Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI
ISSN 1809-1636
“- ERA UMA VEZ ...”: É SÓ O COMEÇO DA HISTÓRIA
"Once Upon a Time ...": It's Just the Beginning of the Story
Maíra RAMOS1
Sandra Maria do Nascimento de OLIVEIRA2
RESUMO
A contação de histórias é algo que cativa as crianças das mais variadas idades. Por meio dessa
prática pode-se despertar o desejo da leitura, pois o livro é apresentado de forma dinâmica, lúdica e
instigante. O projeto “Leitura na Kombi: Um caminho para liberdade” foi criado com o objetivo
de despertar apreço e hábito de leitura em classes sociais menos privilegiadas do município
Santiago. Considera-se este trabalho de grande relevância, pois como bolsista aprimorei
conhecimentos a respeito de contação de histórias e de sua função social dentro do projeto.
Inicialmente, neste artigo, há um breve comentário sobre o enfoque e metodologia do projeto. Após,
são apresentados conceitos relacionados à leitura e o estímulo desenvolvido na vida de quem a
pratica.
Palavras-chave: Leitura; Estímulo; Sociedade.
ABSTRACT
The storytelling is something that captivates children of various ages. Through this practice it can
be possible to arise the desire of reading, because the book is presented in a dynamic way, playful
and thought-provoking. The project "Reading at the Kombi: A path to the freedom" was created
with the goal of awakening appreciation and reading habits in less privileged social classes of the
Santiago town. This work is of great relevance, because as a researcher at this project I developed
the knowledge about storytelling and its social role within the project. Initially, in this article, there
is a brief commentary about the approach and methodology of this project. After, reading-related
concepts are presented and the stimulus developed in the lives of who practices it.
Key words: reading; Stimulus; Society.
INTRODUÇÃO
A prática de contação de histórias está presente na sociedade desde os tempos mais remotos.
A partir dela, muito do que conhecemos de folclore, crenças e tradições são transmitidas por
gerações. A humanidade, que utiliza a língua escrita como forma de registro para seus feitos,
1
Acadêmica do curso de Letras da URI – campus de Santiago e bolsista do projeto Leitura na Kombi: um caminho para
a liberdade.
2
Professora Mestre da URI – campus de Santiago, do Departamento de Linguística, Letras e Artes, orientadora do
projeto Leitura na Kombi: um caminho para a liberdade.
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conquistas e descobertas, exemplifica de forma muito clara este dom nato desde a pré-história,
quando o homem da época, que até então desconhecia a arte de escrever, utilizava da linguagem
não-verbal para representar cenas de caça de animais em paredes de cavernas. A arte rupestre, que é
conhecida e estudada no mundo todo, era desenvolvida com base em crenças, mas hoje podemos
enxergá-la como um relato, um registro, uma história.
Contar uma história para uma criança representa muito mais que um simples diálogo
encenado. Um livro pode ser uma fonte de alegria, diversão e prazer. O primeiro passo para a
formação do hábito da leitura, segundo Bordini e Aguiar (1993, p. 18), é a oferta de livros próximos
à realidade do leitor. A presença e o acesso ao livro é, indubitavelmente, importante, mas ainda
assim é necessário o estímulo. A prática de contar histórias revela em sua essência a magia que
representa quando feita com amor a uma criança. “Era uma vez...” é só o começo de uma grande
história, que poder transformar uma realidade. Existe uma cumplicidade subliminar nessa frase que
só quem a ouve consegue sentir. É como um “abracadabra” para entrar ao mundo da fantasia, dos
mistérios, desta linha tão tênue que separa o mundo irreal do imaginário.
Este trabalho visa a enfatizar a importância do incentivo à leitura por meio de contação de
histórias, pois acreditamos que elas podem ser uma espécie de mola propulsora para o ingresso no
mundo literário. O projeto Leitura na Kombi: Um caminho para Liberdade nasceu e tem obtido
êxito porque trabalha com esse dinamismo, o de desafiar crianças a se apaixonarem pela leitura
como um processo natural, contínuo e enriquecedor. Esta ideia consolidou-se assim:
- “Era uma vez uma professora que, sensibilizada com as experiências vividas ao longo de
sua carreira docente, sonhou em criar um projeto que permitisse o acesso à leitura às camadas
sociais menos privilegiadas do município de Santiago. E este sonho deixou de ser imaginado
sozinho e passou a contagiar mais pessoas interessadas em torná-lo real. Uma Kombi foi comprada
e personalizada para ser uma biblioteca ambulante. Por meio de pessoas amigas e um grande
esforço foi montado um acervo de mais de 2.500 livros que circulam por bairros desfavorecidos da
já mencionada cidade”.
