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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
PPGEC - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS
CAROLINE LUANA LOTTERMANN
PROCESSOS DE SIGNIFICAÇÃO CONCEITUAL DE ELEMENTO E SUBSTÂNCIA
NO ENSINO FUNDAMENTAL EM CIÊNCIAS NATURAIS
ÍJUÍ/RS
2012
2
CAROLINE LUANA LOTTERMANN
PROCESSOS DE SIGNIFICAÇÃO CONCEITUAL DE ELEMENTO E SUBSTÂNCIA
NO ENSINO FUNDAMENTAL EM CIÊNCIAS NATURAIS
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em
Educação nas Ciências da Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
Educação nas Ciências.
Orientadora: Prof. Dra. Lenir Basso Zanon
IJUÍ/RS
2012
3
Catalogação na Publicação
L844p
Lottermann, Caroline Luana.
Processos de significação conceitual de elemento e substância no
ensino fundamental de ciências naturais / Caroline Luana Lottermann. –
Ijuí, 2012.
115 f. ; il. ; 30 cm.
Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí e Santa Rosa). Educação nas
Ciências.
“Orientadora: Lenir Basso Zanon”.
1. Ciências naturais. 2. Significação conceitual. 3. Significação
conceitual - Elemento. 4. Significação conceitual – Substância. I.
Zanon, Lenir Basso. II. Título.
CDU : 371.3
53/59
Tania Maria Kalaitzis Lima
CRB10 / 1561
4
ATA DA DEFESA FINAL
5
AGRADECIMENTOS
A Deus que nos sustenta, guia, protege e fortalece nos momentos de dificuldade e
desânimo, nas horas de alegria e tristeza, nas derrotas e conquistas.
Aos meus pais Hilário Lottermann e Lisete Inês Kreutz Lottermann, base de minha
formação e grandes incentivadores do estudo como possibilidade de crescimento pessoal e
profissional e ao meu irmão Leonardo José Lotermann, meu companheiro desde a infância e
grande amigo nas horas de alegria, de descontração, no trabalho e nos momentos de
dificuldade. Não existem palavras suficientes para expressar minha gratidão pelo amor
recebido, pelo incentivo e apoio nas horas mais difíceis e pela confiança depositada em mim,
no meu trabalho e nos meus sonhos.
Ao Romeu Nedel Hilgert, que me inspira e contagia com seu amor, agradeço pelo
carinho, pelo constante apoio e incentivo, pelos momentos de alegria, angústias e sonhos
compartilhados.
A minha querida orientadora, professora e amiga Lenir Basso Zanon, por acreditar e
apostar em mim e no meu trabalho, pela disponibilidade, pelas motivadoras orientações, pelo
incentivo constante, por me possibilitar novos aprendizados, pelo carinho e amizade.
Aos professores Otavio Aloisio Maldaner, Roque Ismael da Costa Gullich, Maria
Cristina Pansera de Araújo e Neusa Maria John Scheid, pela disponibilidade na participação e
na leitura atenciosa desta dissertação, com suas valiosas contribuições na Banca de
Qualificação e/ou Defesa Final.
Aos meus colegas da turma de 2010 do Curso de Mestrado em Educação nas Ciências
e a todos os professores do PPG em Educação nas Ciências, que, de alguma forma,
compartilharam comigo saberes, alegrias e incertezas.
A escola e a todos os sujeitos de pesquisa, pela disponibilidade, confiança e
aprendizados.
A CAPES e a UNIJUÍ, pelo apoio financeiro e institucional.
6
Devemos ensinar Química para permitir que o
cidadão possa interagir melhor com o mundo.
Attico Chassot
7
RESUMO
Este trabalho trata de processos de significação conceitual de elemento e substância no Ensino
Fundamental, em Ciências Naturais, considerando dificuldades de aprendizagem apresentadas
pelos estudantes na compreensão dos referidos conceitos, bem como, críticas à tradição
curricular que se instituiu, na área, caracterizada por uma forte centralidade na perspectiva
biológica de abordagem dos conceitos/conteúdos escolares. Os dois conceitos mencionados
são conceitos estruturantes do pensamento químico e, assim, fundamentais à compreensão dos
conteúdos do ensino escolar, na área. A pesquisa abrangeu uma análise de livros didáticos
quanto a abordagens referentes aos dois conceitos. Ainda, o acompanhamento, gravação,
transcrição e análise de aulas de Ciências Naturais, junto a uma turma de 8ª série, com foco
nos processos de significação conceitual desses dois conceitos. Com base na vertente
vigotskiana, a atenção se voltou para os processos de significação conceitual considerando a
importância da apropriação e o uso da palavra e a interação entre os sujeitos como meios para
a construção de conhecimentos produzidos intencionalmente na escola. Discussões e reflexões
sobre o conhecimento escolar, na área, com base na vertente epistemológica bachelardiana,
consideram a visão de alguns obstáculos epistemológicos que acompanham o ensino das
ciências, que acabam por se caracterizar como entraves aos processos de aprendizagem com
significação conceitual. Resultados indicam problemas nas abordagens de conceitos químicos
ao longo do Ensino Fundamental apresentadas em livros didáticos referentes a simplificação
dos conceitos, sem levar em conta os graus de complexificação dos mesmos, o que exige dos
estudantes altos níveis de abstração. Nas aulas de Ciências Naturais acompanhadas, observouse a falta de problematização dos conhecimentos nas abordagens, por parte do professor, o
que compromete a apropriação dos conceitos e a construção de aprendizagens sólidas e
duradouras. O trabalho destaca a importância do aprendizado desses dois conceitos no Ensino
Fundamental tanto para a formação geral dos estudantes, como Educação Básica voltada à
cidadania responsável, quanto para o seguimento do fluxo da escolarização, como formação
para o ensino superior e para o exercício de uma profissão. O trabalho defende o uso da
palavra, com retomadas que favoreçam os processos de evolução conceitual, por meio de
sistemáticos processos de produção de sentidos aos conceitos escolares. Indica para a
necessidade de esforços dirigidos à melhoria da formação do professor de Ciências Naturais,
em especial, no que se refere à potencialização de relações dinâmicas entre as abordagens dos
conhecimentos escolares e a perspectiva da significação conceitual, por parte dos estudantes.
Palavras-chave: Significação conceitual; elemento e substância; Ciências Naturais.
8
ABSTRACT
The present work discusses the processes of conceptual signification of element and substance
in the elementary school in Natural Sciences, considering the learning difficulties presented
by the students in the comprehension of those concepts, as well as some criticism to the
curricular tradition which is well established in this area and that is characterized by a strong
centrality in the biologic perspective for the approach of the concepts/school contents. The
two mentioned concepts are structuring conceptions of the chemistry thinking and, thus, they
are fundamental to the comprehension of the contents of the school teaching in this area. This
research comprises an analysis of workbooks regarding their approaches to the two concepts.
Also, there was the attendance, recording, transcription and analysis of Sciences classes in an
8th grade group, focusing the processes of conceptual signification of those two concepts.
Based on Vygotsky’s ideas, the attention was focused on the processes of conceptual
signification considering the importance of appropriation and use of the word and the
interaction between the subjects as means to the construction of knowledge intentionally
produced in the school. Discussions and reflections about the school knowledge in the area,
based on Bachelardian ideas, consider the view of some epistemological obstacles that come
together with the teaching of Natural Sciences and that end up posing as barriers to the
learning processes as conceptual signification. The results indicate problems in the
approaches of Chemistry concepts throughout the elementary school presented in workbooks
regarding the simplification of the concepts, without taking into account the levels of
complexity of them, which demands from the students a high level of abstraction. In the
Sciences classes attended, it was observed an absence of problematization of knowledge by
the teacher in his approach, which affects the appropriation of the concepts and the
construction of a solid and lifelong learning. This work highlights the importance of learning
these two concepts in elementary school both to the general education of the students, as an
elementary education concerned with a responsible citizenship, and to the continuation of the
flow of learning, as education to the college and to the practice in the profession. This work is
in favor of the use of the word, retaking ideas that support the processes of conceptual
evolution, through systematic processes of production of sense to the school concepts. It
indicates the need for efforts addressed to the improvement of the teacher education regarding
the empowerment of dynamic relationships between the approaches of the school knowledge
and the perspective of conceptual signification by the students.
Key words: Conceptual signification, element and substance, Natural Sciences
9
LISTA DE SIGLAS
UNIJUÍ: Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
PIBEX-UNIJUÍ: Programa Institucional de Bolsas de Extensão da Unijuí
PIBIC-UNIJUÍ: Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Unijuí
GIPEC-UNIJUÍ: Grupo Interdepartamental de Pesquisa sobre Educação em Ciências da
Unijuí.
PCN: Parâmetros Curriculares Nacionais
PCN-CN: Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino de Ciências Naturais
PPP: Projeto Político Pedagógico
CTSA: Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente
LD1: Livro de Ciências Naturais de 5ª série de uma coleção que corresponde a uma
organização tradicional da abordagem dos conteúdos
LD2: Livro de Ciências Naturais de 6ª série de uma coleção que corresponde a uma
organização tradicional da abordagem dos conteúdos
LD3: Livro de Ciências Naturais de 7ª série de uma coleção que corresponde a uma
organização tradicional da abordagem dos conteúdos
LD4: Livro de Ciências Naturais de 8ª série de uma coleção que corresponde a uma
organização tradicional da abordagem dos conteúdos
LD5: Livro de Ciências da 5ª série de uma coleção que corresponde a uma organização
inovadora do currículo de Ciências Naturais
LD6: Livro de Ciências da 6ª série de uma coleção que corresponde a uma organização
inovadora do currículo de Ciências Naturais
LD7: Livro de Ciências da 7ª série de uma coleção que corresponde a uma organização
inovadora do currículo de Ciências Naturais
LD8: Livro de Ciências da 8ª série de uma coleção que corresponde a uma organização
inovadora do currículo de Ciências Naturais
A: Aluno (a)
P: Professor (a)
10
LISTA DE IMAGENS
Figura 1: Triangulação essencial ao conhecimento escolar de química ...................... p. 33
Figura 2: Produtores e consumidores .......................................................................... p. 59
Figura 3: Água pura e mistura ......................................................................................p. 64
Figura 4: Processo de destilação de uma mistura de água e barro ...............................p. 66
Figura 5: Eletrólise .......................................................................................................p. 67
Figura 6: Gás produzido na eletrólise ..........................................................................p. 68
Figura 7: Gás produzido na eletrólise ..........................................................................p. 69
Figura 8: Átomos e moléculas .....................................................................................p. 69
Figura 9: Representação da molécula de água ............................................................p. 71
Figura 10: Densidade ..................................................................................................p. 71
Figura 11: Moléculas e átomos ...................................................................................p. 73
Figura 12: Moléculas e átomos ...................................................................................p. 74
Figura 13: Diagrama esquemático de mudança dos estados físicos da água ..............p. 77
Figura 14: Constituição de alguns alimentos ..............................................................p. 78
Figura 15: Potabilidade da água .................................................................................p. 80
Figura 16: Constituição da água mineral ....................................................................p. 81
Figura 17: Metais presentes nos rejeitos industriais ...................................................p. 82
Figura 18: Substâncias e misturas ..............................................................................p. 84
Figura 19: Substâncias e misturas ..............................................................................p. 84
Figura 20: Tabela periódica dos elementos ................................................................p. 85
Figura 21: Transformação dos metais ........................................................................p. 86
Figura 22: Representação do experimento de Rutherford .........................................p.94
Figura 23: Representação do experimento de Rutherford .........................................p.94
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13
1. PROBLEMÁTICA, OBJETIVOS E ORGANIZAÇÃO METODOLÓGICA DA
PESQUISA ........................................................................................................................ 17
1.1 Problemática e Objetivos da Pesquisa ................................................................... 17
1.2 Aspetos da Organização Metodológica da Pesquisa .............................................. 21
2. A QUÍMICA NO ENSINO FUNDAMENTAL DE CIÊNCIAS NATURAIS E A
PERSPECTIVA DA SIGNIFICAÇÃO CONCEITUAL ................................................. 25
2.1 Um Olhar à Organização dos Conteúdos no Ensino de Ciências Naturais ............. 26
2.2 Formação de Conceitos pelo Uso e Ressignificação da Palavra ao longo da
Escolarização ...................................................................................................................... 34
2.3 Uma Reflexão sobre a Especificidade do Conhecimento Escolar em Ciências
Naturais ........................................................................................................................... 44
3. A INSERÇÃO DA QUÍMICA NO ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS: UM
OLHAR SOBRE LIVROS DIDÁTICOS ......................................................................... 57
3.1 Abordagens de Conceitos Químicos em Livros Didáticos de Ciências Naturais do
Ensino Fundamental ..................................................................................................... 57
3.1.1 A Fragmentação do Conhecimento Químico no Ensino de Ciências
Naturais ........................................................................................................ 58
3.1.2 Interrelações de Conhecimentos no Ensino de Ciências Naturais ........ 75
3.2 A Importância da Palavra no Processo de Significação dos Conceitos Elemento e
Substância em Ciências Naturais ......................................................................................... 88
4. ABORDAGENS DOS CONCEITOS ELEMENTO E SUBSTÂNCIA EM AULAS DE
CIÊNCIAS NATURAIS DA 8ª SÉRIE ............................................................................ 92
12
5. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ................................................................................ 104
LIVROS DIDÁTICOS ....................................................................................................... 108
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 109
ANEXOS ........................................................................................................................... 112
13
INTRODUÇÃO
As preocupações em relação à formação em Química ao longo do Ensino Fundamental
já vêm de longo tempo e continuam aumentando na área de Educação Química (ZANON;
PALHARINI, 1995), sendo recorrentes as críticas à tradição curricular que se instituiu
historicamente na área de Ciências Naturais1, caracterizada por uma forte centralidade na
perspectiva biológica de abordagem dos conceitos/conteúdos escolares. Segundo Lima e
Aguiar Jr. (2000, com base em CLAXTON, 1991; FENSHAM, 1991; MILLAR, 1996) as
preocupações e mudanças propostas nesse nível da escolarização são o resultado de um
deslocamento na atenção do currículo e do papel da escola, de uma formação introdutória
propedêutica de prosseguimento dos estudos em nível universitário, para um ensino dirigido a
um conhecimento amplo das ciências a todos os sujeitos (LOTTERMANN; MALDANER;
HAMES, 2009), em acordo com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN; BRASIL, 1996).
No que se refere ao desenvolvimento dos conteúdos e conceitos químicos nesse nível
de ensino, as críticas dizem respeito, principalmente, à tradição que tem limitado a sua
duração em apenas um semestre, na 8ª2 série, a qual tem sido reduzida ao ensino de Química e
Física. As aulas de Ciências Naturais nesse nível da escolarização priorizam o estudo do meio
ambiente (com foco voltado à compreensão dos fungos, dos animais, das plantas, das relações
ecológicas) e do corpo humano, a partir de uma visão da disciplina escolar Biologia. Devido a
isso, a abordagem dos conhecimentos químicos é limitada, sendo incipiente a compreensão de
conceitos importantes e necessários ao entendimento de fenômenos que ocorrem nos próprios
seres vivos, no ambiente e em situações que vivenciamos diariamente (KINALSKI; ZANON,
1997).
1
A expressão Ciências Naturais é usada (para designar o componente curricular em questão nesta dissertação)
com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN-CN; BRASIL, 1998).
2
Esta dissertação levou em conta a organização do Ensino Fundamental com duração de 8 anos, considerando-se
que no ano em que a pesquisa empírica foi desenvolvida, a 8ª série era a série final deste nível de ensino.
14
Por outro lado, a problemática na qual se insere esta pesquisa diz respeito à ampla
crítica dirigida pela literatura da área à organização tradicional de ensino de Ciências,
resumida a apresentação, de cunho livresco, de definições prontas, seguidas de exemplos e
exercícios para ‘fixação’ por parte dos estudantes. Essa lógica de ensino em sala de aula
caracteriza o mecanismo de transferência repetitiva de conhecimentos já prontos, pelo uso de
definições (AGUIAR JR; LIMA; MARTINS, 2005).
Com base nesses entendimentos, nossa atenção é direcionada ao desafio de
compreender formas de contraposição ao ensino tradicional. A tendência a uma mera
memorização de definições prontas usadas para resolver exercícios de fixação impossibilita a
aprendizagem com significação de conceitos fundamentais ao pensamento químico. É o caso
dos conceitos de Elemento3 e Substância, cuja compreensão ao longo do Ensino
Fundamental é o objeto de estudo desta dissertação, como conceitos estruturantes do
pensamento específico em Ciências Naturais. A compreensão do conceito de substância é de
grande importância, pois ele é a chave na formação do pensamento químico sobre o mundo
material (MALDANER, 2003, p. 3), da mesma forma o conceito de elemento desempenha
papel de fundamental importância como mais um dos conceitos estruturantes do pensamento
químico (OKI, 2002).
Consideramos que os aprendizados desses dois conceitos no Ensino Fundamental são
essenciais, tanto para a formação geral dos estudantes como Educação Básica que promova a
cidadania responsável, quanto para o papel social da escolarização propedêutica, como
formação preparatória ao ensino superior e à profissão. Não se trata de dimensões formativas
separadas entre si, cabendo levar em conta que a “não-aprendizagem” pelos estudantes reverte
na “não-aprendizagem” em outros contextos da educação (ensino médio e superior) e da vida
na sociedade como um todo.
Isso situa a finalidade da presente pesquisa, desenvolvida na perspectiva de avançar na
compreensão da problemática referente ao ensino dos conceitos substância e elemento no
Ensino Fundamental, tantas vezes abordados de maneira que não favorece sua compreensão
conceitual. Não podem ser abordados de forma indiscriminada, como se fossem de
entendimento simples.
3
As palavras substância e elemento aparecem em negrito na introdução para evidenciar o seu destaque ao longo
de todo o texto desta dissertação, como palavras-chave da pesquisa desenvolvida.
15
Foi de preocupações inseridas nesse contexto problemático que a presente
investigação se desdobrou, em busca de compreender implicações da organização do ensino
dos dois conceitos mencionados no Ensino Fundamental. Os estudos escolares sobre os
fenômenos e acontecimentos no âmbito dos seres vivos e do universo abrangem dimensões
que não podem ser vistas nem mensuradas, sendo muitas vezes necessário o uso dos conceitos
de elemento e substância como constituintes dos seres vivos. Assim, o ensino e a
aprendizagem de Ciências Naturais só são possíveis devido à existência de conhecimentos
científicos legitimados que, aceitos universalmente como válidos, possibilitam processos de
recontextualização e ressignificação como saberes que permitem processos de ensinar e
aprender na escola.
Preocupa-nos, assim, a perspectiva da atribuição de sentidos a eles frente a uma
concepção científica atrelada a sua visão como entidades teoricamente criadas, como
linguagem repleta de signos associados a um e pensamento bastante específico, essencial ao
conhecimento em Ciências Naturais.
Para a compreensão dos processos de apropriação desses dois conceitos, um apoio
teórico importante está em Freire (2002), com a visão de um processo dialógico de ensino, na
interação com o outro. Igualmente, o referencial histórico-cultural, com a compreensão de que
cada sujeito é socialmente construído, nas interações com os outros com os quais se
desenvolve, de forma dialeticamente transformadora, ao mesmo tempo, de si próprio e do
meio em que vive e atua (VIGOTSKI, 2008). É pelo uso da palavra que os sujeitos têm a
possibilidade de interagir com o outro, apropriando-se de conceitos que lhe possibilitam
conhecimentos para a compreensão e ação no mundo. Isso configura a importância de
investigar a problemática que diz respeito à complexidade e dinamicidade dos processos de
mediação de conhecimentos por meio dos livros didáticos e das atividades pedagógicas do
professor, na perspectiva da ressignificação dos conceitos, no contexto escolar.
A partir do pressuposto de que a apropriação dos conceitos por parte dos estudantes do
Ensino Fundamental constitui-se num aspecto formativo básico e essencial à formação
escolar, na área, o presente estudo foi organizado em quatro capítulos.
No primeiro capítulo é apresentado o tema, a problemática, os objetivos e a
organização do percurso metodológico da pesquisa.
No segundo capítulo são feitas abordagens sobre a Química no Ensino Fundamental de
Ciências Naturais na perspectiva da significação conceitual. Essa discussão inicia com um
16
olhar à organização dos conteúdos de Ciências Naturais, com foco nos Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino de Ciências Naturais (PCN-CN). Ainda nesse capítulo,
as abordagens tratam da inserção da Química no Ensino Fundamental com reflexões de cunho
epistemológico e sobre a formação de conceitos pelo uso e ressignificação da palavra, ao
longo da escolarização, com base no referencial histórico-cultural. Esse capítulo apresenta
reflexões em torno do importante papel do professor como mediador das aprendizagens
escolares em Ciências Naturais.
No terceiro capítulo são apresentados e analisados os dados de pesquisa produzidos a
partir da análise de livros didáticos de Ciências Naturais, que consideraram abordagens de
conceitos químicos nesses materiais, como foco para o livro da 5ª série. O capítulo discute
formas de abordagem de alguns conceitos em livros analisados, com foco nos conceitos
elemento e substância.
No quarto capítulo, são apresentados e analisados os dados de pesquisa produzidos a
partir do acompanhamento de aulas de Ciências Naturais em uma turma de 8ª série do Ensino
Fundamental, com análise do desenvolvimento dos conceitos elemento e substância em aula,
com foco nos processos de significação conceitual por parte dos estudantes.
17
1 PROBLEMÁTICA, OBJETIVOS E ORGANIZAÇÃO METODOLÓGICA DA
PESQUISA
Este capítulo trata do tema e da problemática da pesquisa, seus objetivos e o percurso
metodológico percorrido até a produção e análise dos dados empíricos, iniciando com uma
descrição sobre a origem do problema em estudo.
1.1
Problemática e Objetivos da Pesquisa
As preocupações e reflexões sobre as abordagens de conceitos químicos no Ensino
Fundamental, especialmente os conceitos de elemento e substância, partiram de estudos e
discussões durante a realização do curso de Licenciatura em Química da Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ) e durante a atuação como
bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Extensão (PIBEX-UNIJUÍ), junto ao Projeto
“Formação de Professores: Ações em âmbito Escolar”, no período de abril de 2007 a
dezembro de 2008 e como bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica (PIBIC-UNIJUÍ), junto ao Projeto de Pesquisa “O Conhecimento Químico Escolar
Articulado aos Saberes Docentes: Implicações teórico/práticas na Escola de Nível Médio”, no
ano de 2009.
Os projetos, desenvolvidos no âmbito do Grupo Interdepartamental de Pesquisa sobre
Educação em Ciências (Gipec-UNIJUÍ), permitiram reflexões acerca de novas propostas para
o desenvolvimento de conceitos/conteúdos escolares no Ensino Fundamental e Médio.
Quando do ingresso no Curso de Mestrado em Educação nas Ciências, o interesse direcionouse, em especial, para as abordagens de conteúdos/conceitos de Química no Ensino
Fundamental, com foco nos processos de significação conceitual; direcionou-se para a
perspectiva de uma formação escolar capaz de potencializar o desenvolvimento humano, por
um conhecimento dinamicamente interrelacionado, que permita compreensões/ações
18
responsáveis como cidadão, seja na vida profissional ou na vida social vista como um todo
(BRASIL, 2006).
A partir de tal interesse, desde as origens, o olhar direcionado à realidade problemática
do ensino de Química em aulas de Ciências Naturais partiu de críticas apontadas pela
literatura (MALDANER e ZANON, 2004; LIMA e SILVA, 2007) à tradição consagrada, na
qual o meio ambiente é estudado de forma fragmentada, como uma sucessão linear de
conteúdos isolados: na 5ª série o ambiente tem sido estudado em seus componentes (ar, água,
solo); na 6ª as características dos seres vivos; na 7ª o corpo humano e na 8ª série Física e
Química. Tal padronização dos conteúdos de Ciências Naturais em cada série do Ensino
Fundamental vem acompanhada de uma linearidade e fragmentação do conhecimento escolar
que muito tem preocupado educadores e pesquisadores, na área.
Cada tópico (o solo, a água e o ar; a anatomia e o funcionamento do corpo humano;
os vegetais; os animais; as transformações físicas e químicas) passou a ser
trabalhado em determinado espaço ou série, sem valorizar as relações dos conteúdos
entre si e nem, tampouco, as relações com questões tecnológicas, sociais e
ambientais ou mesmo com valores e hábitos culturais, em situações reais
relacionadas a tais conteúdos. (MALDANER; ZANON, 2004, p. 45)
Essa divisão da área das Ciências Naturais “dificulta o estabelecimento de relações e,
portanto, a construção de modelos explicativos mais coerentes e consistentes” (LIMA;
SILVA, 2007, p. 91). Frente a esse cenário problemático, a presente pesquisa foi organizada
com a intenção de melhor compreender, especificamente, a realidade do ensino dos dois
conceitos estruturantes do pensamento já mencionados - elemento e substância, em busca de
avanços nas concepções e práticas de ensino escolar.
Tendo como foco a compreensão dos processos de significação conceitual,
consideramos o pressuposto expresso por Aguiar Jr, Lima e Martins (2005, p. 02) de que “a
aprendizagem de conceitos é algo muito mais complexo do que o simples estabelecimento de
definições consagradas em textos didáticos e em glossários”. Isso também justifica e situa a
importância de compreender a complexidade dos processos de ensino e de aprendizagem de
conceitos científicos em sala de aula, a exemplo de elemento e substância. Segundo os autores
acima citados, trata-se de processos que requerem sistemáticas retomadas, de processos lentos
e sempre inacabados, nos quais os conceitos são revistos e ampliados, em cada novo contexto
de interação e formação.
Os problemas de ensino e aprendizagem dos dois conceitos mencionados, em especial
no Ensino Fundamental, relacionam-se com dificuldades dos educandos para produzirem
19
sentidos aos seus significados em coerência com a Ciência/Química. São conceitos ou
modelos teóricos compreensivos que requerem elevados graus de abstração, em nível
atômico-molecular. Para exemplificar tais graus de dificuldade, citamos, abaixo, dois excertos
extraídos da Coleção de livros didáticos de Ciências Naturais “Construindo Consciências”
(APEC, 2003), que se referem aos dois conceitos mencionados.
- “[...] podemos dizer que a água contida em um copo é constituída de um grande
número de partículas as quais chamamos moléculas. As moléculas de água, por sua vez, são
formadas por um conjunto de átomos dos elementos químicos hidrogênio e oxigênio. Assim,
podemos dizer que a água é um aglomerado de moléculas constituídas por átomos. Uma
molécula de água é formada por dois átomos de hidrogênio e um átomo de oxigênio e usamos
representá-la pela fórmula química H2O”. (p. 26).
- “Muitas substâncias podem ser formadas por arranjos diferentes de um mesmo
elemento. O elemento químico oxigênio (O), por exemplo, pode formar tanto o gás oxigênio
(O2) como o gás ozônio (O3). O mesmo elemento químico carbono que constitui o papel
constitui também o açúcar.” (p. 19).
Os excertos trazidos demonstram a nossa preocupação, no presente trabalho, no
sentido de compreender abordagens dos conceitos que favoreçam a apropriação do
conhecimento escolar por meio de aprendizados que não sejam apenas superficiais, por
negligenciarem a perspectiva da significação conceitual. Queremos melhor entender as
interrelações de conhecimento que fazem parte dos processos de compreensão escolar desses
dois conceitos. Ela requer que sejam mobilizadas formas de pensamento com esforços na
direção do pensamento teórico, com uma
imaginação de partículas (estruturas)
submicroscópicas como átomo, molécula. Criadas pela Química/Ciência, configuram-se em
objetos teóricos essenciais aos estudos escolares sobre a matéria e os materiais que constituem
tudo o que existe no mundo físico-químico-biológico.
É nesse cenário problemático que nossas preocupações se voltam à complexidade das
dificuldades de aprendizagem conceitual por parte dos estudantes do Ensino Fundamental. A
partir da visão expressa por Rocha e Cavicchioli (2005, p. 29) de que elas se relacionam com
a “ausência de referenciais que os ajudem nesse esforço de abstração”, nossa atenção se volta
para a necessidade de compreender a complexidade das relações conceituais envolvidas na
apropriação dos referidos conceitos. Em se tratando de uma aprendizagem que requer graus
elevados de elaboração teórica, é importante levar em conta, o que referem autores como
Driver et.al (1999, p. 39), que átomos, elétrons, moléculas, elementos, substâncias são objetos
20
de estudo culturalmente criados, sendo necessário entender que “o conhecimento científico é,
por natureza, discursivo”.
