Literatura
Prof. Henrique
Realismo
Realismo
 Contexto Histórico
 Desenvolvimento da Ciência na metade do
século XIX
 Fim das revoluções:



1789
1830
1848
 Sociedade burguesa : estabelecida e
vitoriosa contra a nobreza.
Realismo
 Características
 Influências:

- Positivismo;

- Darwinismo (evolucionismo);

- Determinismo: do meio social

e biológico (herança genética)
 Novas descobertas científicas abalam a visão
religiosa do mundo
 Materialismo e cientificismo .
Realismo
 Crítica à burguesia, à família, ao casamento,
à Igreja, ao clero.
 Visão objetiva da realidade.
 Descritivismo → verossimilhança.
 Combate à idealização romântica.
 Personagens complexas (esféricas):
profundidade psicológica.
 Realce aos defeitos e imperfeições
Realismo
 Características
 Reação ao Romantismo:
 Exagero
 Fantasia
 Idealização do Amor
 Final feliz
 Realismo:
 Realidade
 Cotidiano / homem comum
 Amor “real”
 Pós-casamento: o que ocorre?
Realismo
 Pós-casamento: o que ocorre?
 Adultério:
 Temática central no Realismo
 Crítica a família burguesa
 França:
 Gustave Flaubert, “Madame Bovary”
Madame Bovary
Flaubert
Gustave Flaubert
Ema
Carlos
Leon
Rodolfo
Realismo - Madame Bovary
Gustave Flaubert
 Personagens: Ema - Carlos: casal, com uma filha
pequena Berta.
 Leon: primeira paixão de Ema e depois seu amante.
 Rodolfo: conquistador, torna-se amante de Ema.
 Homais: farmacêutico do vilarejo, exemplo da burrice
provinciana, arrogante em seus conhecimentos
científicos e desejoso de ascensão social a todo
custo. (a frase final do romance, crítica, é sobre
Homais, mostrando como a sociedade francesa
valorizava esse tipo de indivíduo: “Acaba de receber
a Legião de Honra”.
Realismo - Madame Bovary
Gustave Flaubert