Partindo do pressuposto que só acesso aos livros não basta é que foram criadas as oficinas
de leitura concomitante com as visitas da Kombi. A partir delas, as crianças ouvem histórias e
produzem textos que são explorados com os mais diversos gêneros. Ao longo deste trabalho, muitos
pequenos e jovens leitores já foram contagiados pela magia do “Era uma vez...”. A Teca não é
somente uma biblioteca, mas uma amiga, uma aliada, uma possibilidade de mudança, de
crescimento de busca por novos caminhos, novos horizontes. A Kombi tem proporcionado o “Era
uma vez...” para muitas crianças desde a sua criação até os dias atuais, no entanto, sabemos que isso
é só o começo da história e que, uma vez em contato com livros não deixarão de amar e preservar
esse hábito ao longo da vida.
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Piaget, em termos de educação, defende a ideia do lúdico e de como ele exerce influência
sobre os processos de aprendizagem. A prática de contar histórias em forma de entretenimento
influi diretamente no estímulo de interesses existentes. Afinal, qual criança não se identificaria com
um cenário colorido, instigante e divertido?
Para Dauster (2003, p. 109), “a entrada no mundo da leitura se dá por uma multiplicidade de
textos e suportes, desde histórias em quadrinhos a coleções e autores direcionados ao mundo das
crianças, como Monteiro Lobato e outros”. Daí a importância da variedade de histórias a serem
contadas, sem uma linha específica. A criança deve ter o acesso aos mais diversos gêneros
literários para que assim descubra qual lhe desperta maior interesse. Quando tiver clareza a respeito
de preferências de obras e autores estará apta a fazer as suas próprias escolhas e dentro de seu
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próprio estilo.
A Revista Veja, publicada, em maio de 2011, apresenta o trabalho de uma jovem chamada
Taíze Odelli, em seu blog, que discute a respeito de crítica literária com demais jovens leitores. Ao
longo da matéria, encontramos a expressão “Um livro puxa outro”, e há uma demonstração de como
a leitura de uma obra pode servir de ponto de partida para outras mais. Na sessão Carta ao Leitor,
p. 15, da mesma revista, há um fragmento que reforça ainda mais essa ideia. O autor declara que
não importa a idade, um leitor pode ir aprimorando seu gosto, de modo a partir de livros
despretensiosos e chegar a clássicos que, de certa forma, guardam semelhanças com o ponto de
partida. Bordini e Aguiar (1993) argumentam que o ato de ler é duplamente gratificante, pois no
contato com o conhecido, fornece a facilidade da acomodação, a possibilidade de o sujeito
encontrar-se no texto e na experiência com o desconhecido, surge a descoberta de modos
alternativos de ser e de viver. A tensão entre esses dois pólos patrocina a forma mais agradável e
efetiva da leitura. Podemos comparar as ideias acima com uma rede de relacionamentos virtual.
Inicia-se com os amigos íntimos e as relações vão se difundindo à medida em que a pessoas vão se
conhecendo e descobrindo interesses em comum. Como novos leitores, nós conhecemos três ou
quatro autores, mas isso não impede que haja uma expansão de busca e de conhecimento. Pelo
contrário, a tendência é justamente crescer. Crescer como leitor, como pessoa, como conhecedor
deste mundo tão magnífico, que é o da palavra.
Oswald (2003, p. 74) comenta que gostar ou não gostar de ler não pode ser simplesmente
atribuído a habilidades ou aptidões inatas, mas a preferências ou exclusões inscritas em modos de
ser construídos histórico, social e culturalmente. Ou seja, incitar a leitura deve ser uma prática
constante desde os primeiros anos de vida de uma criança, pois o hábito só se forma a partir de um
exercício regular. O estímulo ao ato de ler serve de parâmetro para o desenvolvimento cognitivo de
qualquer criança em qualquer nível social ou intelectual. Não é por acaso que bons leitores
aprendem com mais facilidade.