Nunca estamos sozinhos, pois carregamos conosco textos diferentes dos que
escrevemos, palavras de outras pessoas com as quais interagimos (AGUIAR JR; LIMA;
MARTINS, 2005). Dessa forma, a palavra assume um papel fundamental no processo de
construção do conhecimento, como mediadora da compreensão dos conceitos pelos sujeitos,
além de ser um dos principais agentes no processo de abstração e generalização. Isso faz com
que a linguagem assuma um papel que vai além da simples comunicação, sendo constitutiva
do desenvolvimento humano, pela formação com significação conceitual (VIGOTSKI, 2008).
Assumindo esse entendimento de que os aprendizados dos conceitos são constitutivos
do sujeito em desenvolvimento, por meio da educação escolar, defendemos que isso necessita
ser levado em conta como condição fundamental de uma educação com/pela apropriação de
novas formas de falar, pensar, agir e interagir no mundo (BRASIL, 2006).
Em busca de compreender tais desafios associados com necessárias mudanças nas
concepções e práticas de ensino de Ciências naturais, o objeto de investigação está focado nas
abordagens dos conceitos elemento e substância, com atenção voltada aos processos de
significação conceitual dos mesmos.
Para tal estudo, o presente trabalho foi organizado com o objetivo de: investigar
abordagens dos dois conceitos mencionados em livros didáticos e em aulas da 8ª série do
Ensino Fundamental, no componente curricular de Ciências Naturais, com vistas a
compreender como acontecem os processos de significação dos conceitos e como eles coparticipam na (re)construção do conhecimento escolar em Química.
Os objetivos específicos são: analisar livros didáticos de Ciências Naturais quanto a
abordagens dos conceitos elemento e substância no Ensino Fundamental; acompanhar e
analisar aulas de Ciências Naturais junto a uma turma de 8ª série do Ensino Fundamental, em
uma escola da rede municipal, com vistas a compreender o desenvolvimento dos conceitos
elemento e substância, com atenção aos processos de significação conceitual por parte dos
estudantes.
A atenção foi orientada para a compreensão de processos de interação em sala de aula,
em especial, a formas de uso (verbalização) de linguagens e pensamentos envolvidos nas
interlocuções, em abordagens dos conceitos em estudo (elemento químico e substância).
Também, em abordagens de livros didáticos do Ensino Fundamental, na área.
21
No contexto da temática escolhida, buscamos, a partir da realização da pesquisa,
respostas ao questionamento básico: quais abordagens dos conceitos elemento e substância
estão presentes no ensino de Ciências Naturais das séries finais do Ensino Fundamental e
como elas co-participam na (re)construção do conhecimento escolar de Química,
considerando-se a perspectiva da significação conceitual?
Partimos do pressuposto de que o uso da palavra (do conceito) elemento e substância
ao longo de todo o Ensino Fundamental potencializa as aprendizagens em Ciências Naturais,
pois a verbalização dos conceitos contribui para os processos de formação conceitual de
forma sólida, permitindo aprendizagens significativas e duradouras.
Para buscar respostas a essa questão, a atenção direcionou-se à potencialidade de
abordagens em livros didáticos e em aulas de Ciências Naturais para promover processos de
apropriação e uso dos conceitos mencionados. Foram considerados, durante as análises,
aspectos como o uso de signos (em especial a própria palavra elemento químico e substância)
em abordagens nos livros didáticos e nas aulas acompanhadas. A atenção se voltou para a
retomada dos conceitos em contextos diversificados, com favorecimento das necessárias
interrelações conceituais que requerem a produção de sentidos aos conceitos, dando ênfase a
relações estabelecidas, na perspectiva da evolução da significação conceitual.
Para tal, as análises consideraram aspectos específicos à modalidade de ensino
acompanhada, como estratégias e recursos didáticos ou outras condições envolvidas. Houve
um sistemático interesse em explicitar e compreender possíveis relações e contribuições para
a melhoria do ensino escolar em Ciências, no sentido de propiciar o acesso pedagógico a um
conhecimento bastante específico, que se constitua em novos entendimentos sobre situações
vivenciais dos estudantes, numa perspectiva dialética, crítica e transformadora (FREIRE,
2002).
1.2
Aspetos da Organização Metodológica da Pesquisa
Neste item, apresentamos a forma com que foi organizada metodologicamente a
pesquisa, explicitando a natureza da investigação, as análises das aulas e livros didáticos, bem
como os sujeitos envolvidos na pesquisa.
Essa pesquisa, de natureza qualitativa (LÜDKE; ANDRÉ, 1986), abrange a análise de
duas coleções de livros didáticos de Ciências Naturais de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental
e de aulas de Ciências Naturais de uma turma de 8ª série do Ensino Fundamental.
22
Para a produção dos dados de pesquisa referentes à investigação de livros didáticos de
Ciências Naturais, foi abrangido um total de oito livros, com foco na 5ª série. Inicialmente foi
realizada uma busca em bibliotecas de escolas e no âmbito do Gipec-UNIJUÍ com o objetivo
de identificar e escolher coleções de livros didáticos de Ciências Naturais para posterior
análise. Os livros didáticos analisados de uma das duas coleções foram referidos neste
trabalho por LD1, LD2, LD3, LD4. Os da outra coleção foram referidos por LD5, LD6, LD7
e LD8.
O critério de seleção da primeira coleção de livros didáticos levou em conta que este
material didático é usado na escola em que foram feitos os registros das aulas de Ciências
Naturais da turma da 8ª série. Essa coleção foi escolhida já que a professora de Ciências, que
ministrava as aulas na turma utilizava o livro da 8ª série da referida coleção como base para a
elaboração de suas aulas e discussão dos conceitos. A segunda coleção analisada foi escolhida
pelo fato de apresentar uma proposta diferenciada de organização das abordagens dos
conteúdos/conceitos
escolares,
se
comparada
aos
livros
didáticos
tradicionais,
disponibilizados pela maioria das editoras, indo ao encontro dos entendimentos com base nos
quais está organizada essa dissertação.
Esta análise teve como objetivo investigar abordagens de conteúdos quanto a relações
com a significação dos conceitos de elemento e substância. Os procedimentos metodológicos
de análise abrangeram leituras atenciosas dos livros didáticos que permitiram identificar
excertos que apresentavam abordagens de alguma forma relacionadas ao ensino dos dois
conceitos em estudo nesta dissertação. Alguns excertos foram citados (transcritos) e outros
foram digitalizados, em especial, por serem apresentadas figuras que acompanhavam as
abordagens, Em cada excerto há a identificação do livro e da respectiva página. Por exemplo,
“LD1, p. 50” corresponde a um excerto que constava na página 50 do LD1.
Optamos por analisar apenas livros didáticos da 5ª série, que, no ano em que a
pesquisa empírica foi desenvolvida, marca a entrada dos estudantes no universo do ensino de
Ciências Naturais, haja vista que nas próprias coleções de livros didáticos da área esta série é
a inicial. Como a centralidade da nossa preocupação está na perspectiva das interrelações
conceituais, a análise de livros didáticos da 5ª série foi feita com vistas a subsidiar o posterior
acompanhamento e análise de aulas junto a uma turma de 8ª série, na área. Tanto nos livros
didáticos quanto nas aulas, o foco da análise esteve voltado para as formas de abordagem de
conteúdos relacionados com os conceitos elemento e substância, no Ensino Fundamental.
Durante o acompanhamento das aulas, questionamo-nos sobre o desenvolvimento dos
23
conteúdos e conceitos, para o que, foi importante contar com a análise de livros didáticos de
Ciências Naturais, ainda que limitada a 5ª série (em função do limite de tempo e espaço para a
escrita dessa dissertação). No contexto da pesquisa, nossa reflexão se voltou para a relação
entre as abordagens dos conceitos químicos apresentados nos LD da 5ª série e as abordagens
dos conceitos químicos em sala de aula, na 8ª série.
O acompanhamento e registro das aulas de Ciências Naturais foram realizados junto a
uma turma de 8ª série do Ensino Fundamental, durante o primeiro bimestre do ano letivo de
2011, período em que foram mais abordados os conceitos substância e elemento, foco desta
pesquisa. Os registros das nove aulas foram feitos em diário de campo e por meio de gravação
das falas dos sujeitos de pesquisa, em áudio.
A escola na qual foram realizados os registros pertence à Rede Municipal de Ensino
do município de Santa Rosa/RS. Trata-se de uma instituição tradicional da cidade, em
funcionamento há mais de 50 anos. Atualmente, atende 389 crianças e jovens, na grande
maioria de baixa renda, que residem nas proximidades da escola.
O funcionamento da escola ocorre nos turnos da manhã e da tarde, com turmas que
vão da pré-escola até a 8ª série do Ensino Fundamental. O corpo docente da escola é formado
por trinta e cinco professores (as), contando ainda com sete funcionários, que trabalham na
limpeza da escola, preparo da merenda escolar, secretaria e biblioteca.
A escola conta com uma boa infraestrutura, com várias salas de aula, biblioteca,
refeitório, secretaria, sala de professores, banheiros, ginásio de esportes e pátio. Tudo se
encontra bem organizado, limpo, com lixeiras espalhada dentro da escola e no pátio, calçadas
pintadas com sapatas e desenhos coloridos, tudo bem decorado, o que deixa o ambiente mais
bonito e aconchegante.
A turma de 8ª série acompanhada durante a realização da pesquisa era constituída de
dezoito alunos, sendo nove meninos e nove meninas, que têm entre treze e quinze anos de
idade. Apenas um deles era repetente.
A professora de Ciências Naturais que ministrou as aulas acompanhadas e registradas
tinha (em 2011) dezoito anos de experiência em sala de aula, atuando como professora da 8ª
série há treze anos. Tem formação no curso de Ciências, tendo cursado duas habilitações: em
Química e em Biologia. Também, realizou o Cursou de pós-graduação (especialização) em
Educação Ambiental, concluída no ano de 2009. A professora atuava somente na escola
mencionada, ministrando aulas no componente de Matemática para a 6ª série e de Ciências
Naturais para a 8ª série.
24
Os sujeitos de pesquisa foram: uma professora de Ciências Naturais (que ministrou as
aulas) e dezoito estudantes que frequentam a 8ª série do Ensino Fundamental, com
observações na condição de pesquisador externo.
Destacamos que a pesquisa atendeu os princípios da ética na pesquisa. O projeto de
pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética na Pesquisa da UNIJUÍ, sob o protocolo de nº
0133/2010 de 08/11/2010 (Anexo1), em acordo com a Resolução do Conselho Nacional de
Saúde 196/96, que normatiza pesquisas que envolvem seres humanos. Os sujeitos
participantes – professora de Ciências Naturais e estudantes – após serem informados sobre a
pesquisa, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo 2).
Para preservar o anonimato e autoria dos sujeitos de pesquisa, foram usados letras e
números, para indicar a aula de Ciências Naturais, o número da manifestação e o sujeito
envolvido. Por exemplo: “Aula 5.7.A3” se refere a 5ª aula da turma, sendo a sétima
manifestação verbalizada durante esta aula, pelo aluno número 3.
Foram gravadas todas as aulas de Ciências Naturais da referida turma, durante o 1º
bimestre de 2011. Após, as falas registradas (em áudio) foram transcritas e posteriormente
foram procedidas sucessivas leituras atenciosas das transcrições, com vistas a verificar
relações com a perspectiva da significação conceitual. Nesta dissertação foi procedida uma
análise das primeiras cinco aulas acompanhadas e registradas, em função da limitação de
espaço para a escrita do trabalho.
Os procedimentos de análise consistiram em recortar turnos de fala correspondentes ao
período inicial das aulas, com vistas a discuti-los de forma teoricamente fundamentada, em
busca de respostas à questão de pesquisa, ou seja, com foco direcionado aos processos de
significação dos conceitos elemento e substância.
O capítulo que segue trata, precisamente, dessa perspectiva de ensino (a da
significação conceitual, em Química, no Ensino Fundamental de Ciências Naturais). A
discussão é centrada na importância da apropriação e do uso das ‘palavras da escola’ (a
exemplo de elemento e substância) acompanhada de uma reflexão sobre a especificidade do
conhecimento escolar em Ciências Naturais.
25
2 A QUÍMICA NO ENSINO FUNDAMENTAL DE CIÊNCIAS NATURAIS E A
PERSPECTIVA DA SIGNIFICAÇÃO CONCEITUAL
Este capítulo foi organizado com o objetivo de situar o entendimento dos processos de
significação conceitual ao longo das 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental, em Ciências
Naturais, com foco nos conceitos elemento e substância.
Para isso, foram buscados
fundamentos em duas vertentes teóricas: (i) no referencial histórico-cultural de Vigotski
(2008), com abordagens sobre as interações sociais nos processos de ensino e aprendizagem,
sobre o uso da palavra na significação dos conceitos, sobre a especificidade da mediação
pelos livros didáticos e pelos professores do acesso ao conhecimento escolar; (ii) numa
abordagem de cunho mais epistemológico sobre a diversidade dos conhecimentos que
coparticipam dos processos de construção do conhecimento escolar, na perspectiva de uma
pluralidade de relações de diálogo entre culturas diversificadas, com atenção focada nas duas
esferas culturais mais amplas, a da ciência e a do cotidiano.
As abordagens visam ao entendimento dos processos de reconstrução conceitual, com
foco no acesso ao estilo de linguagem/pensamento específico da Química no ensino de
Ciências Naturais. Essa forma de linguagem/pensamento específico à química constitui-se
como conhecimento escolar, sendo assim, não é aprendido na rua, na comunidade, mas sim na
escola. Tais abordagens estão voltadas também à importância dos conhecimentos como
teorias que permitem entendimentos sobre situações reais, socialmente construídas nas
interações entre sujeitos com vivências e formações diversificadas.
Este capítulo está organizado em três subcapítulos. O primeiro traz um olhar sobre a
organização dos conteúdos de Ciências Naturais no Ensino Fundamental propostos no âmbito
dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino de Ciências Naturais (PCN-CN). O
segundo discute os processos de formação de conceitos pelo uso da palavra da palavra com
ressignificação conceitual ao longo do período de escolarização. O terceiro discute a
introdução da Química no ensino de Ciências Naturais a partir de um olhar epistemológico.
26
2.1
Um Olhar à Organização dos Conteúdos no Ensino de Ciências Naturais
Para dar início a esta discussão sobre as abordagens de conceitos de Química no
Ensino Fundamental optamos por apresentar alguns aspectos da organização dos conteúdos do
ensino de Ciências Naturais por parte dos PCN-CN. Este documento, dirigido às escolas e aos
educadores do país, norteia e busca conferir identidade às práticas de sala de aula,
contribuindo no planejamento de um ensino articulado à formação da cidadania responsável,
pelo acesso a conhecimentos escolares que requerem linguagens e pensamentos específicos.
Propõem uma aprendizagem que se diferencia das propiciadas na vida cotidiana. Ao
voltarmos o olhar a esse documento, procuramos identificar proposições referentes a
organização dos conteúdos e conceitos das séries finais do Ensino Fundamental, na área
Os PCN-CN defendem uma ampliação dos vínculos entre o que se aprende no interior
do espaço escolar e fora da escola. Valorizam interações no âmbito da comunidade escolar em
geral, de modo que o currículo seja desenvolvido articuladamente ao Projeto Político
Pedagógico (PPP) da escola, em busca de melhorias da educação em cada escola do país. Ao
mesmo tempo em que o currículo necessita levar em conta as diversidades culturais em
contexto local, ou seja, contemplar peculiaridades e necessidades de cada região, exige-se que
os estudantes tenham acesso aos conhecimentos historicamente produzidos na humanidade,
em especial os das Ciências, como conhecimentos significativos que possibilitam novos
entendimentos de situações da vivência a partir de conhecimentos significados na escola.
De acordo com os PCN-CN, a educação tem um papel fundamental no
desenvolvimento das pessoas e da sociedade, numa escola voltada para a formação de
cidadãos. Nesse sentido os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) propõem que o Ensino
Fundamental contemple temas como: cidadania, direitos e deveres dos cidadãos,
solidariedade, cooperação e respeito, com a pretensão de despertar nos estudantes um
posicionamento crítico frente aos acontecimentos atuais, além de fazer com que eles
conheçam diferentes características culturais do Brasil e aprendam a conviver com elas, numa
perspectiva enriquecedora das vivências locais e globais, no país. Propõem, ainda, que o
estudante compreenda e conheça seu próprio corpo, valorizando–o e mantendo hábitos
saudáveis, pelo conhecimento propiciado na escola; que faça o uso da linguagem, que saiba
utilizar diferentes fontes de informação e que compreenda, acima de tudo, que faz parte de um
todo, atuando como agente transformador do meio ambiente e da sociedade em que vive, e na
qual estabelece suas relações (BRASIL, 1998).
27
Nos PCN-CN os conteúdos são apresentados em quatro eixos temáticos (ou blocos
temáticos), que são: Terra e Universo, Vida e Ambiente, Ser humano e Saúde, Tecnologia e
Sociedade. Os conteúdos de Ciências Naturais foram agrupados nestes blocos temáticos para
que os assuntos não sejam abordados isoladamente, de forma fragmentada (BRASIL, 1998).
Sendo assim, de acordo com o documento, os conteúdos/conceitos da área são abordados de
forma organizada, na medida em que estes 4 eixos temáticos perpassam o ensino ao longo das
diferentes séries, com uma interligação dos conhecimentos escolares entre si e com os temas.
Segundo o documento, o critério para a seleção dos conteúdos foi elencar aqueles que
favorecessem a construção de uma visão de mundo capaz de promover relações entre os
diferentes fenômenos da natureza (BRASIL, 1998). Assumimos que os conhecimentos de
Ciências Naturais são relevantes socialmente para que os estudantes compreendam o seu
cotidiano e as relações que nele se estabelecem, pela significação de conceitos na escola. Isso
supõe uma visibilidade, ao longo do ensino no currículo escolar, das relações entre os
conhecimentos científicos e as atitudes e valores a eles associados.
A temática “Terra e Universo” busca abordar conceitos relacionados à presença do
homem na terra, explicitando ainda como é e como funciona o universo, de onde viemos, a
origem e evolução do planeta terra, também os planetas, o sol, as estrelas, a água, enfim, tudo
o que existe no planeta (BRASIL, 1998).
Nesse contexto de estudo, podem ser feitas diversas abordagens compreensivas sob o
olhar da Química, com o uso de palavras/conceitos significados na escola, com os códigos de
linguagem que lhes são próprios (simbologias). Os estudos sobre o planeta e o universo
podem abranger conhecimentos e reflexões sobre o nosso planeta como uma realidade ou
espaço transformado pela ação do homem, como a poluição das águas, dos solos, da
atmosfera e também os processos de tratamento para despoluição dos ambientes, ou seja,
contemplando conhecimentos associados com atitudes e valores referentes à produção e
transformação dos materiais e da natureza.
Não cabe a visão romântica de uma natureza “pura”, isenta de efeitos das
transformações pela ação do homem, sendo importante desmistificar a visão da Química
como algo “maléfico” ou “benéfico”. É ao uso dos conhecimentos das ciências, ou seja, não a
elas em si, que estão associadas implicações para a vida na sociedade/ambiente. Vale destacar
a importância da crescente valorização de um ensino de Ciências Naturais que contemple
abordagens fundamentadas nas necessárias relações entre Ciência-Tecnologia-SociedadeAmbiente (CTSA) ou simplesmente Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS). Trata-se de um
28
ensino que oferece aos estudantes conhecimentos que lhes possibilitem participar de forma
ativa na sociedade moderna, “no sentido da busca de alternativas de aplicações da ciência e
tecnologia, dentro da visão de bem-estar social” (SANTOS & SCHNETZLER, 2003).
Desta forma, podemos trazer à tona discussões que venham a contribuir para as
abordagens dos conteúdos dentro dessa temática com o olhar voltado aos conhecimentos da
área da Química, enfatizando alguns conceitos-chave, como os conceitos de elemento,
substância, átomo, ligações químicas, que permitam um melhor entendimento sobre a terra e o
universo no qual estamos inseridos. Quanto a este eixo temático, cabe refletir que nem sempre
o Ensino Fundamental contempla estudos pertinentes. Por vezes, uma área de conhecimento
deixa este conteúdo para a outra e, no final, o currículo acaba por negligenciar o acesso a
compreensões importantes sobre o mundo em que vivemos.
Na temática “Vida e Ambiente” os PCN-CN propõem que sejam ampliados
conhecimentos sobre a diversidade da vida nos ambientes naturais e nos espaços
transformados pelo homem, estudando ainda a dinâmica da natureza, e como emerge a vida
em diferentes espaços, condições e tempos (BRASIL, 1998).
Dentro dessa temática também podemos incluir diversos conteúdos da área de
Ciências Naturais nos quais a Química é um conhecimento necessário às compreensões, desde
o estudo dos diversos ecossistemas, com abordagens sobre o solo, a água, o ar, os seres vivos
que vivem nesse ambiente. Nos estudos sobre o solo, a água e o ar a Química é
imprescindível, principalmente quando do estudo da constituição, das propriedades e das
transformações que podem ocorrer, sendo essencial o uso e ressignificação dos conceitos
elemento e substância, como já referido. Também, nos estudos e discussões sobre os ciclos
biogeoquímicos, conteúdo no qual a Química outra vez se faz presente e necessária para os
entendimentos sobre as transformações envolvidas na biosfera, sempre interrelacionais.
O eixo temático “Ser humano e Saúde” explora as questões relacionadas ao corpo
humano como um todo, ao seu desenvolvimento e funcionamento, a sexualidade e
reprodução, além de questões relacionadas à manutenção da saúde através de hábitos sadios.
Os conhecimentos escolares, nesse eixo temático incluem conceitos relacionados à
compreensão das transformações químicas (reações) que ocorrem em nosso organismo para
que ele mantenha seu funcionamento. Também, a Química está incluída nas compreensões e
discussões relacionadas aos alimentos, no que diz respeito a sua constituição e as diferentes
formas de atuação no organismo, abordando os nutrientes encontrados em diferentes
29
alimentos e suas transformações, em sentido geral. Por exemplo, contempla estudos sobre
reações enzimáticas. São estudos escolares que requerem conceitos, com o entendimento de
que cada diferente alimento é uma mistura constituída por um conjunto de substâncias, as
quais são constituídas por elementos químicos. Assim, cada eixo temático vai permitindo a
compreensão da idéia de que um conjunto de átomos iguais (com mesma massa atômica)
compõe determinado elemento químico. Também, a noção de que átomos ligados entre si
formam diferentes substâncias, com diferentes propriedades e modos de ação no ambiente,
incluindo os seres vivos. Por exemplo, as substâncias que constituem o ar, as águas, os
alimentos, conferindo-lhes, neste caso, cor, sabor, aroma, entre outras características
percebidas sensorialmente e que, também, cumprem com funções bastante específicas no
nosso organismo e na saúde.
Ainda nesse eixo temático, as questões relacionadas à saúde humana poderiam
abranger relações com a poluição causada pelo homem ao lançar em ambientes inadequados
substâncias tóxicas, como as embalagens de agrotóxicos não descartados corretamente, os
resíduos gerados por indústrias. Até mesmo a noção de “alimento orgânico” ou as formas de
tratamento da água, com atenção aos processos utilizados para a retirada de poluentes, com
uso, também, de materiais e substâncias.
A temática “Tecnologia e Sociedade” tem como conteúdos principais as
transformações dos materiais e dos ciclos naturais em produtos necessários à sociedade, em
que são enfocados os conhecimentos, os materiais e os instrumentos necessários para que
estas transformações aconteçam.
Esse eixo temático caracteriza principalmente as abordagens feitas em Ciências
Naturais na 8ª série do Ensino Fundamental, ao abordar a constituição, as propriedades e as
transformações pelas quais os materiais passam durante sua produção, ou ao entrar em contato
com um ambiente em condições adversas, por exemplo. No entanto, esses estudos e
discussões relacionados às propriedades, à constituição e às transformações pelas quais os
materiais e substâncias podem passar, necessitam ser relacionados com as demais temáticas
propostas nos PCN e nos diversos níveis de ensino, conforme se entende, neste trabalho e
também indicado no referido documento.
De acordo com os PCN, os trabalhos desenvolvidos em sala de aula a partir de
temáticas e situações de vivência dos estudantes são muito mais significativos e produtivos
quando comparados ao ensino tradicional, que segue à risca os conteúdos fragmentados
estabelecidos em livros didáticos, simplesmente reproduzidos nos programas de ensino. Isto
30
ocorre porque os estudantes, cada vez mais, despertam o interesse em conhecer o que está a
sua volta, assuntos relacionados ao seu dia-a-dia, buscando explicações para suas dúvidas.
Porém, na maioria das vezes a escola não lhes dá essas explicações, porque se preocupa
apenas em transmitir conhecimentos científicos, que são fundamentais, porém não suficientes,
e que estão distantes da realidade dos estudantes.
O ensino dos conhecimentos científicos é indispensável em sala de aula, já que são
necessários para que todos tenham um conhecimento básico ao sair da escola, necessário á
compreensão do meio. No entanto, os conhecimentos de caráter científico necessitam de uma
abordagem diferenciada, na escola, que leve em conta tanto a complexidade conceitual quanto
a relação com a realidade na qual os estudantes estão inseridos, considerando seus
conhecimentos vivenciais, suas necessidades, interesses e dúvidas.
Um exemplo clássico de tema que vem sendo objeto de discussão no ensino de
Ciências Naturais é o da sexualidade. Sendo de interesse da maioria dos jovens, pode ser
desenvolvido na escola como um tema articulador do desenvolvimento de conteúdos
científicos em vários níveis de ensino e diferentes áreas de conhecimento, inclusive na
Química. Isso também se relaciona com a perspectiva da significação conceitual, como ensino
que contemple interrelações entre conhecimentos diversificados, sejam científicos ou
cotidianos.
Cabe registrar que os Temas Transversais propostos nos PCN-CN são: Tecnologia,
Meio Ambiente, Saúde, Orientação Sexual, Pluralidade Cultural e Ética. Há uma abordagem
compreensiva sobre cada um desses temas, cabendo a cada contexto escolar tanto a
explicitação teórica da concepção do tema quanto a sua inserção ao longo do currículo
escolar, com interrelações em sentido horizontal (entre as disciplinas/áreas do conhecimento)
e vertical (entre as séries). Também cabe a cada escola decidir sobre outros possíveis temas
transversais, por exemplo, moradia, segurança, violência, drogadição, entre outros.
Consideramos importante essa perspectiva de que os temas permeiem os estudos em
diferentes áreas de conhecimento e séries, articuladamente ao ensino dos conteúdos/conceitos,
em contextos diversificados. Isso contribuiria para níveis crescentes de complexidade,
buscando dar sentido a situações práticas, por meio de abordagens teóricas sobre elas, com e
pela significação dos conceitos escolares.
Em termos gerais, os PCN-CN constituem-se num subsídio muito importante, que
contribui para a organização curricular da escola e da área de conhecimento. Apresentam
31
indicações para uma aprendizagem mais significativa por parte dos estudantes, fazendo com
que estes compreendam os conceitos de uma forma mais interrelacionada, podendo associálos a transformações que ocorrem no seu corpo, em outros seres, fatos, fenômenos no
ambiente, enfim, em todas as partes do mundo. Proporcionam aos educadores a oportunidade
de melhoramento de suas práticas pedagógicas, fazendo com que reflitam suas atitudes em
sala de aula, que repensem suas propostas, seus objetivos e as formas de abordagem dos
conceitos e conteúdos no ensino.
Cabe registrar que, no âmbito da UNIJUÍ, já na década de 1980, foram desenvolvidas
propostas de reorganização curricular, na área, em busca de potencializar relações entre os
conteúdos/conceitos, dando atenção para questões ambientais, tecnológicas, sociais, de
valores, hábitos e situações reais, perpassando por todas as séries do ensino fundamental.
Maldaner e Zanon (2004, p. 45-46) relatam sobre tentativas de mudança realizadas com vistas
a romper o esquema tradicional de organização do ensino, na área de ensino em questão.
