1 NEGRA IMAGEM UMA ANÁLISE A PARTIR DA REPRESENTAÇÃO SOCIAL DE PROFESSOR ACERCA DAS RELAÇÕES RACIAIS NO CURRÍCULO ESCOLAR Raquel Amorim dos Santos Universidade Federal do Pará ­ UFPA [email protected] Rosângela Maria de Nazaré Barbosa e Silva Universidade Federal do Pará ­ UFPA [email protected] À guisa de introdução Este texto apresenta um estudo educacional de pesquisa acerca das Relações Raciais no interior do campo de estudos sobre currículo e formação de professores, no Brasil, focalizando a diferença racial. Com base na literatura especializada acerca das relações raciais, partimos da premissa de que nossa sociedade reproduz as desigualdades ao longo dos séculos, de forma consciente ou inconscientemente, por meio de ações discriminatórias ou da omissão frente às práticas discriminatórias presentes em nossas escolas. 1. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E AS RELAÇÕES RACIAIS NO BRASIL: ALGUNS APONTAMENTOS A Teoria das Representações Sociais (TRS) desde sua origem mostram sua relevância para o contexto social. As idéias, conhecimentos e representações são criadas e recriadas tanto ao nível social quanto individual. Dessa forma, o indivíduo se apropria dos aspectos da realidade pela via da representação social (RS), compreendida como “uma forma de conhecimento elaborado e compartilhado, tendo uma perspectiva prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (MOSCOVICI, 1978). Essa concepção também corrobora para o conceito empreendido por Jodelet (2001) seguidora de Moscovici, para quem a representação social desenvolve­se no próprio processo de interação social, particularmente, nas situações relativas à difusão dos conhecimentos artísticos e científicos. Acrescenta ainda que as representações sociais poderiam ser consideradas, num sentido mais amplo, como uma forma de pensamento social, da mesma forma que esse pode ainda ser concebido como a realidade que é
2 formulada pelos sujeitos dos diversos segmentos de uma sociedade, que partilham o conhecimento e possibilitam a construção de perspectivas comuns a um universo social. Para Jodelet (2001) as representações são frutos da interação entre indivíduos, integrados em determinadas culturas que, ao mesmo tempo, constroem e produzem uma história individual e também produzem uma história social. Dessa forma, a maneira como o coletivo social constrói representações, contribuem para concepções de si e do que é o outro. Isso tem implicações na construção da identidade, o olhar do eu na perspectiva do outro (HALL, 2001) pressupõe construir positiva ou de forma negativa a imagem negra na sociedade, sobretudo na escola. Desse modo as RS influem na construção da identidade, no modo de pensar e na forma como os discursos são veiculados no meio social. Nascimento (2002) ao reporta­se ao lugar construído a partir de uma história, afirma, que esse lugar cria consensos, representações de forma de saberes do senso comum, cujo objetivo é tornar possível a apreensão da complexidade do mundo e fornecer suporte para a construção de pensamentos que orientam a sua própria conduta. As RS podem surgir da construção histórica, da cultura, do movimento relacional com o mundo e com os outros, imagens, opiniões que traduzem valores (individuais ou coletivos), por meio da linguagem que são passados de geração a geração. Trata­se de manifestações que não estão isoladas no meio social, mas partem de um processo de interação que envolve a forma como as pessoas interpretam e elaboram a realidade. Portanto, as representações sociais podem nos trazer o olhar do passado como reflexo do presente, os símbolos, as imagens que foram construídas e que ainda hoje perpetuam cristalizadas no imaginário social seja concepção de raça, cor, etnia, gênero, classe, religião, enfim, representações que produzem saberes sobre si mesmo e sobre os outros e que refletem a vida cotidiana. É por isso que neste estudo pretendemos fazer uma incursão acerca das relações raciais no Brasil, como surgiram no pensamento social, político, intelectual e educacional brasileiro. Pensar nas relações raciais é considerar o negro como um sujeito que se constrói nas suas relações com o mundo, é considerá­lo como ser histórico, político e social. As RS se apresentam como meio de desvelar os significados que estes produzem sobre as diversas experiências culturais. Porém, ressalta­se que essa imagem do negro histórico, político e
