófise. Ao comunicado
de que os órgãos da jovem poderiam ser doados e,
dessa forma, salvar vidas, a mãe manteve-se
inflexível e irredutível: "Ninguém mexe em minha
filha. Ela será enterrada inteira".

2


Seis anos e quatro meses se passaram e o que parecia
improvável aconteceu. Num exame de rotina, aos 15 anos,
Denis, o segundo filho de Margarida, foi diagnosticado com
um tumor raro de fígado. Diante da constatação dos
médicos de que só um transplante salvaria o menino, a
mãe desabou: "Percebi ali o enorme erro que havia
cometido ao me recusar a doar os órgãos de Raquel.
Cheguei a pensar que eu não merecia a chance de salvar
meu filho. Luto todos os dias para não me deixar dominar
pela culpa". Inscrito na fila para a recepção de um fígado,
Denis foi operado em apenas quinze dias. Se a família
Fritzke não morasse em Santa Catarina, Margarida
provavelmente teria perdido seu outro filho por falta de
doadores. Nos demais estados brasileiros, a espera por um
fígado varia de um a dois anos, e Denis tinha, conforme os
prognósticos mais otimistas, apenas três meses de vida.
http://veja.abril.com.br/080409/p_110.shtml. Acesso em 27.06.09.
3




O direito à integridade física refere-se à proteção jurídica do
corpo humano, incluindo o corpo vivo ou morto, além de
tecidos, órgãos e partes sucessíveis de separação e
individualização.
Tal proteção tem início desde a concepção até a morte. Porém,
convém lembrar as disposições legais sobre o cadáver previstas
na Lei 9.434/97, que exige a manifestação de vontade para
haver doação de órgãos para depois da morte. Não havendo em
vida, tal direito transmite-se para os herdeiros, conforme
dispõe o artigo 14 CC de 2002.
As partes do corpo, seja vivo ou morto, integram a
personalidade humana, caracterizando coisa extra commercium
sendo vedado ato de disposição oneroso (art. 199, § 4º, CF, art.
1º, da Lei 9.434/97). É admitida a disposição gratuita para fins
terapêuticos se não causar prejuízo ao titular.
Artigo 14 NCC: “É válida, com objetivo científico, ou altruístico,
a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte
para depois da morte”.
4


É perfeitamente possível perante o Direito a doação de
partes destacáveis do corpo humano renováveis, como
o leite, a medula óssea, a pele, o óvulo, o esperma, para
salvar a vida ou preservar a saúde do interessado ou
de terceiros, ou para fins científicos ou terapêuticos,
sempre a título gratuito conforme exige a lei.
Somente será permitida a doação em vida de órgãos
duplos, cuja retirada não impeça o organismo do
doador de continuar vivendo sem risco para sua
integridade ou que a doação seja de partes do corpo
renováveis.
5


Na doação em vida é possível a escolha do beneficiário,
diferentemente da doação post mortem, no qual o
caráter altruístico é mais intenso e imposto pelo art. 2º,
parágrafo único da Lei 9.434/97 e artigo 24 § 1º, ao § 5º,
do Dec. 2.268/97 que impõe fila de espera.
É importante distinguir a doação em vida da doação
post mortem. O artigo 9º, da Lei 9.434/97 permite à
pessoa maior e capaz dispor de seu corpo, de forma
gratuita para fins terapêuticos ou de transplantes,
desde que não importe risco de vida ou a saúde do
doador.
6
SISTEMAS DE DISPOSIÇÃO DE ÓRGÃOS:




