A59
ID: 61396446
14-10-2015
Tiragem: 33895
Pág: 10
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 25,70 x 30,46 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 3
Hospitais fazem duas vezes mais
urgências do que primeiras consultas
Portugal tem o dobro das urgências do
Reino Unido e a situação não se alterou
em sete anos. Hospitais continuam a ser
a principal porta de entrada no sistema
Saúde
Alexandra Campos
Em época de crise, entre 2008 e
2014, a procura dos serviços de
urgência dos hospitais do Serviço
Nacional de Saúde (SNS) continuou
muito elevada. Em sete anos, apesar do grande aumento das taxas
moderadoras, os atendimentos em
serviços de urgência hospitalares
diminuíram apenas 0,3%. São cerca de 17 mil episódios de urgência
por dia, quase o dobro das primeiras
consultas e o equivalente a 53% das
consultas externas, revela o estudo
Desempenho clínico dos hospitais do
SNS em 2008 e 2014, que hoje é divulgado no Portal da Saúde.
Elaborado pela consultora multinacional de origem espanhola Iasist a
pedido do Ministério da Saúde (MS),
o estudo passa em revista a evolução,
de 2008 para 2014, de vários indicadores da actividade de 45 hospitais
públicos, incluindo os quatro construídos em parceria público-privada
(Loures, Vila Franca de Xira, Braga e
Cascais), além das duas unidades de
saúde mental ( Júlio de Matos e Magalhães Lemos) e dos três institutos
de oncologia (IPO).
“Tendo em conta que Portugal
apresenta o dobro das urgências de
países como o Reino Unido (National
Audit Office, 2013), estes são números
manifestamente exagerados e bem
reveladores da magnitude do problema das urgências”, destacam os autores do relatório, enquanto lembram
que, em 2014, invertendo uma tendência de vários anos, as urgências
até cresceram 1% em Portugal.
“O ideal teria sido analisar uma
série temporal e não apenas os anos
de 2008, 2013 e 2014”, como é feito neste estudo, admite o directorgeral da Iasist em Portugal, o antigo
presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares,
Manuel Delgado, para quem o facto de não haver “alterações significativas” na procura dos serviços
de urgência vem comprovar que
o modelo do SNS “não foi mexido
no essencial”. Basta ver que quase
dois terços (70%) das admissões para internamento nos hospitais ain-
da se fazem pela via da urgência.
Os hospitais de maiores dimensões, os centrais, são uma excepção a este nível. Mas, mesmo face à
redução na procura das urgências
aqui observada, os consultores são
cautelosos: este “sinal positivo deve
ser acompanhado com atenção em
futuras avaliações, para perceber se
se tratou ou não de uma mera evolução conjuntural”.
De resto, nestes anos de crise, os
hospitais públicos demonstraram
“uma evidente resiliência no seu funcionamento e na sua organização”,
independentemente das maiores ou
menores dificuldades de acesso dos
cidadãos, concluem os autores do
relatório, avisando que a variável do
acesso “não cabia” nesta análise de
desempenho. “Esta é uma fotografia
tirada do avião: não olhámos para
pormenores, analisámos o que os
hospitais fizeram, não o potencial
de procura”, esclarece, a propósito,
Manuel Delgado.
O objectivo do Ministério da Saúde era, aliás, o de perceber se a crise
económica e social que o país tem
vivido nos últimos anos teve ou não
repercussões na actividade hospitalar e neste estudo a Iasist trabalhou
com a base de dados dos grupos de
diagnóstico homogéneos (GDH) e
do movimento assistencial da Administração Central do Sistema de
Saúde.
Cirurgia ambulatória
Num contexto em que os doentes
são mais idosos (a população com
mais de 65 anos representava um
quinto do total em 2014) e os médicos mais exaustivos e rigorosos
nos registos, os dados do estudo
indicam que os hospitais conseguiram “melhorar os resultados” e
também “a qualidade dos cuidados
prestados” nalguns domínios, com
destaque para a cirurgia ambulatória, que cresceu 63% neste período.
Também a qualidade clínica evoluiu
positivamente.
Sobre a evolução da cirurgia de
ambulatório, esta foi de tal forma
relevante que se propõe que deveria, agora, ensaiar-se a passagem para um conceito “mais exigente (sem
pernoita)”. Actualmente, a cirurgia
As camas nos cuidados continuados integrados cresceram 250% entre 2008 e 2014
de ambulatório inclui a permanência
até 24 horas dos pacientes nos hospitais, podendo implicar que o doente
passe a noite na unidade de saúde.
Os resultados provam ainda que,
neste período, as camas nos hospitais de doentes “agudos” diminuíram 7,1% (passaram de 22.316, em
2008, para 20.736, no ano passado),
um fenómeno que foi muito mais
expressivo nos hospitais universitários. Em contrapartida, frisa-se
no estudo, as camas nos cuidados
continuados integrados cresceram
250% entre 2008 e 2014 (de 2870
passaram para 7160).