3 social, nem sempre é a que permeia na sociedade brasileira, considera­se o legado histórico que demarcou um contexto de desigualdades, tendo o seu nascedouro no regime escravocrata que instituiu a condição subserviente do negro, subjugado pela supremacia da sociedade dominante (SKIDMORE, 1976). O preconceito e a discriminação racial perpetuaram­se no Brasil como conseqüência do regime escravocrata, deixando um espólio de atraso cultural, em função das desigualdades sociais, econômico e cultural. Para Hasenbalg (2005, p.80). O preconceito e a discriminação racial aparecem no Brasil como conseqüências inevitáveis do escravismo. A persistência do preconceito e discriminação após a destruição do escravismo não é ligada ao dinamismo social do período pós­abolição, mas é interpretada como atraso de fenômeno cultural, devido ao ritmo desigual de mudança das várias dimensões dos sistemas econômico, social e cultural. Todos esses acontecimentos acabaram por produzir a imagem do negro na sociedade e contribuíram para a presença cada vez mais estereotipada, cristalizada e a desvalorização social, econômica, política e cultural do negro. Dessa forma, o Brasil, ao longo de sua história, estabeleceu um modelo excludente impedindo que um número elevado de brasileiros tivesse acesso à escola ou nela permanecessem com sucesso. O acesso e permanência ao ensino de qualidade preconizado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 9394/96, na realidade não tem alcançado a todos os alunos. Entretanto como força contra­hegemônica o movimento negro por meio de lutas tem contribuído para a inclusão da História e Cultura Afro­Brasileira, cujo propósito era modificar por inteiro o arcabouço da educação nacional, o que implicaria em mudar a legislação em vigor. Portanto, com a elaboração da Constituição Federal de 1988, várias exigências dos movimentos sociais, também dos negros foram percebidas: contribuição de denúncia de discriminação na escola, clamor pelo respeito à cultura e história africana, ampliação dos direitos para além dos limites jurídicos superando as desigualdades, sempre com o olhar voltado para uma educação igualitária, democrática e anti­racista. Entre as conquistas advindas da mobilização dos segmentos sociais e raciais, a C.F/88 menciona: Art. 205 – A educação é direito de todos e dever do Estado. Art. 206 – O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
4 I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino. Art. 210 – Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. Art. 242 §1° O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro (BRASIL, 1988). Considerando que a educação para a igualdade racial mereceu destaque especial na Constituição Federal de 1988 e na qual foi possível ver­se refletir antigas reivindicações das entidades da sociedade civil organizada por meio do Movimento Negro, o texto da lei estabeleceu uma nova configuração para a escola, no sentido de não apenas assegurar igualdade de condições para o acesso e permanência dos vários grupos étnicos, mas também redefinindo o tratamento dispensado pelo sistema de ensino à diversidade racial que caracteriza a sociedade brasileira. A Lei 9394/96, assim como as anteriores citadas nessa incursão pela legislação educacional brasileira, traz um processo bem diferenciado das anteriores, pois foi gestada pós­ditadura militar com grande participação dos movimentos da sociedade civil e dos negros. Grandes discussões são empreendidas no seio da sociedade e cruza­se com dois importantes marcos impulsionadores: o Centenário da Abolição, em 1988, e os 300 anos da Morte de Zumbi dos Palmares, em 1995 (SANTOS, 2003; DIAS, 2005). Considerando as pressões anti­racistas e legítimas dos movimentos negros, a nova LDB traz alguns avanços no atendimento à diversidade racial como o referido no art. 26, parágrafo 4°: o ensino de História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente as de matriz indígena, africana e européia (BRASIL ­ LDB 9394/96). Em face ao exposto neste artigo da lei, vemos que mais uma vez a sociedade civil promove forte pressão de entidades do movimento negro sobre parlamentares comprometidos ou sensíveis à luta pela igualdade racial para ver legitimada a concretude de ações por vezes seculares dirigidas aos negros. São pequenos indícios de que a questão de