A)Consentimento: exige a anuência do doador ou de
seus familiares. Adotado pela Inglaterra, México e
atualmente, o Brasil.
B)Consentimento presumido, pelo qual todo cidadão é
doador de órgãos, a não ser que faça a opção negativa.
Subdivide-se em 2 sistemas: forte – que possibilita ao
médico retirar órgão de qualquer cadáver, é realizado
na Àustria, Dinamarca, Polônia, Suíça e França.
O consentimento presumido fraco ocorre apenas
quando não há declaração de objeção a esse
procedimento e é realizado na Finlândia, Grécia,
Itália, Noruega, Espanha e Suécia.
SILVA, Rodrigo Pessoa Pereira da. Doação de órgãos: uma análise dos
aspectos legais e sociais. In: SÁ, Maria de Fátima de (org). Biodireito. Belo
Horizonte: Del Rey, 2002, p. 418.
7

C) Manifestação Compulsória: todos os
cidadãos capazes devem optar formalmente
pela doação ou não de seus órgãos, sem que
haja presunção positiva ou negativa, cabendo
ao legislador disciplinar eventual silêncio.
Ainda não adotado em nenhum país, podendo o
Canadá ser o primeiro.
8
Muito polêmica foi a redação original do art. 4°
da Lei 9.434/97 que estipulava a doação presumida
de órgãos, caso não houvesse manifestação em
contrário:
 Art 4°: “Salvo manifestação em contrário, nos
termos dessa Lei, presume-se autorizada a doação
de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, para
finalidade de transplantes ou terapêutica post
mortem.”
 Seus parágrafos tratavam dos procedimentos a
serem tomados, caso se optasse por ser não doador,
de forma a gravar a expressão ‘não doador de
órgãos e tecidos’ em documento de identificação.

9
ART. 4. LEI 9434.97 - REDAÇÃO ORIGINAL
No entanto, tal finalidade altruística, adotada por
países como França, Itália, Espanha, Finlândia e
Suécia, foi muito criticada por comunidades
médicas e jurídicas no Brasil, sob os seguintes
argumentos:
 haveria supressão das liberdades básicas, como a
dignidade e autodeterminação; a lei seria um
instrumento inconveniente de intervenção do
Estado na vida privada; geraria discriminação
dos cidadãos não doadores; a população brasileira
não teria o nível de informação a ponto de fazer a
escolha negativa.


GOLDIM, José Roberto. Consentimento presumido para doação de órgãos.
Disponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/trancpre.htm. Acesso em
24/04/2008.
10




Alegou-se, ainda, que “o interesse social decorrente da
grande demanda e da pequena oferta de órgãos seria
insuficiente para justificar tamanha interferência
estatal na esfera privada”.
Sustentava-se que poderia haver discriminação com
relação aos não-doadores, pois seria exposto à
reprovação social.
O próprio Conselho Federal de Medicina e a OAB
foram contra.
Por outro lado, havia aqueles que defendiam essa
decisão, sustentando que essa opção de doação
presumida não seria uma afronta à liberdade de
decisão e autodeterminação, pois continuaria
assegurando a possibilidade de decisão autônoma e
consciente. Ademais, haveria um interesse social
bastante relevante.
11

Diante da polêmica, surgiu a Lei 10.211/01 e
alterou a redação do artigo 4°, que passou a ser a
seguinte:
“A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de
pessoas falecidas para transplantes ou outra
finalidade terapêutica, dependerá da autorização
do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida
a linha sucessória, reta ou colateral, até o
segundo grau inclusive, firmada em documento
subscrito por duas testemunhas presentes à
verificação da morte.”

Foram revogados os demais parágrafos do
referido artigo.
12



Quanto a esta questão, cumpre destacar que deve
haver um equilíbrio entre o interesse social e
individual. Como defende Rodrigo Pessoa Pereira
da Silva:
“se por um lado existem pessoas que se tornariam
doadores, ainda que contra sua vontade,
simplesmente pelo fato de possuírem documento de
identidade sem inscrição negativa de doação neste
documento, da mesma forma existem indivíduos
que, em virtude dessa própria falta da informação,
seriam doadores, mas não têm a oportunidade de
manifestar tal opção em vida, e cuja família, da
mesma forma, opta por não fazê-lo.
SILVA, Rodrigo Pessoa Pereira da. Doação de órgãos: uma análise dos
aspectos legais e sociais. In: SÁ, Maria de Fátima de. Biodireito. Maria de
Fátima de Sá (Coord). Belo Horionte: Del Rey, 2002, p. 426.
13



