PROCESSOS DE AQUISIÇÃO DA ESCRITA INFANTIL: UMA
APRENDIZAGEM NECESSÁRIA NA INICIAÇÃO À DOCÊNCIA
SOUZA, Gabriela C. – UEPG
[email protected]
Eixo temático: Práticas e Estágios nas Licenciaturas
Agência Financiadora: CAPES
Resumo
O presente trabalho trata de um processo de investigação que se iniciou a partir de
observações participantes e de intervenções realizadas no contexto do Programa de Bolsas de
Iniciação à Docência – PIBID/ CAPES, em uma escola da rede municipal de Ponta Grossa. O
trabalho de acompanhamento à aprendizagem vem sendo desenvolvido junto a uma turma de
alfabetização, do 2º ano do 1º ciclo, com crianças que estão em diferentes momentos em
relação à aquisição da escrita. A proposta encontra-se numa fase inicial e se constitui pela
investigação da prática, articulando-se às vivências no âmbito escolar, fundamentadas nas
teorias científicas sobre apropriação da escrita. As observações escolares são narradas em um
diário, instrumento fundamental para retomada de situações e para as reflexões. As narrativas
e as reflexões auxiliarão na busca da compreensão de como ocorre o processo de aquisição da
escrita nas crianças do 2º ano do 1º ciclo, visando encontrar meios de auxiliá-las para que
tenham avanços significativos nesse processo. Apoiando-se, especialmente, na teoria
construtivista com base nos estudos de Emília Ferreiro, tem-se como objetivos identificar as
hipóteses de escrita das crianças do 2º ano do 1º ciclo, compreender suas necessidades de
aprendizagem e analisar seus pensamentos sobre a escrita. Considera-se, através de Ferreiro e
Teberoski (1998), que cada criança elabora hipóteses de escrita e, além disso, pensam de
maneira própria e diferenciada sobre esta. Constatou-se, preliminarmente, a necessidade de
aprofundar os estudos a respeito das particularidades do pensamento infantil sobre a escrita e
examinar as dificuldades mais explícitas no decorrer da alfabetização, fazendo-se necessário o
uso de um trabalho diversificado e direcionado para tais dificuldades. Nesse caso, a
investigação também aponta a necessidade de estudar os processos de interação e mediação
pedagógica.
Palavras-chave: Alfabetização. Escrita Infantil. Aquisição da escrita.
Introdução
O presente trabalho insere-se no Subprojeto de Pedagogia, situado no contexto do
Projeto Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID/ CAPES. Nesse sentido, no
texto a seguir é apresentado um relato de uma proposta de investigação, em andamento, que
se constituiu a partir de observações participantes e intervenções realizadas desde 2010. Fala-
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se assim, sob a ótica de uma acadêmica do 2º ano do Curso de Pedagogia, que está se
deparando com a complexidade da alfabetização, ao mesmo tempo, em que inicia uma
trajetória de aprendizagem da docência.
O seguinte tema tornou-se objeto de investigação a partir de vivências e observações
nesta mesma turma desde 2010. No 2º ano do primeiro ciclo tem-se como objetivo que todas
as crianças terminem o ano letivo alfabetizadas, porém, o ritmo de aprendizagem dos alunos é
diversificado. Nesse contexto, surge a inquietação para compreender a escrita infantil, com o
objetivo de auxiliar o desenvolvimento da criança nesta fase da alfabetização, considerando a
continuidade do processo durante o todo o ciclo de aprendizagem. Primeiramente, notou-se
dificuldades recorrentes em algumas crianças a respeito da escrita, observações essas que
levaram à presente pesquisa.
Em função das indagações advindas da prática, iniciou-se em 2011, o presente projeto
de investigação, com o intuito de estudar mais profundamente os processos de aquisição da
escrita pelas crianças, considerando que este é um conhecimento necessário ao professor
alfabetizador e deve ser tematizado no espaço da formação profissional.
A turma acompanhada está atualmente no 2º ano do 1º ciclo, tendo como objetivo
principal a alfabetização. Neste segundo ano de projeto, as intervenções investigativas estarão
direcionadas ao estudo da aquisição da escrita, tendo como objetivos principais:
1. Identificar as hipóteses de escrita das crianças do 2º ano de 1º ciclo.
2. Compreender e examinar suas necessidades de aprendizagem, considerando as
hipóteses de escrita em que se encontram.