5 raça , mesmo que secundariamente, ocupou espaço no texto da lei e, portanto, nas atenções de quem a produziu (DIAS, 2005, p. 57). Decorridos sete anos após a aprovação e implementação da LDB 9394/96, tem­se a aprovação da Lei 10639/03 que altera a LDB 9394/96 nos seus artigos 26 e 79, e torna obrigatória a inclusão no currículo oficial de ensino da temática “História e Cultura Afro­ brasileira”. O Estado ao assumir essa decisão, resgata historicamente a contribuição dos negros na construção e formação da sociedade brasileira. O texto da lei é incisivo e claro quanto aos objetivos que provocaram a mudança, tornando obrigatório o ensino da História e da Cultura Afro­brasileira, como observa­se nos parágrafos: § 1° O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil; § 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro­brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Ed. Artística e de Literatura e História Brasileiras (BRASIL, 1996). Um outro aspecto importante é que a Lei estabelece que o calendário escolar inclua o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra” (Art. 79­b da Lei 10639/03). E ainda, se constitui como um marco nas leis educacionais, concebidas pelos atores do movimento negro, a aprovação pelo Conselho Nacional de Educação, das “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico­Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro­Brasileira e Africana”, em 10 de março de 2004. Apesar de ser fundamental pensar em que contextos as leis educacionais foram implantadas, é importante considerar o espaço de contradições em que estas ocorreram e do papel sempre presente do movimento negro para fazer valer de fato antigas reivindicações. Nesse percurso histórico­educacional demonstramos que saímos de um tipo de educação sem distinção para uma que começa a distinguir as diferenças para compensar processos desiguais entre a população brasileira, em especial, a negra. Neste sentido, a Lei 10639, de 09 de janeiro de 2003 (BRASIL, 2003), avança no que poderíamos chamar de implantação de uma pedagogia anti­racista e não eurocêntrica, valorizando a história e a influência dos negros em todos os contextos: social, cultural, político e econômico. É preciso lutar contra
6 um mito que não passa de uma representação deturpada de fatos, levando­nos a elaborar uma interpretação falsa de um grupo, induzindo­nos a acreditar numa realidade que não é verdadeira, que não é brasileira. Percebe­se que as políticas públicas educacionais não têm favorecido de forma igualitária os alunos negros. O racismo e a discriminação (GUIMARÃES, 2002) não existem em si, mas revelam­se, sobretudo no imaginário social, apoiados na representação social, construída na relação social, na convivência dentro de um coletivo, ou grupo social. Para Hanchard (2001, p.30), ser negro na sociedade brasileira, por exemplo, geralmente significa ter um padrão de vida inferior e menos acesso a serviço de qualidade nas áreas de saúde e educação do que os brancos, mas significa também criminalidade, licenciosidade e outros atributos negativos, considerados inerentes as pessoas de ascendência africana. Assim, encontramos as desigualdades raciais, como uma realidade histórica. E na escola, isso se deu a partir da concepção veiculada do que seria um modelo de homem. Neste sentido, “a escola continua reproduzindo e legitimando as desigualdades sociais, alimentando o sistema simbólico e garantindo as diferenças no espaço escolar” (BOURDIEU, 2000, p.8).
Bourdieu e Passeron viam, então, a escola como um campo de reprodução da cultura dominante, como instrumento de imposição do arbítrio cultural de um grupo e/ou classe para os demais. Neste sentido, sua ação pedagógica se constitui em um passar adiante, como universais, valores que são próprios de um único grupo (COELHO, 2006, p.113). Uma das conseqüências mais evidentes da desvalorização do negro e super valorização do branco, naturalizando­se uma suposta inferioridade e incapacidade dos negros, traduz­se na disparidade no desempenho dos alunos negros, que passam a inibir seu potencial, bloqueando o desenvolvimento de sua identidade racial­negra e o cultivar de respeito mútuo entre negros e não­negros. Assim, pensar nas representações sociais de professores acerca das relações raciais nos a leva questionarmos: Quais as imagens e significados de professores sobre o negro? Como essas imagens e significados consensuais são partilhados por professores acerca do negro? Como são correlacionadas as representações sociais de professores com a prática curricular efetivada em sala de aula?