Em nosso meio, professores de Ciências vivenciaram um processo de mudança cujo
desafio foi o de inserir, nas práticas do ensino de Ciências, temas amplos de estudo
trazidos da vivência social, que pudessem articular os aprendizados na escola.
Importantes avanços foram então conseguidos, sobretudo os que permitiram
dinamizar os processos de construção do conhecimento escolar, de modo a lhes
conferir um maior grau de inter-relação, significação e relevância, além de
estabelecer uma cultura de trabalho coletivo entre os profissionais da educação. A
idéia de temas amplos tem sido utilizada, até hoje, por educadores que desejam
superar a disciplinaridade, articular os conteúdos do ensino entre si e com contextos
de vivência dos escolares. São inúmeras as experiências desenvolvidas dessa forma,
ainda que diferençadas em sua concepção e organização. [grifos do autor]
Essa ideia de um ensino organizado com base em temas amplos foi proposta e
desenvolvida em salas de aula de inúmeras escolas, já no início da década de 1980, num
antecedendo a proposição dos temas transversais (ou temas de relevância social) pelos PCNCN (final da década de 1990). Segue uma narrativa sobre tal organização do currículo do
ensino de Ciências Naturais.
A preocupação em organizar os processos de ensino e de aprendizagem em Ciências
na forma de temas amplos orientou a reconstrução curricular nessa área em nosso
meio e faz parte da história de muitos professores na região de atuação da Unijuí. Os
temas amplos de estudo considerados na elaboração das Propostas Alternativas de
Ensino de Ciências foram: alimentação, saúde, energia, universo e ambiente. Com
base nesses temas, grupos organizados de professores dos sistemas se ensino e do
então Departamento de Ciências da Fidene/Unijuí conceberam propostas de ensino
de Ciências que até hoje são utilizadas por muitos educadores. Podemos dizer que,
em alguns aspectos, tais processos históricos de mudança desenvolvidos em escolas
da nossa região permitiram rupturas com a forma tradicional de organização dos
conteúdos do ensino de Ciências, conforme ficou registrado nos próprios livros
didáticos produzidos coletivamente e em publicações da época. (MALDANER;
ZANON, 2004, p. 46 [grifos do autor])
32
Contudo, nos dizeres dos mesmos autores acima citados,
Uma avaliação mais rigorosa dessa experiência desenvolvida com base nos temas
amplos mostra que a almejada ruptura com a forma linear e fragmentada de
organização do currículo e da formação escolar não aconteceu. Ainda que de modo
não totalmente estanque, cada tema ficou concentrado em determinado espaço
curricular: alimentação na quarta série, energia na oitava, saúde na sétima. O tema
ambiente não era intencionalmente contemplado nem na sétima e nem na oitava
série, como era também o caso de outros temas. (MALDANER; ZANON, 2004, p.
47 [grifos do autor])
Entre as dificuldades para a concretização das mudanças pretendidas, a principal pode
ser reportada a formação e as concepções dos professores da área. Segundo o relato de
Maldaner e Zanon (2004, p. 47-48-49),
Em contato com professores de Ciências das escolas percebe-se que há uma
tendência de fixar esses temas por série. [...] A fragmentação e a linearidade
continuam marcando o ensino de Ciências nas escolas e a formação dos professores
de Ciências, em nosso meio e, praticamente, em todo o país. Percebemos o quanto
os professores se mostram dependentes da organização curricular tradicional
vigente, que classificamos como linear e fragmentada. [...] Os conteúdos do ensino,
os novos conceitos e linguagens continuam pouco relacionados entre si e aos
contextos sociais de vivência fora da escola, resultando em aprendizados superficiais
e restritos, que não contribuem para o desenvolvimento das potencialidades
humanas e sociais.
Não cabe, aqui, tecer uma discussão mais alargada sobre a organização dos conteúdos
do ensino de Ciências Naturais, quanto à organização baseada em temas e nos eixos
temáticos. Nossa reflexão se volta à visão de que discursos veiculados pelas políticas públicas
ou por grupos de pesquisa muitas vezes permanecem apenas como algo que “ficou no papel”,
como se diz nos meios educacionais. Por exemplo, embora haja consensos em relação a
indicações dos PCN-CN, no que diz respeito à proposição, no âmbito do currículo escolar
como um todo, de uma organização curricular articulada com base em temas de relevância
social, será que isso não “ficou apenas no papel”?
Nesta dissertação, a reflexão sobre o ensino de Ciências Naturais desenvolvido nas
escolas é direcionada, especificamente, para a especificidade do conhecimento escolar no
campo da Química. Afinal, qual é a clareza, por parte da escola e do professor de Ciências
sobre o objeto de estudo específico da Química? Ainda que, no Ensino Fundamental, as aulas
são de Ciências Naturais, no seio desta área estão, também, os aprendizados de
conteúdos/conceitos escolares de Química, por isso, ter ciência desse objeto de estudo é uma
premissa essencial ao ensino, na área, sendo preocupante a tendência hegemônica que
concebe a disciplina escolar Biologia como representativa da área.
33
Esta dissertação busca contribuições relativas a problemática acima expressa. Os
próprios pressupostos e orientações dos documentos que compõem as políticas públicas têm
dado atenção às diferentes disciplinas que integram a área de Ciências Naturais. Nesse
sentido, o foco da nossa discussão está situado na necessidade de superar a fragmentação e
linearidade dos conhecimentos ao longo do Ensino Fundamental, no que se refere aos
conteúdos/conceitos fundamentais ao ensino de Química.
O conhecimento escolar em Química supõe um objeto de conhecimento bastante
específico. Usando os mesmos dizeres de Mortimer, Machado e Romanelli (2000, p. 176),
vale reiterar que a Química tem como objetos centrais de investigação “os materiais e as
substâncias, suas propriedades, sua constituição e suas transformações.”. O currículo escolar
de Ciências Naturais necessita perpassar estudos sistematicamente interrelacionados que
permitam aprendizados significativos e socialmente relevantes sobre esse objeto central, de
forma sempre interrelacionada. Isso exige um currículo diferenciado que, de forma bastante
diferente do tradicional, permita aos estudantes compreensões sobre os acontecimentos
cotidianos, de forma que sejam usados conceitos químicos para a problematização crítica de
situações-problema vivenciadas no dia-a-dia.
As interrelações entre os focos de interesse e objetos de estudo da Química são
representados pelos autores em uma triangulação, conforme segue:
PROPRIEDADES
Substâncias
e Materiais
CONSTITUIÇÃO
TRANSFORMAÇÕES
Figura 1: Triangulação essencial ao conhecimento escolar de Química.
Fonte: Mortimer, Machado e Romanelli, (2000, p. 276)
Conforme mencionado anteriormente, a Química tem como foco de estudo principal as
substâncias e os materiais, bem como sua constituição, suas propriedades e suas
transformações. A partir do triângulo, que representa os focos de interesse da Química, podem
ser feitas algumas considerações em relação aos temas dos conteúdos destacados. Para os
autores desse triângulo, o conhecimento
34
das substâncias e dos materiais diz respeito a suas propriedades, tais como dureza,
ductibilidade, temperaturas de fusão e ebulição, solubilidade, densidade e outras
passíveis de serem medidas e que possuem uma relação direta com o uso que se faz
dos materiais. No sentido de compreender os comportamentos dos materiais alguns
conhecimentos químicos são fundamentais: aqueles que envolvem os diversos
modelos que constituem o mundo atômico-molecular, as propostas para conceber a
organização e as interações entre átomos, íons e moléculas. Esses conhecimentos
oferecem subsídios importantes para a compreensão, o planejamento, a execução das
transformações dos materiais. Estabelecer interrelações entre esses três aspectos nos
parece fundamental para que se possa compreender vários tópicos de conteúdo
químico (MORTIMER, MACHADO E ROMANELLI, 2000, p. 276).
Contudo, a problemática do ensino de conteúdos/conceitos de Química é bastante
complexa, ainda mais se considerarmos o nível do Ensino Fundamental em Ciências Naturais.
Neste trabalho, discute-se sobre abordagens dos conteúdos, em especial, quanto as
interrelações entre conceitos que necessitam ser favorecidas ao longo do percurso da
escolarização.
O item que segue discute a complexidade dessa problemática, tendo como foco
entendimentos sobre os processos de significação conceitual, com apoio no referencial
histórico-cultural.
2.2
Formação de Conceitos pelo Uso e Ressignificação da Palavra ao longo da
Escolarização
Vigotski, psicólogo soviético, é reconhecido, hoje, por suas obras que trazem grandes
contribuições para o estudo e para o entendimento dos processos de formação de conceitos,
sobre o pensamento e a linguagem.
Neste subcapítulo são apresentadas algumas contribuições desse autor para a
compreensão do processo de formação de conceitos e sobre a importância da palavra no
processo de significação conceitual, com o enfoque voltado para o ensino de Ciências
Naturais no nível fundamental.
Para iniciar as discussões em torno de como se dão os processos de significação
conceitual, dando ênfase aos conceitos Químicos, em especial o de elemento e substância, que
permeiam os estudos em Ciências Naturais, faz-se necessário abordar alguns aspectos do
estudo experimental da formação de conceitos realizado por Vigotski a partir de investigações
realizadas por outros pesquisadores, como Ach e Rimat, e que foram citadas na obra
Pensamento e Linguagem. Estes autores usaram em suas pesquisas métodos tradicionais que
35
foram, de certa forma, criticados por Vigotski, pois separam a palavra do material da
percepção, negligenciando e desconsiderando o papel desempenhado pela palavra (símbolo),
na formação dos conceitos (VIGOTSKI, 2008).
As investigações de Ach revelam que a formação de conceitos não é um processo
mecânico e passivo, mas sim um processo criativo. Para ele um conceito surge e se configura
no curso de operações complexas, voltadas à solução de problemas, sendo que para que haja o
surgimento de um conceito é preciso muito mais do que condições externas favoráveis para a
ligação entre a palavra e o objeto (VIGOTSKI, 2008).
De acordo com o esquema de Ach
a formação de conceitos não segue o modelo de uma cadeia associativa, em que um
elo faz surgir o seguinte; trata-se de um processo orientado para um objetivo, uma
série de operações que servem de passos em direção a um objetivo final. A
memorização de palavras e a sua associação com os objetos não leva, por si só, à
formação de conceitos; para que o processo se inicie, deve surgir um problema que
só possa ser resolvido pela formação de novos conceitos. (VIGOTSKI, 2008, p.
68)
A partir dessa afirmativa podemos refletir sobre os processos de significação
conceitual na área de Ciências Naturais, no sentido de que a formação de conceitos não segue
uma mera cadeia de associações, pensada por muitos, da mesma maneira em que a
memorização de palavras não leva à formação de conceitos. Esta ainda é uma prática adotada
por muitos professores, que imaginam que apenas com a memorização os estudantes são
capazes de compreender e se apropriar dos conceitos abordados em sala de aula em Ciências
Naturais.
Mas como o próprio autor nos diz, para que a formação de conceitos se inicie é preciso
que tenhamos um problema, que seja possível de ser resolvido pela formação de novos
conceitos. Desta forma, a resolução de um problema gera a formação de conceitos, que, por
conseguinte gera novos problemas, e que só serão resolvidos com a formação de novos
conceitos, estabelecendo-se desta forma uma rede de conceitos que passam a ser formados.
Vigotski (2008) salienta que o estudo de Ach demonstra que o processo de formação
de conceitos nas crianças difere nos adolescentes e nos adultos não pelo modo como eles
compreendem, mas sim pelo modo como suas mentes trabalham para isso. Baseado no estudo
de Usnadze, afirma que
enquanto os conceitos completamente formados aparecem relativamente tarde, as
crianças começam cedo a utilizar palavras e a estabelecer, com a ajuda destas, uma
compreensão mútua com os adultos e entre elas próprias. A partir dessa constatação,
36
ele conclui que as palavras exercem a função de conceitos e podem servir como
meio de comunicação muito antes de atingir o nível de conceitos característico do
pensamento plenamente desenvolvido (VIGOTSKI, 2008, p. 69).
A esta colocação podemos relacionar muitas discussões feitas no âmbito do ensino de
Ciências Naturais, principalmente, no que se referem ao uso de conceitos químicos, ou da
palavra, já no Ensino Fundamental, a partir da 5ª série, em que os conceitos químicos já
podem ser introduzidos nas discussões.
Temos clareza de que os estudantes não se apropriam, nesse nível de ensino, dos
conceitos verdadeiros, como os de elemento e substância. Como mencionado anteriormente, o
processo de formação conceitual é complexo e é preciso muito mais do que a memorização e
repetição de palavras. No entanto, com o uso da palavra elemento, substância, ou outras, as
crianças nessa fase escolar já têm a capacidade de se comunicar com os adultos, de falar e
estabelecer relações entre elas, mesmo que não com o significado conceitual pleno, para que
posteriormente possam atingir o nível conceitual que caracteriza o pensamento desenvolvido
com base no significado do conceito.
O processo até a formação de conceitos, segundo Vigotski (2008), passa por uma
trajetória que apresenta três fases distintas, as quais possuem diferentes estágios. A criança
passa por todas essas fases e estágios durante o processo de formação conceitual. Para que
possamos compreender todo esse processo, que culmina com a formação dos conceitos, é
importante que façamos uma reflexão e uma retomada dessas fases, a partir da obra e das
contribuições de Vigotski, autor que trabalha com a perspectiva histórico-cultural. É
importante entender que não se trata de fases cronológicas ou próprias de faixas etárias. Toda
criança passa por todas essas fases durante o seu processo de desenvolvimento até a formação
conceitual, podendo ocorrer em faixas etárias diferentes, não obedecendo a ordem cronológica
alguma.
Em seu estudo experimental, Vigostski (2008) anuncia que a primeira fase na
trajetória de formação dos conceitos é caracterizada pela formação de grupos de objetos, ou
de palavras, de forma desorganizada, numa espécie de amontoado, em que estes nada tem em
comum uns com os outros. A criança os faz a fim de solucionar um problema que encontra
em seu dia-a-dia, ou para a resolução de alguma tarefa. A partir desses estudos experimentais
realizados com crianças, pode-se perceber que os objetos são agrupados de forma
completamente desorganizada, sem qualquer lógica ou relação entre si, no entanto, para a
37
criança eles se revelam como um significado ao signo, uma palavra artificial, que passam
desta forma a ter relação no imaginário infantil (VIGOTSKI, 2008).
Nesse primeiro estágio, o
significado das palavras denota, para a criança, nada mais que um conglomerado
vago e sincrético de objetos isolados que, de uma forma ou outra, aglutinaram-se
numa imagem em sua mente. Devido à sua origem sincrética, essa imagem é
extremamente instável (VIGOTSKI, 2008, p.74 [grifos do autor]).
No entanto, por mais que a palavra represente para a criança apenas um aglomerado
vago, de objetos isolados, ela permite a comunicação desse sujeito com o mundo, e com os
demais sujeitos, possibilitando mútuo entendimento.
A criança só é capaz de formar novos conceitos quando atinge certa “maturidade”,
com aproximadamente 12 anos. Antes disso, ela trabalha com pseudoconceitos, mas que
permitem, sem dificuldades, que se relacione e entenda o que os adultos têm a lhe dizer.
Nesse sentido, Vigotsk afirma que muitas palavras têm, em parte, o mesmo significado
tanto para os adultos quanto para as crianças, especialmente aquelas que se referem a objetos
concretos, que fazem parte do dia-a-dia da criança (VIGOTSKI, 2008). Os significados que
são atribuídos “a uma palavra por um adulto e por uma criança em geral ‘coincidem’, por
assim dizer, no mesmo objeto concreto, e isso é suficiente para garantir a compreensão
mútua.” (VIGOTSKI, 2008, p. 75).
A partir dessa discussão podemos considerar inúmeros casos em que nos
surpreendemos com a forma de expressão e a capacidade de entendimento, mesmo que de
maneira superficial, de muitas crianças ao conversarem com adultos sobre assuntos que
poderíamos julgar complexos para sua idade. Por mais que o entendimento entre ambos possa
não ser completo, a interação lhes possibilita algumas compreensões e alguns entendimentos
sobre o determinado assunto que está em pauta. É essa interação com o outro, a comunicação,
que permite a criança novos entendimentos, e a formação de novos conceitos com o passar do
tempo.
O primeiro estágio no processo de formação dos amontoados sincréticos se caracteriza
por uma manifestação do estágio de tentativa e erro (VIGOTSKI, 2008). Nesse estágio os
grupos de objetos ou de palavras são criados ao acaso, na tentativa de acerto. Quando a
escolha feita pela criança é colocada em prova, é questionada, ela facilmente substitui os
grupos, muda os objetos ou as palavras de lugar, numa nova tentativa de acerto.
38
Nos anos iniciais e ainda nos anos finais do Ensino Fundamental, nos vemos em
situações nas quais podemos dizer que a criança se encontra nesse estágio. Para ela os objetos,
as palavras ou as frases não tem lógica alguma, ela não consegue estabelecer as relações entre
os objetos/palavras, e quando é desafiada a realizar uma tarefa, ou algum exercício que requer
o estabelecimento dessas relações a única alternativa que encontra é adotar a estratégia da
tentativa e erro.
Muitas vezes elas se dirigem ao professor e perguntam “É essa, né profe?” ou “É
assim, né profe?”. Se fizermos qualquer pergunta, ou qualquer indagação em relação ao
motivo de sua escolha, em alguns casos, a criança não nos fala nada, simplesmente pega a
borracha e já começa a apagar, mesmo que a resposta esteja correta. Ela passa a buscar então
outra alternativa, até que o problema seja solucionado, até conseguir “o acerto”.
No segundo estágio do processo de formação dos amontoados, os objetos são
organizados pela criança em função de sua disposição no espaço, ou seja, a partir da
organização do campo visual da criança puramente sincrética. A imagem ou grupos
sincréticos formam-se como resultado da contiguidade no tempo ou no espaço dos
elementos isolados, ou pelo fato de serem inseridos em alguma outra relação mais
complexa pela percepção imediata da criança (VIGOTSKI, 2008, p. 75 [grifos do
autor]).
Quanto ao terceiro estágio, a formação dos amontoados sincréticos se dá de forma
mais complexa, em que os grupos são formados por elementos retirados de amontoados
diferentes, que a criança já possui e que foram criados por ela anteriormente (VIGOTSKI,
2008). Esses grupos formados agora por elementos recombinados continuam sendo de
natureza sincrética, são incoerentes e não possuem elos entre si. A única diferença desse
estágio, se comparado aos demais, é que “ao tentar dar significado a uma nova palavra, a
criança agora o faz por meio de uma operação que se processa em duas etapas.” (VIGOTSKI,
2008, p. 76).
A segunda fase, considerada a mais importante na trajetória de formação do
pensamento conceitual, abrange algumas variações de um tipo de pensamento, chamado por
Vigotski (2008) de pensamento por complexos. Nessa forma de pensamento, os objetos
isolados, organizados anteriormente de forma sincrética, passam a se associar na mente da
criança em função de relações que de fato existem entre eles, não apenas pelas impressões
subjetivas da criança (VIGOTSKI, 2008). Ou seja, ao contrário do que acontecia
anteriormente, nessa fase ocorre a passagem para um nível mais elevado no processo de
formação dos conceitos. Essa forma de pensamento já se constitui como um pensamento
39
objetivo, que apresenta coerência, por mais que não reflita as relações existentes entre a
palavra ou os objetos da mesma forma que no pensamento conceitual.
No pensamento por complexos as ligações são factuais e descobertas através da
experiência. Vigotski (2008) define um complexo como sendo
um agrupamento concreto de objetos unidos por ligações factuais. Uma vez que um
complexo não é formado no plano do pensamento lógico abstrato, as ligações que o
criam, assim como as que ele ajuda a criar, carecem de uma unidade lógica; podem
ser de muitos tipos diferentes. Qualquer conexão factualmente presente pode levar à
inclusão de um determinado elemento em um complexo. É esta a diferença principal
entre um complexo e um conceito. Enquanto um conceito agrupa os objetos de
acordo com um atributo, as ligações que unem os elementos de um complexo ao
todo, e entre si, podem ser tão diversas quanto os contatos e as relações que de fato
existem entre os elementos (VIGOTSKI, 2008, p. 77 [grifos do autor]).
No ensino de Ciências Naturais abordam-se muitos conceitos que são, ou pelo menos
deveriam ser compreendidos, e de fato significados por parte dos estudantes, em função de
sua importância na compreensão de situações e fenômenos mais complexos, em níveis de
ensino mais elevado. Já sabemos que esse processo de significação conceitual é complexo, e
passa por vários níveis até atingir o ponto máximo, no qual o estudante formula e
utiliza/verbaliza de forma plena os seus próprios conceitos.
Na 8ª série do Ensino Fundamental os estudantes ainda assumem a forma de
pensamento por complexos, e isso é claramente percebido se acompanharmos algumas aulas
neste nível de ensino. Nesta fase ainda não apresentam clareza em relação a alguns conceitos
básico da área da Química, como os de elemento e substância. Isso se deve também à sua
formação anterior, pois desde a 5ª, 6ª e 7ª séries normalmente não ocorrem abordagens destes
conceitos. Muitas vezes sequer é feito o uso da palavra elemento ou substância, que como
mencionado anteriormente são fundamentais para o processo de formação dos conceitos.
Nesse processo de desenvolvimento da criança, que culmina com a formação de
conceitos, é importante considerar a necessidade de evolução do significado. Para Vigotski
(2008) o processo de significação conceitual não ocorre de vez, ele é um processo complexo
formado por idas e vindas, evoluções, ressignificações. Nesse sentido defendemos que o uso
da palavra deve ser feito o mais cedo possível.
Em Ciências Naturais, já na 5ª série ou até mesmo antes, é importante que o estudante
faça uso das ‘palavras da escola’, a exemplo de elemento, substância, átomo, íon, massa
atômica, entre outras que são características da linguagem das ciências. De acordo com a
teoria de Vigotski (2008), o uso dessas palavras gera a necessidade de evolução do significado
40
das mesmas, sendo esse ampliado e ressignificado em contextos diversificados. Isso requer
processos de produção de sentidos ao conceito, o que, por sua vez, só é possível em contextos.
Em cada contexto, as interrelações envolvidas se modificam, permitindo, dessa forma, a
produção de novos sentidos ao conceito. Além do mais, um conceito precisa de um longo
tempo para ser compreendido. Sendo assim, as palavras necessitam ser usadas, fazer parte do
vocabulário dos estudantes. Ao final da escolarização, espera-se que os estudantes tenham se
apropriado do significado químico das palavras, como conceitos estruturantes do próprio ao
conhecimento específico ao campo das Ciências Naturais.
Os estudantes, na forma de pensamento por complexos, estabelecem uma diversidade
infinita de relações entre os objetos, entre as palavras ou entre os conceitos, relações que
muitas vezes não são compreendidas de forma pertinente, por parte dos professores. Um
conceito, para ser de fato um conceito, apresenta atributos, uma região de fronteira que o
delimita e que o diferencia dos demais conceitos.
Por exemplo, o conceito substância está associado com um determinado conjunto de
atributos criteriais que o caracterizam. Apresenta uma área de entendimento que o delimita e,
assim, que o diferencia de outros conceitos, necessários de serem usados, como: elemento,
átomo, ligação química, que possuem também, cada um, atributos específicos. Na forma de
pensamento por complexos os estudantes não tem clareza disso. Esses atributos, para eles,
ainda não existem, portanto, o que vale são as relações que eles imaginam existir e que para
eles definem determinado fenômeno ou situação.
A primeira variação da forma de pensamento por complexos é chamada de tipo
associativo, na qual a criança agrupa objetos e/ou palavras baseando-se em qualquer relação
existente entre eles. Essas relações existentes entre os objetos podem ser determinadas pela
sua cor, forma, tamanho ou outro atributo que chame sua atenção.
Nessa forma de pensamento, qualquer objeto ou palavra, que esteja no plano exterior
do agrupamento pode ser incluído quando existir para a criança alguma associação entre
ambos. Nesse estágio, é importante salientar que “a palavra deixa de ser o ‘nome próprio’ de
um objeto isolado; torna-se o nome de família de um grupo de objetos relacionados entre si de
muitas formas, exatamente como as relações dentro das famílias humanas são muitas e
variadas.” (VIGOTSKI, 2008, p. 78). Ou seja, o nome antes dado a um único objeto passa a
designar um grupo de objetos ou palavras que se assemelham e que para a criança
estabelecem relações entre si.
41
Na segunda forma de pensamento por complexos, a criança grupa os objetos, faz as
combinações a partir de observações concretas, semelhantes a coleções. Nesse tipo de
pensamento, ao contrário do que acontecia no tipo associativo, a criança, no estudo
experimental, não agrupa os objetos pelas suas semelhanças, mas sim pelas diferenças em
relação ao objeto que tem tomado como referência. Ela passa a montar coleções de objetos
diferentes uns dos outros, mas que se complementam, por exemplo, colher, xícara e pires,
entre tantos outros (VIGOTSKI, 2008).
Essa forma de pensamento, baseada no concreto, também é utilizada muitas vezes por
nós, adultos, principalmente quando nos referimos a um conjunto de roupas ou louças. Não
pensamos nestes conceitos de forma generalizada, mas sim a partir do objeto concreto
(VIGOTSKI, 2008).
O terceiro tipo de pensamento por complexos é chamado de complexo em cadeia.
Nessa forma de pensamento, ocorre uma união “dinâmica e consecutiva de elos isolados
numa única corrente, com a transmissão de significado de um elo para o outro.” (VIGOTSKI,
2008, p. 79). Os objetos agrupados podem não estabelecer qualquer relação uns com os
outros, sendo que os critérios para a escolha de um triângulo da cor verde, depois, um
quadrado vermelho, e assim por diante, são da criança.
Vigotski (2008) aponta o pensamento por complexo em cadeia como sendo “a mais
pura forma de pensamento por complexos.” (VIGOTSKI, 2008, p. 80 [grifos do autor]).
Segundo o autor, o complexo associativo, anterior ao complexo em cadeia, apresenta um
núcleo, que liga os objetos, já no complexo em cadeia esse núcleo não existe, fazendo com
que aconteçam relações entre elementos isolados.
Já o complexo difuso, quarto tipo de pensamento por complexos, é caracterizado
“pela fluidez do próprio atributo que une os seus elementos” (VIGOTSKI, 2008, p. 81), ou
seja, os agrupamentos de objetos formados pela criança são feitos a partir de imagens
concretas que, por conexões indeterminadas, difusas. Segundo o autor, os complexos
formados a partir deste tipo pensamento são indeterminados a ponto de não terem limites.
Essa característica, “não ter limites” diferencia este tipo complexo de um conceito, que possui
atributos únicos, que são somente seus; ele apresenta uma região que o delimita e o diferencia
dos demais conceitos.
No complexo difuso, assim como nos demais complexos, a criança não tem limites
quanto à inclusão de novos objetos, novas palavras no grupo, ou família que organiza.
42
Para concluir a segunda fase no processo de formação dos conceitos, apresenta-se o
último tipo de pensamento por complexos, que é o divisor de águas entre a forma de
pensamento por complexos e o pensamento em sua forma mais desenvolvida, conceitual.
Esse complexo é chamado de pseudoconceito, no qual, como o próprio nome já
sugere, “a generalização formada na mente da criança, embora fenotipicamente semelhante ao
conceito dos adultos, é psicologicamente muito diferente do conceito propriamente dito; em
sua essência, é ainda um complexo.” (VIGOTSKI, 2008, p. 82). Ou seja, as generalizações
que imaginamos que estejam sendo formadas por muitas crianças e jovens na educação
básica, quando do desenvolvimento de conteúdos ou atividades em Ciências Naturais, ou nas
mais diversas áreas do conhecimento, na verdade não passam de complexos, mas que se
apresentam como indícios de que um conceito está em processo de construção.
O autor salienta e enfatiza ainda a importância desse tipo de complexo no processo de
formação dos conceitos, no sentido de que ele representa um elo de passagem entre o
pensamento por complexos e a própria formação dos conceitos.
