PÚBLICO, SEG 12 JAN 2015 | 47
Uma meia verdade que Falta de diálogo ou uma
esconde meia mentira forma de governar?
JOÃO CORTESÃO
A
Debate Serviço Nacional de Saúde
José Carlos Rodrigues Gomes
questão preocupante e
emocionalmente intensa
do afluxo às urgências tem
sido abordada com um foco
demasiado limitado e pouco
orientado para as necessidades
de saúde da população. O
problema, que de facto se
agrava com o período do ano
que atravessamos, tem muitos
outros focos que não a falta de médicos.
Pode-se destacar a ausência de uma
visão salutogénica do sistema de saúde,
como defendida por Antonovsky,
nomeadamente o reduzido investimento
em promoção da saúde e capacitação
das populações e comunidades (uma das
principais ênfases da Organização Mundial
de Saúde), uma resposta em cuidados de
saúde primários deficitária, a insuficiente
capacidade de resposta da Rede Nacional
de Cuidados Continuados Integrados
e de outras estruturas de apoio à
população idosa, ou ainda a organização
dos serviços hospitalares por camas
afetas a especialidades (ou médicos em
particular) em vez de se centrarem nas
necessidades, mutáveis, das pessoas e
das comunidades que servem.
O não aproveitamento dos recursos e
das competências em enfermagem (gerais
e com maior intensidade, especializadas),
definidas e regulamentadas por lei, é
também um fator que interessa introduzir
se pretendermos encontrar soluções
para um problema social e económico
complexo e particularmente agressivo para
a sensação de segurança e de bem-estar
que a população merece. É disso exemplo a
resposta do sistema pré-hospitalar que tem
afastado os enfermeiros de algumas das suas
acções, recorrendo a profissionais menos
qualificados e com naturais dificuldades em
responder a situações por vezes simples,
ou o manifesto atropelo ao cumprimento
das dotações seguras em enfermagem por
muitos dos serviços do sistema, ou ainda,
simplesmente, o completo desrespeito das
competências dos enfermeiros portugueses
na organização dos serviços e do sistema
de saúde, numa intrigante manifestação
de miopia quando o investimento feito
(que ultrapassa por vezes a dezena de anos
de formação) foi também participado na
maioria dos casos pelo erário público.
Quanto à falta de médicos, interessa
esclarecer os portugueses: segundo o
balanço social de 2013 do Ministério da
Saúde, entre 2011 e 2013 observa-se um saldo
positivo de 914 médicos e um saldo negativo
de 1277 enfermeiros; segundo o Health at
a Glance (2013), Portugal apresenta o 5.º
melhor ratio médico/1000 habitantes (4,0
para uma média de 3,2) dos países da OCDE,
e um dos piores ratio
enfermeiro/1000
habitantes (5,8 para
uma média de 8,8)
nos países da OCDE.
O serviço Nacional
de Saúde apresenta
um assustador ratio
enfermeiro/médico
de 1,5, quando o
aconselhado pela
OMS é de 2,5 a 3.
Surge a questão:
será falta de médicos
ou antes uma
teimosia em manter
uma estratégia
de resposta para as necessidades de
saúde da população que já demonstrou
que não funciona? Será falta de médicos
ou apenas uma surdez seletiva ao que
todos os organismos internacionais (e
alguns documentos nacionais) na área
da saúde, técnicos e políticos, advogam
— uma mudança no perfil funcional e nas
responsabilidades dos enfermeiros no
âmbito do sistema prestador de cuidados
de saúde, centrando os cuidados na
comunidade e no cidadão?
Será falta de
médicos ou
antes uma
teimosia em
manter uma
estratégia que
não funciona?
Presidente do Conselho de Enfermagem
da Ordem dos Enfermeiros
NUNO FERREIRA SANTOS
S
Debate Serviço Nacional de Saúde
Jaime Teixeira Mendes
alazar governou este país
durante quase 40 anos
impondo sempre as suas ideias
e evidenciando horror pelo
contraditório, quer viesse da
oposição ou mesmo dos seus
colaboradores mais próximos.