7 Diante das indagações, é pertinente analisarmos a relação sujeito e objeto, considerando que, não existe representação sem esta relação. Portanto, as representações sociais nos permitem por meio de professores uma imagem e um significado, sendo simbólica, construtora e reconstrutora, autônoma e criativa acerca das relações raciais materializadas no currículo escolar. 2. RELAÇÕES RACIAIS E CURRÍCULO: IMAGENS DE PRÁTICAS EDUCATIVAS E A PROPOSTA POR EDUCAÇÃO INCLUSIVA. “Aquele que conhece suas origens tem orgulho de ser negro” Francisco Lucrécio Os discursos sobre currículo vêm nos últimos anos assumindo uma importância na sociedade brasileira, principalmente em função das variadas alterações propostas na legislação de ensino, de uma forma ou de outra modificam as matrizes curriculares que vemos empregadas nas escolas. Ao anunciarmos esse tema para esta seção, temos a clareza que por meio das reflexões sobre o currículo escolar, seu papel dentro da estrutura educacional, poder­se­á pensar numa educação anti­racista. A literatura que tem tratado da história do pensamento curricular no Brasil (Canen (2002); Moreira (1990, 2006); Lopes e Macedo (2002); Canen e Moreira (2001) mostra­nos que podemos situar as origedesse campo no país na primeira metade do século XX. Partindo do pressuposto de que o currículo é construção que determinam relações de poder Silva (2001), Apple (1982), Moreira (2006, Lopes e Macedo (2007), Giroux ( 1997) subtendem­se que as várias formas que assume obedecem a discursividades e representações diferentes, em que habitam filosofias resultantes das intencionalidades que o produzem, nos diversos tempos e nos mais diferentes lugares, não mostrando, na maioria das vezes, na superfície, tudo o que pode verdadeiramente significar, ou seja, substituir saberes e valores dos grupos dominantes por saberes e valores dos grupos subalternizados. É no conflito entre as vozes hegemônicas e as vozes dos oprimidos que reside a possibilidade de crítica e de reconstrução das representações sociais (MOSCOVICI, 1978; JODELET, 2001)dos grupos culturais por imagens e representações dos grupos que convivemos e com os quais traçamos relações sociais, que em muito são relações de poder de um grupo sobre o outro. Portanto, a posição assumida pelo currículo é a de
8 “desnaturalizar os critérios usados para justificar a superioridade de certos indivíduos e grupos em relação a outros” (MOREIRA, 2001,p.76). Isto posto, leva­nos a compreensão de que o currículo é, pois lugar de representação simbólica, para usar termos de Bourdieu; jogo de poder; multiculturalismo; espaço de escolhas; inclusões e exclusões, portanto produto de uma lógica que nem sempre é aquela expressa pela vontade do sujeito, e aqui ressaltamos o sujeito negro que por muito tempo manteve­se silenciado do campo do currículo. A discussão de currículo, a partir de então, vai além de uma seleção de conhecimento, envolve, uma operação de poder. Assim, o currículo é um documento de identidade, onde as teorias críticas e pós­críticas de currículo estão preocupadas com as conexões entre saber, identidade e poder (SILVA, 1999, p.16). A teorização do currículo constitui­se em nexos entre saber e poder, onde o papel desta teoria é o de ampliar essa compreensão, não o de estreitá­la (Silva, 1999). E como fazê­lo? Entendemos que é necessário empreendermos um novo olhar para a educação multicultural, proposta pedagógica considerada neste estudo como inclusiva, que vêm valorizar os conteúdos das diferenças, das múltiplas identidades, num importante instrumento de luta política por uma educação de qualidade (SILVA, 1999). Nesse sentido, o currículo precisa ser visto como lugar, espaço e território. O currículo como relação de poder (1999), não pode ser visto como neutro, estático, descontextualizado, é necessário que esteja voltado para a diversidade cultural que atenda a todos sem discriminação, segregação, preconceito e estereótipos. Conforme enfatizam os autores Gonçalves e Silva (2004, p.99), “não há educação multicultural separada do contexto de lutas, dos grupos culturalmente dominados, que buscam modificar, por meio de suas ações, a lógica pela qual a sociedade produz sentido e significados de si mesma”. Daí que alguns grupos como os negros, organizam­se em movimentos com o objetivo de tornar mais visível e audível os rostos e as vozes que tem sido silenciadas na sociedade e na escola. Esses movimentos sociais de negros abriram caminho para que hoje possamos nos inquietar pelo desejo de compreensão e busca de novas possibilidades pedagógicas, que nos permitam atuar numa perspectiva de respeito com a nossa rica diversidade cultural.
