Sempre Borboletas – Alexandra Josias
Uma borboleta amarela atravessa em ziguezague o pára-brisa de meu carro no
exato momento em que me pego pensando explicitamente em certo alguém
(preciso explicar que essa presença implícita tem sido constante, como uma
tatuagem antiga que a gente acaricia sem perceber).
Borboletas em profusão, principalmente as amarelas, estão sempre por perto,
seguindo-me, chamando-me, brincado comigo e com meu juízo, desde certo dia,
ainda antes da primavera, em que as escolhi como símbolo de um quase, um
talvez, um intenso, inevitável, febril e delicado quem sabe.
Engraçado como certas coisas, apesar de mágicas, improváveis, até mesmo
absurdas, podem se tornar corriqueiras e não mais nos espantar. Não, eu não
diria que é coincidência. Jung chama isso de sincronicidade: uma classe especial
de acontecimentos naturais, sem causa aparente, sem ligação lógica, mas que,
aos olhos do observador atento, têm uma ligação recognoscível e fazem todo o
sentido.
Pois as borboletas têm estado em minha vida assim, dessa maneira natural e
mágica, como num jogo de passatempo em que se procura a figura oculta na
paisagem. Mais cedo ou mais tarde, ela salta aos olhos e nunca mais se perde de
vista.
E não é que viraram a coqueluche da estação? Estampam vitrines, camisetas,
bolsas, sapatos, guardanapos, portas, capas de revista, horas e lugares dos mais
improváveis.
Quanto a mim, lá se vão meses de asas e cores de um talvez que já virou não,
que voltou a quem sabe. Subiu e desceu em mil voltas, sem descansar. "E o que
você esperava de um vôo de borboleta?", pergunta-me Jung num sorriso
aristocrático.
Ah, Dr. Jung, que ela pousasse um pouco. Que roçasse suas asas em mim um
pouco, se bem que esse pouco poderia ser para sempre. Que fosse o talvez mais
colorido de sim, que me chamasse para voar até ali no fim do mundo. Que fosse
livre, mas que eu a sentisse minha.
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Nada de especial no meu dia, a não ser uma borboleta amarela