Para Vigotski (2008), o pseudoconceito tem predominância sobre todos os outros
complexos, isso no pensamento de criação em fase pré-escolar. Isso se justifica pelo fato de
que
na vida real os complexos que correspondem ao significado das palavras não são
desenvolvidos espontaneamente pela criança: as linhas ao longo das quais um
complexo se desenvolve são predeterminadas pelo significado que uma determinada
palavra já possui na linguagem dos adultos (VIGOTSKI, 2008, p. 84 [grifos do
autor]).
Para encerrar as discussões em relação à 2ª fase no processo de formação de conceitos,
afirma-se novamente a importância dos complexos como elos de união e de estabelecimento
de relações entre os objetos, as palavras, até então desordenadas, criando desta forma uma
base para posteriores generalizações. No entanto, os conceitos desenvolvidos pressupõem
“algo além da unificação. Para formar esse conceito também é necessário abstrair, isolar
elementos, e examinar os elementos abstratos separadamente da totalidade da experiência
concreta de que fazem parte.” (VIGOTSKI, 2008, p. 95 [grifos do autor]).
Isso se aplica à todos os conceitos, inclusive os da área de Ciências Naturais. Um
conceito químico, como por exemplo, o de substância, é um conceito científico, mas para tal
precisa estar “descolado” do contexto em que possa estar inserido. Esse conceito precisa ter
seus elementos isolados e examinados de forma individual, fora da experiência real, concreta
43
de que faz parte. Por isso é que ouvimos falar que os conceitos científicos, para serem
científicos devem ser descontextualizados.
Outro aspecto de considerável relevância diz respeito à constatação apresentada por
Vigotski (2008), baseada nos estudos experimentais de Usnadze, de que as palavras exercem a
função de conceitos. Ele afirma que por mais que os conceitos completamente formados
apareçam tarde a criança começa fazer o uso da palavra e estabelecer relações bem cedo,
permitindo desta forma compreensões com os adultos e outras crianças.
Desta forma, a palavra exerce a função de conceito por ser um meio que permite a
comunicação antes mesmo de “atingir o nível de conceito característico do pensamento
plenamente desenvolvido” (VIGOTSKI, 2008, p. 69).
A terceira, e última fase no processo de formação conceitual é conhecida pelos
conceitos potenciais, na qual a criança passa a agrupar os objetos e/ou palavras em função de
um único atributo, não mais com base na diferença e sim na maior semelhança existente entre
os objetos, contrário ao que era feito no pensamento por complexos.
Os conceitos potenciais desempenham um papel fundamental e determinante no
pensamento por complexos, já que a abstração também ocorre no processo de formação dos
complexos (VIGOTSKI, 2008). Nesse processo de formação de conceitos, somente a
combinação entre a fase mais avançada do pensamento por complexos e o domínio da
abstração permitem “à criança progredir até a formação dos conceitos verdadeiros. Um
conceito só aparece quando os traços abstraídos são sintetizados novamente, e a síntese
abstrata daí resultante torna-se o principal instrumento do pensamento.” (VIGOTSKI, 2008, p.
98).
A partir das contribuições de Vigotski sobre o processo de formação conceitual, já
apresentadas, podemos afirmar que esse percurso é significativamente longo e que obedece a
um determinado tempo, que faz com que as potencialidades relacionadas ao pensamento se
desenvolvam e evoluam, atingindo um estágio que caracteriza o pensamento conceitual.
Cabe lembrar que um conceito não se forma pela interação das associações, “mas
mediante uma operação intelectual em que todas as funções mentais elementares participam
de uma combinação específica” (VIGOTSKI, 2008, p. 101). Essa operação intelectual é
dirigida pelo uso da palavra como meio que permite “centrar ativamente a atenção, abstrair
determinados traços, sintetizá-los e simbolizá-los por meio de um signo” (VIGOTSKI, 2008,
p. 101).
44
No ensino de Ciências Naturais é essencial que o professor compreenda que o
caminho até a formação conceitual sólida passa por diversos estágio e fases. Nesse sentido
cabe reforçar a importância do uso da palavra como meio que potencializa o desenvolvimento
e permite a comunicação e compreensões entre os sujeitos, antes mesmo de atingir o nível
característico do pensamento conceitual. É importante dar atenção ao tempo necessário por
parte de cada sujeito, favorecendo o desenvolvimento sempre mais pleno de suas capacidades
humanas, com condições de construir, expressar e transformar as próprias formas de
linguagem/pensamento, ao longo da escolarização, que propicia aprendizados que se
diferenciam sobremaneira dos propiciados pela vivência cotidiana. Isso situa a importância da
discussão, no item que segue, sobre a especificidade do conhecimento escolar e a importância
essencial do acesso pedagógico aos conhecimentos só possíveis de serem apreendidos por
meio do ensino de Ciências Naturais.
2.3
Uma Reflexão sobre a Especificidade do Conhecimento Escolar em Ciências
Naturais
É no mundo da vida que as coisas acontecem. São incontáveis os fenômenos que são
objetos de estudo e de produção de novos conhecimentos científicos, diariamente, sejam os
relacionados com transformações que ocorrem na natureza e em nosso corpo, sejam os
fenômenos criados nos laboratórios.
A palavra fenômeno remete para reflexões no sentido de entendimentos que
extrapolam a visão de fenômenos empíricos. Por um lado, os fenômenos em estudo na escola
podem ser fenômenos observáveis pelas percepções sensoriais, ainda que pelo uso de
equipamentos especializados que ampliam a capacidade dos nossos sentidos. Um exemplo é a
observação da reprodução de um fungo por meio do microscópio. Por outro lado, é importante
considerar que fenômenos em estudo podem ser, também, os fenômenos não observáveis
diretamente, a exemplo da respiração celular, da fotossíntese, da replicação da molécula do
DNA, que constitui os cromossomas. Por isso, é importante compreender os processos de
produção e validação dos conhecimentos científicos e sua recontextualização pedagógica no
ensino de Ciências Naturais, o qual nem seria possível sem a produção, anterior a ele, do
conhecimento científico. É expressiva a quantidade de conhecimentos químicos de que os
seres humanos fazem uso, seja para a síntese de novas substâncias, seja para a criação de
novos medicamentos, entre tantos outros novos materiais.
45
No ensino de Ciências Naturais e de Química, assim como nas mais diversas áreas do
conhecimento, as aprendizagens só são possíveis devido à existência de conhecimentos
legitimados, de saberes e conceitos que permitem o ensinar e o aprender Ciências Naturais.
Michael Young, em sua obra intitulada “Para que servem as escolas?” situa a escola
como instituição que tem como finalidade específica a promoção e a aquisição do
conhecimento universalmente construído, a transmissão cultural. Para o autor, a instituição
escolar permite e capacita os jovens “a adquirir o conhecimento que, para a maioria deles, não
pode ser adquirido em casa ou em sua comunidade, e para os adultos, em seus locais de
trabalho” (2007, p. 1294).
Esse conhecimento, pelo qual a escola é responsável por transmitir, é apontado pelo
autor como “conhecimento poderoso” e se refere àquilo que o conhecimento possibilita ao
sujeito: o que ele pode fazer tendo acesso a esse conhecimento, no sentido de fornecer novas
ideias e possibilidades de pensar e de agir no mundo (YOUNG, 2007). O “conhecimento
poderoso” é o conhecimento de caráter escolar, especializado, específico, ou seja, é adquirido
na escola: uma instituição que tem uma intenção específica, uma forma proposital, que é a de
promover a aprendizagem de saberes específicos a cada área do conhecimento, além da
aprendizagem de valores e atitudes, a partir de atividades desenvolvidas na instituição escolar.
Ela tem a função de trabalhar com saberes historicamente construídos e aparece quando é
preciso ensinar/aprender um saber científico, diferente daquele aprendido em casa, na
comunidade ou na rua (SAVATER, 1998).
Em diferentes épocas, a escola foi associada a diferentes papéis, como o de
instituição responsável apenas pela “educação orientada para a formação da alma e o cultivo
respeitoso dos valores morais e patrióticos” (SAVATER, 1998, p. 57), desconsiderando
completamente a importância do ensino/aprendizagem de conhecimentos científicos. Em
outro momento, desconsidera-se a importância da formação cívica, dos valores, da ética, da
moral, que perdia seu espaço para o ensino dos conhecimentos científicos, especializados, da
destreza e da técnica.
A escola contemporânea passa a ter uma grande missão, que é a de possibilitar tanto
a aprendizagem de conhecimentos específicos a cada área do conhecimento, quanto a
aprendizagem de valores, atitudes e competências associadas com a cidadania responsável,
isto é, pelo conhecimento com características conceituais, contextuais e interrelacionais. Indo
além do aprendizado de técnicas específicas para se produzir ou manipular algo, eles são
46
imprescindíveis para que as pessoas se constituam como sujeitos éticos, responsáveis e
preocupados não apenas consigo mesmo, mas com o bem comum (BRASIL, 2006).
Na escola de nível fundamental e médio os conceitos químicos se incluem como uma
ciência que possibilita aos estudantes aprendizados de caráter específico, oferecidos de forma
intencional pela escola e que apresentam estreita relação com a formação dos cidadãos. Essa
perspectiva de formação voltada a um desenvolvimento pleno do sujeito, preparando-o para o
exercício da cidadania e para sua inserção no mercado do trabalho, é apontada por
documentos oficiais brasileiros, como a Constituição Brasileira de 1988 e a Lei de Diretrizes e
Bases (LDB Nº 9394, 1996) como principal função da educação básica no Brasil, ou seja, um
ensino voltado à formação da cidadania (SANTOS & SCHNETZLER, 2003).
No entanto, esses objetivos traçados pelos documentos oficiais acabam fazendo com
que incorramos no erro de pensar a educação básica como mera forma de preparação para o
ensino superior ou para o ingresso no mercado de trabalho. Porém sabemos que, no contexto
social no qual nos inserimos, já não basta saber ler e escrever. Exige-se do cidadão muito
mais do que o “domínio da leitura e da escrita, ou do conhecimento geral das áreas de ciências
e humanidades estudadas no Ensino Fundamental. Para o cidadão moderno é necessário
também o conhecimento específico das disciplinas científicas do nível médio” (SANTOS &
SCHNETZLER, p. 46, 2003).
Neste sentido, defendemos o aprendizado dos conhecimentos da Química no Ensino
Fundamental de Ciências Naturais como possibilidade de desenvolvimento humano e de
construção de um mundo melhor, pelo acesso a um “conhecimento poderoso”. A Química é
essencial no aprendizado de conhecimentos específicos e daqueles necessários à formação de
cidadãos, pois permite que os estudantes, pela ferramenta do conhecimento, saibam refletir
sobre os fenômenos e acontecimentos do mundo da vida de forma mais crítica e consciente,
numa perspectiva de “aprendizagem das ciências como processo de enculturação” (DRIVER
et.al, 1999, p. 39 [grifo do autor]).
A escola contemporânea até pode cumprir com outras missões, mas ela nunca abrirá
mão de ensinar e educar, em qualquer que seja o nível de ensino, para além de apenas instruir,
ela é responsável pela educação dos valores, pela educação da cidadania, articuladamente à
inserção do estudante nos estudos superiores e na vida socioprofissional (GUILLOT, 2008).
Assim, a instituição escolar tem uma grande missão e é cada vez mais responsável
por mais dimensões do desenvolvimento humano, contudo, ela não pode nunca negligenciar
47
sua função imprescindível: a de possibilitar o acesso ao conhecimento escolar. Aos conteúdos
cognitivos estão associadas outras dimensões formativas, nas quais se inclui o aprendizado
dos conhecimentos químicos, que se associam com
o desenvolvimento de habilidades para lidar com as ferramentas culturais específicas
à forma química de entender e agir no mundo. E, por sua vez, um conjunto de
habilidades associadas à apropriação de ferramentas culturais (conceitos, linguagens,
modelos específicos) possibilita o desenvolvimento de competências, como a
capacidade de articular, mobilizar e colocar em ação, também, valores aliados aos
conhecimentos e capacidades necessários em situações vivenciais. (BRASIL 2006,
p. 116).
Para ampliar essa discussão sobre a especificidade do conhecimento escolar
apresentamos a seguir algumas reflexões de caráter epistemológico com vistas a um
entendimento sobre a diversidade dos conhecimentos que participam dos processos de ensino
e aprendizagem de Ciências Naturais. Trata-se de uma abordagem e reflexão sobre a
especificidade dos conhecimentos científicos, importantes de serem compreendidos em sua
natureza, em seu modo de produção e validação, que se diferencia do conhecimento cotidiano.
Para Chalmers (1993), baseado em Popper, a ciência e o conhecimento são
construções humanas, que não podem ser vistas mediante percepções sensoriais, pelos
sentidos humanos. O mesmo pensamento deve ser levado em conta quando consideramos as
teorias, que são interpretadas como conjecturas ou como “suposições criadas livremente pelo
intelecto humano no sentido de superar problemas encontrados [...] ou dar uma explicação
adequada do comportamento de alguns aspectos do mundo ou universo” (CHALMERS, 1993,
p. 64).
A partir das contribuições de Popper, cada vez mais se passou a admitir e a pensar a
concepção de ciência como sendo uma construção humana, e não simplesmente como algo
produzido ou percebido a partir dos sentidos humanos. Essa visão de ciência proposta por
Popper se coloca como crítica à concepção baseada no empiricismo/indutivismo.
No indutivismo a Ciência é considerada como conhecimento derivado dos dados da
experiência, ou seja, a partir de dados experimentais. O conhecimento científico é um
conhecimento que é provado, portanto, é considerado verdadeiro; as teorias são o resultado de
experiências rigorosas feitas a partir da observação e da experimentação, já a ciência é
baseada no que se pode tocar, ouvir ou ver (CHALMERS, 1993).
Para o indutivista, a Ciência tem seu pontapé inicial no momento em que o
pesquisador pratica o ato de observar. Os seguidores e defensores dessa concepção afirmam
48
que é na observação que se inicia o 'fazer ciência', no entanto, para isso “o observador
científico deve ter órgãos sensitivos normais e inalterados e deve registrar fielmente o que
puder ver, ouvir etc. em relação ao que está observando, e deve fazê-lo sem preconceitos”
(CHALMERS, 1993, p. 24).
Essa concepção empiricista/indutivista não se refere apenas à Ciência, “ao fazer
ciência”, mas se relaciona também às questões que dizem respeito ao ensino, já que é na
escola que grande parte das crianças e jovens tem acesso à educação e ao conhecimento,
sendo essa instituição a ponte de ligação entre a ciência, o estudante e a realidade na qual ele
está inserido.
Na área de Ciências Naturais essa concepção de ensino ainda se mostra muito
presente, principalmente em situações em que se busca uma explicação para tudo, sejam
fenômenos, ou transformações. Essas explicações se baseiam naquilo que é visto pelos
sentidos humanos, ou seja, explica-se algo a partir da visualização do acontecimento. No
entanto, nem tudo o que existe no mundo pode ser visto. Usamos como exemplo o átomo, que
sequer foi visto uma vez. Os elétrons, um elemento químico, enfim, tantas outras entidades
que existem, mas que, no entanto nunca foram vistas. Aceitamos sua existência, por mais que
jamais os tenhamos visto.
Para o indutivista os sentidos são a base fundamental para se produzir conhecimento,
já que tudo se faz e se explica pela experimentação e pela observação. As afirmações,
resultantes desse trabalho experimental, formam a base a partir da qual devem derivar as leis e
teorias que constituem o conhecimento científico, de acordo com eles.
No mundo da ciência, dos laboratórios e das pesquisas essa concepção também é
aplicada por apresenta alguns méritos, que para Chalmers (1993) se devem ao fato de a
ciência empiricista/indutivista ter certo poder em dar explicações e em fazer previsões. Ainda
apresenta confiabilidade e objetividade, o que para Chalmers supera outras formas de
conhecimento. Essa objetividade da ciência indutivista
deriva do fato de que tanto a observação como o raciocínio indutivo são eles
mesmos objetivos. Proposições de observação podem ser averiguadas por qualquer
observador pelo uso normal dos sentidos. Não é permitida a intrusão de nenhum
elemento pessoal, subjetivo. A validade das proposições de observação, quando
corretamente alcançada, não vai depender do gosto, da opinião, das esperanças ou
expectativas do observador (CHALMERS, 1993, p. 34).
Observamos que, o que o observador pensa, acredita ou desacredita sobre o objeto ou
o fenômeno observado não deve ser considerado e é esse um dos fatores que faz da ciência tão
49
confiável, essa não interferência, o não questionamento, uma “aversão” a qualquer
possibilidade de erro existente, em relação ao descoberto. No entanto, essa posição assumida
pelo pesquisador indutivista pode tornar o conhecimento nem tão confiável, já que as
hipóteses, variáveis ou possíveis erros não são considerados, os quais poderiam ser
solucionados ou estudados.
É sabido que existem diferentes concepções de ciência e de conhecimento científico,
bem como visões distorcidas para ambos. Neste sentido são feitas referência a algumas visões
distorcidas e/ou deformadas de ciência, apresentadas por Pérez et.al (2001).
A primeira deformação refere-se à concepção denominada empírico-indutivista e
ateórica, mencionada anteriormente, que
destaca o papel ‘neutro’ da observação e da experimentação [...], esquecendo o papel
essencial das hipóteses como orientadoras da investigação, assim como dos corpos
coerentes de conhecimentos (teorias) disponíveis, que orientam todo o processo
(PÉREZ et.al. 2001, p. 129).
Outra deformação apresentada transmite uma visão rígida (exata, infalível...),
representada pelo método científico, considerado “como um conjunto de etapas a seguir
mecanicamente” (PÉREZ et.al. 2001, p. 129). A utilização do método científico caracteriza
ainda o trabalho desenvolvido em muitas instituições escolares, especialmente no ensino de
Ciências Naturais caracterizado pela exatidão e pelo rigor desse pretenso e poderoso método,
como único válido.
É pertinente destacar que, nas Ciências, a pesquisa sempre requer um método
pertinente, seja nas pesquisas de cunho mais quantitativo seja mais qualitativo. No entanto, a
demasiada crença na exatidão, no seguimento rigoroso de regras e procedimentos puramente
mecânicos acaba condenando a pertinência do método. Não se trata, pois, de criticar o uso de
um método científico. Ao contrário, trata-se de destacar a sua necessidade na pesquisa. Afinal,
sem a existência e o uso de um método científico, não teríamos tido acesso aos inúmeros
conhecimentos produzidos pelas ciências. O que criticamos é a falta de reflexões
epistemológicas no âmbito da formação de professores e do ensino em Ciências Naturais. A
mera preocupação em atingir a exatidão ainda toma o lugar de reflexões sobre como os
conhecimentos foram produzidos, o que eles permitiram ao longo da história da humanidade,
de que forma os conhecimentos de Ciências participam na compreensão do mundo e na
atuação de forma consciente e socialmente responsável.
50
A terceira deformação está relacionada a uma visão aproblemática e ahistórica, a partir
da qual são transmitidos conhecimentos já elaborados, prontos, deixando de mostrar os
problemas que deram origem a esse conhecimento, a sua evolução e as dificuldades
enfrentadas durante o percurso de construção do mesmo.
De acordo com os autores, outra distorção é a que “consiste numa visão
exclusivamente analítica, que destaca a necessária divisão parcelar dos estudos, o seu caráter
limitado, simplificador” (PÉREZ et.al. 2001, p. 132). Já a quinta visão deformada trata do
conhecimento e do desenvolvimento científico como algo acumulativo, que tem um
crescimento linear.
Na sexta visão deformada de ciência, os autores apontam a visão individualista e
elitista que a ciência possui, na qual os “conhecimentos científicos aparecem como obras de
gênios isolados, ignorando-se o papel do trabalho coletivo e cooperativo, dos intercâmbios
entre equipes...” (PÉREZ et.al. 2001, p. 133).
Por fim, é apresentada a última visão deformada, que
transmite uma imagem descontextualizada, socialmente neutra da ciência:
esquecem-se as complexas relações entre ciência, tecnologia, sociedade (CTS) e
proporciona-se uma imagem deformada dos cientistas como seres “acima do bem e
do mal”, fechados em torres de marfim e alheios à necessidade de fazer opções
(PÉREZ et.al. 2001, p. 133 [grifos do autor]).
As visões acima mencionadas não caracterizam apenas o ensino das Ciências Naturais,
mas o ensino de diversas outras áreas do conhecimento. Tem-se nessa visão a impressão de
que a ciência, a pesquisa e os cientistas fazem parte de outro mundo, um mundo à parte e
distante do nosso. Isso se deve a concepções existentes principalmente nas sociedades menos
favorecidas, que tratam o conhecimento e a ciência como sendo de acesso restrito,
disponibilizado apenas para alguns privilegiados, e não como direito de todo cidadão. Nesse
sentido o cientista também é considerado alguém fora de nosso alcance, dono de todas as
verdades, aquele que não pode ser contrariado ou colocado em discussão.
Como forma de superação à concepção empiricista e indutivista de ciência, e a fim de
superar essas visões deformadas, Bachelard (1996) propõe discussões que tem como intenção
a superação de algumas visões e concepções por ele consideradas equivocadas. Lopes (1996),
baseando-se na obra de Bachelard, apresenta uma perspectiva que busca a valorização do erro,
como forma de validação do conhecimento científico. Ela denuncia o empirismo e defende
uma epistemologia histórica, na qual a ciência é “um objeto construído socialmente, cujos
51
critérios de cientificidade são coletivos e setoriais às diferentes Ciências” (LOPES, 1996, p.
251).
De acordo com as concepções empírico-positivistas, o conhecimento é resultado da
experiência, das observações realizadas com o uso dos sentidos, e “há um real dado em que a
razão deve se apoiar” (LOPES, 1996, p. 258). No entanto, com algumas revelações de leis e
teorias no campo das ciências essa concepção sofreu alguns abalos, e passou-se a
compreender que existe uma distinção entre o real científico e o real dado, pois na ciência
não trabalhamos com o que se encontra visível na homogeneidade panorâmica. Ao
contrário, precisamos ultrapassar as aparências, pois o aparente é sempre fonte de
enganos, de erros, e o conhecimento científico se estrutura através da superação
desses erros, em um constante processo de ruptura com o que se pensava conhecido
(LOPES, 1996, p. 259).
Essa visão contradiz a concepção empiricista, baseada nas observações, criticando a
ciência que se baseia apenas no que os sentidos são capazes de perceber. Como afirmado
acima por Lopes (1996), na área de Ciências Naturais trabalhamos com estruturas, com
modelos e com entidades que não podem ser vistas ou percebidas pelos seres humanos a olho
nu. É preciso ultrapassar as barreiras do visível, das aparências e do observável para que
consigamos compreender algumas situações e/ou transformações.
Na educação básica isso também se faz muito necessário, principalmente quando nos
referimos a alguns conceitos da área da Química, como por exemplo, o de Elemento, que não
está no real dado, que não pode ser observado, já que é uma criação humana de natureza
teórica e o fato de não poder ser visualizado acaba sendo sinônimo de não aprendizagem por
parte de muitos estudantes.
Essa dificuldade de compreensão de algumas entidades, pela não possibilidade de sua
comprovação por meio de nossos sentidos, se dá pelo fato de que
para o senso comum, a realidade objetiva é uma só: aquela que se apresenta aos
sentidos; o real aparente faz parte do senso comum. Portanto, será essencialmente a
partir do rompimento com esse conhecimento comum que se construirá o
conhecimento científico (LOPES, 1996, p. 259).
Em Ciências Naturais, citando especificamente conceitos da Química, as realidades de
alguns objetos podem ser completamente diferentes. Para Lopes (1996, p. 259):
a realidade de um objeto que se apresenta aos olhos, que pode ser tocado, que possui
lugar e forma definidos, não é do mesmo nível de realidade de uma molécula, a qual
constitui e é constituída pela teoria molecular a ela subjacente.
52
Portanto, não se pode dizer que um objeto que pode ser tocado e visto pertence ao
mesmo nível de realidade de um átomo, de uma molécula ou de um elemento. Os objetos que
podem ser tocados ou observados fazem parte de outra dimensão, a do real dado, e estão na
natureza. Já os átomos, assim como outras entidades, fazem parte do real científico e são
criações humanas.
Esse real científico, que é objeto de construção de conhecimento nas Ciências, é
realizado na relação entre sujeito e objeto, a qual é mediada pela técnica. Ao contrário da
visão empírico/indutivista a ciência não descreve fenômenos, mas os produz, a partir de um
processo instrumental e teórico, fazendo com que a Química “transforme-se em uma ciência
elaborada sobre as bases de uma fenomenotécnica” (LOPES, 1996, p. 261).
O uso da técnica, citada por Lopes (1996), desempenha um papel importante pois,
muitos objetos de estudo em Ciências Naturais não podem ser percebidos pelos sentidos, mas
com o emprego de ferramentas técnicas que qualifiquem e ampliem a percepção sensorial,
muitos passam a ser compreendidos. Um exemplo disso é o conceito de elemento, que não
pode ser visualizado através de nossos sentidos, no entanto, se fizermos uso de algumas
ferramentas e de técnica sua presença pode ser percebida com maior facilidade.
Outro exemplo que pode ser mencionado para explicitar a importância do uso da
técnica e de ferramentas no ensino de Ciências Naturais é no processo de fabricação de sabão,
que além de ser simples, é realizado pela maioria dos estudantes e de seus familiares em suas
residências. Para se fabricar o sabão em casa, ou na escola (no laboratório de Ciências) podese fazer o uso dos mesmos materiais, das mesmas quantidades, da mesma receita, no entanto,
em aula, o processo se dá de forma diferente, com outro significado, por mais que o sabão
produzido seja o mesmo.
Em sala de aula, quando realizado o experimento a fim de que os estudantes produzam
sentidos, o processo de fabricação do sabão é discutido, não apenas com base no que os
estudantes podem ver, mas sim no que acontece por trás do que é percebido a olho nu. Em
sala de aula fazemos o uso da palavra, do significado, das teorias que vão estar em ação no
momento em que se faz algo. Em contrapartida, em nossas residências, nos baseamos no
conhecimento comum, empírico, no real dado.
Com esse exemplo, mais uma vez percebe-se a grande diferença que existe entre o real
científico e o real dado, e que
53
na medida em que o real científico se diferencia do real dado, o conhecimento
comum, fundamentado no real dado, no empirismo das primeiras impressões, é
contraditório com o conhecimento científico. O conhecimento comum lida com um
mundo dado, constituído por fenômenos; o conhecimento científico trabalha com
um mundo recomeçado, estruturado em uma fenomenotécnica (LOPES, 2007, p.
44).
Essas relações entre o conceitual-teórico e as diferenciações entre o real científico e o
real dado não são levadas em conta em sala de aula no ensino de Ciências Naturais e de
Química. Não obstante em sala de aula, esses aspectos passam despercebidos também em
muitos materiais utilizados como referências pelos professores, como os livros didáticos, em
que em alguns casos observamos apenas o aparecimento de teorias ou então somente a
empiria, em que tudo é real, visível, e se encontra na realidade do estudante.
Neste sentido, defende-se que, a partir do Ensino Fundamental, estudantes e
professores reflitam sobre a natureza das entidades químicas, dos conceitos, para que quando
se refiram ao elemento e a substância saibam que estes não se situam no real dado, e sim no
real científico, já que são construções humanas.
Do contrário, se os estudantes não apresentarem clareza em relação a essas entidades,
muitos correm o risco de ingressar no ensino superior, em um curso de licenciatura em
Química ou Ciências Naturais, imaginando que tudo é real e está na natureza. Quando isso
ocorre, aparecem os chamados obstáculos, apresentados por Bachelard (1996).
Um dos obstáculos mencionados por Bachelard (1996) é o verbalismo, no qual se faz
o uso de palavras, metáforas ou analogias com a intenção de explicar fenômenos e
experimentos. Tudo é relacionado e comparado a uma determinada palavra ou expressão. Em
sua obra intitulada “A formação do espírito científico”, Bachelard (1996) usa como exemplo a
esponja que é usada como comparativo para explicar a maioria dos experimentos e fenômenos
que eram testados na época.
No verbalismo, uma única palavra ou uma única imagem constituem toda a explicação
de uma determinada situação, o que se caracteriza como um obstáculo ao pensamento
científico (BACHELARD, 1996).
