Heróis do mar
Rafael Pinto Borges *
Em 1415, nasceu, através do mar, em Ceuta, o Império Português.
Oitenta e três anos depois, em 1498, após uma viagem longa e não isenta de
perigos e constantes provações, Vasco da Gama realizou, finalmente, o sonho
do Príncipe Perfeito e o destino de nação, chegando às Índias e fazendo de
Portugal um Império Marítimo Global, algo que seria até 1975. Novamente,
pelo mar.
Cinco séculos volvidos, num paradigma do esquecimento (e falta de orgulho)
histórico, celebrou-se o Dia Mundial do Mar. Paradoxalmente para um país de
história essencialmente marítima, poucos souberam, poucos celebraram e
ainda menos tiveram a cada vez mais louvável coragem de pensar e,
libertando-se nas mentiras e dos complexos esquerdistas, estabelecer uma
relação entre o passado e futuro da Pátria Portuguesa.
O destino de Portugal está assim, como esteve no passado e, notavelmente,
nos momentos de maior grandeza nacional, indubitável e inexoravelmente
ligado ao mar oceano, sendo que é precisamente esse o factor capaz de
salvaguardar a independência portuguesa e de motivar um afastamento da
tendência essencialmente centralizadora e federalizante de Bruxelas. O mar
pode assim ser, como, aliás, sempre foi, o principal pilar emancipador da
nação, a nossa fonte de auto-determinação.
Portugal tem, como sempre teve, em parte devido à sua inclinação natural pela
expansão através dos mares, aquela que é, actualmente, a terceira maior Zona
Económica Exclusiva da União Europeia, ou seja, uma área submarina total de
cerca de 1,727,408 km². No entanto, apesar da enorme extensão do mar
português, a Marinha de Guerra nacional depara-se não apenas com uma total
e absoluta obsolescência de meios mas também com uma tremenda (e
assustadora) exiguidade de efectivos, dois problemas que, juntos, são factores
essenciais para a situação crítica da Armada. Essa situação desesperada, que
é verificável através de casos como o das Corvetas da Classe João Belo, todas
elas encomendadas ainda pelo Estado Novo nos anos 60 e recebidas nos anos
70, e ainda em utilização, põe em sério risco, a curto prazo, a tentativa de
expansão da ZEE Portuguesa, que poderá conter riquezas espantosas, e a
médio/longo prazo, a nossa permanência na actual ZEE nacional cujas
consequências não serão nefastas não apenas para a economia portuguesa,
que com os incontáveis recursos provenientes da ZEE muito poderia lucrar,
mas também para a própria independência nacional.
Não existem, actualmente, para as antigas potências imperiais europeias, nas
quais se inclui Portugal, mais que duas opções: a escolha pela Europa e pela
subsequente integração política/federalização do continente, ou, por outro lado,
a escolha pelo mar, o corte com o velho continente e a aposta no oceano e ao
que ele leva, o ultramar. O europeísmo opõe-se assim, indubitavelmente e por
coerência terminológica, ao atlantismo, sendo que qualquer tentativa de
amenização do antagonismo intrínseco a ambas não passa de um eufemismo
político de líderes sem vontade com medo de ferir susceptibilidades dos dois
lados. Assim, a escolha pelo meio-termo, pelo paradoxo geopolítico,
dificilmente poderia ser mais acertada que a opção pela UE e pela
dependência total de Bruxelas. Escolher o mar é escolher liberdade e total
auto-determinação para o povo português, e é, acima de tudo, aceitar o legado
de 900 anos de grandeza histórica, proximidade e amizade em relação ao mar.