A diminuição de camas para doentes “agudos” (hospitalares) foi, assim, compensada pelo crescimento
da rede de camas de cuidados continuados, na “razão de 1 para 2,7”,
argumentam os consultores, notando que há “um efectivo aumento
de camas” que resulta num “maior
equilíbrio na sua distribuição entre
os dois sectores”. Ainda assim, o número de camas de cuidados continuados continua muito aquém do que
tinha sido projectado quando esta
rede foi lançada, há uma década. Mas
Manuel Delgado frisa que a relação
entre a perda de camas nos hospitais
e o ganho nos cuidados continuados
é “muito favorável”.
Idade média subiu
Um indicador que vem levantar algumas questões é o do número de
doentes saídos dos hospitais por mil
habitantes, que baixou (de 92,7 em
2008 para 86,3 no ano passado). Os
dados “não correspondem ao que
seria expectável face ao envelhecimento e à maior gravidade e complexidade inerentes ao tratamento de
pessoas mais idosas” (a idade média
dos doentes subiu globalmente cerca
de quatro anos), enfatizam os consultores. Uma situação que, ponderam,
pode ser explicada por dois factores:
um eventual desvio da procura para
o sector privado e o “aumento de necessidades não expressas por razões
económicas e sociais”.
Ainda assim, a complexidade dos
doentes tratados em internamento
aumentou entre 2008 e 2014, em
parte fruto da maior exaustividade
no preenchimento dos processos clínicos pelos médicos, mas também,
supõe-se, do efeito conjugado do envelhecimento, com a diminuição da
actividade na área materno-infantil,
com a “desnatação” exercida pelo
sector privado e graças ao facto de
os procedimentos cirúrgicos menos
complexos serem feitos em ambulatório, explicam.
Simultaneamente, nestes anos, enquanto houve hospitais com taxas
de ocupação inferiores ao recomendável (menos de 75%), outros apresentaram valores muito elevados,
“reveladores de uma forte pressão
da procura em certos períodos do
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Área: 11,26 x 26,04 cm²
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MARIA JOÃO GALA
Qualidade clínica
melhorou
D
ano”. Por isso, os autores do relatório
sugerem a revisão das lotações e das
áreas de influência dos hospitais (“ou
até a sua existência)”.
“Se tenho hospitais com uma taxa de ocupação inferior a 75%, isso
significa que 25% das camas estão
vazias, apesar de os custos fixos
permanecerem iguais”, explica o
responsável da Iasist. Olhando para os outros hospitais, acrescenta,
“também não é bom” haver taxas
superiores a 100%”. Como se resolve uma situação aparentemente paradoxal? Redistribuindo as camas,
propõem.
Os hospitais analisados apresentam um comportamento muito variável quanto a alguns dos indicadores.
Nos hospitais centrais, por exemplo,
já se verificou uma redução significativa de camas, ao que tudo indica
em resultado dos ajustamentos na
distribuição de áreas populacionais
e das fusões realizadas.
e 2008 para 2013, a
qualidade clínica evoluiu
“muito positivamente”,
com os índices de
mortalidade, de complicações
e de readmissões (ajustados
ao risco) a apresentarem
melhorias, sublinham os
autores do estudo. No ano
passado, estes bons resultados
mantiveram-se, à excepção
dos índices de mortalidade nos
IPO, o que se poderá explicarse com alterações de natureza
administrativa.
Em sentido inverso, as taxas
brutas de complicações nos
hospitais públicos passaram
de 2,8% em 2008 para 3,5%,
em 2014. Sobre a “segurança
do doente”, não foi possível,
porém, chegar a conclusões,
por causa do “sub-registo”
das complicações e outros
acontecimentos adversos,
notam os autores, apesar
de sublinharem que os
registos médicos melhoraram
sensivelmente nos últimos
anos. No ano passado, fizeramse 1,7 milhões de diagnósticos.
Apesar de ainda exibirem
valores muito elevados no
contexto europeu, as taxas
de cesarianas apresentaram
também “uma discreta
melhoria”. Representavam
28,8% do total no ano
passado, quando em 2008
eram um terço (33,5%).
Aqui, as unidades locais de
saúde apresentarem piores
resultados, ao contrário do que
seria de esperar.
Na saúde mental, verificouse um aumento das altas
nas unidades integradas
em hospitais gerais, ao
mesmo tempo que se
registava uma diminuição
nos hospitais psiquiátricos, o
que corresponde também “à
evolução esperada”
neste sector. Também as
admissões programadas em
saúde mental aumentaram
“significativamente”, o que “é
sinónimo de maior capacidade
de intervenção precoce e mais
oportunidade e adequação nos
processos de internamento
destes doentes”. A.C.
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Hospitais fazem duas vezes mais urgências do que primeiras