1.
História e sociologia dos
sistemas nacionais de ensino
1.1. Educação e ensino público:
origens da intervenção do
Estado no ensino, do iluminismo
às sociedades modernas.
1.2. Educação: entre bem
privado e bem público.
A origem e o desenvolvimento dos sistemas
nacionais de ensino na Europa do século XIX e XX
colocam ao investigador algumas questões críticas.
Três delas consideramos axiais:
1. Como fundamentar o alargamento das
tradicionais funções de soberania do Estado a um
domínio que lhe era tradicionalmente alheio,
transformando o que Weber definia como o
“monopólio do uso legítimo da força física num
determinado território” num progressivo e mais
vasto monopólio sustentado da ação coerciva do
Estado.
A origem e o desenvolvimento dos sistemas
nacionais de ensino na Europa do século XIX e XX
colocam ao investigador algumas questões críticas.
Três delas consideramos axiais:
2. Como compatibilizar o tradicional monopólio da
sustentação da ordem moral afecto às instituições
religiosas nas sociedades de Antigo Regime com a
desejada secularização e laicização através da
estruturação de uma nova ordem, também ela
moral, mas assente em valores, princípios e
crenças de carácter cívico. Este processo
pressuporia uma reconfiguração dos mecanismos
de autoridade transcendental, orientando-os
progressivamente para a esfera pública e para a
ação individual.
A origem e o desenvolvimento dos sistemas
nacionais de ensino na Europa do século XIX e XX
colocam ao investigador algumas questões críticas.
Três delas consideramos axiais:
3. Como promover a incorporação de todos os
membros da sociedade numa estrutura
institucionalizada que conciliasse a liberdade
individual com o propósito colectivo de progresso
intelectual e de ordem moral. A universalização do
acesso pressuporia a massificação do processo de
formar cidadãos membros de um estado-nação, o
que exigiria um modelo em que a educação se
tornaria no instrumento para criar cidadãos livres,
mas leais ao Estado e conscientes dos seus deveres
para com a sociedade?
"Mémoire au Roi sur les Municipalités, sur la hiérarchie qu'on pourrait
établir entre elles, et sur les services que le Gouvernement en pourrait
tirer", Œuvres de Mr. Turgot, Ministre d'État, Précédées et
accompagnées de Mémoires et de Notes sur sa Vie, son Administration
et ses Ouvrages. Tome Septième, Paris, De l'Imprimerie de Delance,
1809, pp. 390-399
Le premier lien des Nations est les mœurs: la
première base des mœurs est l'instruction prise dès
l'enfance sur tous les devoirs de l'homme en société.
Il est étonnant que cette science soit si peu avancée.
Un nouveau système d'éducation, qui ne peut
s'établir que par toute l'autorité de Votre Majesté,
secondée d'un Conseil très-bien choisi, conduirait à
former dans toutes les classes de la Société des
hommes vertueux et utiles, des âmes justes, des
cœurs purs, des Citoyens zélées
"Mémoire au Roi sur les Municipalités, sur la hiérarchie qu'on pourrait
établir entre elles, et sur les services que le Gouvernement en pourrait
tirer", Œuvres de Mr. Turgot, Ministre d'État, Précédées et
accompagnées de Mémoires et de Notes sur sa Vie, son Administration et
ses Ouvrages. Tome Septième, Paris, De l'Imprimerie de Delance, 1809,
pp. 390-399
Il n'y a présentement qu'une seule instruction qui ait
quelque uniformité: c'est l'instruction religieuse.
(...)
Elle serait d'autant nécessaire que l'instruction
religieuse est particulièrement bornée aux choses du
ciel.
"Mémoire au Roi sur les Municipalités, sur la hiérarchie qu'on pourrait
établir entre elles, et sur les services que le Gouvernement en pourrait
tirer", Œuvres de Mr. Turgot, Ministre d'État, Précédées et
accompagnées de Mémoires et de Notes sur sa Vie, son Administration et
ses Ouvrages. Tome Septième, Paris, De l'Imprimerie de Delance, 1809,
pp. 390-399
Je prétends revendiquer pour la Nation une
éducation que ne dépend que de l'État, parce
qu'elle lui appartient essentiellement; parce que
toute Nation a un droit inaliénable et
imprescriptible d'instruire ses membres; parce
qu'enfin les enfants de l'État doivent être élevés
par des membres de l'État.
Chalotais, Louis-René de Caradeucde La. Essai d'éducation nationale ou
Plan d'études pour la jeunesse. Université de Saint-Etienne, 1996.
P. 24 A educação devendo preparar os Cidadãos
para o Estado, é evidente que ela deverá refletir
a sua Constituição e as suas leis...
O bem da sociedade exige manifestamente uma
educação civil; e se não secularizarmos a nossa,
viveremos eternamente sob a escravatura do
pedantismo.
É no seio das famílias cristãs, nas instruções da
paróquia que as crianças devem tomar os elementos
do Cristianismo. As Igrejas são as verdadeiras
escolas da Religião.
Chalotais, Louis-René de Caradeucde La. Essai d'éducation nationale ou
Plan d'études pour la jeunesse. Université de Saint-Etienne, 1996.
P. 24-25 Eu pretendo reivindicar para a Nação
uma educação que apenas dependa do Estado,
porque ela lhe pertence essencialmente; porque
toda a Nação tem um direito inalienável e
imprescritível de instruir os seus membros,
porque, por fim, porque as crianças do Estado
devem ser educadas por membros do Estado
Chalotais, Louis-René de Caradeucde La. Essai d'éducation nationale ou
Plan d'études pour la jeunesse. Université de Saint-Etienne, 1996.