No ensino de Ciências Naturais e de Química, não são poucas as vezes em que
fizemos o uso de imagens ou palavras, de caráter metafórico, a fim de simplificar e facilitar a
aprendizagem dos estudantes. No entanto, não nos damos conta de que isso acaba por se
tornar um grande obstáculo no processo de abstração, fazendo com que os educandos
apresentem uma visão simplista da ciência e do conhecimento científico. Para Bachelard
54
(1996, p. 93) o acúmulo de imagens e de palavras não apropriadas “prejudica evidentemente a
razão, no qual o lado concreto, apresentado sem prudência, impede a visão abstrata e nítida
dos problemas reais”.
Os conceitos químicos, em muitas situações, são concretizados ao extremo, como se
enxergássemos tudo, ou como se tudo estivesse na natureza. Esquecemos que eles são de
natureza teórica, uma construção humana, e que muitos conceitos não podem ser explicados
de maneira tão simples assim. O átomo, a molécula, as ligações, os elementos e as
substâncias, assim como tantos outros conceitos, são apresentados de forma bastante concreta,
com o uso de analogias, comparações na intenção de facilitar a aprendizagem por parte dos
estudantes, mas que acabam por descaracterizar a natureza do conceito, o que de fato cada um
é e representa, impedindo a visão abstrata dos estudantes e professores, que ficam alienados
às formas simplistas de ensino e aprendizagem dos mesmos.
Quanto ao obstáculo verbalista, o autor afirma que “não se pode confinar com tanta
facilidade as metáforas no reino da expressão. Por mais que se faça, as metáforas seduzem a
razão. São imagens particulares e distantes que, insensivelmente, tornam-se esquemas gerais.”
(BACHELARD, 1996, p. 97). Portanto, devemos ter cuidado com o uso das palavras, pois
elas acabam por substituir o pensamento abstrato, criando visões e concepções errôneas dos
conceitos não apenas da Química, mas das mais diversas áreas do conhecimento, e isto se
torna um empecilho e um impedidor das aprendizagens.
Outro obstáculo apontado por Bachelard (1996) é o realismo, no qual os modelos, as
representações e até mesmo as palavras criadas pelo homem e pela ciência, são tomadas como
“reais” pelos estudantes, ou seja, como se fizessem parte do real dado.
Esse obstáculo está muito presente no cotidiano escolar, principalmente no que se
refere ao uso de imagens e de modelos, que acabam sendo adotados como verdadeiros, ou
seja, como se uma célula fosse igual a um ovo, ou como se um átomo fosse de fato
semelhante a uma bola de bilhar.
Já o substancialismo, é caracterizado pela tendência que temos de reunir em um único
objeto as possibilidades mais diversas, características mais variadas, que podem até mesmo
ser opostas (BULCÃO, 1981). De acordo com Bachelard, o obstáculo substancialista
é constituído por intuições muito dispersas e até opostas. Por uma tendência quase
natural, o espírito pré-científico condensa num objeto todos os conhecimentos em
que esse objeto desempenha um papel, sem se preocupar com a hierarquia dos
papéis empíricos. Atribui à substância qualidades diversas, tanto a qualidade
55
superficial como a qualidade profunda, tanto a qualidade manifesta como a
qualidade oculta (BACHELARD, 1996, p. 121).
No que diz respeito aos obstáculos epistemológicos apresentados acima, precisamos
estar atentos, como professores, ao uso de palavras e imagens por parte dos estudantes, a fim
de que consigamos evitar a ocorrência de tais obstáculos, ou ainda promover a ruptura dos
mesmos, que acabam por impedir o desenvolvimento do pensamento científico e das
aprendizagens significativas, fazendo com que os estudantes adotem posições e concepções
equivocadas em relação à ciência, aos conceitos da área da Química, ao que é real e ao que é
criado pelo homem, como os elementos e substâncias, conceitos importantíssimos e
estruturantes do pensamento químico.
Neste sentido, salientamos a importância das reflexões de cunho epistemológico por
professores em formação inicial e por professores que já atuam no ensino de Ciências
Naturais, a fim de romper com um pensamento de ciência que busca suas evidências e suas
conclusões naquilo que é visível, palpável, somente no que está na natureza, ou que se
acredita que esteja, desconsiderando por algumas vezes a participação do homem na produção
do conhecimento e no “fazer ciência”.
De acordo com Maldaner (2006, p. 100):
A racionalidade não pode estar ausente do meio social, pois ela é uma construção
que permite a interação humana e com o meio em nível de maior justiça e com a
participação de todos. Ela permite desenvolver uma ciência mais consequente e mais
coerente com as novas necessidades das pessoas, segundo uma lógica entre o que o
conhecimento científico já pode realizar e aquilo que realmente é bom para o
equilíbrio da vida no globo terrestre, o equilíbrio entre as nações e o bem-estar nas
comunidades.
É isso que devemos buscar a partir das reflexões epistemológicas, tanto na formação
inicial dos professores quanto na formação continuada, a ruptura das visões equivocadas, dos
obstáculos que impedem a aprendizagem, buscando uma visão que considere a racionalidade.
Essa ruptura em relação às visões equivocadas possibilitará maior clareza na
compreensão das entidades químicas, do real dado e do real criado, fazendo com que
professores e estudantes passem a refletir e compreender que o “conhecimento é sobre o
mundo concreto, refere-se a ele, o modifica e o cria e recria, num processo de produção
intelectual mediado por objetos teóricos ou entidades teóricas” (MALDANER, 2006, p. 105),
fornecidas pela ciência e que possibilitam a compreensão do mundo real, do que está na
natureza.
56
Após as abordagens apresentadas neste capítulo, que se referiram à organização do
currículo de Ciências Naturais, à importância do uso e ressignificação da palavra no processo
de formação de conceitos ao longo da escolarização e a reflexão sobre o conhecimento escolar
em Ciências Naturais, apresentamos uma análise e discussão sobre livros de Ciências Naturais
das séries finais do Ensino Fundamental, com recorte na 5ª série, a fim de compreender a
problemática que se refere à abordagem de conceitos químicos nesse nível de ensino.
57
3 A INSERÇÃO DA QUÍMICA NO ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS: UM
OLHAR SOBRE LIVROS DIDÁTICOS
Este capítulo foi elaborado com vistas a uma análise e discussão de alguns livros
didáticos das séries finais do Ensino Fundamental, com recorte na 5ª série, em busca de uma
compreensão fundamentada da problemática que diz respeito a abordagem de conteúdos e
conceitos químicos neste nível de ensino, em especial, os conceitos elemento e substância.
3.1
Abordagens de Conceitos Químicos em Livros Didáticos de Ciências Naturais do
Ensino Fundamental
Com a finalidade de identificar e analisar abordagens dos conceitos de Química,
especialmente os de elemento e substância, em livros didáticos de Ciências Naturais do
Ensino Fundamental, realizou-se uma análise a duas coleções de livros didáticos de 5ª a 8ª
série, de Ciências Naturais do Ensino Fundamental, conforme explicitado no item referente à
organização metodológica da pesquisa.
Os livros das duas coleções foram analisados quanto ao desenvolvimento dos
conteúdos e conceitos de Química neste nível de ensino, com atenção à perspectiva da
significação conceitual, sem deter a atenção a possíveis erros conceituais.
Os livros designados por LD1, LD2, LD3 e LD4 referem-se, respectivamente, aos
livros de Ciências Naturais das 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries do Ensino Fundamental de uma das
coleções analisadas que, de um modo geral, corresponde a uma organização tradicional da
abordagem dos conteúdos e conceitos, no sentido de uma fragmentação do conhecimento
escolar.
Os livros designados por LD5, LD6, LD7 e LD8 referem-se, respectivamente, aos
livros de Ciências Naturais das 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries do Ensino Fundamental de uma das
coleções analisadas que, de um modo geral, corresponde a uma organização inovadora do
currículo de Ciências Naturais por apresentar abordagens dos conteúdos e conceitos de
58
Ciências Naturais articulados em estudos sobre temas da vivência social, numa perspectiva
contextual e interrelacionada.
Devido a restrição de espaço, neste trabalho, para a análises mais ampliadas dos livros
didáticos, foi procedido um recorte, limitando-as a dois livros da 5ª série: LD1 e LD5,
tratados nos subitens que seguem.
3.1.1 A Fragmentação do Conhecimento Químico no Ensino de Ciências Naturais
Para uma visão geral das abordagens dos conteúdos e conceitos no LD1, cabe
mencionar que ele apresenta cinco unidades principais, nas quais são apresentadas abordagens
que partindo do universo como um todo, vão se direcionando ao planeta terra, a sua
constituição como solo, água e ar e aos ecossistemas que integram a biosfera.
Na unidade um, são feitas discussões direcionadas especificamente ao estudo do
universo, sistema solar, galáxias, conquista do espaço, trazendo um pouco da mitologia e da
ficção relacionadas às viagens espaciais, com os conhecimentos sobre o universo, os planetas.
A unidade dois discute questões relacionadas ao planeta terra, como a origem da terra,
da vida, a biosfera, os ecossistemas, o equilíbrio ecológico, cadeias alimentares e as relações
estabelecidas entre os seres vivos no ecossistema.
Na terceira unidade, são abordadas questões referentes ao solo como ecossistema.
Nessa unidade, as discussões abrangem a forma e estrutura da terra, bem como os
movimentos da crosta terrestre, como terremotos e vulcões. Os tipos de rochas e de solo e a
origem do solo também são tratados nessa unidade, assim como a utilização e as formas de
preparação do solo.
A unidade quatro contempla os estudos relacionados à água na natureza, a sua
poluição, o seu tratamento, a flutuação e a pressão.
Já a quinta e última unidade do LD1 trata do ar, abordando a sua existência, ar e
matéria, as camadas atmosféricas, pressão atmosférica, previsão do tempo. Nessa unidade há
uma abordagem completamente diferenciada em relação às anteriores, no que se refere a um
tratamento avançado de conteúdos de Química.
Ao analisar o esquema geral dos conteúdos abordados no LD1, foi possível elencar
alguns conteúdos que possibilitariam abordagens de conceitos químicos ao longo das
diferentes unidades, não apenas ao final, com uso gradativo de palavras e fórmulas, ou seja,
59
com uso da linguagem química em todas as unidades. Isso seria possível no estudo do solo, da
água, do ar, do universo, de forma que os estudantes pudessem ir desenvolvendo a noção de
que tudo que existe no mundo é constituído de matéria e pode ser compreendido quanto a
constituição como material sempre, por sua vez, constituído de substâncias.
Vejamos algumas situações em que tal noção pode ser relacionada ao longo das
abordagens propostas pelo material didático.
Na 5ª série do Ensino Fundamental, no conteúdo referente às cadeias alimentares, uma
das abordagens envolve o estudo dos seres vivos “produtores” e “consumidores”. Abaixo,
apresentamos um fragmento que acompanha uma ilustração, conforme segue:
Figura 2: Produtores e consumidores
Fonte: LD1, 2004, p. 73
Não é propósito deste trabalho analisar as abordagens quanto a possíveis erros
conceituais, contudo, cabe fazer a ressalva de que a explicação acima incorre num erro
conceitual, talvez por uma confusão com a noção de respiração, a qual não teria qualquer
inserção no contexto da abordagem citada. Em se tratando de uma abordagem sobre a
60
fotossíntese apenas, a explicação teria que abranger o entendimento de que há consumo de gás
carbônico e produção de oxigênio (não o contrário, como expressa a figura). Cabe esclarecer
que a edição do LD1 analisado corresponde àquela que estava sendo usada pela professora, na
escola acompanhada.
O excerto que acompanha a figura número 1 define o processo pelo qual as plantas
produzem o seu alimento: a fotossíntese. O livro didático explica que essa capacidade de
produção de alimento pela fotossíntese é que justifica o fato delas serem consideradas
produtores dentro da cadeia alimentar, em coerência com o entendimento na área de Ciências
Naturais.
Observamos que, no excerto, há utilização dos nomes de substâncias essenciais à
compreensão da fotossíntese: a água e o gás carbônico. No entanto, as abordagens vão sendo
apresentadas sem a menção de que a água e o gás carbônico são duas diferentes substâncias.
As fórmulas de cada uma dessas duas substâncias não são apresentadas.
Na figura apresentada, assim como no trecho em que é explicitado o processo da
fotossíntese, não consta a representação das substâncias envolvidas pelas respectivas fórmulas
químicas: que CO2 representa a substância dióxido de carbono, ou gás carbônico e H 2O
representa a substância água.
Nesse contexto de estudo, bem com neste nível de ensino, abordagens com uso da
linguagem química já poderiam ir sendo introduzidas. A palavra substância já poderia fazer
parte das discussões e das conversas, sem a necessidade de uma definição formal, entendendo
que os processos de significação requerem a produção de sentidos, os quais nunca são
formações estáveis nem fossilizáveis, ao contrário, são mutáveis, encontram-se sempre em
processo de transformação, assumindo novas características em cada diferente contexto em
que eles são produzidos (VIGOTSKI, 2008). Dizer que a água e o gás carbônico são
substâncias necessárias para que ocorra a fotossíntese e que o oxigênio é produzido nesse
processo permite que o estudante vá produzindo sentidos ao conceito de substância.
Ao ensinar as respectivas fórmulas químicas da água e do gás carbônico, seria possível
e importante introduzir a primeira noção de substância, adentrando no importante
entendimento (pensamento) de que a substância é constituída por elementos químicos e que
cada uma delas corresponde a uma fórmula química, tendo uma representação química
específica. Cada substância, além de ter um nome, tem uma fórmula que a representa
quimicamente. A substância água tem uma fórmula, que é H2O. Já a substância dióxido de
61
carbono ou o gás carbônico é representado pela fórmula CO2. Cabe reiterar que as abordagens
se relacionam com diferenças entre os conceitos de elemento e substância, enfatizando que,
em coerência com o pensamento químico, cada elemento está associado à visão de um
conjunto de átomos com mesmo número atômico e que cada substância abrange a visão de
uma ou mais ligações químicas entre átomos de elementos químicos, que podem ser iguais ou
diferentes entre si: substância simples ou composta.
Nessas discussões sobre as fórmulas que representam as substâncias, é importante
ressaltar que a fórmula é um instrumento importante para o entendimento de várias
propriedades da substância, no entanto, deve-se ter clareza de que “a fórmula nada mais é que
uma representação da substância” (MORTIMER, 1996, p. 21). Devemos fazer uso das
fórmulas químicas apropriando-nos de toda a informação capaz de nos fornecer, mas tomando
o cuidado de não confundir com a realidade da substância, que é muito mais complexa do que
as letras do alfabeto e números permitem compreender.
Outra linha de discussão que pode ser aqui trazida refere-se ao uso, já na 5ª série, de
forma também gradativa, da tabela periódica dos elementos. A partir das representações
químicas das substâncias envolvidas na fotossíntese ela poderia ser apresentada para os
estudantes, de modo que eles pudessem visualizar a presença, na tabela, de símbolos como H,
C, O, que se relacionam com as fórmulas das substâncias mencionadas. Poderia ser
introduzida a noção inicial de que a substância H2O é formada pelos elementos hidrogênio
(H) e oxigênio (O), a substância O2 é formada pelo elemento oxigênio (O), assim como a
substância CO2 é formada pelos elementos carbono (C) e oxigênio (O).
Os elementos químicos que constituem substâncias encontradas na natureza, assim
como alguns elementos químicos artificiais produzidos em laboratórios por pesquisadores
químicos, estão organizados em uma tabela, chamada de tabela periódica dos elementos.
Entendemos que faz parte do ensino de Ciências Naturais, neste contexto de estudo, a
introdução dessa ideia central à Química, de modo que os estudantes tenham uma primeira
compreensão de que o pensamento químico exige o uso da palavra/conceito substância, o que
requer um reconhecimento de fórmulas químicas, com “letras” que correspondem à
representação química das substâncias. Tais letras correspondem aos elementos químicos que
as constituem. Tal noção inicial não abrange nem requer necessariamente entendimentos
sobre átomos, moléculas, ligações químicas.
Discussões como essas são imprescindíveis ao entendimento de conteúdos como o da
fotossíntese à luz das Ciências (Biologia, Física, Química) que integram a área de Ciências
62
Naturais. Os conceitos químicos, por sua vez, não podem ser excluídos de tais abordagens
escolares. Na 5ª série os estudantes não atingirão uma significação conceitual mais avançada
do conceito químico substância. Afinal, não é isso que entendemos ao defender uma
abordagem química em nível inicial, nesta série. Mais que tudo, nos interessa que seja feito o
uso da palavra que, segundo Vigostki (2008), já permitirá a produção de alguns sentidos aos
conceitos nos contextos de estudo daquele nível de ensino. Além do mais, acreditamos que os
processos de significação conceitual devem ser contextuais e interrelacionais, de modo que
possam evoluir sistematicamente ao longo da escolarização.
O que mais importa é o uso da palavra, nesse caso, elemento e substância, já que, de
acordo com Vigotski (2008), o processo de significação conceitual não se dá de vez, e que é
somente pelo uso da palavra que o estudante dá sentido ao conceito, que este evolui, até
alcançar níveis mais elevados de complexidade, caracterizando um pensamento abstrato, de
fato conceitual. Defendemos, com base nesse autor, que os estudantes façam uso das palavras
e dos termos que pertencem a Química, de forma natural, mesmo sem compreenderem
completamente seu significado, pois, por mais que usem essas palavras com um sentido
singular, válido apenas para os contextos de interação mais próximos, sentidos já são
atribuídos, o que contribui aprendizagens futuras de forma mais aprofundada, onde de fato
conceitos passam a ser consolidados (ZANON; PALHARINI, 1995).
Também na unidade que trata do solo, a Química tem grande envolvimento em se
tratando principalmente da composição do mesmo. As abordagens iniciaram com a afirmação
equivocada de que “as duas substâncias mais comuns na formação do solo são o quartzo e a
argila” (LD1, 2004, p. 111). Quartzo e argila não são substâncias, no sentido conceitual
restrito da química, e sim misturas de substâncias. A argila não possui fórmula química que a
representa, ou características definidas, o que depende do tipo de solo e do ambiente do qual a
ela é retirada. Já quando nos referimos a uma substância podemos dizer que suas
propriedades, como ponto de fusão, ponto de ebulição, densidade, entre outras, se mantém
iguais, seja qual for o ambiente em que estão. Em relação ao quartzo podemos dizer que
também se refere a uma mistura de diversas substâncias.
Erros conceituais como esse, ao afirmar que o quartzo e a argila são substâncias,
acabam se tornando obstáculos no processo de aprendizagem em Ciências. Nós, professores
de Ciências necessitamos saber lidar com esses problemas ao usarmos os livros didáticos,
tendo a capacidade de refletir sobre o conteúdo desses materiais, usando-os sempre de forma
crítica, nunca como veículos de verdades incontestáveis. Sobre as argilas, é preocupante a
63
carência de conhecimentos químicos por parte dos professores que atuam nessas séries
(PEREIRA et.al. 1999), por isso é imprescindível que os cursos de licenciatura e também a
formação
continuada
de
professores
contemple
estudos
que
complementem
os
conhecimentos. Cabe a cada professor fazer buscas em fontes diversificadas e interagir
coletivamente para avançar em suas compreensões. Um exemplo de leitura pertinente é o
artigo Tirando as argilas do anonimato (PEREIRA et.al. 1999).
Ainda na unidade sobre o solo, outra afirmação apresentada no livro, e que se
relaciona à Química, é a de que “os solos próprios para a agricultura possuem diversos tipos
de nutrientes, indispensáveis ao desenvolvimento das plantas.” (LD1, 2004, p. 122). Mas que
nutrientes são esses que se encontram no solo?
Mais adiante, quando o livro remete à prática da adubação, como forma de reposição
dos nutrientes em solos empobrecidos, ele afirma que “dentre os elementos importantes para o
desenvolvimento das plantas, três se destacam: o nitrogênio (N), o fósforo (P) e o potássio
(K)” (LD1, 2004, p. 125 [grifos do autor]).
A partir dessa afirmação os estudantes já podem ter uma noção da existência de alguns
nutrientes que estão presentes no solo, como o nitrogênio, o fósforo e o potássio, no entanto,
refletimos que poderiam também ser citados os outros nutrientes que constituem os diferentes
tipos de solo existentes, por exemplo, discutir que um solo bastante úmido (lodo) contém altos
teores de água (elementos H e O), diferentemente de um solo praticamente sem água, que os
estudantes chamam de “torrão”. Isso poderia remeter à ideia da existência de outros elementos
químicos na composição dos solos.
Nessa abordagem, a análise permite perceber que foram usados os símbolos dos
elementos (N, P, K). Isso já caracterizaria uma preocupação intencional de usar a linguagem
da Química? Ao evidenciar o símbolo destes três elementos químicos, o livro apresenta uma
nota localizada no canto superior direito da página, conforme segue: “O símbolo P usado para
designar o fósforo vem da palavra latina phosphorus; o símbolo K, de potássio, vem de
Kalium” (LD1, 2004, p. 125 [grifos do autor]).
Nessa unidade, os elementos químicos não são abordados, apenas são mencionados os
elementos correspondentes aos símbolos citados, de forma simplista e vaga, que permite
quaisquer suposições em relação a ideia de elemento, dando margem a uma mera abreviação
dos nomes em latim. Contudo, foi usada a palavra “elemento”. É uma palavra que, no
contexto cotidiano, pode se referir a uma pessoa, considerando-a como um elemento num
64
determinado espaço; um objeto. Ou seja, a palavra elemento não foi discutida com uma
intencionalidade voltada à compreensão química, como um elemento químico, como o que
constitui as substâncias encontradas no solo, na água, que forma os nutrientes.
Na unidade que trata da água na natureza, percebemos o uso da linguagem química, na
forma de expressões, palavras e representações químicas, como ilustra a figura abaixo
acompanhada de um excerto retirado do LD1, sobre a água da chuva.
Figura 3: Água pura e mistura
Fonte: LD1, 2004, p. 144
No excerto do LD1, acompanhado da figura, podemos observar a utilização da palavra
“substâncias”, por duas vezes. Trata-se de um dos dois conceitos químicos em estudo nesta
dissertação. Refere-se à explicação de que as águas, em situação real, apresentam, além da
substância água, outras substâncias dissolvidas e que estas substâncias conferem a cada água
características diferentes, como no exemplo da dissolução de sal ou açúcar em dois copos de
água, o que conferirá sabores diferentes (doce ou salgado), devido à diferença das substâncias
dissolvidas.
Podemos refletir sobre o uso do termo “água pura”, utilizado para designar a água da
chuva. Esse trecho considera que a pureza da água é determinada pela não existência de
outras substâncias dissolvidas na água. Uma porção de água que não possui nenhuma outra
65
substância é considerada pura, já outra porção, que apresente outras substâncias dissolvidas é
considerada como uma água não pura. No entanto, em nenhum momento é afirmado que a
água é uma substância. Dessa forma o termo “pureza”, apresentado pelo livro didático implica
em controvérsia.
Sobre a pureza da água, em outro trecho do LD1 encontramos uma afirmação que diz
que “na natureza não existe água pura, somente água sem mais nada dentro.” (LD1, 2004, p.
146) Esta afirmação dá margem a confusões. A ideia mais importante a considerar seria a de
que as águas são misturas e que “água sem mais nada dentro” seria uma situação idealizada, já
que nas águas podemos encontrar substâncias dissolvidas. No cotidiano por vezes se fala em
“água pura”, no sentido de se tratar de uma “água natural”, por exemplo, a água de uma fonte
límpida. Mesmo esta água contém outras substâncias, a exemplo do gás oxigênio ou um ou
outro mineral. Uma “água mineral” é mais rica em minerais, porém, cada água mineral tem
suas características próprias. Esse entendimento é essencial ao pensamento químico. Ele
poderia ter sido associado à abordagem, logo após, sobre uma das formas de obtenção de
“água pura”, referida como uma água sem qualquer substância dissolvida nela: a destilação.
Contudo, não se trata da obtenção de “água pura”, mas sim de uma “água mais pura”, uma
vez que a água destilada ainda não é um líquido 100% puro.
De acordo com o livro, a destilação é o processo mais indicado para obtermos “água
pura”. O processo “consiste em ferver a água, recolher os vapores que se desprendem e esfriálos, para que voltem ao estado líquido. Como os vapores são de água pura, a água que se
recolhe é pura também.” (LD1, 2004, p. 146) Após essa afirmação é apresentada uma imagem
que representa o processo de destilação, sendo mencionada a separação de uma mistura de
água e barro.
66
Figura 4: Processo de destilação de uma mistura de água e barro
Fonte: LD1, 2004, p. 146
A partir da visualização desta imagem, com a intervenção de professor de Ciências, os
estudantes da 5ª série já conseguiriam compreender algumas formas pelas quais é possível
separar uma mistura, como é o caso do exemplo da mistura de água e barro, separada pelo
processo de destilação. Contudo, a simples apresentação da figura não seria suficiente para
uma compreensão adequada do processo de separação. O uso de atividades experimentais no
ensino de Ciências não é objeto de estudo do presente trabalho, porém, cabe considerar que se
trata de uma atividade importante ao processo de significação conceitual de substância. O uso
de materiais de laboratório sofisticados e até mesmo a presença de tais materiais na ilustração
poderia ser um fator limitante do processo de ensino e aprendizagem, mas a escola e o
professor podem organizar situações pertinentes que contribuem para o entendimento
conceitual em questão.
É importante que, já na 5ª série, a linguagem química seja usada, a começar pela
palavra substância, que se constitui numa ferramenta específica e essencial ao pensamento
químico, contanto que as abordagens não exijam níveis de abstração muito elevados, em que
os estudantes não compreendam o que lhes está sendo ensinado. De acordo com Vigotski
(2008), com uma idade inferior a 12 anos, os estudantes ainda não apresentam um
amadurecimento suficiente para compreender de forma abstrata o que lhes é ensinado,
portanto, as manifestações deles não passariam de uma mera repetição e reprodução da fala do
professor, sem efetivos processos de significação conceitual.
67
Nesse sentido, é importante refletir sobre a abordagem no LD1 (2004, p. 151) sobre a
composição da água pura, mencionando que, para analisar isso, é preciso decompor a água, ou
seja, separar seus componentes. Para fazer isso o livro aborda a eletrólise.
Figura 4: Eletrólise
Fonte: LD1, 2004, p. 151
O que mais nos chama atenção na leitura desse trecho é a afirmação de que o processo
de decomposição da água “é muito simples” (LD1, 2004, p. 151), referindo-se a eletrólise.
Será tão simples para um estudante da 5ª série do Ensino Fundamental compreender a
eletrólise? Se formos pensar de um modo geral, até mesmo um estudante da 8ª série, com um
maior desenvolvimento, apresenta dificuldades em compreender a eletrólise conceitualmente.
Que dirá um estudante da 5ª série. Afinal, entender a eletrólise, mesmo minimamente, não é
tão simples assim. Nos próprios excertos que acompanham a figura há indícios da
complexidade do entendimento, por exemplo, por que necessita a pilha, um meio ácido, etc.
Para compreender de fato o que se observa nessa atividade prática é necessário mobilizar
diversos conceitos químicos, de forma interrelacionada, contudo, um estudante da 5ª série
ainda não apresenta um nível de desenvolvimento suficiente para se apropriar de tais
conceitos, que requerem altos níveis de abstração, sendo importante discutir as abordagens
que seguem, sobre a eletrólise.
68
Figura 6: Gás produzido na eletrólise
Fonte: LD1, 2004, p. 152
É claro que o fato de se fazer o uso das palavras potencializa a construção de
significados, no entanto é importante ter cautela quanto a “o que” ensinar e com que nível de
compreensão conceitual. As abordagens apresentadas nas unidades anteriores do material
didático não contemplam processos de significação de conceitos químicos, nem mesmo dos
conceitos de substância e elemento químico. Ao final do livro, parece que se pretende “dizer
tudo” de Química. No entanto, neste estágio da escolarização, o estudante não é capaz de
compreender os fenômenos teóricos (não observáveis) envolvidos na explicação sobre o
fenômeno observável (eletrólise). Indícios da complexidade conceitual abrangida podem ser
percebidos, por exemplo, no entendimento da primeira frase que acompanha a figura 5, na
menção de que um dos gases “é” o hidrogênio e o outro “é” o oxigênio, a partir da pretensa
observação do dobro do volume.