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Enredo:
Carlos, médico casado em segundas núpcias com Ema, é um homem medíocre
em sua profissão e sem nenhuma visão de ascensão de vida, o qual se muda
para o vilarejo de Yonville, tedioso e sem perspectivas.
Lá, Ema sente-se sufocada por uma vida sem mudanças e, influenciada pelas
leituras românticas de amantes fogosos e aventuras impossíveis, logo se
enamora de Leon, aprendiz de notário. Apesar dos anseios de Leon, ela ainda
em nome de sua fidelidade conjugal, o repele.
Surge na vida dela Rodolfo, dono de propriedade rural na região e ao mesmo
tempo morador da cidade grande, Ruão. Tornam-se amantes, mas para ele
Ema é apenas um passatempo, enquanto Ema julga-se apaixonada. Ao
convidá-lo a fugir com ela, Rodolfo sente medo e foge, levando Ema a profunda
depressão.
Ela reecontra Leon e tornam-se amantes. Enquanto isso, a situação financeira
do casal degrada-se com enormes dívidas para sustentar objetos luxuosos
comprados por Ema, agravada pela incompetência de seu marido que não
consegue sucesso profissional. Por fim, Leon também abandona Ema que,
desesperada com enormes dívidas contraídas em segredo de seu marido e
desiludida com o amor, suicida-se. Carlos descobre as traições da sua esposa
após sua morte e também morre de depressão.
Realismo - Madame Bovary
Gustave Flaubert
 Análise de Ema: teve formação religiosa, vivendo no Convento
durante sua juventude, mas abandona os votos monásticos e vive na
propriedade rural de seu pai, entediada e a espera de alguma vida
diferente, influenciada pelos romances românticos que lê avidamente.
Encontra o médico Carlos imaginando que ele vai lhe dar essa vida,
mas engana-se, e mesmo com sua filha, deseja ardentemente uma
vida nova, afastada do tédio do vilarejo em que vive e de seu medíocre
e previsível cotidiano. Flaubert cria um dos mais densos retratos
psicológicos femininos, mostrando em cada gesto de Ema, mesmo os
mais irracionais, a busca da felicidade pela mulher, numa época em
que tal busca era considerada reprovável. Ema pode ser vista hoje em
dia como uma fonte da primeira “feminista” da História, pois busca a
sua felicidade indo contra as convenções sociais, no caso, o dever de
permanecer casada com um marido medíocre. Ela ao mesmo tempo é
profundamente frágil, pois é facilmente conquistada por seus amantes,
que não vêem nela senão uma simples aventura, ao mesmo tempo
tomada por crises de remorso por seu comportamento considerado
imoral, caindo em momentos de misticismo e oração.
Realismo - Madame Bovary
Gustave Flaubert
 o tédio da vida de Madame Bovary
 “Bem no íntimo, contudo, esperava um acontecimento qualquer.
Como os marinheiros em perigo, relanceava olhos
desesperados pela solidão da sua vida, procurando ao longe,
alguma vela nas brumas do horizonte. (...) Logo no começo de
julho, passou a contar nos dedos as semanas que faltavam
para chegar o mês de outubro, pensando que o Marquês d
Audervilles dariaa outro baile em Vaubyessard, mas todo o mês
de setembro decorreu sem cartas nem visitas. Após o
aborrecimento desta decepção, seu coração ficou de novo
vazio, recomeçando a série dos dias monótonos. Iam, pois,
continuar assim, uns após os outros, sempre os mesmos,
incontáveis, sem surpresas!”
Realismo - Madame Bovary
Gustave Flaubert
 Ema entrega-se a seu primeiro amante, Rodolfo
 “Apearam-se. Rodolfo amarrou os cavalos. Ela adiante, pisando
a relva, pela picada. Mas o vestido muito longo a embaraçava,
embora ela o erguesse pela cauda. E Rodolfo, caminhando
atrás, contemplava, entre o tecido negro e a botinha preta, a
delicadeza da meia branca que lhe parecia algo de sua
nudez.(...) Chegaram a uma clareira onde as árvores haviam
sido derrubadas. Sentaram-se num tronco caído e Rodolfo pôsse a falar-lhe do seu amor. (...) - Não é verdade que nossos
destinos são agora comuns? - ela exclamou - Não, o senhor
bem o sabe, é impossível. Levantou-se para partir. Ele a reteve
pelo pulso e ela ficou. (...) Oh! Rodolfo...- disse a jovem
lentamente, reclinando-se em seu ombro. O pano de seu
vestido prendeu-se ao veludo do casaco dele. Curvou o alvo
pescoço, que se dilatou com um suspiro; e, semidesfalecida,
banhada em pranto, com um frêmito longo, ocultando o rosto,
ela entregou-se.”
Realismo - Madame Bovary
Gustave Flaubert
 Ema confunde fantasia com realidade
 “E apenas se viu livre de Carlos, subiu e trancou-se no quarto. Primeiro
sentiu-se numa espécie de atordoamento: revia as árvores, os
