3. Limites impostos à possibilidade de solução arbitral
Nos termos do art. 1° da Lei de Arbitragem
(Lei 9.307/1996), a arbitragem se limita à capacidade
de contratar e aos direitos patrimoniais e disponíveis.
Vejamos: “As pessoas capazes de contratar poderão
valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos
a direitos patrimoniais disponíveis”.
3.1 Direitos patrimoniais disponíveis
Podemos afirmar que os direitos são, sob
aspecto patrimonial, divididos em:
a)Direitos patrimoniais;
b)Direitos não patrimoniais.
Entre os direitos de cunho patrimonial, encontramos
as relações jurídicas de direito obrigacional,
ou seja, aquelas que encontram sua origem nos
contratos, nos atos ilícitos e nas declarações
unilaterais
de vontade.
Os direitos não patrimoniais, por seu turno, são
aqueles ligados aos direitos da personalidade,
como o direito à vida, à honra, à imagem, ao nome
e ao estado das pessoas, como, por exemplo,
a capacidade, a filiação e o poder familiar, entre
outros com a mesma natureza.
Todavia, para que possa ser adotada como meio
de solução dos conflitos, além de se limitar
direitos patrimoniais, a arbitragem ainda exige a
existência de direitos disponíveis.
A disponibilidade dos direitos se liga, conforme
pensamos, à possibilidade de alienação e, demais
disso principalmente, àqueles direitos que são
passíveis de transação.
Assim, por exemplo, não é
possível transacionar
acerca
do direito ao próprio
corpo, à liberdade, à
igualdade e
ao direito à vida.
Por exemplo: ninguém pode transacionar, abrindo mão
do seu direito à honra, que é um direito da personalidade.
Todavia, a afronta à honra da
pessoa gera o direito
de receber indenização por
danos morais.
Assim, diante da afronta ao seu direito, nada obsta
que, através de compromisso arbitral com o ofensor,
o valor da reparação seja arbitrado nos termos da
Lei 9.307/1996.
Nesse contexto, o árbitro não pode decidir-se a
pessoa tem ou não o direito à honra, vez que este
direito é indisponível.
Todavia, nada obsta que decida acerca do fato que
enseja a afronta ao direito à honra quanto à
liquidação dessa afronta.
Assim, por exemplo, diante de acidente aéreo,
surge inevitavelmente o dever de a companhia
aérea reparar os danos materiais e morais aos
parentes das vítimas.
Optando as parte pela arbitragem, através
do compromisso arbitral, nada obsta que o valor
da indenização por danos morais seja arbitrado nos
termos da Lei 9.307/1996.
Podemos ir além.
Com efeito, nos termos, até, do art. 852 do CC,
“é vedado compromisso para solução de questões
de estado, de direito pessoal de família e de outras
que não tenham caráter estritamente patrimonial”, o
que não significa, portanto, que as questões de
cunho patrimonial decorrentes dos direitos
indisponíveis não possam ser objeto de arbitragem.
Assim, não afastamos a possibilidade de
compromisso para submeter à arbitragem a fixação
de alimentos, por exemplo, na escritura de separação
nos termos da Lei 11.441/2007, que inclui o art. 1.124-A
ao CPC.
Ainda que o art. 1.124-A do CPC determine que a
escritura trate dos alimentos, nada impede que,
concordes com a separação, as partes resolvam submeter,
na escritura, o valor dos alimentos a um árbitro e, nessa
medida, estarão dispondo sobre os alimentos, o que se
aplica, inclusive, à partilha dos bens:
(TJSP, AI 501.512-4/4-00, rel. Des.
Élcio Trujillo, j. 30.05.2007).
3.2 Arbitragem
e relação de consumo
Código de Defesa do Consumidor : Para que haja
relação de consumo, são necessários os seguintes
elementos na relação jurídica:
a) Consumidor (destinatário final, pessoa física ou jurídica);
b) Fornecedor (aquele que habitualmente fornece produtos
ou serviços); e
c) Produto ou serviço.
Ausente qualquer desses elementos, não há relação
de consumo; conseguintemente, não se aplica, em
regra, com o Código de Defesa do Consumidor
O consumidor, portanto, seja pessoa física ou jurídica,
é aquele que, como destinatário final, adquire
produto, utiliza serviço ou atividade do fornecedor.
Posta assim a questão, surge a seguinte indagação:
é possível a arbitragem, tal qual delineada
na Lei 9.307/1996, no âmbito das relações
de consumo?
A resposta, que parece simples, começa pela análise
do art. 51, VII, do CDC: “São nulas de pleno
direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços
VII – determinem a utilização
compulsória de arbitragem”.
que: (...)
Portanto, nos termos da lei, pode ser imposta a
arbitragem ao consumidor, presumidamente
(presunção relativa) a parte vulnerável da relação
jurídica, seja essa vulnerabilidade técnica, jurídica
ou econômica.
Assim, a intenção da lei, foi a de proteger o consumidor
vulnerável que, diante dessa peculiar situação no
negócio jurídico, poderia ser compelido a aceitar
cláusula arbitral.
É evidente que, diante do espírito
da norma,
é nula uma cláusula arbitral no
contrato do qual
decorra
uma
relação
de
consumo.