3. Contribuir para avanços dos alunos no processo de aprendizagem da escrita.
Por meio da pesquisa serão realizadas observações e intervenções, numa perspectiva
investigativa, visando a compreensão do processo de aquisição da escrita pela criança.
Embora o desenvolvimento na alfabetização das crianças esteja ocorrendo positivamente,
existe a variação de níveis no entendimento destas sobre a escrita. Essas relações merecem um
olhar mais atento, voltado para as dificuldades e particularidades das mesmas.
Neste contexto, pretende-se identificar as dificuldades infantis em suas diferentes
hipóteses de escrita para subsidiar, com maior consistência, o trabalho de auxílio na
alfabetização. Este processo será importante para tratar as diversidades de aprendizado em
classes que, certamente, não são homogêneas. Assim, a pesquisa poderá auxiliar a intervir
significativamente na aprendizagem destes alunos.
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A aquisição da escrita: algumas compreensões
Entendendo a escrita infantil como um processo importante a ser considerado e
estudado por educadores, busca-se com esta investigação identificar as hipóteses de escrita e a
partir destas, analisar as especificidades encontradas, entendendo assim a lógica de
pensamento das crianças.
A criança já se expressa por desenhos e “rabiscos”, antes mesmo do ingresso na vida
escolar ela já tem contato com o mundo da escrita ao seu redor. Vivemos em um mundo onde
a criança tem informações escritas por todos os lados. Considerando que ela já tem ideias
sobre a escrita e sua função social, o papel da escola é fazer com que ela se aproprie
significativamente deste processo.
Visando o processo de aquisição da escrita, procura-se entender como a criança
compreende o mundo da alfabetização e como ela se desenvolve no decorrer dos anos
escolares. Para isso Ferreiro e Teberoski (1998) contribuem com informações sobre esse
período. Nesse sentido, destaca-se a importância de se considerar o que a criança entende por
escrita para que professores, através de um olhar mais atento, possam ver além de rabiscos e
garatujas. Esse processo é denominado pela autora de aspectos construtivos. Sobre este
Ferreiro (1988, p. 18) diz: “Aspectos construtivos tem a ver com o que se quis representar e
os meios utilizados para criar diferenciações entre as representações”.
Baseando-se em Seber (1997) é possível entender a importância de estudar as
particularidades do pensamento infantil, pois, muitas vezes parte-se do conhecimento de um
adulto para julgar o que a criança produz. Para os educadores é necessário ter clareza de que a
produção infantil tem uma lógica a ser considerada, pois a maneira como a criança constrói o
conhecimento a respeito da escrita é um processo importante e demonstra que esta tem
pensamento próprio a respeito do que aprende, traduzindo esse pensamento em suas hipóteses
de escrita. Sendo assim, as hipóteses são consideradas como a maneira com que a criança
traduz todo esse universo da escrita, que ela vivencia na escola, em casa, ou em outros
ambientes que frequenta, ou seja, a maneira que entende esse mundo que está sendo
apresentado a ela.
Um aspecto importante a considerar no movimento de construção da escrita é a não
mecanização do ensino, ou seja, a criança não deve decorar sílabas, ou palavras, para poder
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escrever. Nesse sentido, a escrita deve ser desvendada pela criança. Nos estudos de Ferreiro e
Teberosky (1985) as crianças pesquisadas conseguem, no decorrer do seu desenvolvimento,
compreender as relações de escrita unindo valor sonoro às grafias corretas em um processo
natural, pleno de seu desenvolvimento, e não por uma mecanização dos sons. Essa relação é
reafirmada em Seber (1997) que apresenta relatos de crianças e explica o processo de
aquisição da escrita de cada uma. Novamente vemos o processo natural de evolução do
pensamento infantil. A partir do momento em que a criança começa a compreender escrita e
som, ou seja, associá-los, ela evolui na construção de suas hipóteses. Assim, esses alunos se
encontram no terceiro período referenciado por Ferreiro e Teberoski (1998) como o período
da fonetização da escrita, que se inicia em uma hipótese pré-silábica, terminando em uma
hipótese alfabética.