Nossa preocupação se volta para dificuldades, por parte do estudante, em estabelecer
as necessárias interrelações conceituais no contexto em estudo. Também, nas abordagens que
seguem:
69
Figura 7: Gás produzido na eletrólise
Fonte: LD1, 2004, p. 153
É problemático supor que “com base no que acabou de ver”, o estudante da 5ª série
entenderia que um dos gases, o hidrogênio, existiria em maior quantidade do que o outro. Não
se trata de relações diretas nem simples, sendo problemático o entendimento conceitual sobre
a formação da água, quando ainda não teria sido significado, nem minimamente, o conceito de
elemento químico. É também problemático o entendimento do que seria um átomo, uma
molécula.
Figura 8: Átomos e moléculas
Fonte: LD1, 2004, p. 153
70
É interessante a menção referente à representação dos átomos, em que o LD afirma
que “podemos representar os átomos da forma que quisermos, pois será apenas uma
representação e não um desenho do átomo” (LD1, 2004, p. 153). Isso denota a preocupação
de deixar claro ao estudante que aquela é apenas uma representação, que o átomo poderia ter
qualquer outra forma. Afinal, ninguém nunca conseguiu ver um átomo.
Essa linha de discussão é fundamental no ensino de Ciências Naturais e já neste nível
de ensino é importante que os alunos entendam que os conhecimentos científicos não se
referem ao que pode ser visto, tocado, percebido pelos nossos sentidos. E que a ciência é uma
produção do homem e sendo assim não se trata de estudar o que pode ser visto no mundo real.
Na formação dos professores e no ensino de Ciências Naturais é essencial que sejam feitas
reflexões de cunho epistemológico sobre os modos como os conhecimentos são entendidos e
trabalhados nos LD e nas salas de aula.
Ao mesmo tempo em que consideramos fundamental e defendemos a necessidade de
abordagem de conceitos químicos, como elemento, substância, átomo, molécula, durante todo
o Ensino Fundamental para que ocorram processos de significação conceitual em Ciências,
questionamo-nos sobre a necessidade e a pertinência de abordar conceitos como os de átomo
e molécula, com esse nível de complexidade, nesta série escolar. O processo de apropriação
da linguagem química, como primeiro passo do processo de significação conceitual, poderia
ter sido focalizado no uso inicial das palavras (conceitos) elemento e substância. O estudante
até poderá expressar a opinião esperada em resposta a pergunta que consta ao final da Figura
8, no entanto, apenas como uma associação reproducionista, sem a compreensão
química/teórica esperada.
Há a explicação, no LD1, de que as substâncias são formadas por unidades muito
pequenas, que não podemos ver e que essas unidades são diferentes. Por isso elas foram
representadas de formas diferentes (cor e formato), conforme representado, justamente para
evidenciar que existem diferenças entre elas. No entanto, essas abordagens nos fazem refletir
sobre a pertinência de apresentar essas representações dos átomos.
Ainda na abordagem sobre a constituição das substâncias, o LD1 trata da
representação do oxigênio e do hidrogênio (como átomos que constituem a molécula de água,
não como elementos) pelos símbolos O e H, respectivamente.
71
Figura 9: Representação da molécula de água
Fonte: LD1, 2004, p. 154
Percebe-se essa preocupação em fazer uso dos símbolos, no entanto, a tabela periódica
não é mencionada no LD1.
O material didático em análise também trata do conceito de densidade. Compara as
diferenças de pesos existentes entre volumes iguais de substâncias distintas, como no caso do
óleo e da água. Neste caso afirma que a substância mais pesada é mais densa e que a menos
pesada é menos densa, como pode ser visualizado na figura abaixo:
Figura 10: Densidade
Fonte: LD1, 2004, p. 196
72
Abordagens do conceito de densidade das substâncias, pela mesma argumentação
relativa aos conceitos de átomo e molécula, não são pertinentes na 5ª série, com o nível de
complexidade apresentado pelo livro didático, que sugeriu inclusive a resolução de cálculos
de densidade. Essas abordagens com um nível de complexidade mais avançado são mais
pertinentes à 8ª série do Ensino Fundamental, conforme consta na maioria dos livros
didáticos. Defendemos que seja feito o uso das palavras sim, como meio de potencializar o
processo de significação de conceitos de forma sólida, mas com um cuidado especial nas
formas de abordagens e nos seus níveis de complexidade.
Pela experiência vivenciada em sala de aula da 8ª série, percebemos a complexidade
do ensino desses conceitos. É muito difícil para os estudantes estabelecerem relações entre a
massa e o volume das substâncias, fazer os cálculos, compreender o que de fato representa a
densidade de um material, ou de uma substância.
Mortimer, Machado e Romanelli (2000) discutem sobre alguns problemas que
ocorrem na introdução de conceitos no ensino médio e citam como exemplo o conceito de
densidade. Neste contexto, trazemos algumas contribuições destes autores, ao falar da
abordagem deste conceito já na 5ª série do Ensino Fundamental.
De acordo com os autores, o conceito de densidade é introduzido na maioria dos livros
didáticos do ensino médio seguindo uma única linha, que se baseia na apresentação da
fórmula de densidade como d=m/v. Essa forma de abordagem do conceito é característica dos
currículos tradicionais, nos quais os conceitos passam a ser “confundidos com definições, que
o aluno passa a usar de maneira mecânica em problemas de tipos bem determinados”
(MORTIMER, MACHADO e ROMANELLI, 2000, p. 274).
Na maioria dos livros didáticos de Ensino Fundamental, que apresentam uma
abordagem tradicional dos conceitos, as discussões sobre densidade também se apoiam em
uma única linha, na apresentação da fórmula e na resolução de cálculos sobre a densidade de
materiais e substâncias. Os exercícios sugeridos, na maioria das vezes, envolvem
a aplicação direta dessa fórmula, nos quais os valores de duas das variáveis são
fornecidos, bastando usar a fórmula para se encontrar o valor da terceira. Quando
solicitamos ao aluno, que “aprendeu” densidade por esse processo, que explique o
funcionamento dos densímetros, usados em postos de gasolina para determinar se o
álcool vendido como combustível está dentro das especificações, descobrimos que,
na maioria das vezes, ele não é capaz de reconhecer neste um problema que possa
ser resolvido usando o “conceito” de densidade. Na verdade esse aluno não aprendeu
um conceito mas apenas sua definição, já que um conceito implica ao mesmo tempo
a relação com objetos e com outros conceitos. Aprender a usar a definição de
densidade não implica na aprendizagem do conceito, uma vez que essa só será
possível após a aplicação do conceito a diferentes fenômenos, nos quais as relações
73
entre densidade e outros conceitos vai se tornando explícita (MORTIMER,
MACHADO e ROMANELLI, 2000, p. 274).
Neste sentido, apontamos a necessidade de um currículo que não considere apenas as
definições conceituais e teóricas dos conceitos químicos, mas que leve em conta os diferentes
contextos e as situações vivenciais em que eles se aplicam e que permite compreendê-los.
Salientamos também a complexidade que se instaura na compreensão do conceito de
densidade, seja no ensino médio quanto na 8ª série do Ensino Fundamental, em que esse
conceito já é introduzido em Ciências. Defendemos a necessidade de abordagens sobre esse
conceito já na 5ª série do Ensino Fundamental, o que é sugerido pelo LD1. Provavelmente os
estudantes, neste nível de ensino, não irão produzir um significado sólido para o conceito de
densidade, que precisa da mobilização e o estabelecimento de relações com outros conceitos,
dos quais os estudantes da 5ª série ainda não se apropriaram. No entanto, o uso da palavra se
constitui como primeiro passo para o processo de significação conceitual. Com o uso
sucessivo das palavras novos significados são construídos, os quais evoluem e são
ressignificados na medida em que são aplicados em diferentes contextos de estudo. Essa
ressignificação permite novas reflexões e a construção de sentidos aos conceitos,
caracterizando uma forma de pensamento conceitual.
Na última unidade do LD1, que trata do ar, há uma retomada dos conceitos de átomo e
molécula, conforme segue:
Figura 11: Moléculas e átomos
Fonte: LD1, 2004, p. 214
74
Figura 12: Moléculas e átomos
Fonte: LD1, 2004, p. 214
Outra vez, trata-se de uma abordagem em que não são usadas as palavras (conceitos)
substância e elemento químico, o que referenda a linha de análise expressa anteriormente.
O que queremos enfatizar na análise e discussão das abordagens no LD1 é a percepção
de que, por um lado, as unidades iniciais negligenciam o uso da linguagem química,
praticamente sem contemplar processos iniciais de significação conceitual, nem mesmo para
os conceitos de elemento e substância. Por outro lado, no final do livro há abordagens que
extrapolam níveis de abstração possíveis na 5ª série, adentrando em abordagens muito
complexas sobre os conceitos de átomo, molécula, densidade, ainda sem abordagens com o
uso das palavras (conceitos) elemento e substância. Percebe-se uma fragmentação do
conhecimento escolar uma vez que, por exemplo, os estudos sobre o solo não contemplam
aprendizados químicos, diferentemente dos estudos sobre a água e o ar. Além da
fragmentação considera-se que algumas formas de abordagens não são pertinentes, seja pelo
estágio de desenvolvimento dos estudantes, seja pela problemática da não significação dos
conceitos elemento e substância, que são essenciais a estruturação do pensamento químico.
Salientamos que abordagens desse tipo acabam por se tornar obstáculos no processo
de aprendizagem e de significação de conceitos químicos em aulas de Ciências Naturais do
Ensino Fundamental, referidos por Bachelard (1996) e mencionados anteriormente nessa
dissertação como obstáculos epistemológicos.
Alguns dos obstáculos epistemológicos, citados por Bachelard (1996), são: o realismo,
o verbalismo, o substancialismo, o animismo entre outros. O substancialismo é um obstáculo
bastante presente na literatura didática de Ciências Naturais, como uma crença já enraizada
(OLIVEIRA, 1995). Está presente, frequentemente, nas definições do conceito de molécula,
como sendo
a menor parte da substância capaz de guardar suas propriedades”. A partir de
definições desse tipo, a idéia transmitida ao estudante é a de que o constituinte
isolado (molécula) contém em si os atributos do todo. Entretanto, como dizer que a
molécula de água possui densidade, pressão de vapor, tensão superficial, pontos de
75
fusão e ebulição e etc? Tais propriedades pertencem ao conjunto, isto é, manifestamse nas relações que as moléculas mantêm entre si (OLIVEIRA, 1995, p. 09).
Acreditamos que os estudantes, neste nível de ensino, ainda não sejam capazes de
estabelecer relações entre conceitos que requerem níveis elevados de abstração. Na 5ª série,
provavelmente, ainda não são construídos significados sólidos aos conceitos, em função da
complexidade de muitas abordagens e do nível de desenvolvimento e maturidade de cada
estudante. No entanto, mesmo crianças pequenas hoje podem ter acesso a redes de
comunicação e informação e desenvolvem agilidade de pensamento e ação, cabendo à escola
ampliar a apropriação e o uso das palavras como conceitos escolares, a exemplo de elemento
e substância. Isso requer abordagens sistemáticas com retomadas e avanços conceituais, ao
longo das aulas de Ciências Naturais. Quem sabe, ao final da escolarização, serão percebidas
as evoluções e construções conceituais produzidas ao longo desse período de ensino.
O item que segue, em continuidade a análise dos LD, trata de uma organização
curricular que se diferencia da até aqui analisada, por contemplar interrelações de temas,
conceitos, fenômenos, situações reais, no ensino de Ciências Naturais.
3.1.2 Interrelações de Conhecimentos no Ensino de Ciências Naturais
O LD5 encontra-se organizado em 4 grandes unidades. Pela forma de organização dos
conteúdos observada no sumário deste livro, percebemos que esse material apresenta uma
proposta diferenciada, no sentido de uma organização inovadora do currículo de Ciências
Naturais por apresentar abordagens dos conteúdos/conceitos de Ciências Naturais articulados
a temas da vivência social, numa perspectiva contextual e interrelacionada.
A primeira unidade trata dos ciclos da vida, com discussões sobre a vida de
adolescente, a identidade dos jovens, as mudanças que acontecem nessa fase e como crescer
com saúde. Ainda na unidade um, aborda-se o ciclo de vida de alguns animais e vegetais,
além do estudo da água e seu ciclo, sua presença nos seres vivos, a falta de água, o acesso a
agua tratada e a produção de água potável.
Na unidade 2, é abordada a diversidade dos materiais, iniciando os estudos pela
Química no cotidiano, substâncias e misturas, a Química dos medicamentos e alguns
processos de separação de misturas. Logo após, são apresentados alguns materiais que nos
rodeiam, enfatizando suas propriedades, ou seja, o que caracteriza e diferencia cada um deles.
76
Para encerrar o estudo da unidade 2 foram apresentadas algumas discussões sobre o ar e suas
propriedades, e algumas das transformações que acontecem nos materiais.
Na unidade 3 são trazidas algumas discussões sobre a diversidade da vida,
apresentando as diferenças e semelhanças entre os seres vivos bem como sua classificação. Os
vertebrados e invertebrados também são apresentados nesta unidade, a partir das discussões
de suas principais características. Foram feitas ainda abordagens em relação ao reino das
plantas, apresentando suas características gerais e os grupos nos quais elas se dividem.
Microrganismos como fungos, bactérias, algas e protozoários também foram abordados nesta
unidade.
Na quarta e última unidade, o foco de estudo está centrado no planeta terra, com
abordagens sobre o globo terrestre, as forças que atuam sobre ele, o formato da terra, o sol e
os movimentos de rotação da terra.
Esse livro didático de 5ª série, assim como o livro mencionado e analisado
anteriormente, apresenta no decorrer de suas abordagens conceitos da Química, no entanto a
abordagem destes conceitos é feita de forma diferenciada, já que a proposta do livro também
se diferencia do LD1. Serão apresentadas nesse subcapítulo algumas considerações em
relação às abordagens trazidas pelo LD5, comparando-as com as abordagens do LD1.
Essa rápida descrição geral do LD5 já permite uma percepção sobre a diferença entre
ele e o LD1 no que se refere às abordagens de conteúdos/conceitos de química e também a
forma não fragmentada dessas abordagens ao longo do livro. Ambos tratam do universo, do
meio ambiente, dos seres vivos, do ar, da água e do solo, no entanto as formas como os
assuntos são abordados se diferenciam bastante. Tal diferença será explicitada e discutida a
seguir.
No LD5 uma das abordagens iniciais refere-se ao estudo da água, dos locais do globo
terrestre onde existe água, da água nos seres vivos, dos problemas da falta da água em
ambientes, o ciclo da água, etc.
Nas abordagens sobre o ciclo da água, o LD apresenta algumas considerações
afirmando que a água é transferida de um lugar para o outro continuamente e que ela faz parte
da mistura que compõe o ar que respiramos. Além disso, ela faz parte da constituição dos
organismos vivos, podendo ser encontrada em regiões da terra consideradas inacessíveis
(LD5). O livro enfatiza mudanças envolvidas no ciclo da água, representadas na figura 13.
77
Figura 13: Diagrama esquemático de mudança dos estados físicos da água
Fonte: LD5, 2003, p. 56
Após a imagem que representa o ciclo da água, consta uma explicação de forma
detalhada sobre cada um dos oito processos que explicitam as mudanças pelas quais a água
passa em relação aos diferentes estados físicos em que ela se apresenta. Vejamos duas
explicações presentes no LD5:
Processo1- Parte das geleiras e das calotas polares podem se tornar líquidas, desde
que recebam energia solar suficiente. Nesse caso, dizemos que ocorreu a fusão do
gelo. Fusão, portanto, é o nome dado à transformação de um material sólido em
líquido.
Processo 2- A água não precisa ferver para transformar-se em vapor. Isso pode
acontecer em qualquer temperatura, por um processo chamado evaporação. A
energia irradiada pelo Sol facilita a evaporação da água, que se transforma
lentamente em vapor e se mistura ao ar da atmosfera. A velocidade da evaporação
depende:
- da quantidade de água que já se encontra misturada ao ar (umidade do ar);
- da existência de ventos;
- da temperatura do ambiente;
- da extensão da superfície de água que está em contato com o ar.
Percebemos que as abordagens referentes ao estudo da água, bem como o seu ciclo, se
referem as suas propriedades e as transformações que ocorrem, no entanto, não são feitas
referências à sua constituição.
Ao referirmo-nos às propriedades, a constituição e as transformações que ocorrem em
materiais e substâncias, estamos fazendo referência aos objetos de investigação da Química
(MORTIMER; MACHADO; ROMANELLI, 2000). Os autores destacam que, para que o
currículo de Ciências Naturais permita aos estudantes compreensões sobre o cotidiano,
fazendo com que relacionem conceitos da Química com situações de sua vivência, de forma
78
que o currículo não se caracterize como tradicional, mas sim diferenciado, ele deve perpassar
esses três pontos.
Esses objetos de conhecimento, que são as propriedades, a constituição e as
transformações de materiais e substâncias, e que caracterizam o ensino da Química como um
todo se apresentam na forma de triangulação, interrelacionados uns com ou outros
(MORTIMER, MACHADO E ROMANELLI, 2000).
Na abordagem sobre o ciclo da água, feita no LD5, não percebemos a consideração
dessas interrelações, desses aspectos que constituem a triangulação mencionada, que se
referem às propriedades, à constituição e às transformações dos materiais e das substâncias.
São evidenciados apenas dois deles, quando se refere às propriedades da água e às
transformações que podem ocorrer. Mesmo que no LD5 não sejam considerados os aspectos
que se referem à constituição da água, a abordagem de suas propriedades e transformações já
permite entendimentos sobre a substância água em termos conceituais, o que já contribui para
o processo de significação conceitual desta substância.
Outro assunto tratado no LD5 refere-se aos cuidados que devemos ter com a
alimentação. São citados então alguns alimentos que fazem parte de nossa dieta alimentar,
bem como os nutrientes essenciais que os constituem, que são a água, sais minerais, açúcares,
gorduras, vitaminas e proteínas. (LD5). A figura abaixo representa alguns dos alimentos que
consumimos e os nutrientes que os constituem.
Figura 14: Constituição de alguns alimentos
Fonte: LD5, 2003, p. 24
Essa abordagem apresentada no LD5, sobre a constituição dos alimentos, por mais que
não aborde explicitamente o conceito de elemento químico e substância, já faz o uso de
79
palavras que remetem as substâncias que lhes constituem. Percebemos que a abordagem dos
conceitos químicos é feita com mais cautela, sem a necessidade de uma significação
conceitual mais complexa, o que foi percebido na análise do LD1, em que os conceitos são
apresentados de vez.
Mesmo que as abordagens não contemplem, em um primeiro momento, a constituição
e as propriedades das substâncias que constituem os alimentos em um nível atômicomolecular, a produção de sentidos já ocorre, portanto, novas compreensões sobre os alimentos
já são produzidas pelos estudantes.
Consideramos que durante essa abordagem a tabela periódica dos elementos já poderia
ser apresentada, fazendo parte das discussões. Nesse contexto ela poderia ser utilizada para
que os estudantes, a partir da imagem dos alimentos pudessem pesquisar quais dos nutrientes
que constituem os referidos alimentos são encontrados na tabela periódica. Nesse caso, os
estudantes encontrariam na tabela periódica o cálcio, o potássio, o fósforo e o ferro. Portanto,
ele já teria condições de afirmar que estes são elementos químicos. Já os demais nutrientes
como vitaminas, proteínas, gordura, não são encontrados na tabela periódica, portanto, não
são elementos químicos.
Alguns nutrientes não seriam encontrados na tabela periódica pelo fato de não serem
elementos químicos, mas sim substâncias. As substâncias que encontramos nos alimentos
indicados na figura são: lactose, açúcar, vitamina A, vitamina C, sacarose, glicose, Vitamina
B12, amido, vitamina D, Vitamina B1 e B6. Destacamos que não há necessidade, ainda neste
nível de ensino de explicitar em termos conceituais o que é uma substância e qual a sua
constituição. A partir das discussões feitas acimas, sobre os nutrientes, que podem ser
encontrados nos alimentos na forma de substância ou elemento químico, os estudantes já terão
a capacidade de refletir sobre os referidos conceitos em situações de sua vivência, quando
essas palavras forem usadas.
Apontamos também a importância da abordagem sobre os alimentos pelo fato de ser
um tema de importância vivencial, já que apresenta discussões sobre como se ter uma
alimentação saudável, os cuidados com a alimentação, higiene do corpo, além de apresentar
dados sobre a nutrição no Brasil. Além do mais, uma pessoa que se alimenta diariamente
sem se indagar a respeito do valor nutricional das dietas, sem pensar adequadamente
sobre os alimentos e sem usar ideias como a composição química da alimentação e a
existência dos diversos nutrientes, não terá saberes relevantes, do ponto de vista do
valor nutricional e da qualidade da alimentação (KINALSKI; ZANON, 1997, p. 18).
80
Destacamos também em outro trecho do livro a utilização do termo substância, quando
da explicação de como é possível ter uma água de boa qualidade. Nessa explicação enfatiza-se
que substâncias indesejadas presentes na água, as quais comprometem a potabilidade da
mesma, só podem ser identificadas a partir de uma análise microscópica da amostra, ou seja,
os componentes que fazem parte da mistura não podem ser vistos a olho nu. Neste sentido,
compreendemos que os autores querem deixar claro que a transparência da água não é
sinônimo de potabilidade e que as substâncias que constituem ou contaminam a água não
podem ser vistas, como fica destacado no trecho retirado do livro didático.
Figura 15: Potabilidade da água
Fonte: LD5, 2003, p. 62
Neste trecho observamos também que, quando se discute sobre a constituição da água
potável, não é feita uma abordagem sobre a constituição da substância em nível atômico
molecular, mas sim da constituição da água potável, de componentes que estão presentes nela
e que a constituem enquanto substância. Por mais que os componentes da água não sejam
explicitados como sendo substâncias, já é evidente a preocupação das abordagens que tratam
da sua constituição, mesmo que de forma superficial.
81
Destacamos para a importância de discussões que se refiram as substâncias, mesmo
sem a sua definição em termos conceituais, pois o uso da palavra, sempre em um contexto
específico, é capaz de produzir sentidos e entendimentos, que posteriormente, com a evolução
das abordagens, passarão a ter um significado conceitual.
Na abordagem sobre a constituição da água mineral são apresentados alguns rótulos de
águas minerais, contendo informações sobre a sua composição química. A partir da
observação dos dados desses rótulos sugere-se a resolução de alguns exercícios que se
referem aos seus constituintes, como segue.
Figura 16: Constituição da água mineral
Fonte: LD5, 2003, p. 63
A partir da observação dos rótulos de água mineral apresentados pelo livro didático,
percebemos a presença de elementos e substâncias que constituem a água mineral. Os
elementos que fazem parte da constituição dessa água estão em sua forma iônica, como é o
caso do sódio (Na+) e do cálcio (Ca+), sendo a sílica (SiO2) uma das substâncias que faz parte
de sua constituição, indicada em um dos rótulos.
Pela leitura dos exercícios propostos, percebe-se que o livro didático estimula a
reflexão por parte dos estudantes sobre os conceitos de elemento e substância, já que para a
82
resolução dos exercícios é necessário que eles apresentem certa clareza em relação ao que seja
um e outro. Para responder as questões, necessariamente as palavras vão ter que fazer parte
das discussões e de seus pensamentos, por mais que não se tenha dito que a água é uma
substância, mas sim uma mistura de diversas substâncias, e que a palavra substância não tenha
sido conceituada no que se refere a sua constituição em nível atômico molecular.
Ao fazer a interpretação dos rótulos de água mineral e ao responder os exercícios, o
estudante faz uso do termo substância e assim já produz alguns sentidos ao conceito naquele
contexto, sendo que as produções em nível conceitual, com um pensamento abstrato se dão
mais tarde, após evoluções e ressignificações daquele conceito.
Quando são discutidas as formas de produção de água potável é apresentado um
quadro que indica a presença de metais pesados em rejeitos de indústrias que atuam em
diversos ramos, como a indústria de papel e celulose, petroquímica, de fertilizantes, refinarias
de petróleo e usinas siderúrgicas. Os metais pesados presentes são representados pelo seu
nome, acompanhado do símbolo do elemento químico que os representam e que podem ser
visualizados na imagem abaixo.
Figura 17: Metais presentes nos rejeitos de indústrias
Fonte: LD5, 2003, p. 64
A partir dos elementos que constituem substâncias que podem causar danos ao homem
e ao ambiente (metais pesados), indicados nessa tabela, poderiam ter sido introduzidas
discussões em torno do estudo da tabela periódica dos elementos, já que os metais pesados
apresentados estão organizados na tabela periódica de forma que se encontram em um mesmo
grande grupo, o grupo dos metais. Dentro deste contexto poderiam ser discutidas também
questões relacionadas à representação química destes elementos, através do símbolo químico
que representa cada um deles. O uso de um símbolo, para designar um elemento químico,
representa uma forma de linguagem específica à Química.
83
Defendemos a importância da abordagem através do uso da tabela periódica,
apresentando os elementos químicos e as substâncias já na 5ª série do Ensino Fundamental,
pelo fato de que a formação de conceitos não se dá de vez, ou seja, é um processo longo, no
qual a palavra precisa ser usada muitas vezes até que de fato adquira um significado
conceitual para o estudante. Por mais que na 5ª série os estudantes não façam o uso da palavra
com significado conceitual, ela tem um sentido dentro de determinado contexto em estudo.
Com o passar do tempo e a partir de outras abordagens essas palavras passam a adquirir, em
outros contextos, novos sentidos, que evoluem. Consideramos, de acordo com Vigotski
(2008), que o conceito não é uma formação estável, cristalizada. Seu significado sempre
evolui, fazendo com que os conceitos possibilitem aos sujeitos atingir níveis mais elevados de
compreensão sobre situações e fenômenos em estudo.
Dentro da unidade intitulada “A diversidade dos materiais”, são apresentadas
discussões sobre as substâncias e misturas, procurando dar uma ideia destes dois conceitos.
Vamos recordar que, anteriormente, quando do estudo dos alimentos e dos componentes que
os constituíam, o conceito de substância já estava sendo introduzido, isso ao dizer que os
diversos alimentos que ingerimos são constituídos por diferentes nutrientes, que podem se
apresentar na forma de substâncias (sacarose) ou elementos (cálcio, ferro). No entanto, os
termos elemento e substância não foram utilizados neste contexto para designar esses
nutrientes. Com base nos escritos de Vigotski (2008), essas retomadas realizadas durante as
diferentes unidades do livro didático, têm por finalidade promover a evolução dos conceitos, a
partir de seu uso em diferentes contextos. Nesse processo são produzidos novos sentidos aos
conceitos.
Por mais que se discuta que poderiam ter sido introduzidas discussões sobre a tabela
periódica dos elementos, buscando identificar os nutrientes que poderiam ser encontrados
nela, para dessa forma diferenciá-los dos nutrientes que não seriam encontrados nela, pelo
fato de serem substâncias, destacamos que agora, neste novo contexto, em que os autores
discutem a diversidade dos materiais, percebemos a intencionalidade nas discussões sobre as
substâncias, os elementos e as misturas. Ou seja, por mais que na discussão anterior a
intenção não fosse quem sabe a de significar já esses conceitos, eles permeavam o estudo dos
alimentos. Naquele contexto a sacarose não era definida como uma substância, mas sim como
um nutriente que constituía um alimento. Já neste contexto, a sacarose é citada como sendo
uma substância, pura e não uma mistura de substâncias, como o leite materno e o leite de
vaca.
84
No trecho abaixo, podemos visualizar as discussões feitas pelos autores em torno das
substâncias e misturas:
Figura 18: Substâncias e misturas
Fonte: LD5, 2003, p. 76
Figura 19: Substâncias e misturas
Fonte: LD5, 2003, p. 77
Percebemos, portanto, que houve uma evolução no significado dos conceitos de
substância e misturas neste contexto. No contexto anterior, no qual as discussões também se
deram em torno dos alimentos, percebeu-se o uso das palavras, no entanto, elas não traziam
um significado conceitual tão evidente, como no contexto atual, no qual os significados já
evoluem.