Mesmo diante de tal controvérsia, o que se
necessita é superar obstáculos para que a
autodeterminação seja realizada, não importando
se o indivíduo é doador ou não.
O fato é que deve ser dada a devida informação
sobre a possibilidade de doação e a importância
dessa decisão na vida de terceiros, para que seja
tomada uma decisão racional, respeitando-se a
liberdade individual.
O mais importante é a conscientização.
14





O artigo 5 exige autorização dos pais ou responsáveis para
retirada de órgãos, tecidos de pessoas incapazes.
O artigo 6 veda a remoção de órgãos de pessoas não
identificadas.
O artigo 8 determina que o cadáver deve ser entregue à
família condignamente recomposto para o sepultamento.
O artigo 9 também gerou uma certa polêmica, no que tange
à doação em vida. A dúvida era se deveria ser respeitada
uma lista única ou poderia ser a uma pessoa determinada.
Houve alteração pela lei 10.211∕01 que passou a ter a
seguinte redação:
"Art. 9º É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor
gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo,
para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou
parentes consangüíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do §
4º deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante
autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea”.
15

Outra preocupação do legislador foi preservar a
integridade física do doador em vida ao estipular:
Art. 9, § 3°: Só é permitida a doação referida neste
artigo quando se tratar de órgãos duplos, de partes de
órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não
impeça o organismo do doador de continuar vivendo
sem risco para a sua integridade e não represente grave
comprometimento de suas aptidões vitais e saúde
mental e não cause mutilação ou deformação
inaceitável, e corresponda a uma necessidade
terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa
receptora.
 Isso porque não se justificaria permitir o sacrifício de
um indivíduo em benefício de terceiro.

16

Caso pessoa com síndrome de Down (1981): 22 anos
de idade, única pessoa da família em condições de
doar rim aos seu pai. O juiz da 2 Vara da Comarca
de Assis afirmou não permitiu, sustentando que
além de problemas da cirurgia, imunologia e éticos,
a expectativa de vida e capacidade imunológicas são
reduzidas, estando mais sujeitos à infecção e
complicações cirúrgicas.
Tal decisão foi confirmada pelo Tribunal, apesar da
alegação de que a negação seria o mesmo que
decretar a morte do pai com o consentimento da
Justiça.
 (RT 389/405)

17

A decisão deve ser exclusiva da pessoa, sem
imposição, devendo ser informado sobre os riscos e
conseqüências da doação.
A doação pode ser revogada a qualquer tempo
antes da concretização.
 Caso de arrependimento:



Notícia: Após divórcio, médico pede de volta rim que doou à
ex-mulher. O médico de Long Island (EUA) Richard Batista,
que mantém uma prolongada disputa de separação com
Dawell Batista, quer que a ex-mulher devolva o rim que ele
doou para ela ou pague uma compensação financeira de US$
1,5 milhão.
(Não é possível o arrependimento posterior)
18


O indivíduo juridicamente incapaz poderá fazer
doação nos casos de transplante de medula óssea,
desde que haja consentimento de ambos os pais ou
seus responsáveis legais e autorização judicial e o
ato não oferecer risco para a sua saúde.
Uma questão bem controvertida refere-se à
programação da gravidez com o intuito de obter
medula óssea compatível, com a finalidade de tentar
salvar outro filho doente, valendo dizer que as
chances são de apenas 25%. Seria razoável ter um
filho com esta finalidade?
19
COMO
FUNCIONA O SISTEMA DE CAPTAÇÃO DE
ÓRGÃOS

