Professora Deise Martins Ferraz Barreto
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Os textos têm a propriedade intrínseca de se
constituir a partir de outros textos. Por isso,
todos eles são atravessados, ocupados,
habitados pelo discurso do outro. Por
conseguinte, a linguagem é
fundamentalmente constitutivamente
heterogênea. Um texto remete a duas
concepções diferentes: aquela que ele
defende e aquela oposição à qual ele se
constrói. Nele, ressoam duas vozes, dois
pontos de vista.
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Sob as palavras de um discurso, há outras
palavras, outro discurso, outro ponto de vista
social. Para constituir sua concepção sobre um
dado tema, o falante leva sempre em conta a de
outro, que, de certa forma, está, pois, também
presente no discurso construído (p.29). O
discurso é sempre a arena em que lutam esses
pontos de vista em oposição. O discurso é
sempre, pois, a materialização de uma maneira
social de consideração por questão. Todo
discurso é histórico.
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Uma VOZ importante demarcada no texto é a
questão do DISCURSO DIRETO E DISCURSO
INDIRETO. O DISCURSO DIRETO é uma espécie de
teatralização da fala dos outros. Por isso, produz
um efeito de sentido de verdade. O leitor ou
ouvinte tem a impressão de que quem cita
preservou a integridade do discurso citado e que,
portanto, é autêntico o que ele reproduziu. É
como se ouvisse a pessoa citada falar com suas
próprias palavras e com a mesma carga de
subjetividade.
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Como há dois tipos de discurso indireto (o que
analisa o conteúdo e o que analisa a expressão),
esse procedimento de citação do discurso alheio
pode criar diferentes espécies de efeito de
sentido. Dado que o primeiro tipo elimina os
elementos emocionais ou afetivos presentes no
discurso direto (por exemplo, as interrogações,
as exclamações, as formas imperativas, as
interjeições), produz um efeito de sentido de
objetividade analítica. Nele o narrador revela
somente o conteúdo do discurso da personagem
e não o modo como ela o disse.
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“Há procedimentos linguísticos que servem para
mostrar diferentes vozes no texto, mas que não
demarcam com precisão os limites entre elas. Um
deles é o discurso indireto livre.”
DISCURSO DIRETO:
Fabiano pensou:
- Eu estou indeciso.
DISCURSO INDIRETO:
Fabiano pensou que estava indeciso.
DISCURSO INDIRETO LIVRE:
Ele estava indeciso.
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Um texto tem muitas significações. Pode ser
temático ou figurativo. Um texto figurativo é
uma fábula, um texto também pode ser
dissertativo no sentido de ser abstrato.
“Há duas formas básicas de discurso: os
predominantemente concretos e os
predominantemente abstratos. Os primeiros são os
chamados figurativos. Os segundos, temáticos.
Aqueles são constituídos com figuras, ou seja,
termos concretos; estes, com temas, isto é, palavras
abstratas. (...) Os textos figurativos produzem um
efeito de realidade e, por isso, representam o mundo,
criam uma imagem do mundo, com seus seres, seus
acontecimentos, etc.; os temáticos explicam as coisas
do mundo, ordenam-nas, classificam-nas,
interpretam-nas, estabelecem relações e
dependências entre elas, fazem comentários sobre
suas propriedades. Os primeiros criam um efeito de
realidade, porque trabalham com o concreto; os
segundos explicam, porque operam com aquilo que é
apenas conceito. Os primeiros têm uma função
representativa e os segundos uma função
interpretativa.” A figuratividade de um texto (as
figuras, o que não é abstrato) deve dialogar com a
verossimilhança.
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É importante lembrar que nos textos e nos
discursos há variações linguísticas; ou seja,
uma característica de todas as línguas do
mundo, segundo FIORIN e SAVIOLI, é que elas
não são unas, não são uniformes, mas
apresentam variedades, ou seja, não são
faladas da mesma maneira por todos os seus
usuários. As línguas têm formas variáveis
porque a sociedade é dividida em grupos
identitários. Essa variação linguística pode ser
em nível de sons (pronúncia por região),
morfologia (erros de conjugação); sintaxe (tu
vai), léxico (carapanã e mosquito).
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Na fala, o planejamento e a execução do texto
são simultâneos. O texto falado é cheio de
pausas, frases truncadas, repetições, correções,
períodos começados... O texto escrito não
contém marcas de planejamento e de execução.
Elas são retiradas dele. Apresenta-se o produto
pronto e não em elaboração na fala. Na fala
alternam-se os papéis do falante e do ouvinte.
Há diálogo. Na escrita, não há essa possibilidade
de alternância, pois, mesmo que se crie um
diálogo, ele será uma simulação de conversa e
não um diálogo real, com interrupções, tentativas
de não deixar o outro tomar a palavra, etc.
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Em jornais sensacionalistas, por exemplo, o
uso de termos da linguagem oral é um dos
recursos utilizados para aproximar o jornal
de seu público, normalmente constituído de
pessoas menos habituadas ao padrão da
escrita.
Não se escrevem da mesma maneira os
artigos do Folhateen, suplemento para jovens
do jornal Folha de São Paulo e os editoriais
desse jornal.
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“O funcionamento dos discursos espontâneos,
dos discursos que trocamos uns com os outros
no decurso da vida quotidiana, é intermitente,
pontuado por todo um conjunto de hesitações,
de esperas, de rupturas, de silêncio, de derivas.
O discurso midiático, pelo contrário, flui de
maneira constante e ininterrupta, encadeia
enunciados que se apresentam habitualmente de
forma acabada, escondendo os seus processos
de gestação” (RODRIGUES, Adriano Duarte. In:
MOUILLAUD; PORTO. 2002, p. 217)
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“Este
efeito
de
completude
resulta
da
camuflagem do processo de enunciação, através
do uso predominante da terceira pessoa que,
como sabemos, é forma verbal da não-pessoa. O
uso predominante da terceira pessoa garante o
discurso midiático, como aliás também aos
discursos histórico e científico, como estratégia
de universalidade referencial dos enunciados,
uma credibilidade da narração dos fatos
independente do lugar de fala do enunciador”.
(RODRIGUES, Adriano Duarte. In: MOUILLAUD;
PORTO. 2002, p. 217)
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“No discurso midiático, os silêncios são insuportáveis, uma
vez que assinalam a perda da relação com o público e são,
por conseguinte, encarados como um risco letal para o
próprio funcionamento do seu dispositivo de enunciação.
Falar, falar sempre, mesmo que seja para não dizer nada;
falar apenas para manter a antena aberta, para não perder
o contato com o público, para preencher a programação,
para encher a página do jornal. É por isso que uma das
funções comunicacionais mais importantes do discurso
midiático, além da FUNÇÃO REFERENCIAL, que consiste
em dar conta dos acontecimentos que ocorrem no mundo,
é a função fática, que consistem na manutenção do
contato com o público”. (RODRIGUES, Adriano Duarte. In:
MOUILLAUD; PORTO. 2002, p. 218)
“E, no entanto, existem diversas modalidades de silêncio
no funcionamento do discurso da mídia. E, antes de mais,
a do silêncio dos destinatários, a ausência da palavra por
parte do público. É este silêncio que torna o público
presente, instituindo-o como uma autêntica instância de
interlocução”.
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FIORIN, José Luiz; PLATÃO, Francisco Savioli.
Lições de texto: leitura e redação. 4. ed. São
Paulo: Ática, 2004.
VANOYE, F. Usos da linguagem: problemas e
técnicas na produção oral e escrita. São
Paulo: Martins Fontes, 1987.
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Texto e discurso 2ª parte