No caso da investigação apresentada neste texto, infere-se que, por ser uma classe de 2º ano
do 1º ciclo, as crianças estão bastante familiarizadas com a escrita, com o contato com livros e
alguns estão alfabetizados. Porém, existem crianças em níveis diferenciados; assim, busca-se,
por meio de observações participantes e materiais coletados nos processos de intervenção,
identificar estes níveis chamados por diversos autores de hipóteses, que serão consideradas
através dos seguintes critérios:
1. Hipótese pré-silábica: a criança escreve como acredita, utilizando rabiscos e até mesmo
as letras as quais está mais familiarizada, não faz relação das palavras com os sons, tem
uma escrita global, ou seja, somente ela entende suas escritas.
2. Hipótese silábica: a escrita da criança relaciona-se com os sons emitidos, pode escrever
uma letra para cada sílaba e até acrescentar mais letras que considera estar faltando, ou
que sente necessidade para diferenciar suas grafias.
3. Hipótese silábica alfabética: a criança apresentará uma escrita de transição, ou seja,
escreve com algumas características do nível silábico e outras do nível alfabético.
4. Hipótese alfabética: a criança escreve conforme fala e escuta, esta escrita apresenta
algumas dificuldades ortográficas, mas a sua lógica é perfeitamente entendível e
relacionada com o valor sonoro de letras e sílabas. (FERREIRO E TEBEROSKI,
1985).
No quadro a seguir é possível verificar o mapeamento da turma ora investigada.
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Figura : Tabela dos alunos do 2º ano do 1º ciclo, em sua atuais hipóteses de escrita.
Fonte: Gabriela Chem de Souza
Para Ferreiro (1992) a construção da escrita pela criança é possível, sendo que está
tem que recriá-la para poder apropriar-se dela, uma criança passa pelas hipóteses de escrita
mas não as abandona. É necessário que haja uma compreensão de determinada hipótese de
escrita para que a criança aproprie-se da próxima e assim sucessivamente, havendo então
relação entre os conhecimentos que a criança vai construindo para chegar à alfabetização.
É importante refletir que não se chega a uma resposta final do processo de
alfabetização, existe um longo percurso que a criança percorre em sua estrutura cognitiva para
compreender, dominar, interpretar os códigos relacionados à escrita.
Constata-se que
independente do meio, da relação com a escrita, as crianças têm pensamentos semelhantes
sobre esta, porém o tempo e a maneira com que este aluno se apropriará dela diverge e pode
ser influenciado pelo contexto em que vive.
O contato com material escrito é fundamental para o processo de aquisição da língua
escrita, possibilitando a criança expressar-se segundo sua lógica de pensamento e não
obrigando-a a adequar-se a padrões do pensamento adulto. Esclarecendo as ideias a respeito
das compreensões que a criança necessita para apropriar-se da escrita, Ferreiro (1992, p. 86)
destaca “o mais importante, creio, é entender esse desenvolvimento como um processo e não
como uma série de etapas que se seguiram umas às outras quase que automaticamente”.
Considerando estes estudos que se baseiam na obra de Ferreiro e Teberosky (1985),
elaborou-se um plano de intervenção, a partir das dificuldades de cada hipótese, utilizando o
trabalho diversificado como metodologia que pode contribuir para a superação das
dificuldades das crianças. Nessa direção, ao se buscar referenciais que tratassem do trabalho
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diversificado, foi possível encontrar subsídios em uma literatura não tão recente, mas bem
significativa para contribuir neste momento do trabalho. Assim, de acordo com Marcozzi
Para aprender, não basta a criança ouvir o professor, é preciso que ela própria
participe das experiências de aprendizagem. Dificilmente essa participação será
conseguida se o professor trabalhar sempre com toda a turma ao mesmo tempo, pois a
atividade seria muito demorada, gerando o desinteresse. (1968, p.22)
O trabalho diversificado, fundamentado em Marcozzi (1968), é uma maneira de
conseguir atender as necessidades e as diferenças individuais dos alunos, pois, dividir uma
sala numerosa em grupos menores para desenvolver um determinado trabalho é uma
estratégia para poder observar, auxiliar e entender a produção do seu aluno. Devido a isso é
fundamental na pesquisa de hipóteses de escrita o uso do trabalho diversificado. Mesmo os
alunos estando separados em grupo devido às hipóteses silábicas, não quer dizer que seu
entendimento e dificuldades sejam iguais, fazendo-se necessário esse momento de observação
mais atenta do professor.