9 Assim, o trabalho docente pode, então, orientar­se para além dessa disposição curricular, ou seja, das disciplinas, mas também na exposição e discussão de questões étnicas, políticas, sociais. É necessário perceber que é preciso ir além da valorização de um currículo eurocêntrico, que privilegiou a cultura branca, masculina e cristã (SILVA, 1999) , menosprezou as demais dentro de sua composição do currículo e das atividades do cotidiano escolar. Os negros foram relegados a uma inferioridade imposta no interior da escola, ao mesmo tempo, a esse segmento social foram determinadas classes sociais inferiores na sociedade. Os efeitos dessa secular invisibilidade são admirável nas abordagens do currículo escolar, o que segundo Silva (2001, p.102): Essas narrativas celebram mitos da origem nacional, confirmam o privilégio das identidades dominantes e tratam as identidades dominadas como exóticas ou folclóricas. Em termos de representação racial, o texto curricular conserva, de forma evidente as marcas da herança colonial. O currículo é, sem dúvida, entre outras coisas, um texto racial. E ainda: O processo de seletividade dos currículos escolares, o currículo oculto, a invisibilidade e o recalque da imagem e cultura dos segmentos sem prevalência histórica, na nossa sociedade, são alguns dos mecanismos produzidos para manter a hegemonia da ideologia dominante. O produto final de todo esse processo está configurado no currículo eurocêntrico vigente nas escolas brasileiras, em todos os níveis de ensino. (idem, p.141) Em todo esse percurso preliminar que fizemos no campo do currículo, percebemos que a trilha encontrada está no multiculturalismo — corrente de pensamento teórico e político, voltado ao reconhecimento identitário e à justiça social. Há todo um debate sobre o multiculturalismo, a saber: Gonçalves e Silva (2004), Canen (2002), Moreira (2006) em que se discute o papel de diferentes povos no contexto cultural e educacional, e ainda, como um movimento teórico e político que busca resposta para os desafios da pluralidade cultural nos campos do saber, incluindo não só a educação (CANEN, 2002). O multiculturalismo, como uma proposta do pensamento curricular, pode ser entendido a partir de alguns aspectos apontados em estudos recentes (Canen, 2001, 2002; Gonçalves e Silva , 2002, 2004; Moreira, 1997,2001, 2003, 2006). Nessa perspectiva, o
10 multiculturalismo pode ajudar aos grupos com representação minoritária incluídos em hierarquias, posicionada como subalternos. Os estudos acima mencionados trazem­nos algumas discordâncias e desafios das apropriações teóricas do multiculturalismo na educação, quanto de propostas pedagógico­ curriculares que visam dar voz a “diferentes identidades culturais” (Canen, 2001, p.16). Uma das discordâncias, que fica demarcada, em suas concepções é quanto a homogeneização de políticas curriculares na educação básica, bem como sua generalização quanto à correção das desigualdades existentes na estrutura social e em nossos modelos educacionais. O desafio sugerido é a luta pelo reconhecimento das diferenças em contraste com a estrutura capitalista de sociedade em que vivemos e onde nossas vivências culturais se processam, ou seja, segundo Moreira (2001, p.18) “nessa perspectiva, a produção da diferença é um processo social, não algo natural ou inevitável”, e ainda, seguindo esta mesma linha de raciocínio encontramos Silva (2002, p.74) que afirma que: “identidade e diferença estão em uma relação de estreita dependência”. Um outro ponto, que parece ser de concordância entre os autores, é quanto à perspectiva monocultural com que se delineiam as práticas educativas e as políticas curriculares nacionais, pois as políticas curriculares oficiais são textos de referência que têm tido o poder de influenciar discursos, elemento simbólico do projeto social dos grupos dominantes. Assim, as políticas curriculares, tornam­se definidoras de papéis efetuando um processo de inclusão e exclusão de culturas. Neste sentido, as políticas oficiais dão corpo e forma ao currículo; um currículo produtor de identidades que, concomitantemente, reforça diferenças. A perspectiva monocultural de currículo também se caracteriza pela negação de identidades por parte dos dominantes culturais gerando o silenciamento de subjetividades, alteridades, relações de gênero, de raças, de religiosidades e de sexualidades. Canen e Moreira (2001, p.32) destacam que “uma perspectiva multicultural deve informar os conteúdos selecionados em todas as áreas de conhecimento”, tendo a preocupação com os processos de democratização social e das práticas educacionais. “Onde os conflitos multiculturais sejam discutidos e enfrentados através do diálogo”(idem, p.33). Onde possamos, definitivamente, romper com o “mito da democracia racial”, ainda tão presente nos discursos das elites dominantes e no imaginário popular. Logo, os materiais didáticos, com suas formas tradicionais de estereótipos atribuídos aos negros, ajudam a