Mais adiante, ainda no estudo dos materiais, encontramos um capítulo que discute
especificamente as propriedades dos materiais, evidenciando que os diferentes objetos e
instrumentos que existem no mundo são formados por materiais diferentes, e que cada
85
material possui propriedades específicas, que os diferenciam uns dos outros, como ponto de
fusão e ebulição.
Nesse estudo dos materiais são evidenciados os metais, que dão origem a muitos dos
objetos que utilizamos no dia-a-dia. São abordadas também algumas propriedades dos metais,
como brilho, maleabilidade, ductibilidade, capacidade de condução de calor e eletricidade.
Logo após são discutidas algumas questões específicas em relação a alguns dos metais mais
utilizados pelo homem, como o ferro, alumínio, cobre, ouro, prata e mercúrio.
Destacamos que, durante a abordagem das características e utilizações dos metais
acima referidos, houve a preocupação em citar algumas características destes metais do ponto
de vista da Química, principalmente, pelo fato de terem sido utilizados os símbolos químicos
que representam os elementos quando se referiam ao ferro (Fe), ao alumínio (Al), ao cobre
(Cu), e assim por diante. No entanto, evidenciamos que esses metais não poderiam ser
compreendidos como substâncias, pelo fato de não serem feitas abordagens que dizem sobre
quais compostos constituem.
Durante essa abordagem sobre os metais foi apresentada a tabela periódica dos
elementos, como sendo “um modo de organizar e apresentar os elementos químicos de acordo
com suas propriedades. Esses elementos são representados por seu símbolo. Por exemplo, o
símbolo do elemento ferro é Fe. O ouro é representado por Au, as duas primeiras letras de seu
nome em latim” (LD5, 2003, p. 95).
Após a explicitação do que é a tabela periódica, ela é representada no livro didático.
Figura 20: Tabela periódica dos elementos
Fonte: LD5, 2003, p. 95
86
Destacamos a importância de abordagens que procurem evidenciar algumas
características dos materiais do ponto de vista da Química, bem como as abordagens sobre a
tabela periódica dos elementos, já neste nível de ensino. Destacamos também que essa
abordagem apresentada neste material didático apenas introduz o assunto referente a tabela
periódica, não se preocupando com abordagens mais complexas neste momento, já que os
estudantes que fazem uso desse material didático encontram-se na 5ª série, nível em que os
conceitos químicos não precisam e não devem ser abordados de forma muito complexa, em
função da capacidade de compreensão, ainda limitada, dos estudantes nesta série. No entanto,
a Química, mesmo que de forma simples e simplificada, já passa a fazer parte das discussões
dos estudantes, as palavras já são utilizadas, eles já pensam sobre isso, o que contribui para
abordagens e significações que serão feitas, de fato, mais adiante.
Outro momento que evidencia o uso da linguagem Química nas discussões sobre os
materiais, se refere às transformações pelas quais passam os metais. Durante essa discussão,
procura-se explicitar que em determinadas condições os metais podem sofrer transformações,
principalmente o ferro, e que uma das transformações que ele pode sofrer é o enferrujamento,
conhecido também por corrosão. O enferrujamento é um “processo que ocorre com o ferro
quando ele é exposto ao ar e à umidade. No ar existem água e oxigênio. A umidade apresentase na forma de vapor de água. Oxigênio, água e ferro são substâncias que reagem entre si e
produzem a ferrugem. Nos lugares onde a umidade do ar é alta, a corrosão do ferro ocorre
mais rapidamente” (LD5, 2003, p. 127).
Após as explicações sobre o que é o processo de corrosão e quais condições favorecem
a ocorrência dessa transformação, são apresentadas duas equações químicas que representam
a transformação.
Figura 21: Transformação dos metais
Fonte: LD5, 2003, p. 127
87
Evidenciamos a utilização das equações químicas para representar uma reação de
transformação de um material, o ferro, mesmo que tenham sido utilizados apenas os nomes
das substâncias, ao invés da fórmula que as representa.
Destacamos, neste contexto, a importância do uso da linguagem Química. É sabido
que a Química “utiliza uma linguagem própria para a representação do real e as
transformações químicas, através de símbolos, fórmulas, convenções e códigos.” (BRASIL,
1999, p. 34). Isso faz com que uso da linguagem Química seja essencial e necessária às
explicações dos fenômenos e transformações que ocorrem na natureza, no ensino de Ciências
Naturais.
Além de fundamental para o entendimento das transformações, que acontecem no
mundo material, a linguagem Química também desempenha um papel importante em relação
a compreensão dos conceitos por parte dos estudantes. De acordo com Roque e Silva (2008,
p. 06) “a aprendizagem da química se caracteriza pela apropriação de uma linguagem
específica e apropriada para a descrição dos fenômenos materiais”, ou seja, quando o
estudante se apropria dessa linguagem é possível perceber que ele se apropriou de conceitos
da área e passa a dispor de saberes que serão úteis ao entendimento de situações que ocorrem
tanto em sala de aula quanto fora dela, em casa, sendo capaz de ampliar e aprofundar os
entendimentos em relação a acontecimentos e fenômenos que vivencia.
A representação a partir do uso de fórmulas químicas constitui-se uma das principais,
senão a mais importante, das maneiras pela qual fazemos uso dessa linguagem Química,
sendo estas consideradas um instrumento importante para explicar várias propriedades das
substâncias (MORTIMER, 1996, p. 21).
Para Machado (1999, p. 152) “a linguagem científica, e a linguagem química em
especial, pode possibilitar aos sujeitos uma nova maneira de pensar/falar sobre o mundo. A
linguagem científica possui características próprias, diferentes da linguagem comum”. Neste
sentido buscamos destacar a importância do uso da linguagem Química no ensino de Ciências
Naturais durante todo o percurso das séries finais do nível fundamental, não apenas na 8ª,
último ano do Ensino Fundamental.
Neste sentido, defendemos que o uso da linguagem Química, mesmo que de forma não
tão aprofundada, ao longo de todo Ensino Fundamental, constitui-se um dos principais
quesitos para a construção do pensamento químico e compreensão dos fenômenos que
ocorrem em nosso mundo, além de ser um “instrumento privilegiado para a elaboração de
88
uma forma de pensar em Química” (MACHADO, 1999, p. 143). Quando essa linguagem é
trabalhada em sala de aula de forma correta, com a significação de conceitos fundamentais,
uso de representações químicas, entre outros, os estudantes passam a ver o mundo com outros
olhos, pois é dada a eles a possibilidade de compreender as transformações que ocorrem nos
materiais, substâncias, enfim, em tudo, a partir dos olhos das Ciências Naturais, ou seja, a
partir dos conhecimentos da área que passam a fazer parte de sua vida e sobre os quais eles
passam a ter o que falar e argumentar.
Cabe reconsiderar a ideia de Vigotski (2008), de que é por meio da linguagem que o
pensamento pode ser constituído e realizado. Nesse sentido “a linguagem não é apenas um
veículo que transporta um conteúdo. [...] É fundamental ampliarmos nossa concepção de
linguagem e considerar sua dimensão constitutiva de nossas formas de pensar e do processo
de significação” (MACHADO, 2000, p. 40).
3.2
A Importância da Palavra no Processo de Significação dos Conceitos Elemento e
Substância em Ciências Naturais
Vimos que o percurso que leva à formação do pensamento conceitual é longo e passa
por diversas fases e estágios. Nesse processo de construção e formação de conceitos
precisamos considerar e pontuar a importância da palavra/conceito como primeiro requisito
para a construção de caráter abstrato, considerando que a palavra (depois de muito ser
utilizada) se torna um conceito, criando a própria função mental superior de representação
abstrata. A importância da palavra nesse processo de significação conceitual é uma das
afirmações fortemente defendidas por Vigotski (2008).
Com base neste autor, é somente pelo uso da palavra, mediada sempre pelo outro, que
ocorrem os processos de significação conceitual (VIGOTSKI, 2008). Neste sentido
enfatizamos a importância do uso da palavra como instrumento de interação, que possibilita a
constituição do pensamento químico, por meio do uso da linguagem específica da Química,
como meio para a significação dos conceitos em Ciências Naturais, considerando neste caso
os de elemento e substância.
O currículo do ensino de Ciências Naturais, em geral, tem como foco a abordagem de
conteúdos de Biologia, voltados quase que exclusivamente ao estudo dos seres vivos. Nesse
contexto, percebe-se uma desvalorização das abordagens referentes aos conhecimentos de
Química (KINALSKI; ZANON, 1997), que, por sua vez, têm sido limitados a 8ª série.
89
Conforme menção feita na introdução dessa dissertação, a educação em Ciências Naturais
apresenta uma tradição, na qual o mundo natural é apresentado de forma fragmentada e linear.
Essa mesma fragmentação e linearidade no ensino dos conteúdos, com uma separação
entre a Biologia, a Física e a Química, está bastante presente nos livros didáticos
disponibilizados para o ensino, com abordagens de conteúdos de Biologia nas 5ª a 7ª séries,
enquanto a 8ª série limita-se aos estudos da Química e Física.
Como refere Chassot (1992), é importante que o conhecimento químico permeie o
ensino de Ciências Naturais, de 5ª a 8ª série, não se restringindo a um semestre isolado, no
final do Ensino Fundamental, em que, em geral apenas são antecipados conteúdos do Ensino
Médio. Defendemos que os conceitos químicos sejam abordados a partir da 5ª série do Ensino
Fundamental, pois são necessários para o ensino dos próprios conteúdos tradicionalmente
trabalhados nesta série, referentes ao ar, a água, ao solo, as relações ecológicas, fotossíntese,
respiração, entre outros. Como ensinar esses conteúdos sem usar uma linguagem e um
pensamento que permitam compreender a presença do gás oxigênio, do gás carbônico, da
água e de tantas outras substâncias que constituem e conferem propriedades específicas aos
materiais e transformações, no ambiente? Na fotossíntese não temos a presença de substâncias
e a ocorrência de transformações? Uma enormidade de questões semelhantes a essas
poderiam ser elencadas se considerarmos o conjunto dos conteúdos ensinados no decorrer das
séries do Ensino Fundamental, em Ciências Naturais.
Portanto, é necessário problematizar criticamente essa tradição na qual os conteúdos e
conceitos de Química são vistos no currículo de Ciências Naturais como algo a parte. Essa
visão pode ser associada à ampla realidade do ensino praticado nas escolas, sendo ainda
poucos os professores de Ciências que a consideram inconcebível. É nesse cenário
problemático que refletimos sobre a necessidade de inserção da Química ao longo do ensino
de Ciências Naturais, mais especificamente, no que se refere aos conceitos de elemento e
substância, fundamentais para o entendimento de grande parte das situações e fenômenos
estudados neste nível de ensino. Dificilmente, no Ensino Fundamental, na área de Ciências
Naturais, é possível ensinar algum conteúdo sem alguma compreensão dos dois conceitos
mencionados.
Temos claro que, neste nível de ensino, as elaborações em termos conceituais para
elemento e substância ainda são limitadas, principalmente na 5ª e 6ª série, já que, baseado em
Vigotski (2008), o estudante ainda não atingiu a maturidade necessária às compreensões de
caráter conceitual, por isso, com nível de abstração. Neste sentido, defendemos a ideia do
90
mesmo autor de que, por mais que os estudantes não tenham ainda elaborado o significado
conceitual dessas duas palavras/conceitos, o uso delas já é um meio que possibilita a
comunicação e o entendimento entre os sujeitos. E, ao fazer uso das palavras, o sujeito vai
atribuindo sentidos as mesmas, construindo, dessa forma, entendimentos que se modificam,
evoluem, até que de fato sejam significadas de forma conceitual, portanto, abstrata.
Já na 5ª série do Ensino Fundamental é abordada a existência de uma forma específica
de representação das substâncias, através do uso da fórmula química, que na verdade
representa os átomos dos elementos que constituem as substâncias, sendo esses elementos
dispostos em uma tabela, que é conhecida como tabela periódica dos elementos.
Apresentamos essas colocações para explicitar a importância do uso da palavra em
Ciências Naturais, no sentido de que seu uso é importante no processo de evolução conceitual.
Como mencionado, anteriormente, os estudantes neste nível de ensino certamente não saberão
todo o significado da palavra elemento ou da palavra substância, no entanto já atribuem a elas
um sentido, que está relacionado ao contexto em estudo.
Mas, com o passar do tempo e com a utilização das palavras em diferentes momentos
e contextos, o seu significado evolui para níveis mais complexos de significação, e assim, o
conceito de fato passa a ser construído e significado. Portanto, para o significado de uma
palavra evoluir é fundamental que se faça o uso da palavra (VIGOTSKI, 2008).
Para Vigotski (2008), a criança, o jovem ou o adulto só tem acesso a novos conceitos
pelo uso da palavra, considerando sempre que as
funções psíquicas superiores são processos mediados, e os signos constituem o meio
básico para dominá-las e dirigi-las. O signo mediador é incorporado à sua estrutura
como uma parte indispensável, na verdade a parte central do processo como um
todo. Na formação de conceitos, esse signo é a palavra, que em princípio tem o
papel de meio na formação de um conceito e, posteriormente, torna-se o seu símbolo
(VIGOTSKI, 2008, p. 70).
A palavra tem papel fundamental no processo de construção do conhecimento escolar,
na mediação “da compreensão dos conceitos por parte dos sujeitos e principal agente de
abstração e generalização. É nesse sentido que a linguagem assume um papel constitutivo na
elaboração conceitual, e não apenas o papel comunicativo ou de instrumento” (MACHADO;
MOURA, 1995, p. 27-28).
Vigotski (2008, p. 69) contribui no entendimento da importância da palavra no
processo de significação conceitual, ao afirmar que “as palavras exercem a função de
91
conceitos e podem servir como meio de comunicação muito antes de atingir o nível de
conceitos característicos do pensamento plenamente desenvolvido”. Isso situa a importância
de usar/significar termos em aulas de Ciências Naturais (elemento, substância, átomo, modelo
atômico, entre outros), já que os processos de significação conceitual não se dão de vez, mas
sim de forma lenta. É um processo complexo, que exige retomadas, recomeços, e que evolui.
Nas aulas de Ciências Naturais, os processos de significação e formação de conceitos
são complexos. O estudante realiza um longo percurso até que, de fato, consiga abstrair e
construir conceitos que lhe permitam compreender situações e fenômenos vivenciados no
cotidiano. E, para que essa construção conceitual aconteça de forma sólida e significativa, é
necessário ter claro que:
um conceito é mais do que a soma de certas conexões associativas formadas pela
memória, é mais que um simples hábito mental; é um ato real e complexo de
pensamento que não pode ser ensinado por meio de treinamento, só podendo ser
realizado quando o próprio desenvolvimento mental da criança já tiver atingido o
nível necessário. Em qualquer idade, um conceito expresso por uma palavra
representa um ato de generalização. Mas os significados das palavras evoluem.
Quando uma palavra nova é aprendida pela criança, o seu desenvolvimento mal
começou: a palavra é primeiramente uma generalização do tipo mais primitivo; à
medida que o intelecto da criança se desenvolve, é substituída por generalizações de
um tipo cada vez mais elevado – processo este que acaba por levar à formação dos
verdadeiros conceitos (VIGOTSKI, 2008, p. 104).
É neste contexto que se defende e incentiva o uso intencional da palavra como
instrumento fundamental e determinante nos/dos processos de significação conceitual. De
acordo com palavras de Vigotski (2008), apresentadas no trecho acima, sem o uso da palavra,
o processo de abstração e formação de um conceito não ocorre. É por isso que, nas aulas, cabe
ao professor o papel essencial de usar palavras específicas da ciência e proporcionar aos
estudantes momentos em que ele necessite usar as mesmas, para que possam produzir
sentidos cada vez com maiores relações de complexidade, tornando-se conceitos.
No próximo capítulo são apresentados e analisados os resultados de pesquisa
produzidos a partir dos registros de aulas de Ciências Naturais acompanhadas em uma turma
de 8ª série do Ensino Fundamental com foco principal nos processos de significação
conceitual de elemento e substância.
92
4 ABORDAGENS DOS CONCEITOS ELEMENTO E SUBSTÂNCIA EM AULAS DE
CIÊNCIAS NATURAIS DA 8ª SÉRIE
Este capítulo apresenta e analisa resultados de pesquisa construídos a partir dos
registros das aulas de Ciências Naturais junto à turma de 8ª série do Ensino Fundamental, com
foco nos processos de significação dos conceitos elemento e substância.
A partir do acompanhamento das nove aulas de Ciências Naturais, percebemos que a
turma era bastante participativa nas aulas. Os estudantes procuram interagir com a professora
e entre os colegas, fazendo perguntas e colocações. Em alguns momentos, mostravam-se um
tanto agitados, mas logo se acalmam quando solicitados.
Percebemos também que a professora ensinava com muita segurança e tranquilidade
durante as abordagens dos conceitos e conteúdos em sala de aula. Isso pode se explicar pelo
grande tempo de experiência, já que dedica muitos anos de sua profissão ao ensino de
Ciências Naturais e Matemática no Ensino Fundamental (treze anos professora de Ciências da
8ª série).
Durante o acompanhamento das aulas, chamou a atenção o fato de que a professora
possui grande domínio sobre a classe, no sentido de manter um clima de disciplina e
organização, sendo muito respeitada pelos estudantes na sala de aula. A professora prezava
momentos de descontração, de conversa, no entanto, nos momentos destinados à explicação
dos conteúdos, retomadas e resolução de exercícios era muito exigente, principalmente, no
que dizia respeito ao silêncio em sala de aula e o respeito entre alunos e professor.
Essa postura da professora, que exige dos estudantes respeito e empenho, mas permite
momentos de diálogo e interação uns com os outros, é fundamental para que ocorram
processos de significação conceitual, novas aprendizagens, pela interação com o outro, sendo
que essa interação é mediada sempre pelo uso da palavra.
A construção e análise dos resultados a partir dos registros das aulas limita-se a um
recorte das primeiras aulas de Ciências Naturais acompanhadas, devido ao limite de tempo e
93
espaço disponível para a elaboração escrita da dissertação. O recorte das aulas de Ciências
Naturais abrangeu o conteúdo “Misturas” e “Modelos Atômicos”, na 4ª e 5ª aulas. Este
recorte foi escolhido pela sua relação com o tema desta dissertação, já no início do ano letivo.
Na verdade estas foram as primeiras aulas de conteúdo, já que as aulas anteriores abrangeram
outras atividades de integração, na escola. Cabe registrar que ricos materiais empíricos
produzidos a partir dos registros serão objeto de continuidade e ampliação das análises,
futuramente.
A análise e discussão sobre os processos de significação conceitual de elemento e
substância iniciam com a constatação de que as primeiras abordagens, na sala de aula
acompanhada, foram no estudo dos diferentes “modelos atômicos” propostos por alguns
químicos (Dalton, Thomson, Rutherford e outros), em diferentes contextos e tempos
históricos. “Modelo atômico” também se constitui num conhecimento fundamental à
compreensão do conhecimento químico e da própria evolução da Química como ciência,
como construção humana, possibilitando a compreensão e significação de outros conceitos,
relacionados à noção de átomo como partícula elementar e fundamental da matéria.
Segue um breve relato da quarta e quinta aula de Ciências da turma de 8ª série, em
que foi abordado o conteúdo “modelo atômico de Rutherford”, com reflexões a partir do
diálogo dos sujeitos envolvidos, professora e estudantes, em relação ao ensino do assunto.
A aula iniciou com a correção de atividades da aula anterior, que se referiam ao
estudo sobre as misturas e os processos de separação das mesmas. As atividades haviam sido
encaminhadas como tarefa para casa.
Após a correção, a professora iniciou o estudo do átomo, questionando os estudantes
sobre suas compreensões em relação à palavra “átomo”, se já haviam ouvido algo sobre o
assunto. Após algumas manifestações dos estudantes, a professora mencionou os diferentes
modelos que foram propostos para o átomo no decorrer da história e evolução da Química,
iniciando pelos modelos propostos por Dalton e Thomson. Logo após, apresentou o modelo
de Rutherford, tendo ilustrado com um desenho no quadro negro o experimento realizado pelo
cientista (bombardeio a uma lâmina de ouro com partículas alfa). A ilustração e explicação
aos estudantes foi feita a partir do livro didático de Ciências utilizado pela professora como
suporte em suas aulas (diferente do livro dos estudantes). Segue um recorte obtido a partir do
livro didático da professora (que faz parte da mesma coleção a qual pertence o LD4, analisado
nesta dissertação) e um recorte obtido a partir do caderno de um dos estudantes, que copiou o
que constava no quadro negro:
94
Figura 22: Representação do experimento de Rutherford
Fonte: LD4, 2004, p. 61
Figura 23: Representação do Experimento de Rutherford
Fonte: Caderno do aluno 1
A partir da ilustração, a professora explicou o conteúdo. Durante as falas, ela
apontava para partes específicas do desenho, no quadro. Algumas falas, que constam em
itálico no episódio, correspondem a trechos que ela lia diretamente no livro.
Aula 4. 56. P: Ó gente, aqui no livro diz assim: (faz leitura do livro) “Entre
1909 e 1911, o lorde Ernest Rutherford realizou um experimento conhecido
como ‘Experimento de Rutherford’: bombardeou uma lâmina finíssima de
ouro com partículas positivas, chamadas partículas alfa”. Então, gente, ele
bombardeou essa lâmina de ouro aqui com partículas positivas chamadas
partículas alfa. Algumas passaram essa placa e vieram até a lâmina de
sulfeto. Umas passaram, outras chegavam aqui e desviavam, pra um lado ou
pra outro, mas daí ele pensou “tá e agora?”. Aqui ((no livro) diz assim: “A
grande maioria das partículas atravessou a lâmina de ouro sem sofrer
desvios em sua trajetória, embora algumas tenham retrocedido e outras
sofrido desvios acentuados”. Então gente, algumas partículas atravessaram
a lâmina, já outras sofreram desvios. Mas algumas retrocederam, voltaram e
95
algumas desviaram pros lados. Então o que ele descobriu? Aqui diz que
“Com esse experimento, Rutherford tirou as seguintes conclusões: o átomo
não é denso”. Como elas desviavam, né? Que o átomo possui uma região
central onde estão concentradas as cargas positivas. Que ao redor do núcleo
giram as cargas negativas. E aqui nada disso aparecia, nesse modelo aqui.
Então, o que ele fez? Ele tentou mais. E encontrou outro modelo para o
átomo: o modelo planetário, que seria como o sistema solar, dos planetas. No
centro o núcleo, né, e ao redor, vamos tentar fazer aqui. ((Toca a campainha
e a tarefa é adiada)). Na próxima aula eu retomo essa parte.
A fala da professora nas duas primeiras linhas do turno apresentado remete para
reflexões sobre a problemática da contextualização histórica do conhecimento escolar. Há
menção ao período em que “realizou um experimento”. Após, consta: “o que ele descobriu”.
É importante que, nos processos de significação conceitual, sejam produzidos
sentidos ao conceito, em abordagens referentes à contextualização histórica do conhecimento
químico, contudo: dessa forma?
É necessário situar o contexto problemático, as implicações dos conhecimentos da
época e as controvérsias associadas à proposição do modelo, evitando ideias simplistas como
a de ‘descoberta’. Também é objeto de reflexão a penúltima frase: “Ele tentou mais. E
encontrou outro modelo para o átomo: o modelo planetário”. O termo “encontrou” também dá
margem a uma visão simplista e apriorística de conhecimento científico.
A partir da explicação da professora, cabe questionar a (im)possibilidade de
compreensão, pelos estudantes, do experimento e do modelo teórico proposto por Rutherford.
Sem noção sobre as partículas alfa, por exemplo, como entenderiam o bombardeio da placa de
ouro? A única referência de que são partículas que apresentam carga positiva, neste nível de
ensino, provavelmente significa pouco para os estudantes.
Cabe refletir sobre a importância da problematização dos conceitos, sejam os
científicos ou os cotidianos, nas aulas de Ciências, para que elas não passem de um jogo de
perguntas e respostas, em que o professor é um mero transmissor e o estudante um mero
receptor de informações.
Nessas aulas prevaleceu a imagem do professor repetidor. Em abordagens como
essas, sem discussões e problematizações sobre os conhecimentos, os professores, de um
modo geral, acabam despertando um movimento de pensamento no aluno não orientado para
a compreensão conceitual dos objetos em estudo. Pelo contrário, acabam criando obstáculos
96
epistemológicos e pedagógicos que impedem ou dificultam as aprendizagens dos conceitos de
Ciências Naturais (BACHELARD, 1996).
Como demonstra o episódio que segue, na aula seguinte, a professora retoma o assunto
da aula anterior e dá continuidade aos estudos sobre o modelo atômico de Rutherford:
Aula 5.1. P: Nós paramos nos átomos né? Nas diferentes teorias. Qual foi a
teoria que nós vimos na aula passada? Qual era a primeira, em forma de que?
Aula 5. 2. A1: De bola
Aula 5.3. P: Isso, como se fosse uma bola maciça. E o outro? Qual era o
outro modelo? O de pudim de...?
Aula 5.4. A2: Passas
Aula 5.5. P: Como se fosse um pudim de passas, com cargas negativas
dentro. Essas cargas negativas seriam as passas. O outro então seria o de
Rutherford, com todas aquelas placas de chumbo, com lamina de ouro, que
alguns feixes de partículas passavam, outros refletiam. (A seguir, a
professora faz a leitura do livro). “A grande maioria das partículas
atravessou a lâmina de ouro sem sofrer desvios em sua trajetória, embora
algumas tenham retrocedido e outras sofrido desvios acentuados. Com esse
experimento, Rutherford tirou as seguintes conclusões: O átomo não é denso
e apresenta mais espaços vazios do que preenchidos”. O que é denso?
Lembram que eu falei pra vocês? O que é denso é mais pesado. Lembram do
exemplo da água, que é mais densa que o azeite? Lembram gente, que eu
falei que algumas substâncias são mais densas que outras?
Aula 5.6. A3: Eu não lembro.
Aula 5.7. P: E o último gente, que modelo é? Em forma de planetas,
lembram gente! O modelo planetário, onde o núcleo seria considerado o sol
e ao redor os elétrons, que seriam o que?
Aula 5.8. A4: Os planetas
Aula 5.9. P: Então foi definido como modelo do sistema solar, no centro está
o núcleo e ao redor do núcleo os elétrons, que tem carga?
Aula 5.10. A5: Negativa
Aula 5.11. P: Isso, negativa. Nessa região central, no núcleo do átomo, se
encontram os prótons, que são s partículas positivas. Ao redor estão os
elétrons. E essa parte aqui gente, entre o núcleo e os elétrons seria a
eletrosfera, que é a região onde giram os elétrons.
A professora retoma a explicação do experimento, sobre o bombardeamento da
lâmina de ouro com partículas alfa, que algumas dessas partículas atravessaram a placa de
ouro, enquanto outras não. Rutherford chegou a algumas conclusões em relação ao átomo, a
partir da noção de que ele não é denso, com a noção da existência de espaços vazios.
97
São estabelecidas relações equivocadas entre a noção de densidade do átomo e dos
materiais, como no caso da comparação entre a densidade da água e do azeite. O comentário
sobre essa diferença de densidade e que as substâncias apresentam densidades diferentes não
contribui para o entendimento da ‘densidade de elétrons’ dos átomos na lâmina de ouro.
Podemos dizer que a abordagem do conteúdo no livro didático e na aula não é
adequada por não permitir uma compreensão conceitual mediante estabelecimento de relações
entre conceitos por parte dos estudantes. Que movimento de pensamento eles poderiam
efetivamente vivenciar a partir das explicações?
Os processos de significação conceitual em Ciências Naturais se concretizam somente
quando fazemos uso da palavra, que representa uma das diversas formas de linguagem e de
expressão existentes. A palavra é sempre mediada pelo outro, em um processo de interação
entre os sujeitos. Contudo, as relações pedagógicas requerem diálogos de forma que os
sujeitos possam produzir sentidos aos conceitos de forma coerente à forma científica/química
de linguagem/pensamento. Que relações de diálogo os sujeitos vivenciam em salas de aula, ao
se apropriarem das linguagens que necessitam ser adequadamente significadas?
