O Consumo de Medicamentos
Nos últimos tempos a comunicação social vem referindo com alguma insistência que no presente
ano de 2004 o crescimento da despesa em medicamentos já voltou à casa dos dois dígitos e se cifra
agora em valores da ordem dos 12%.
É uma questão cíclica à qual vamos assistindo regularmente nos últimos anos e é facto que nos
países dito desenvolvidos a despesa com medicamentos apresenta normalmente um crescimento
muito superior ao verificado para economia em geral.
É também fácil de perceber que em países onde existam, em maior ou menor extensão, situações
estado providência em que os sistemas de saúde públicos suportam a despesa, ou parte dela, com
medicamentos, este tipo de questões assumem uma maior acuidade e um enorme impacto mediático
nomeadamente nas épocas de discussão orçamental.
É também hoje perceptível que medidas de politica do medicamento de cariz administrativo ou
de mera contenção de despesa estão a prazo condenadas ao fracasso. Julgo que o paradigma da
implementação dos genéricos em Portugal e bem exemplo daquilo que anteriormente se disse.
É pois importante iniciar um processo de reflexão que permita entender a realidade do mercado
de medicamentos e consiga perspectivar formas de o tornar economicamente sustentável para a
sociedade.
Considerando esgotados os modelos de intervenção até agora utilizados pelos diferentes estados
julgo ser inadiável a avaliação de soluções que permitam uma maior sustentabilidade das medidas
adoptadas.
Trata-se de matéria para a qual o mero navegar à vista não parece produzir grandes resultados
pelo que importa estruturar um conjunto de politicas na área do medicamento susceptíveis de tornar
sustentáveis os custos com medicamentos mas que simultaneamente fomentem o desenvolvimento
tecnológico efectivo.
Atrevo-me aqui a apontar algumas pistas para esta reflexão.
A curto prazo entendo inevitável aprofundar a política de genéricos adoptada conferindo-lhe
mais efectividade, alterando o modelo de receita, promovendo uma prescrição médica efectivamente
por DCI sem qualquer tipo de flexibilidade e obrigatória para todos os medicamentos, em tudo
semelhante ao que já se verifica nos nossos hospitais. Esta medida deverá ser acompanhada com a
implementação generalizada de sistemas de informação e gestão do circuito do medicamento que
permitam uma monitorização efectiva da sua utilização.
A médio prazo seria interessante podermos modificar o modelo de avaliação e aprovação de
medicamentos que hoje vigora.
Os critérios: qualidade, segurança e eficácia seriam aplicados nos casos de inovação terapêutica
efectiva isto é sempre que se trate de uma nova molécula com o novo mecanismo de acção e/ou
com uma nova indicação terapêutica ou uma molécula já existente a qual se pretende utilizar numa
nova indicação;
Para todas as outras situações aos critérios anteriores seriam adicionados critérios de avaliação
económica. Assim e considerando que muitas das novas moléculas colocadas hoje no mercado não
são mais que meros “me too” de outras já existentes, a sua aprovação deveria estar condicionada à
demonstração de valor acrescentado efectivo, os ensaios clínicos a efectuar deveriam ter como
comparador um similar terapêutico já disponível e comprovado pelo que a sua aprovação ficaria
condicionada à demonstração efectiva de mais valias terapêuticas e económicas.
A longo prazo julgo importante modificar metodologias na formação dos profissionais e nos
hábitos dos utilizadores. Aqui importa começar por assumirmos, desde logo na formação, uma
atitude menos acrítica face ao que é novo, isto é, nem tudo que é novidade é necessariamente
melhor que aquilo que já existe salvo se for capaz de demonstrar efectivo valor acrescentado.
O conceito que todos aplicamos que é nossa obrigação ética utilizar sucessivamente os mais
recentes e inovadores métodos e produtos carece hoje de ser efectivamente validado perante um
outro valor ético e obrigação social que é a de garantir um desenvolvimento sustentado da sociedade
por forma a não hipotecar definitivamente o futuro.
Jorge Brochado
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APFH - Livro de Resumos 2003