11 reforçar o desejo de não identificação do jovem com a cultura negra, ressaltando apenas as outras características de sua suposta herança branca (BENTO, 2002, p.46). Consequentemente, essa representação negativa perpassa as relações interescolares, pois “a escola contribui para perpetuar as desigualdades, ao mesmo tempo em que as legitima” (Bourdieu, 1998,p.58). Desse modo, pensar em relações raciais, a partir do multiculturalismo crítico, é um caminho promissor, porém longe de ser tranqüilo ou único. O diálogo entre educadores e pesquisadores, com seus olhares diferenciados sobre a questão é, sem dúvida, um caminho rico na busca de alternativas para um mundo plural e menos desigual. PARA NÃO CONCLUIR.... Imaginamos um currículo que antes era romanceado através das letras literárias, incompreensíveis aos sentidos; depois de algum tempo... as ciências revolucionam­se e delineiam um novo pensar, mais técnico, mais máquina, onde a ordem era produzir e preparar operadores industriais, era preciso fazer o mundo crescer, indústrias, indústrias...visão fabril de um currículo centralizador, fragmentado, linear... Imaginamos um currículo que deixa as referências psicológicas para uma perspectiva sociológica, de crítica ao que é dado, ao pronto e acabado; imagina­se o encontro do homem livre, emancipador, capaz de lutar, refletir, agir em bases sólidas numa relação do eu no olhar do outro, que é diferente que tem anseios, desejos, limitações, necessidades especiais, negro, branco, homem, mulher; penso na história, na sociedade multifacetada, pluricultural, questões de classe, relações de poder...jamais imaginadas no início do percurso curricular, agora posta como desafio as novas gerações... Imaginamos hoje, um currículo com tendências e orientações que se inter­ relacionam, se interdependem, rejeitam­se, enfim um campo contestado, deslizando entre o tradicional e o critico, e aonde chegar? Será nas imagens, nos símbolos, nas representações sociais, na linguagem, no discurso, na produção de subjetividades...ou nas intersubjetividades... Imaginamos... Imaginamos que o currículo não é mera organização seja de que forma for não é seleção, não se restringe a uma só concepção, embora nos façam pensar
12 assim, quem? A sociedade, a escola, o professor... talvez devamos imaginar e perguntar sempre pelo “por que” das formas de organização desse currículo nas Escolas e para onde vai o conhecimento escolar nela veiculado; imaginar que as escolas estão eivadas de diferenças, que os sujeitos envolvidos nessa ambiência educacional trazem marcadores históricos, culturais e sociais que formam sua identidade, uma identidade marcada pela diferença, pelo caráter processual de algo que nunca está finalizado. Imaginamos e acreditamos ser possível a mudança em prol de um currículo emancipador, justo, multicultural, equânime. Será possível tornar real esta imagem ou não passa apenas de imaginação??? Refer ências APPLE. Michael W. Ideologia e Cur rículo. São Paulo: Brasiliense, 1982. BENTO, Maria Aparecida Silva; CARONE, Iray. Psicologia Social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis. RJ: Vozes, 2002. BOURDIEU, Pierre. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998. ______. O poder simbólico. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Distrito Federal: Gráfica do Senado, 1988. ________ .MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Dir etrizes Cur riculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico­Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afr o­ Brasileira e Africana. Parecer CNE/CP3/2004, de 10 de março de 2004. ________ Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Diário Oficial da União de 10 de janeiro de 2003 CANEN. Ana ; MOREIRA. Antonio Flavio Barbosa (Orgs.). Ênfases e omissões no cur rículo. São Paulo: Papirus, 2001. _______. OLIVEIRA, Ângela M. de.Multicultur alismo e Cur rículo em ação: um estudo de caso. Revista Brasileira de Educação. Set/out/nov/dez, 2002, n.21, p.61 – 74. COELHO, Wilma Baía. A cor ausente: um estudo sobre a presença do negro na formação de professores – Pará, 1970 – 1989. Belo Horizonte: Mazza Edições; Belém: Editora Unama, 2006.
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CC08 - O Estado e as Politicas Educacionais no Tempo Presente