Trabalhar com as particularidades da escrita infantil também é processo fértil para o
professor, que estará contribuindo com a melhor aprendizagem da criança, mas com a sua
própria formação. Ao tomar uma posição construtivista, o professor está assumindo um papel
de investigação na sala, pois, é “preciso averiguar o modo como a criança raciocina sobre o
que pode assimilar a partir das suas observações”. (SEBER 1997, p.172). É importante
ressaltar que não é uma mera observação do que a criança produz, considerando o modo que
ela pensa, é ir além, em uma relação de mediação do conhecimento.
Contata-se ainda que o estudo da aquisição da escrita é elemento fundamental para o
processo de ensino aprendizagem. Nesse sentido, Ferreiro (1992, p. 21) destaca “a escrita é
importante na escola, por que é importante fora da escola.” Auxiliar o processo de
apropriação da escrita é algo que favorecerá o desenvolvimento desta para além dos muros da
escola.
Seber também aponta que ao considerar o modo que a criança pensa e escreve para
auxiliar de maneira eficaz suas dificuldades e ajudá-la a tentar avançar em sua escrita através
do seu próprio entendimento, permite que o professor assuma seu papel de investigador.
Caso contrário, como explicar a si mesmo as razões que permeiam as diversas
hipóteses das crianças sobre a escrita? Como se orientar para provocar as
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reconstruções de tais hipóteses? Somente a partir de um esforço de teorização, o
professor poderá responder a tais questões e construir uma visão de conjunto do
processo de aquisição da língua escrita, aprendendo a distinguir as várias nuanças
desse desenvolvimento.(SEBER,1997, p. 153)
Conclui-se que professor e aluno devem estar em uma proximidade para desenvolver
esse trabalho, ambos aprendendo, o que novamente nos leva ao trabalho diversificado.
Considerações Finais
Estando este projeto em andamento, naturalmente surgirão novos questionamentos no
decorrer de seu desenvolvimento, devido ao caráter das relações dinâmicas e multifacetadas
encontradas no estudo da prática. Com os dados iniciais da investigação, já é possível
perceber a complexidade do processo ensino aprendizagem, as respostas não estão prontas, é
um processo de constante observação, interpretação e reflexão. Cada intervenção, direcionada
para um determinado tema da alfabetização, possibilita a identificação de tantas outras
questões que precisam ser trabalhadas, como a relação grafema fonema, a utilização do nome
próprio como eixo para a alfabetização, a importância do contato com livros e textos para
subsidiar a alfabetização, a consideração da historicidade de cada aluno e outros fatores que
surgirão no decorrer do trabalho.
Os dados também apontam que se faz necessário os estudos sobre interações e
mediação pedagógica para que o processo de aquisição da escrita não seja compreendido
numa única dimensão. Os avanços dependerão também da mediação do professor e de
instrumentos que favoreçam a relação da criança com o objeto de conhecimento, nesse caso,
com a escrita. Daí a necessidade de planejar ações e utilizar diferentes materiais didáticos que
oportunizem a atividade cognitiva da criança. Nesse contexto, destaca-se que o professor
alfabetizador necessita ter conhecimentos sobre a o objeto de conhecimento (escrita), sobre o
sujeito que aprende, além do conhecimento didático.
Para atender a essas novas compreensões, que surgem, a todo momento, em um
processo investigativo, faz-se necessário o estudo constante de teorias e das observações
cotidianas. Para tal, as próximas intervenções serão planejadas após uma reflexão desses
estudos. A coleta de dados também acarreta uma série de atividades que serão concluídas em
um diagnóstico de hipóteses de escrita, ao final do ano letivo, que visa avaliar os avanços de
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cada criança, não como uma resposta, mas sim como um dado a ser trabalhado na próxima
etapa, pois a alfabetização é um processo.
REFERÊNCIAS
FERREIRO, Emília. Com todas as letras. São Paulo: Cortez, 1992
FERREITO, E. TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1985
MARCOZZI, Alayde Ferreira. Ensinando a criança. Rio de Janeiro: Micron, 1968
SEBER, Maria da Glória. A Escrita Infantil: o caminho da construção. São Paulo: Scipione,
1997.
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