• Explicar compromisso arbitral e cláusula compromissória
• DA CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM E SEUS EFEITOS
• Art. 3º - As partes interessadas podem submeter a solução de seus
litígios ao juízo arbitral mediante
• convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula
compromissória e o compromisso arbitral.
• Art. 4º - A cláusula compromissória é a convenção através da qual
as partes em um contrato
• comprometem-se em submeter à arbitragem os litígios que possam
vir a surgir, relativamente a tal
• contrato.
• § 1º - A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito,
podendo estar inserta no
• próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.
• Art. 9º - O compromisso arbitral
é a convenção através da qual as partes
submetem um litígio à
• arbitragem de uma ou mais pessoas,
podendo ser judicial ou extrajudicial.
A princípio, nas relações de consumo
é possível o compromisso arbitral – posterior
à existência do conflito -, mas é inválida a cláusula
arbitral por expressa disposição do art. 51, VII,
da Lei 8.078/1999 (CDC), admitindo-se,
entretanto, algumas exceções.
Corrobora a nossa afirmação a tentativa frustrada,
na tramitação da Lei 9.307/1996, de revogar o inciso
VII do art. 51 do CDC.
Também não falar-se, em razão do princípio
da especialidade, que a Lei 9.307/1996, por ser
posterior ao Código de Defesa do Consumidor,
teria revogado aquela disposição que torna nula a
cláusula arbitral compulsória.
O Código de Defesa do Consumidor representa
um sistema que se aplica às relações de consumo,
não havendo falar-se, portanto, em especialidade
da Lei 9.307/1996.
Ainda que seja assim, não descartamos – e
existem exemplos jurisprudenciais – a admissão
da arbitragem por cláusula arbitral nas relações
de consumo.
Entendemos que essa possibilidade demanda a
prova, pelo fornecedor, de que não determinou a
utilização compulsória da arbitragem ao firmar a
cláusula arbitral, o que feriria o inciso VII, do art. 51,
da Lei 8.078/1990.
Neste caso, alegada a insubsistência da cláusula
arbitral, militará a favor do consumidor a presunção
de invalidade, cabendo ao fornecedor provar que
a cláusula não foi imposta, notadamente diante
das peculiaridades do negócio firmado e das
condições pessoais do consumidor (forma do
negócio, idade, instrução, capacidade econômica etc.).
3.3 Arbitragem e contratos de adesão
O direito privado moderno exige, em razão do
necessário equilíbrio decorrente da função social
do contrato, da boa – fé e da eticidade, que os
contratos sejam transparentes.
O princípio da transparência podes ser verificado no Código de
Defesa do Consumidor, em razão da exigência do § 4° do seu
art. 54, em relação à redação clara e necessidade de destaque
em cláusulas impositivas de obrigações (“limitação de direito
do consumidor”) nos contratos de adesão. De acordo com
esse dispositivo, “contrato de adesão é aquele cujas cláusula
tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou
estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou
serviços, sem que o consumidor possa discutir ou
modificar substancialmente seu conteúdo”.
Nesse sentido, os seguintes parágrafos: “§ 1°
A inserção de cláusula no formulário não
desfigura a natureza de adesão do contrato. § 2°
Nos contratos de adesão admite-se cláusula
resolutória, desde que alternativa, cabendo a escolha
ao consumidor, ressalvando-se o disposto no 2°§ do
artigo anterior. § 3° Os contratos de adesão escritos
serão redigidos em termos claros e com
caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho
da fonte não será inferior ao corpo doze, de
modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.
§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito
do consumidor deverão ser redigidas com
destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão”.
Nelson Nery Junior, com fundamento em
Raymond Saleilles (De La declaratión de volonté.
Paris: Librairie Générale de Droit et de
Jurisprudence, 1929), distingue o contrato de adesão
e o contrato por adesão, lembrando que o Código
de Defesa do Consumidor fundiu conceitos,
denominando ambos como “contratos de adesão”,
que se contrapõem ao contrato de comum acordo ( contrat
de ré à gré).
Segundo Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo
Arruda Alvim e James Marins, o contrato de
adesão se caracteriza pela inexistência da fase
das tratativas preliminares e, conseguintemente,
pela imposição contratuais rígidas, normalmente em
favor do fornecedor.
Todavia, salientam, a par da imposição das
condições gerais, que a inserção de cláusulas
particulares não desnatura o “contrato de adesão”
(art. 54, § 1°, da Lei 8.078/1990).
Em consonância com o acatado, nada obstante
sua importância para a economia de escala, o § 3°
do art. 54 da Lei 8.078/1990 exige a redação clara,
sob pena de interpretação contra proferentem, ou
até a nulidade da cláusula obscura, nos exatos termos
do art. 51, XV, da Lei 8.078/1990, vez que a
redação obscura de condições contratuais afronta
o sistema de proteção ao consumidor e a
inafastável transparência que deve permear do
contrato no âmbito das relações de consumo.
Portanto, tratando-se de cláusula impositiva de
obrigações ao consumidor em contratos de adesão,
a compreensão deves ser imediata.
Nas relações civis, em razão dos princípios da boa – fé,
da eticidade, e da socialidade, que inspiraram
a Lei 10.406/2002, a conclusão não é diferente.
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