caminhos, as valas, Rodolfo: sentia ainda a pressão de seus braços,
enquanto a folhagem tremia e os juncos sibilavam. Mas vendo-se nos
espelho, ficou admirada com o próprio aspecto. Nunca tivera os olhos
tão grandes, tão negros, nem assim tão profundos. Alguma coisa de
sutil se espalhara por toda ela, transformando-a. E dizia consigo
mesma: - Tenho um amante! Um amante! - deleitando-se com essa
idéia, como se fôra uma nova puberdade que lhe sobreviesse. (...)
Lembrou-se das heroínas dos livros que havia lido e a legiâo lírica
dessas mulheres adúlteras punha-se a cantar em sua lembrança, com
vozes de irmãs que a encantavam. Ela mesma se tornara como uma
parte verdadeira de tais fantasias e concretizava o longo devaneio de
sua mocidade, imaginando-se um daqueles tipos amorosos que ela
tanto invejara antes. Além disso, Ema experimentava uma sensação
de vingança. Pois não sofrera já bastante? Triunfava, todavia, agora, e
o amor, por tanto tempo reprimido, explodia todo, com radiosa
efervescência. Saboreava-o sem remorsos, sem inquietação, sem
desassossêgo.”
Realismo - Madame Bovary
Gustave Flaubert
 Rodolfo escreve a carta de despedida de Ema
 “(...) foi buscar no armário, à cabeceira da cama, uma velha
caixa de biscoitos de Reims, onde guardava habitualmente as
cartas femininas.(...) errando assim entre suas lembranças,
examinava a letra e o estilo das cartas, tão diferentes quanto à
ortografia(...) com efeito, todas aquelas mulheres, que uma a
uma lhe acudiam ao espírito, se apertavam umas às outras e se
amesquinhavam, como num mesmo nível de amor que as
igualava. Tomando, então, aos punhados as cartas misturadas,
divertiu-se alguns minutos, fazendo-as cair em cascata da mão
direita para a esquerda. Afinal, entediado, sonolento, foi guardar
de novo a caixa no armário, pensando: - Que montão de
bobagens!”
Realismo - Madame Bovary
Gustave Flaubert
 Ema se reencontra com Léon, seu primeiro flerte, agora
novo amante
 “Com receio de ser vista, não seguia nunca pelo caminho mais
curto. Metia-se pelas ruelas sombrias e chegava coberta de
suor à entrada da rua nacional, perto da fonte que ali há. É o
bairro dos teatros, dos botequins e das meretrizes.(...) Ema
voltava a esquina e logo o reconhecia pelos cabelos frisados
que lhe saíam do chapéu. Léon que ia pelo passeio, continuava
a caminhar. Ema seguia-o até o hotel; Léon subia, abria a porta
e entrava...Que abraço! (...) Como eles gostavam daaquele belo
quarto cheio de alegria, apesar do seu esplendor um tanto
gasto! (...) Ema trinchava, servia-o, fazendo toda espécie de
pieguices, e ria-se com riso sonoro e libertino quando a espuma
do champanha lhe transbordava do copo para os anéis que lhe
enfeitavam os dedos.”
Realismo - Madame Bovary
Gustave Flaubert
 Ema reflete sobre sua vida, seus amantes, e o contraste
entre vida e fantasia a angustia
 “Um dia em que se tinham separado muito cedo, seguiu ela
sozinha pelo bulevar e viu os muros do seu convento; sentou-se
então num banco, à sombra dos olmeiros. Que tranquilidade
nos tempos de então! Como invejava os inefáveis sentimentos
de amor de que ela procurava fazer idéia nos livros! (...) Apesar
disso, não era feliz, nunca o fôra. De onde vinha, poiis, aquela
insuficiência da vidad, aquele apodrecimento instantâneo das
coisas em que se apoiava?(...) Nada, afinal, valia a pena
procurar-se; tudo mentia! Cada sorriso ocultava o seu desgosto,
e os melhores de todos os beijos não deixavam nos lábios
senão uma irrealizável ânsia de voluptuosidades mais
intensas.”
Realismo - Madame Bovary
Gustave Flaubert
 Carlos, marido traído, descobre as infidelidades de Ema
após sua morte
 “(...) Carlos ainda não abrira o compartimento secreto da
escrivaninha fechada, de que Ema se servia habilmente. Um
dia, enfim, sentou-se diante dela, usou da chave e abriu-a.
Achavam-se ali todas as cartas de Léon. Já não podia duvidar,
desta vez! Devourou-as até a última, depois procurou em todos
os cantos, revolveu todos os móveis, todas asgavetas,
soluçando, uivando, desorientado, louco. Descobrindo uma
caixa, arrombou-a com um pontapé. O retrato de Rodolfo quase
lhe saltou à cara, no meio de cartas amarrotadas. Todos se
admiravam do seu desânimo. Deixou de sair de casa (...) algum
curioso (...) avistava com pasmo aquele homem de barbas
compridas, coberto de sórdidos andrajos, com aspecto bravio e
que passeava chorando alto.”
Realismo
 Portugal:
 Início em Portugal (1865)
 Questão Coimbrã
 “Carta: bom senso e bom gosto”