Portugal é, pois, a talvez mais tradicional potência marítima europeia. No
entanto, anos de desleixo e falta de interesse governamental em relação a
essa dimensão fundamental, para não dizer central, do conceito de
Portugalidade, reduziram-na à sombra triste mas altiva e orgulhosa que é hoje
a Armada Portuguesa. Essa má e inequivocamente negativa política naval foi,
sem dúvida, causadora de uma importante perda da capacidade marinha e
submarina, mas tampouco foi peremptória ao ponto de fazer da recuperação
naval algo impossível. A chegada a Portugal do primeiro navio da classe
Tridente é assim um motivo de extraordinária relevância por significar a
renovação da já obsoletíssima arma submarina portuguesa. Peca, porém, pela
exígua quantidade de submarinos, com que dotará a Marinha do país cuja ZEE
é a terceira maior da União: apenas dois. Por outro lado, outras potências
marítimas europeias, com águas por ventura significativamente menores, como
a Espanha, os Países Baixos, o Reino Unido e a França, podem orgulhar-se de
possuir frotas muito mais impressionantes, tendo esses países 12, 4, 17 e 17
submarinos ao serviço nas suas forças navais, respectivamente. Portugal,
apesar de os seus mares serem mais extensos e estrategicamente mais
necessitados de protecção submarina pôde contentar-se com apenas 2, menos
que o mínimo de três prometidos à Marinha no final dos anos 90 e inicialmente
encomendados pelo então governo socialista de António Guterres.
É urgente Portugal aceitar como sua uma das características que mais
intrínsecas lhe são: a sua dimensão oceânica. Não é certamente um acaso
histórico nem tampouco um capricho dos reis e senhores feudais da época
aquilo que Portugal, e o seu povo, conseguiram através do mar.
No entanto, mais que um vestígio de um passado indiscutivelmente glorioso, a
escolha pelo mar, pela vocação marítima nacional e pelas relações de amizade
e cordialidade com os estados do ex-ultramar, o atlantismo, afirma-se cada vez
mais enquanto solução para a questão fundamental que é a da manutenção da
real independência de Portugal enquanto estado livre e soberano, assim como
para a viabilidade económica do estado português através das imensas
riquezas disponíveis no fundo do Atlântico que nos foi reservado e que nos
arriscamos a perder, a médio/longo prazo devido à falta de investimento nas
forças navais.
Mas não só. Há uma riqueza ainda maior no mar português que, mais que os
recursos económicos, é essencial que Portugal redescubra e reencontre: os
inequívocos laços de amizade e consanguinidade cultural que nos ligam aos
povos do Brasil, da Guiné, de Cabo Verde, de São Tomé e Príncipe e, através
dele, de Moçambique, da ex-Índia Portuguesa, de Macau e de Timor. Sobre
isso, não há dúvida possível quanto à imensa proximidade que existe entre os
estados lusófonos. Somos, no verdadeiro sentido da palavra, povos irmãos por
fazermos parte da mesma família linguística. É, aliás, a língua e a nossa
identidade cultural única e bem definida que distingue os portugueses
continentais dos etnicamente semelhantes espanhóis, os brasileiros que,
apesar de não constituírem uma realidade étnica, sabem perfeitamente onde
acaba o Brasil e começa a América Espanhola e os angolanos, os timorenses,
os moçambicanos e os guineenses. O mesmo sucede com todos os povos do
universo linguístico português: é a nossa língua que, simultaneamente, nos
define as fronteiras e nos aproxima enquanto comunidade multirracial e
pluricontinental de 240 milhões de habitantes.
Assim sendo, Portugal deve ter a coragem de, como fez há seis séculos,
embarcar na aventura da descoberta do seu mar, como ocorre actualmente,
embora de modo diferente, e rebasear a sua independência naquilo que,
historicamente, sempre a garantiu: não a UE, Bruxelas ou o neo-federalismo
europeu do fascista britânico Oswald Mosley, mas, por outro lado, o oceano,
que, ao contrário da Europa que constantemente o humilhou, sempre o fez
grande.
*Filiado na Juventude Popular do Cadaval, bem como integrante da Juventude
Monárquica da Estremadura, Caldas da Rainha, Portugal
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