III Seminário Linguagem e Identidades: múltiplos olhares
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POLÊMICA OU IGNORÂNCIA? A QUESTÃO DA PROBLEMÁTICA
DO LIVRO "POR UMA VIDA MELHOR"
Gercivaldo Vale Peixoto1
RESUMO
No inicio do mês de maio deste ano, o site iG trouxe a seguinte notícia em sua
página principal: “MEC adota livro que ensina aluno a falar errado”. Imediatamente a
mobilização da mídia e da comunidade brasileira em torno desta notícia, foi alarmante. O
foco se dá na discussão envolvida no lançamento do livro “Por uma vida melhor” da
professora Heloísa Ramos no que tange a problemática criada pelos diversos meios
midiáticos, população em geral, políticos e estudiosos da língua. Fez-se um trabalho de
análise de comentários dos internautas no site do iG, Revista Veja, Istoé, programas de TV
e personalidades da música e cultura brasileira. Analisa-se nesta pesquisa, a opinião da
comunidade acadêmica em geral acerca desta problemática, do que seria e como se dá o
preconceito linguístico e outros fatos sociolinguísticos. Este trabalho embasa-se nos
pressupostos de Bagno (2001), Faraco (2004), Antunes (2009) e Bortoni (2003) para uma
reflexão sobre os principais fatos sociais que abordam questões de variação e preconceito
linguísticos.
PALAVRAS-CHAVE: Variação, Preconceito, Polêmica
ABSTRACT
At the beginning of May this year, the iG site carried the following news on their
homepage: "MEC adopts book that teaches students to speak wrong." Immediate
mobilization of the media and the Brazilian community around this news was alarming.
The focus is given in the discussion involved in the launch of the book "For a better life"
by Professor Heloisa Ramos regarding the problems created by many from the media,
general public, politicians and scholars of the language. There was a work of analysis of
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Graduando Letras - Língua Portuguesa e respectivas Literaturas pela Faculdade Atenas Maranhense FAMA e Bolsista de Iniciação Científica pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Maranhão FAPEMA
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comments from netizens on the site of iG, Veja, Istoé, TV programs and
personalities of Brazilian music and culture. It is analyzed in this study, the opinion of the
academic community in general about this issue, what would it be and how is the prejudice
linguistic and sociolinguistic other facts. This work underlies on the assumptions of Bagno
(2001), Faraco (2004), Antunes (2009) and Bortoni (2003) for a discussion of the main
facts that address social issues of linguistic variation and bias.
KEY-WORDS: Variation, Bias, Controversy
INTRODUÇÃO
O livro “Por uma vida melhor”, da escritora Heloísa Ramos, mesmo circulando
em escolas por todo o Brasil de forma regular, trouxe ao contexto nacional grande
discussão em torno dos aspectos sociolingüísticos, culturais, ideológicos, políticos e
midiáticos. Discussão essa que se fixou num aspecto crucial para um bom
desenvolvimento de um país: a educação. Falou-se muito em preconceito, variação,
norma padrão e norma culta, não estabelecendo-se a decisão total acerca da liberação ou
não do livro. O que vimos foi o MEC, com sua autonomia e força, dar o aval considerando
viável a aplicação dos livros como parte integrante na educação dos jovens.
Mas, o que está por trás de toda essa discussão realmente? A imposição de uma
gramática que prioriza o certo para uma educação verdadeiramente de qualidade? O que
seria esse “preconceito linguístico apontado pela autora no livro e tão discutida pelos
gramáticos nas discussões vistas? A demonstração da boa educação para a classe
dominante e sua antítese para os menos favorecidos permeiam no campo da ideologia?
Qual foi o papel da política nessa problemática? Para entendermos tudo isso, é preciso
entender também que o que foi postulado no livro (linguagem: falada e escrita) é aspecto
determinante para questões quanto ao ensino-aprendizado fundamentador e intensificador
de todos os cursos acadêmicos existentes, bem como de parte integradora em processos
seletivos das mais diferentes formas (vestibular, concurso, entrevista de emprego, etc).