Dizia-se que nas reuniões de
Conselho de Ministros, quando
um dos seus membros tinha
uma boa ideia, ele (o ditador) interrompia a
reunião e mais tarde apresentava essa ideia
como se lhe tivesse pertencido.
Este tipo de governação fez escola na
Avenida João Crisóstomo. A rotura nas
urgências do Hospital Fernando Fonseca,
vulgo Amadora-Sintra, no Natal deste ano, é
um dos exemplos desta forma de governar
ou da falta de diálogo.
A Ordem, pela voz do bastonário e do
Conselho Regional do Sul, alertou, em
devido tempo, o Ministério da Saúde para
o perigo de rotura das urgências, seja no
Hospital Fernando da Fonseca seja em
quase todos os hospitais da região sul do
país, no período de Natal.
Apoiados por vários diretores clínicos
e médicos hospitalares, propusemos
medidas para resolver estas situações,
que são previsíveis e acontecem todos
os anos nestes períodos. O reforço das
verbas aos hospitais que apresentam
subfinanciamento crónico com o
consequente agravamento das dívidas aos
fornecedores, o aumento do número de
camas hospitalares, a autorização para as
administrações dos hospitais contratarem
diretamente ou por ajuste direto o pessoal
de saúde necessário para esses períodos,
foram algumas das nossas propostas.
Acabar com as empresas de contratação
de pessoal de saúde que, apesar dos
compromissos assumidos com o ministério,
têm falhado na colocação de médicos nos
períodos normais do ano, quanto mais
em períodos de picos agudos de casos nas
urgências perfeitamente conhecidos. Estas
empresas, a maioria das vezes, não são
penalizadas pelas falhas contratuais, é de
referir até alguns casos que não pagaram
sequer o devido aos médicos contratados.
Segundo os media, o ministério vem agora
dizer que vai penalizar estas empresas no
próximo ano, quando as penalizações já
estavam inscritas nos contratos feitos em
2014.
A insatisfação pela sua atuação é
generalizada. Chefes de serviço, assistentes
hospitalares e internos são unânimes nas
críticas apresentadas: falham muitas vezes e
recorrem a médicos mal preparados e sem
as especializações pedidas.
O ministro tem conhecimento de tudo
isto mas continua a impor a contratação de
médicos tarefeiros através destas empresas,
até criou um sistema burocrático de
certificações das mesmas.
Perante o que aconteceu no Hospital
Amadora-Sintra, o ministério vem agora dar
permissão à administração para contratar
dez médicos ao preço de 30 euros por
hora, sem passar pelas empresas que daqui
retirariam a sua comissão. Atualmente,
dizem as notícias,
até já permitiu
pagar mais que os
30 euros por hora.
No caso do
Hospital AmadoraSintra, para além
de todas estas
imposições que são
feitas infelizmente
a todos os hospitais
e centros de saúde,
junta-se uma
administração
contestada pelos
seus médicos, com
o diretor clínico
demissionário,
como atestam as
cartas endereçadas
à Ordem dos
Médicos, de colegas
de Pneumologia, Gastroenterologia,
Nefrologia, Cardiologia e Neurologia deste
hospital.
O que é que move o ministro a manter
teimosamente o contrato de médicos
através das ditas empresas?
Como é que os hospitais do SNS
funcionavam sem as empresas de
contratação de serviços?
Era simples. Os médicos faziam mais
horas extras nestes períodos e eram pagos
segundo a tabela em vigor da função
pública, tendo em conta o valor/hora do seu
vencimento base.
Quem é que lucra com as empresas
privadas de contratação de médicos?
Será que o ministro não ouve as
propostas da Ordem dos Médicos,
nomeadamente da Secção Regional do Sul
ou é a sua forma de governar?
Quem é que
lucra com
as empresas
privadas de
contratação
de médicos?
Presidente do Conselho Regional do Sul
da Ordem dos Médicos
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Uma meia verdade que esconde meia mentira