Românticos x Realistas
 Antônio de Castilho X Antero de Quental

Eça de Queiróz
 Conferências do Cassino Lisbonense.
Realismo




Portugal:
Eça de Queiróz
Direito em Coimbra
Carreira diplomática:
Londres, Paris
 Denuncia o provincianismo
de Portugal
 Realista: tem o desejo de
realizar um inquérito da
sociedade burguesa
portuguesa.
 Principais obras: O crime do
padre Amaro, A Relíquia, Os
Maias, A Ilustre Casa de
Ramires, O Primo Basílio.
O Primo Basílio
Análise da família burguesa
Juliana
Luísa
Jorge
Basílio
Realismo
 Jorge viaja a negócios.
 Luísa envolve-se com Basílio.
 Juliana toma posse de cartas que
comprometem Luísa; faz chantagem.
 Luísa passar a servir Juliana.
 Sebastião ajuda Luísa a recuperar as cartas.
 Jorge regressa ao lar.
Realismo
 Basílio envia uma carta a Luísa; a carta é
interceptada por Jorge, que descobre tudo.
 Luísa adoece.
 Jorge perdoa Luísa.
 Luísa morre.
 Indique diferenças entre os enredos de
Madame Bovary e O Primo Basílio.
Realismo – O Primo Basílio
Eça de Queiróz
 Jorge, marido satisfeito com sua vida burguesa e provinciana.
 Luísa , esposa que desejava uma vida diferente, vivendo as
fantasias de suas leituras românticas.
 Estavam casados havia três anos. Que bom que tinha sido! Ele
próprio melhorara: achava-se mais inteligente, mais alegre... E
recordando aquela existência fácil e doce, soprava o fumo do
charuto, a perna traçada, a alma dilatada, sentindo-se tão bem
na vida como no seu jaquetão.
 Havia doze dias que Jorge tinha partido e, apesar do calor e da
poeira, Luísa vestia-se para ir à casa de Leopoldina. Se Jorge
soubesse, não havia de gostar, não! Mas estava tão farta de
estar só, aborrecia-se tanto! De manhã ainda tinha os arranjos,
a costura, a toillete, algum romance...Mas de tarde!(...) Ao
crepúsculo,ao ver cair o dia, entritescia-se sem razão, caía
numa vaga sentimentalidade:(...) O que pensava em tolices
então!.
Realismo – O Primo Basílio
Eça de Queiróz
 Conselheiro Acácio
 Fôra, outrora, diretor-geral do Ministério do Reino, e sempre
que dizia "El-Rei", erguia-se um pouco na cadeira. Os seus
gestos eram medidos, mesmo a tomar rapé. Nunca usava
palavras triviais: não dizia "vomitar", fazia um gesto indicativo e
empregava "restituir". Dizia sempre "o nosso Garret, o nosso
Herculano". Citava muito.Era autor. E sem família, num terceiro
andar da Rua do Ferreguial, amancebado com a criada,
ocupava-se de economia política: tinha composto os
"Elementos genéricos da ciência da riqueza e sua
distribuição"(...)
 Personagem inspirado no farmacêutico Homais de Madame
Bovary:
 O bom burguês, reconhecido socialmente, de palavras difíceis e
autor de grandes discursos, mas vazio de idéias e de vida
ociosa.
Realismo – O Primo Basílio
Eça de Queiróz
 D. Felicidade
 Havia cinco anos que D. Felicidade o amava. Em casa de Jorge
riam-se um pouco com aquela chama.(...)Todos os seus
ardores até aí tinham sido inutilizados. Amara um oficial de
lanceiros que morrera, e apenas conservava o seu
daguerreótipo. Depois, apaixonara-se muito ocultamente por
um rapaz padeiro, da vizinhança, e vira-o casar. Dera-se então
toda a um cão, o Bilro; uma criada despedida deu-lhe por
vingança rôlha cozida: o Bilro rebentou e tinha-o agora
empalhado na sala de jantar. A pessoa do conselheiro viera de
repente, um dia, pegar fogo àqueles desejos, sobrepostos como
combustíveis antigos.(...) Sempre tivera o gosto perverso de
certas mulheres pela calva dos homens, e aquele insatisfeito
infllarama-se com a idade. Quando se punha a olhar para a
calva do conselheiro, larga, redonda, polida, brilhante às luzes,
uma transpiração ansiosa umedecia-llhe as costas, os ollhos
dardejavam-llhe, tinha uma vontade absurda, ávida de lhe deitar
as mãos, palpá-la, sentir-lhe as formas, amassá-la, penetrar-se
dela!
Realismo – O Primo Basílio
Eça de Queiróz
 descrições que mostram o senso de observação de detalhes do