P. 26 [Nos colégios eclesiásticos] A administração das classes
ressente-se da uniformidade dos claustros; as correções
decorrem da disciplina monástica, e parecem concebidas para
rebaixar os corações quando seria necessário que os
procurassem elevar.
(...)
É contra natura que em meio dia eles fiquem sentados durante
cinco ou seis horas. Reina em todos os estudos a que são
obrigados uma monotonia que os lança quase necessariamente
na indolência e no desgosto. Sempre o latim e os temas. Longe
de inspirar o gosto por alguma ciência, por alguma arte, o enjoo
e a secura que estão presentes em todo o estudo, provocam a
repugnância para os alunos de todas as ciências, de todas as
artes: ...
Chalotais, Louis-René de Caradeucde La. Essai d'éducation nationale ou
Plan d'études pour la jeunesse. Université de Saint-Etienne, 1996.
P. 27 Mas o maior dos vícios da educação, e o mais inevitável
talvez, é o facto de ela ser confiada a pessoas que renunciaram
ao mundo, e que, longe de procurarem conhece-lo, apenas
devem sonhar em fugir dele, este é o defeito absoluto da
instrução sobre as virtudes morais e políticas. A nossa instrução
dá pouco importância aos nossos costumes, como era a dos
antigos.
Marquis de Condorcet, Cinq Mémoires sur l’Instruction Publique, Paris,
Flammarion, 1994
L'instruction publique est un devoir de la
société à l'égard des citoyens.
Fichte, Discursos à Nação Alemã, tradução de Alexandre Franco de Sá,
Lisboa, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2008.
... educação como a causa suprema do amor à
pátria.
Fichte, Discursos à Nação Alemã, tradução de Alexandre Franco de Sá,
Lisboa, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2008.
… o Estado, enquanto supremo regente dos
assuntos humanos e enquanto tutor dos
menores, unicamente responsável perante Deus
e a sua consciência, tem o inteiro direito de
coagir estes últimos para a sua salvação. Então,
onde há atualmente um Estado que duvide ter o
direito de coagir os seus súbditos para o serviço
da guerra e também o de , para este fim, retirar
as crianças aos pais, quer queiram quer não,
um deles ou ambos?
Fichte, Discursos à Nação Alemã, tradução de Alexandre Franco de Sá,
Lisboa, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2008.
… a nação tem primeiro de ser formada e
educada para ele [Estado]. Só aquela nação que
primeiro tiver resolvido a tarefa da educação do
homem completo, através de um efetivo
exercício, pode depois também resolver a do
Estado completo
John Stuart Mill, “Civilization” [publicação original na Westminster
Review, april 1836], Dissertations and Discussions Political, Philosophical,
and Historical, London, John W. Parker and Son, 1859, vol I, pp. 160-205.
A mais notável das consequências do avanço da
civilização, que o estado do mundo está agora a impor
sobre a atenção das mentes pensantes, é isto: que o
poder passa cada vez mais dos indivíduos e pequenos
grupos de indivíduos, para as massas: que a importância
das massas torna-se constantemente maior, e a dos
indivíduos menos.
(...)
Existem dois elementos de importância e influência entre
os homens: um é propriedade; a outra, os poderes e os
adquiridos da mente. Ambos, num estádio inicial da
civilização, estão confinados a poucas pessoas.
John Stuart Mill “Civilization” [publicação original na Westminster
Review, april 1836], Dissertations and Discussions Political, Philosophical,
and Historical, London, John W. Parker and Son, 1859, vol I, pp. 160-205.
Deve, pelo menos, ser evidente que à medida que a
civilização avança, a propriedade e a inteligência tornamse, assim, amplamente difundidos entre os milhões de
pessoas. Também deve ser um efeito da civilização, que
parte de cada um destes, ao pertencer a um indivíduo
deve ter um tendência a tornar-se cada vez menos
influente, e todos os resultados devem cada vez mais ser
decididos pelos movimentos de massas.
John Stuart Mill “Civilization” [publicação original na Westminster
Review, april 1836], Dissertations and Discussions Political, Philosophical,
and Historical, London, John W. Parker and Son, 1859, vol I, pp. 160-205.
Nada é mais falso e enganador do que a concepção
epicuriana da educação, a concepção de um Montaigne, por
exemplo, segundo a qual o homem pode formar-se
brincando e sem outro estímulo além da atracão do prazer.
(…)
Para aprender a conter o seu egoísmo natural, a subordinarse a fins mais elevados, a submeter os seus desejos ao
domínio da vontade, a contê-los dentro de limites justos, é
preciso que a criança exerça sobre si própria uma forte
contenção. Ora, nós não nos constrangemos, não nos
violentamos, a não ser por uma ou outra destas razões:
porque é preciso por uma necessidade física, ou porque o
devemos fazer moralmente.
John Stuart Mill “Civilization” [publicação original na Westminster
Review, april 1836], Dissertations and Discussions Political, Philosophical,
and Historical, London, John W. Parker and Son, 1859, vol I, pp. 160-205.
Se o governo se decidir a exigir para cada criança uma boa
educação, pode poupar-se à dificuldade de providenciar uma. Pode
deixar aos pais a responsabilidade de obter a educação onde e
como quiserem, e limitar-se a si próprio a ajudar a pagar a escola
às crianças das classes mais pobres, e custear as despesas
escolares inteiras de quem não tem mais ninguém para pagar por
elas. As objeções que são invocadas com razão contra a educação
do Estado, não se aplicam à obrigatoriedade imposta pelo Estado,
mas tão só contra a sua administração direta: que é uma coisa
totalmente diferente.
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HPE_2014_02_24 - David Justino