1)Identificação do Potencial Doador
Um potencial doador é o paciente que se encontra internado
num hospital, sob cuidados intensivos, por injúria cerebral
severa causada por acidente com traumatismo craniano,
derrame cerebral, tumor e outros, com subseqüente lesão
irreversível do encéfalo.
2)Notificação
O hospital notifica a Central de Transplantes sobre um paciente
com suspeita de morte encefálica (potencial doador) e a Central
de Transplantes repassa a notificação para uma OPO
(Organização de Procura de Órgão).
3) Avaliação
A OPO se dirige ao Hospital, avalia o doador com base na
história clínica, antecedentes médicos e exames laboratoriais, a
viabilidade dos órgãos bem como a sorologia para afastar a
possibilidade de doenças infecciosas, e testa a compatibilidade
com prováveis receptores. A família é consultada sobre a doação.
20



4) Informação do Doador Efetivo
Terminada a avaliação, quando o doador é viável, a OPO informa a
Central de Transplantes e passa as informações colhidas.
5) Seleção dos Receptores
A Central de Transplantes emite uma lista de receptores inscritos,
selecionados em seu cadastro técnico e compatíveis com o doador.
6) Identificação das Equipes Transplantadoras
A Central de Transplantes informa as equipes transplantadoras
sobre a existência do doador e qual paciente receptor foi
selecionado na lista única em que todos são inscritos por uma
equipe responsável pelo procedimento do transplante.
7) Retirada dos Órgãos
As equipes fazem a extração no hospital (OPO) onde se encontra o
doador, em centro cirúrgico, respeitando todas as técnicas de
assepsia e preservação dos órgãos. Terminado o procedimento, elas
se dirigem aos hospitais para procederem à transplantação;
8) Liberação do Corpo
O corpo é entregue à família condignamente recomposto.
www.abto.org.br
21
DOAÇÃO DE MEDULA ÓSSEA


Cerca de 2200 brasileiros aguardam um doador anônimo
de medula óssea. O registro nacional de voluntários conta
com apenas 50 mil inscritos, sendo mais de 95% oriundos
da região Sul e Sudeste.
Por essa razão, as amostras de sangue disponíveis não
contempla toda a diversidade genética da população
brasileira. É por isso que se recorre com frequencia aos
registros internacionais, compostos de 5 milhões de
voluntários. Dos 96 transplantes de medula realizados no
Brasil, no período de 2000 a 2003, entre pessoas não
aparentadas, 88 foram possíveis com amostras importadas
a um custo equivalente ao triplo dos gastos envolvidos na
identificação
de
um
doador
brasileiro.
É fácil e indolor se tornar um doador voluntário de medula
óssea.
22
COMO SE TORNAR UM DOADOR DE MEDULA ÓSSEA.







É preciso ter entre 18 e 55 anos de idade e boa saúde
É necessário se cadastrar como doador voluntário em um
Hemocentro. Veja os endereços abaixo
No cadastramento, os voluntários doam apenas 10 ml de sangue
Essa amostra passa por um exame de laboratório, chamado
teste de HLA, que determina as características genética do
possível doador
As informações são colocadas em um cadastro nacional, o
REDOME, ou Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea
Quando alguém precisa de transplante, os técnicos do Redome
procuram entre os possíveis doadores cadastrados
Se é encontrado um cadastrado compatível ele é convidado a
fazer outros exames de compatibilidade genética Se o perfil
coincidir com o daquela pessoa que precisa do transplante, o
voluntário decide se realmente quer doar
23
Durante a doação, o doador recebe anestesia geral.
Com uma agulha, a medula é aspirada do osso da
bacia
 A quantidade de medula doada é de apenas 10% da
medula total. Em 15 dias ela já estará recomposta
 Os interessados em doar devem procurar o Redome
no seguinte endereço:
 Praça Cruz Vermelha, 23
20230-130 - Rio de Janeiro - RJ
Tel.: (21) 2506-6214 Fax: (21) 2506-6691

24
Download

Doação de Medula Óssea