narrador:
1- tratadas de forma naturalista, agressiva, sexualizada ou
animalizada,
2-tratadas de forma impressionista, sutil, irônica e detalhista.
Nas descrições acima:
Fôra, outrora, diretor-geral do Ministério do Reino, e sempre que dizia
"El-Rei", erguia-se um pouco na cadeira(…) Nunca usava palavras
triviais: não dizia "vomitar", fazia um gesto indicativo e empregava
"restituir: sutil descrição dos gestos que mostram a personalidade
vazia e grandiloqüente do Conselheiro Acácio
Depois, apaixonara-se muito ocultamente por um rapaz padeiro, da
vizinhança, e vira-o casar. Dera-se então toda a um cão, o Bilro(…) A
pessoa do conselheiro viera de repente, um dia, pegar fogo àqueles
desejos, sobrepostos como combustíveis antigos.(...) Sempre tivera o
gosto perverso de certas mulheres pela calva dos homens : descrição
sexualizada e agressiva de D. Felicidade, comparando seus
desejos sexuais com seus sentimentos e animalizando-os.
Realismo – O Primo Basílio
Eça de Queiróz
 Empregada Juliana
 Servia havia vinte anos. Como ela dizia, mudava de amos, mas não
mudava de sorte. Vinte anos a dormir em cacifros, a levantar-se de
madrugada, a comer os restos, a vestir trapos velhos, a sofrer os
repelões das crianças e as más palavras das senhoras, a fazer
despejos, a ir para o hospital quando vinha a doença, a esfalfar-se
quando voltava a saúde! (...) As antipatias que a cercavam faziam-na
assanhada, como um círculo de espingardas enraivece um lobo. Fezse má: beliscava crianças até lhes enodoar a pele; e se lhe ralhavam,
a sua cólera rompia em rajadas. Começou a ser despedida. Num só
ano esteve em três casas. Saía com escândalo, aos gritos, atirando as
portas, deixando as amas todas pálidas, todas nervosas... (...) A
necessidade de se costranger trouxe-lhe o hábito de odiar: odiou
sobretudo as patroas, com um ódio irracional e pueril.
 Naturalismo: comparação de sentimentos humanos a animais: “As
antipatias que a cercavam faziam-na assanhada, como um círculo de
espingardas enraivece um lobo”
Realismo – O Primo Basílio
Eça de Queiróz
Basílio e Luísa no “Paraíso”
às três horas lancharam. Foi delicioso; tinham estendido um guardanapo sobre a
cama, a louça tinha a marca do Hotel Central, aquilo parecia a Luísa muito
estróina, adorável - e ria de sensualidade, fazendo tilintar os pedacinhos de gelo
contra o vidro do copo, cheio de champagne. Sentia uma felicidade exuberante
que transbordava em gritinhos, em beijos, em toda sorte de gestos buliçosos.
Comia com gula; e eram adoráveis os seus braços nus movendo-se por cima dos
pratos.
Nunca achara Basilio tão bonito; o quarto mesmo parecia-lhe muito conchegado
para aquelas intimidades da paixão; quase julgava possível viver ali, naquele
cacifro anos, feliz com ele, num amor permamente, e lanche às três
horas...Tinham as pieguices clássicas; metiam-se bocadinhos na boca; ela ria
com seus dentinhos brancos; bebiam pelo mesmo copo, devoravam-se de beijose ele qui-lhe ensinar então a verdadeira maneira de beber champagne. Talvez ela
não soubesse.
-Como é?-perguntou Luísa erguendo o copo.
-Não é com o copo! Horror! Ninguém que se preza bebe champagne por um copo.
O copo é bom para o Colares...
Realismo – O Primo Basílio
Eça de Queiróz
Tomou um gole de champagne e num beijo passou-o para a boca dela. Luísa riu
muito, achou "divino": quis beber mais assim. Ia-se fazendo vermelha, o olhar
luzia-lhe.
Tinham tirado os pratos da cama; e sentada à beira do leito, os seus pezinhos
calçados numa meia cor-de-rosa pendiam, agitavam-se, enquanto um pouco
dobrada sobre si, os cotovelos sobre o regaço, a cabecinha de lado, tinha em
toda a sua pessoa a graça lânguida de uma pomba fatigada.
Basília achava-a irresistível: quem diria que uma burguesinha podia ter tanto
chique, tanta queda? Ajoelhou-se, tomou-lhe os pezinhos entre as mãos, beijoulhes; depois, dizendo muito mal das ligas "tão feias, com fechos de metal", beijoulhes respeitosamente os joelhos; e então fez-lhe baixinho um pedido. Ela corou,
sorriu, dizia: não! não! - e quando saiu do seu delírio tapou o rosto com as mãos,
toda escarlate: murmurou repreensivamente:
-Oh Basílio!
Ele torcia o bigode, muito satisfeito. Ensinara-lhe uma sensação nova; tinha-a na
mão!
Realismo – O Primo Basílio
Eça de Queiróz
Trecho no qual Basílio conta a um amigo sua reação a morte de Luísa:
O Visconde Reinaldo, delicado, lamentava a pobre senhora, coitada, que se tinha
deixado morrer por um tempo tão lindo! - Mas em resumo, sempre achara aquela
ligação absurda...
Porque enfim fossem francos: que tinha ela? (...) a verdade é que não era uma
amante chique (...) que diabo! Era um trambolho!
- Para um ou dois meses que eu estivesse em Lisboa... - resmungou Basílio com
a cabeça baixa.
- Sim, para isso talvez. Como higiene! - disse Reinaldo com desdém.
(...)
- De modo que estás sem mulher...
Basílio teve um sorriso resignado. E, depois de um silêncio, dando um forte
raspão no chão com a bengala:
- Que ferro! Podia ter trazido a Alphonsine! E foram tomar xerez à Taverna
Inglesa.
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O Primo Basílio