O objetivo do momento das histórias é a familiarização com a literatura. Como ouvir é mais
fácil do que ler e como o leitor ajuda a tornar compreensíveis o significado e o caráter do texto com
a voz e a expressão facial, até os que não gostam de ler se sentirão encantados (BAMBERGER,
1991, p. 79). O autor ainda afirma (1991, p. 32) que a leitura suscita a necessidade de familiarizarse com o mundo, enriquecer as próprias ideias e ter experiências intelectuais. Isso resulta na
formação de uma filosofia de vida, compreensão do mundo que o rodeia. Contar uma história é,
portanto, o ponto de partida para novas descobertas. Quando ela promove uma releitura em cenários
lúdicos promove interação e discussão. Só atender os interesses não atinge o objetivo. É preciso
descrever, analisar, buscar e desenvolver um senso crítico real, fugindo de concepções burladas e
baseadas no senso comum.
Leitura na Kombi: Um caminho para LIBERDADE! Não é simplesmente um projeto, é uma
filosofia de vida. Esta iniciativa comprova o que a teoria defende de forma tão completa. É possível
converter o futuro de uma criança aproximando-a de um mundo mais belo por meio de um simples
ato: contar uma história com amor. A aquisição da liberdade é uma consequência desse processo. E
este é um procedimento contínuo que deve ser desenvolvido e aprimorado constantemente.
“Quem ama os livros deseja possuí-los;
Quem os possui acaba por amá-los”.
RICHARD BOMBERGER
METODOLOGIA
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A metodologia usada para desenvolver o projeto é a construtivista e cooperativa em que são
realizados encontros semanais para troca de livros na Kombi e atividades artístico-culturais.
A Kombi, adaptada para ser uma biblioteca ambulante, leva livros às comunidades carentes
a fim de que as crianças e os jovens troquem os livros semanalmente. Em cada encontro para troca
de livro, há oficinas com atividades artístico-culturais para associar o livro ao lúdico.
Para isso, os acadêmicos de Letras realizam, com as crianças e os adolescentes, oficinas de
dramatização de histórias infantis e infanto-juvenis; teatro de fantoches; declamação de poesias;
contação de histórias; danças e músicas enfocando a cultura e o folclore local e nacional; debates
sobre temas da vivência da comunidade e produção textual.
Paralelamente, outros cursos se agregam ao projeto, de acordo com suas respectivas áreas de
atuação, com palestras e atividades referentes a relacionamento familiar, problemas de interesse dos
jovens, higiene e saúde, planejamento familiar e valorização do idoso.
A seguir algumas imagens do trabalho realizado.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluimos que despertar o gosto pela leitura é uma tarefa que exige esforço, criatividade e,
acima de tudo, força de vontade. Nossa tarefa é oportunizar momentos de alegria, encanto e
descontração aliado ao conhecimento. Sabemos que não é um trabalho que traz resultados
imediatos, pois estamos “plantando sementinhas”. No entanto, há uma motivação única transmitida
pelos olhinhos curiosos das crianças que aguardam ansiosamente para descobrir uma nova história,
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viajar para um mundo imaginário, de sonhos. Para tanto, é necessário um trabalho organizado, com
atividades previamente planejadas e contextualizadas. Contar histórias é uma tarefa que exige
preparação e carinho, pois “era uma vez” é somente o começo da história.
REFERÊNCIAS
BAMBERGER, Richard. Como incentivar o hábito da leitura. São Paulo: Cultrix, 1991.
BORDINI E AGUIAR, Maria da Glória e Vera Teixeira. A formação do leitor. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1993.
PIAGET, Jean. A psicologia da criança. Ed Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
YUNES, Eliana; OSWALD, Maria Luiza. (orgs). A experiência da Leitura. São Paulo: Loyola
2003.
TEXTO -FONTE
REVISTA VEJA. São Paulo: Editora Abril, edição 2217, ano 44, nº 20, 18 de maio de 2011.
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