Um dos aspectos a analisar, neste episódio, é em relação ao uso de metáforas e
analogias no ensino de Ciências Naturais, como foi o caso das explicações nesta aula. São
comparações indevidas e que não contribuem na compreensão do conhecimento escolar. Em
relação à aprendizagem dos conceitos da área de Ciências Naturais, cabe destacar que, “a
aprendizagem de conceitos é algo muito mais complexo do que o simples estabelecimento de
definições consagradas em textos didáticos e em glossários” (AGUIAR JR, LIMA E
MARTINS; 2005, p. 02).
Bachelard (1996, p. 93), ao discutir os obstáculos à apropriação dos conhecimentos
científicos na escola, critica o uso indevido de recursos para ensinar, o que “prejudica
evidentemente a razão, no qual o lado concreto, apresentado sem prudência, impede a visão
abstrata e nítida dos problemas reais.” Esse autor recomenda cautela e vigilância no uso de
comparações, imagens, ilustrações, que necessitam “ser entendidas como modelos de
raciocínio, nunca reflexos do real” (BACHELARD, 1996, p. 46). Com base em alertas deste
autor, cabe refletir sobre o risco de usar comparações indiscriminadas no ensino de Ciências
Naturais, o que tende a acomodar o pensamento dos estudantes ao invés de orientar na direção
da apropriação do conhecimento químico/científico na escola.
98
Destaca-se a importância de uma formação inicial e continuada de professores que
contribua para romper com o pensamento de uma ciência que busca evidências e conclusões
naquilo que é visível, palpável, no que está na natureza (ou que se acredita que esteja),
desconsiderando a participação do homem na produção criadora do conhecimento como
“fazer ciência” que contribui para transformar o mundo para melhor.
Neste sentido, cabe reafirmar o papel essencial do professor, como responsável pela
mediação de explicações adequadas sobre os conhecimentos escolares, com uma prática
voltada sempre para a direção da construção do pensamento em nível teórico-conceitual, em
coerência com as ciências; não na direção de, em nome de uma pretensa facilitação, abrir mão
de levar em conta a complexidade e os graus de dificuldade de compreensão conceitual,
inerentes aos processos de construção dos conhecimentos escolares, por parte dos educandos.
Na aula anterior, antes do início das abordagens sobre o modelo atômico de
Rutherford, a professora fez a correção dos exercícios referentes aos conteúdos de substância,
elemento e misturas. Apresentamos algumas reflexões a partir do diálogo dos sujeitos
envolvidos, professora e estudantes, em relação à correção das atividades que haviam sido
encaminhadas.
A correção dos exercícios foi feita a partir da leitura, em sequência, de cada uma das
questões pelos estudantes.
Aula 4.6.A1: Entre as substâncias a seguir, classifique em misturas
homogêneas ou heterogêneas: Água + areia: é heterogênea.
Aula 4.7. P: Heterogênea por que dá pra observar duas fases.
Aula 4.8. A2: Azeite de soja + azeite de milho: homogênea
Aula 4. 9.P: Isso, homogênea por que os dois são óleos.
Aula 4.10.A1: Pó de ferro + enxofre: heterogênea
Aula 4.11. A2: Pedra brita + serragem: heterogênea
Aula 4.12. A3: Conceitue elemento químico em seu ponto de vista: é o
conjunto de átomos iguais
Aula 4.13.P: É o que? Um conjunto de átomos...?
Aula 4.14. A: Iguais
Aula 4.15.P: De elementos iguais. Certo! Próxima...
Aula 4.16. A4: Cite um elemento químico que você conhece: o sabonete
Aula 4.17. P: Elemento químico
Aula 4.18. A4: Então?
Aula 4.19. P: Mas tu sabe a fórmula dele? Aqui está pedindo um elemento
químico que vocês já conhecem. Aqui poderia ser o hidrogênio, oxigênio,
cloro, nitrogênio, lembram? Próxima pergunta.
99
Aula 4.20.A5: O ar é uma substancia pura? Não, o ar não é tão puro como
pensamos, pois a fumaça dos carros polui o ar.
Aula 4.21.P: Ele não é uma substância pura por que ele é uma mistura de
vários gases, ou vários componentes químicos.
Aula 4.22.A6: Quais os gases que são componentes do ar? Gás nitrogênio,
gás carbônico, gás oxigênio.
Aula 4.23. P: E outros né? Existem outros. A próxima...
O episódio apresentado acima permite a percepção de que a correção dos exercícios
feita pela professora e pelos estudantes não passa de um jogo de perguntas-respostas, em que
os estudantes leem o que responderam e a professora apenas afirma o que foi lido, orientando
para a leitura da próxima pergunta, sem que se faça a problematização do assunto.
No turno 12, em um determinado momento da correção, o estudante faz a leitura de
uma pergunta sobre o conceito de elemento químico. Ao responder que “é o conjunto de
átomos iguais (Aula 4.12. A3)” a professora o questiona em relação a resposta dada, e afirma
que é um conjunto de “elementos iguais. (Aula 4.15.P)”. Após essa breve manifestação da
professora ela acrescenta: “Certo! Próxima... (Aula 4.15.P)”, referindo-se a leitura da próxima
questão.
Esse episódio suscita discussões sobre a falta de problematização e discussão com
relação as atividades desenvolvidas em sala de aula, já que são poucos os momentos em que a
professora problematiza, reforça os conceitos abordados, a exemplo da pergunta, no turno 16,
que se referia ao conceito de elemento, que foi respondida pelo estudante de forma incorreta,
corrigida pela professora, no entanto sem uma devida explicação e problematização. A
professora apenas destaca a resposta correta, no entanto não discute com os estudantes o
equívoco cometido pelo aluno e o porquê da resposta não estar correta.
Os estudantes, durante a correção destas atividades estão respondendo aos
questionamentos e isso é importante, porque eles estão verbalizando palavras na escola, mas,
é preocupante a rapidez com que inúmeros conceitos são trazidos, sem um tempo adequado
para que os processos de significação conceitual acompanhem efetivamente as falas dos
sujeitos. Essa rapidez na abordagem das palavras faz do processo de ensino e aprendizagem
uma repetição de palavras, como se fosse um papagaio. Nesse sentido, Vigotski (2008) alerta
que essas palavras apenas repetidas são caracterizadas pelo vazio de significado conceitual, já
que o processo de significação e formação de um conceito é complexo, e exige muito mais do
que o estabelecimento de conexões associativas (VIGOTSKI, 2008).
100
Em sua obra Pensamento e Linguagem, Vigotski contribui para a reflexão sobre o que
ele chama de “ensino direto” de conceitos, da mera repetição de palavras, sem qualquer
reflexão, afirmando que:
o ensino direto de conceitos é impossível e infrutífero. Um professor que tenta fazer
isso geralmente não obtém qualquer resultado, exceto o verbalismo vazio, uma
repetição de palavras pela criança, semelhante à de um papagaio, que simula um
conhecimento dos conceitos correspondentes, mas que na realidade oculta o vácuo
(VIGOTSKI, 2008, p. 104.).
Muitas vezes, em aulas de Ciências Naturais, ao invés da atenção aos processos de
significação conceitual em sala de aula, o ensino é proposto mediante exercícios para serem
realizados em sala de aula e em casa. Isso pode contribuir para despertar nos estudantes o
interesse e o hábito pelo estudo, além de auxiliar na significação conceitual dos mesmos.
Contudo, é essencial que na formação e na prática dos professores haja uma devida atenção
no sentido de não se descuidar da necessária mediação das explicações por parte do professor.
Com base nas análises e discussões sobre o ensino de Ciências Naturais
acompanhado, nesse contexto, argumentamos em defesa do incentivo ao uso intencional da
palavra como instrumento fundamental e determinante nos/dos processos de significação
conceitual. Isso, corroborando com as palavras de Vigotski (2008) de que, sem o uso da
palavra, o processo de abstração e formação de um conceito não ocorre.
Nesse sentido cabe lembrar que o responsável pelo processo de ensino e aprendizagem
é o professor, ator e mediador essencial aos processos de apropriação dos conhecimentos
escolares e do uso intencional das palavras, como objetos que possibilitam a construção de
conceitos. A razão de ser das escolas se justifica, em sua essência, pela própria existência,
nelas, dos professores. Quem faria o papel intransferível de mediar às aprendizagens da área
de Ciências Naturais quando da não existência do professor? Com a falta do professor o
ensino estaria certamente comprometido.
Por outro lado, discutir a importância e a especificidade da função social do
professor, implica discutir também o papel e a função social da instituição “escola” (YOUNG,
2007). Nela o professor está inserido com a função essencial, que é a de possibilitar aos
estudantes o acesso a um conhecimento bastante específico, não possibilitado pela vivência
cotidiana.
A missão da escola, assumida como a de instruir, educar e formar os cidadãos,
articuladamente à “socialização do conhecimento científico” (LOPES, 2007, p. 194) situa a
101
complexidade do papel social do profissional da educação, já que é ele o responsável por esse
processo de mediação de aprendizados bastante específicos, em especial os dos
conteúdos/conceitos das ciências. Isso, porque o elo entre os conhecimentos dos estudantes e
os conhecimentos a serem ensinados nas aulas de Ciências Naturais está situado, sem dúvida,
no professor. É a ele que cabe o papel de intermediar o acesso pedagógico, por parte dos
estudantes, ao conhecimento científico, passando pelos portais dos processos de produção do
conhecimento escolar (VIGOTSKI, 2008). É ao ser mediador de tais processos que o ser
professor se concretiza, como possibilidade de ensino e aprendizagem escolar.
Como refere Marques (2006, p. 111), é somente pela mediação docente em sala de
aula que se “efetivam as aprendizagens formais e sistemáticas”, na medida em que o professor
possibilita o acesso pedagógico aos conhecimentos produzidos pelas específicas áreas do
saber. E é esse processo de interação com os estudantes que permite a construções de novos
significados aos conceitos, com a significação de conhecimentos. Os processos de
significação de novos conceitos, as novas aprendizagens, só se concretizam na mediação pelo
outro, que, na escola, é feita de forma efetiva pelo professor; mediação pela palavra (signo)
que representa e materializa os saberes, ou aquilo que se quer dizer/ensinar (VIGOTSKI,
2008).
Ainda que limitada a poucos episódios de sala de aula, nossa análise destaca a
importância do professor no processo de ensino e de aprendizagem para uma efetiva
construção conceitual sólida. Consideramos a necessidade de uma formação inicial que
possibilite ao docente a construção de conhecimentos sólidos sobre sua área de conhecimento,
durante sua formação em um curso superior bem como a construção de conhecimentos
pedagógicos, que lhe possibilitem entendimentos sobre o que é ser professor, sobre a sua
função social e a reflexão sobre a prática docente.
Quando apontamos as dificuldades enfrentadas pelos professores no processo de
ensinar, que dizem respeito principalmente a sua dificuldade e falta de clareza em relação aos
conceitos de sua área de formação, nesse caso conceitos da área de Ciências Naturais e de
Química, não temos a intenção de criticar o trabalho e a atuação do professor, afinal, essas
dificuldades são percebidas em muitas aulas de Ciências ministradas em nosso país. Nesse
sentido, passamos a refletir sobre a ineficácia dos cursos de nível superior, que se
caracterizam por um ensino seccionado e departamentalizado, em que os currículos estão
transbordando de conteúdos meramente informativos, desatualizados e descontextualizados.
102
Apontamos a necessidade de uma formação do professor de Ciências Naturais não
apenas no sentido dos conhecimentos específicos da área, mas sim de uma formação geral,
que possibilite, além do crescimento profissional, o crescimento pessoal, oportunizando ainda
ao docente a reflexão de sua prática diária. É nesse contexto que defendemos a formação do
professor por área, ou seja, o professor de Ciências Naturais será formado em curso superior
de Ciências, e sendo assim, sua formação abrangerá os diversos conceitos e conteúdos
relacionados com o ensino das Ciências Naturais, que envolvem as áreas de Química, Física e
Biologia.
Outro aspecto de grande relevância diz respeito à capacidade que o professor em
formação inicial e continuada deve ter de pesquisar, de buscar novas informações e
conhecimentos. Conhecimentos estes que não devem se limitar aos expressos pelos livros
didáticos, mas sim na busca em fontes atualizadas como internet e periódicos da área,
buscando sempre uma relação com o contexto no qual os estudantes e a comunidade escolar
estão inseridos.
De acordo com Galiazzi (2003, p. 47), “a pesquisa não é o único caminho para o
desenvolvimento profissional, mas é essencial para a construção da competência em qualquer
prática profissional”, portanto cabe ressaltar que a pesquisa no contexto educacional não é
importante apenas para os alunos em sala de aula, nem mesmo somente para o professor em
formação continuada, mas também para o professor em formação inicial, que está na busca
pela sua autonomia e pelo seu espaço no campo educacional. O profissional da educação que
tem uma formação baseada na educação pela pesquisa, quando exercer sua profissão
estará mais capacitado a produzir conhecimento sobre modos de avaliação,
problemas de aprendizagem, metodologias de ensino, experimentação, uso de
analogias e metáforas e sobre concepções alternativas, para dar apenas alguns
exemplos de temas atuais de pesquisa. Estará também mais acostumado a dialogar
com seus pares, a buscar interlocutores teóricos capazes e responder aos
questionamentos que faz sobre sua atuação em sala de aula, a argumentar, participar
na construção da proposta pedagógica da escola, mudando sua ação pouco reflexiva
e de resistência passiva para um posicionamento crítico frente aos problemas que
enfrenta no seu fazer profissional. (GALIAZZI, 2003, p. 56).
Além da capacidade de reflexão sobre sua atuação e a capacidade de busca e pesquisa
constante, o professor deve apresentar ciência da importância social de sua profissão, já que
ser professor é mais do que simplesmente dar aulas, passar conteúdos, aplicar provas, corrigílas. Ser professor é buscar desvendar, elucidar e auxiliar na significação de conceitos
desconhecidos até então pelos estudantes. Uma formação sólida do professor de Ciências
103
contribui muito para o processo de significação conceitual em Ciências Naturais, pelo seu
domínio em relação aos conceitos da área e das estratégias necessárias ao ensinar e, também,
pela compreensão das interações entre os sujeitos na sala de aula e da especificidade do
conhecimento escolar.
104
5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Apresentar considerações finais acerca da temática que trata dos “Processos de
significação conceitual de elemento e substância no Ensino Fundamental de Ciências
naturais” além de ser um desafio pela complexidade que envolve o tema, é ter como pretensão
encerrar uma discussão que necessita e possibilita muitas reflexões. É por esse motivo que
apresentamos algumas considerações que evidenciam algumas conclusões de nossas reflexões
ao longo da realização dessa pesquisa.
A partir da análise feita nos livros didáticos de Ciências Naturais, percebemos
limitações em relação as abordagem dos conceitos químicos. A simplificação excessiva na
abordagem dos conceitos negligencia os graus de complexificação dos mesmos, pelos altos
níveis de abstração e de interrelação conceitual requeridos. Abordagens indiscriminadas de
conceitos, em níveis de complexidade muito elevados para o nível de ensino, comprometem a
aprendizagem por parte dos estudantes, que ainda não presentam uma construção conceitual
suficiente para compreendê-los no contexto em que foram abordados.
Por outro lado, a área já dispõe de livros didáticos que representam avanços na
organização dos conteúdos e conceitos, com uma proposta diferenciada, baseada em relações
com temas da vivência dos estudantes, de forma interrelacional e contextual, em coerência
com a perspectiva CTS. Neles, a abordagem de conceitos químicos, em especial elemento e
substância, perpassa toda a coleção, ou seja, os conceitos químicos deveriam ser significados
desde os livros didáticos da 5ª série até a 8ª série.
Já, nas aulas de Ciências Naturais acompanhadas, observamos uma abordagem com
carência de relações entre conhecimentos com significação conceitual, o que compromete a
apropriação dos conceitos e a construção de aprendizagens sólidas e duradouras.
A partir das análises e reflexões sobre as aulas de Ciências Naturais acompanhadas,
podemos estabelecer algumas relações com os livros didáticos analisados. Emergiram alguns
questionamentos que demandam a continuidade da investigação: será que as abordagens do
105
LD1 sobre os conteúdos/conceitos de química (questionadas no capítulo 3 desta dissertação)
têm sido objetos de estudo nas aulas de Ciências da 5ª série, na escola? Ou seja: será que a
professora que ministrava aulas de Ciências na 5ª série abordou os conceitos químicos,
conforme consta no LD1? E na 6ª e 7ª séries, os conceitos teriam sido retomados/ampliados?
Quais sentidos teriam sido produzidos ao longo das séries? Quais interrelações conceituais
teriam sido vivenciadas e qual o nível de pensamento químico que elas teriam possibilitado?
Que sentidos conceituais teriam sido possibilitados na 8ª série, por exemplo, sobre o conceito
de ‘átomo’ tratado no LD1 (para a 5ª série), quando foram feitas novas abordagens de
conceitos químicos?
São questões que fazem refletir sobre as formas de abordagem dos conteúdos
estudados em aula. A professora apresentava diversas questões, de forma rápida, envolvendo
uma complexidade de relações conceituais. Sem muitas pausas, as respostas eram logo
repetidas, ou por ela, ou por um ou outro estudante. Isso remete para a reflexão de que as
dúvidas dos estudantes nem sempre são consideradas, quando a aula se caracteriza como mero
jogo de perguntas e respostas prontas, não problematizadas.
Esse estilo de interação em sala de aula, em que uma diversidade de conceitos é
apresentada rapidamente, supõe que os estudantes já estivessem um tanto enculturados dos
conceitos químicos; que tivessem uma noção já desenvolvida sobre o que é um átomo, uma
substância, uma mistura, um elemento. Retomadas de conteúdos já estudados, com
abordagens em novos contextos, na intenção de produzir sentidos aos conceitos: é isso que
permite ampliar as compreensões e as reconstruções dos conhecimentos que os estudantes já
teriam iniciado em anos anteriores.
Nesse sentido, defendemos o uso intencional das palavras da escola, como no caso
desta dissertação, da linguagem química ao longo de todas as séries finais do Ensino
Fundamental, mesmo que os estudantes não consigam significar de fato os conceitos
abordados, como por exemplo, na 5ª série, em que o nível de maturidade dos educandos ainda
é insuficiente para compreenderem o que é um átomo, uma substância, um elemento, mas
que, no entanto, já permite a produção de sentidos.
Argumentamos em defesa da organização de abordagens conceituais tal como
proposto pelo LD5, em que as abordagens dos conceitos químicos, de forma especial os de
elemento e substância, estão presentes em todos os livros da coleção, perpassando todo o
ensino de Ciências Naturais, com amplas interrelações e implicações. Já no LD1 essas
106
abordagens aparecem “de repente” com um pacote excessivo de teorizações, já no livro da 5ª
série.
A partir de um olhar à estrutura dos livros didáticos analisados e à forma com que os
conceitos químicos são abordados ao longo dos capítulos e unidades, remetemos às aulas de
Ciências Naturais acompanhadas na turma de 8ª série bem como ao modelo de aula da
professora, que muito se parece com a proposta do LD1, coleção de livros utilizada na escola.
Nesse sentido, argumentamos que o livro didático pode estar ditando o modelo de aula da
professora, constituindo-a enquanto docente. Cabe salientar que esse fato constitui-se como
sério problema, que provavelmente é enfrentado por muitas outras escolas espalhadas por
todo o país.
Não queremos aqui “propagandear” uma coleção de livros, nem sequer “descartar” a
hipótese de uso de uma ou outra, no entanto queremos destacar que, provavelmente os
estudantes que fazem uso da coleção a qual pertence o LD5 teriam vivenciado processos de
reconstrução mais significativos, mais contextualizados e interrelacionais, do que os
estudantes que tivessem utilizado o LD1.
Isso, porque no LD5 a abordagem dos conceitos de elemento e substância perpassa
todas as séries do Ensino Fundamental, possibilitando a construção de sentidos, em contextos
e níveis de aprofundamento diversificados, o que permite re-entendimentos, evolução, até a
significação conceitual propriamente dita.
Já no LD1, as abordagens dos conceitos de elemento e substância se limitaram a 5ª e
a 8ª série, tudo “de repente”, como um “pacote isolado”, fazendo com que os estudantes, ao
chegarem na 8ª nem sequer recordem que já tinham estudado sobre átomo, elementos,
substâncias.
A análise das aulas leva em conta que cabe ao professor o papel essencial de usar
palavras específicas à ciência de forma interrelacional, proporcionando aos estudantes
interações em que necessitem usá-las, para que possam produzir sentidos cada vez com
maiores relações de complexidade, tornando-se conceitos.
Além da continuidade das análises das aulas de Ciências Naturais da turma
acompanhada, nosso interesse se direciona, também, para futuras investigações com análise
da própria prática, já que todas essas reflexões se relacionam com a atuação como professora
de Ciências Naturais, em turma de 5ª, 6ª, 7ª e 8ª série.
107
Discussões que também podem ser feitas relacionam-se à ampla hegemonia no país
da visão equivocada de que os professores com formação em Biologia é que são os mais
indicados para o ensino de Ciências Naturais, excluindo de certa forma professores de
Química do ensino de Ciências Naturais.
Cabe reiterar que os conceitos elemento e substância são estruturantes do
pensamento químico escolar, são essenciais à compreensão dos conteúdos do ensino de
Ciências Naturais, com importante potencial de contribuição ao entendimento do cotidiano.
Desde o Ensino Fundamental, em qualquer aula, o professor não pode abrir mão do seu
compromisso essencial de ser o mediador da aprendizagem de conhecimentos especializados.
108
LIVROS DIDÁTICOS
VALLE, Cecília. Terra e universo, 5ª série. – 1. ed. – Curitiba: Positivo, 2004. (Coleção
Ciências).
VALLE, Cecília. Vida e ambiente, 6ª série. – 1. ed. – Curitiba: Positivo, 2004. (Coleção
Ciências).
VALLE, Cecília. Ser humano e saúde, 7ª série. – 1. ed. – Curitiba: Positivo, 2004. (Coleção
Ciências).
VALLE, Cecília. Tecnologia e sociedade, 8ª série. – 1. ed. – Curitiba: Positivo, 2004.
(Coleção Ciências).
APEC / Ação e Pesquisa em Educação em Ciências. Construindo consciências: Ciências, 5ª
série. 2. São Paulo: Scipione, 2003. (Coleção Construindo consciências).
APEC / Ação e Pesquisa em Educação em Ciências. Construindo consciências: Ciências, 6ª
série. São Paulo: Scipione, 2003. (Coleção Construindo consciências).
APEC / Ação e Pesquisa em Educação em Ciências. Construindo consciências: Ciências, 7ª
série. São Paulo: Scipione, 2003. (Coleção Construindo consciências).
APEC / Ação e Pesquisa em Educação em Ciências. Construindo consciências: Ciências, 8ª
série. São Paulo: Scipione, 2003. (Coleção Construindo consciências).
109
REFERÊNCIAS
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conceitos científicos: reflexões a partir da produção de uma coleção de livros didáticos.
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ZANON, Lenir B.; PALHARINI, Eliane M. A Química no Ensino Fundamental de Ciências.
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112
ANEXOS
113
Anexo 1
114
115
Anexo 2
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Prezado (a) Senhor (a)
Estamos desenvolvendo uma pesquisa cujo
conceitual de Elemento e Substância em aulas
Fundamental”. Trata-se de uma investigação que é
Graduação - Mestrado em Educação nas Ciências da
Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI.
título é “Processos de significação
de Ciências da 8ª série do Ensino
fruto de estudos no Programa de PósUniversidade Regional do Noroeste do
A pesquisa tem como objetivo: investigar processos de ensino dos conceitos
“Elemento” e “Substância” em aulas da oitava série do Ensino Fundamental, no componente
de Ciências da Natureza, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Cel. Raul Oliveira,
com vistas a compreender como acontecem os processos de significação dos referidos
conceitos e de como eles co-participam na (re)construção do conhecimento escolar em
Química.
A pesquisa se justifica pela importância que os conceitos “Elemento” e “Substância”
assumem no ensino e no âmbito de discussões em contexto escolar e universitário,
especificamente no que se refere a contribuições na área do ensino de Ciências e de Química.
Nesta pesquisa a atenção estará orientada para a compreensão de processos de interação nas
aulas, em especial, as formas de uso (verbalização) de linguagens e pensamentos envolvidos
nas interlocuções, em abordagens sobre os conceitos/conteúdos em estudo (Elemento
Químico e Substância).
No contexto da temática escolhida, busca-se resposta ao questionamento básico:
quais processos de significação dos conceitos “Elemento” e “Substância” são vivenciados
em aulas acompanhadas e como eles co-participam na (re)construção do conhecimento
escolar, em Química? Ao buscar respostas a essa questão, a atenção estará direcionada à
potencialidade das abordagens e interações para promover processos significativos de
apropriação e uso dos dois conceitos mencionados, na perspectiva do avanço de tais processos
educativos.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com produção de dados referentes a abordagens
e interações com os sujeitos envolvidos no processo. Os sujeitos envolvidos na pesquisa são:
estudantes da turma da 8ª série do Ensino Fundamental (aproximadamente 30 alunos), e a
professora de Ciências da Natureza que ministra aulas nesta turma. Nesta pesquisa será
realizado o acompanhamento das aulas de Ciências da Natureza na turma de 8ª série do
Ensino Fundamental, durante aproximadamente um trimestre, da Escola Municipal de Ensino
Fundamental Cel. Raul Oliveira, com a gravação das aulas em áudio (a voz dos sujeitos,
assim como suas conversas e discussões serão gravadas),para observar a abordagem dos
conceitos “Elemento” e “Substância”.
Nós, pesquisadoras, garantimos que o anonimato de seu (sua) filho (a) está garantido e
que as informações registradas serão utilizadas apenas para fins científicos relacionados a este
projeto de pesquisa. Todas as informações registradas estarão disponíveis com livre acesso
por parte dos sujeitos de pesquisa e/ou seus responsáveis (pais e/ou responsáveis), podendo
116
ser realizadas modificações no seu conteúdo, se julgar necessário. Seu (sua) filho (a) tem
liberdade para recusar-se a participar da pesquisa, ou desistir dela a qualquer momento sem
que haja constrangimento, podendo ser atendidas possíveis solicitações de que informações
sejam desconsideradas no estudo. Mesmo participando da pesquisa ele (a) poderá recusar-se a
responder as perguntas ou a quaisquer outros procedimentos que suscitem possíveis
constrangimentos, de qualquer natureza.
Está garantido, também, que seu (sua) filho (a) não terá nenhum tipo de despesa
financeira durante o desenvolvimento da pesquisa. Por outro lado, não será disponibilizado
nenhum ganho financeiro.
Eu, Caroline Luana Lottermann, bem como minha orientadora, Profa. Dra. Lenir Basso
Zanon, assumimos toda e qualquer responsabilidade no decorrer da investigação. Garantimos
que as informações registradas somente serão utilizadas para esta pesquisa, podendo os
resultados serem publicados, com benefícios, em especial, para a melhoria da educação
escolar.
Se houver qualquer dúvida quanto à participação de seu (sua) filho (a) poderá solicitar
esclarecimentos a qualquer uma de nós, nos endereços e telefones abaixo: Caroline Luana
Lottermann (pesquisadora), residente no Lajeado Pessegueiro, Santa Rosa/RS. E-mail:
[email protected] e telefone 55-9932-9635 (celular); Profa. Dra. Lenir Basso
Zanon (orientadora), residente na Rua Dom Antônio Reis, nº 58, Bairro Elizabeth, Ijuí/RS, email [email protected]. Seus telefones 55-3332-4466 (residencial) e 55-99780081
(celular).
Poderão ser solicitados, também, junto ao Comitê de Ética em Pesquisa da UNIJUI Rua do Comércio, 3.000 - Prédio da Biblioteca - Caixa Postal 560 - Bairro Universitário Ijuí/RS CEP 98700-000. Fone/fax (55) 3332-0301, e-mail: [email protected]
O presente documento foi assinado em duas vias de igual teor, ficando uma com o pai
ou responsável e outra com o pesquisador responsável.
Eu, ________________________________________________, CPF________________,
ciente das informações recebidas concordo que meu (minha) filho (a) participe da pesquisa e
autorizo a utilizar as informações registradas em aula e/ou os resultados alcançados.
___________________________________
Assinatura do pai ou seu responsável legal.
___________________________________
Caroline Luana Lottermann - Pesquisadora
CPF: 018.408.040-17
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