A linguagem possui um caráter social que possibilita, a seus usuários, a
compreensão da realidade em seu entorno e, também, o papel que cada um desempenha na
complexidade das relações que aí se estabelecem. A partir dessa concepção, novas
abordagens são sugeridas para o trabalho com a Língua Portuguesa uma vez que, por meio
da linguagem verbal, o homem cumpre com o que se espera dele, em termos de
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comunicação, e interage com seus iguais em situações específicas, as quais se
concretizam no dialogismo que, conforme Bakhtin (2001), é inerente ao homem porque o
“ser mesmo do homem (tanto exterior quanto interior) é uma comunicação profunda. Ser
significa comunicar-se” (TODOROV, apud BARROS, 2001, p.27). Agora, nesta
concepção de Bakhtin, a comunicação estaria limitada apenas a boa fala e boa escrita de
acordo com a norma padrão, visto que o ensinado pelo livro de acordo com a maioria que
julgou a viabilidade da obra seria uma deseducação?
Os aspectos variacionais da língua, que mais a frente serão enfatizados, entram
nestas questões como determinantes para a investigação de “normas cultas”, pois, o que é
posto pela gramática normativa, como gramática do certo e errado e de forma de
prescrição, fica abaixo no que diz respeito a um país tão grande e com a maior população
de falantes de língua portuguesa no mundo, onde mais de 80% da população não domina
essa norma culta. E aí entra a sociolingüística como agente participativa neste processo
investigatório, como sistematizadora das variantes regionais existentes. Para Cagliari
(1999, p.22), são as peculiaridades que a língua vai adquirindo com o tempo em função do
seu uso por comunidades específicas que determina o que é variação linguística. “Todas as
variedades, do ponto de vista estrutural lingüístico, são perfeitas e completas entre si. O
que as diferencia são os valores sociais que seus membros têm na sociedade.”
Nesse sentido do conceito de variação lingüística e com as postulações de Bagno
(2009, p.37) que afirma que onde há variação (lingüística) sempre há avaliação (social), no
livro em questão, estes aspectos são apresentados, intensificados com a avaliação dos
professores e mídia em geral, que, em sua grande maioria (diria que 80%) foi contra o
trabalho da professora Heloísa Ramos. O fato de essa problemática ter surgido e consigo
trazer dúvidas acerca de conceitos até hoje tratados como mitos, é pertinente quanto às
idéias que os acadêmicos, professores e comunidade têm quanto ao que seria preconceito
lingüístico e do verdadeiro valor da gramática normativa nos estudos, uma vez que,
conforme Bagno (2002, p. 9), “existe uma regra de ouro da Lingüística que diz: ‘só existe
língua se houver seres humanos que a falem’. Logo, este trabalho por meio da pesquisa
etnográfica buscou identificar e sistematizar as respostas da comunidade acadêmica em
geral, bem como na comunidade da web e das principais figuras da lingüística brasileira e
mídia.
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DIALETOS E VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
Sabemos que a língua não é um fato social homogêneo e que suas peculiaridades
não são absolutas. Ao longo dos anos, a língua sofreu (e ainda sofre) processos de
mudanças no que tange a fala e a escrita. São mudanças que constituem e fortalecem a
idéia de que a língua é mutável e agregadora de novas tendências (orais, escritas,
simbólicas) que ajudam nas suas mudanças.
Vários são os aspectos que diferenciam um jeito de falar de determinadas regiões
de um mesmo país. Estes aspectos podem ser sociais, culturais, políticos e dialetais (lê-se
também como linguísticos). Segundo Cagliari (1996, p.47), podemos entender como
dialeto em que é a modalidade de uma língua caracterizada por determinadas
peculiaridades fonéticas, gramaticais ou regionais. Levando-se em consideração essa
postulação, a ideia defendida pelo autor, contrapõe a ideia de outros, que defendem a
existência de dialetos somente pela mudança da estrutura sintática das palavras em suas
construções.
PRECONCEITO LINGUÍSTICO
Em termos gerais, as pessoas creem que há uma língua apenas estruturalmente
correta no país e, poucos percebem que isto envolve aspectos com dimensões maiores do
que a própria linguagem. Então, essa crença cria a ideia na cabeça das pessoas que a língua
possui valores absolutos e de que ela é imutável. Mas, como visto já visto neste artigo, a
língua admite variações em sua construção que exemplifica que em determinada região, as
formas de linguagem dentro do campo da oralidade podem mudar, e isto se reflete no
diálogo das pessoas. Mesmo dentro do Brasil, há palavras que apenas os nordestinos
conhecem, bem como há palavras que apenas os sulistas entendem. Essa variação que
perpassa as fronteiras sócio-culturais, estigmatiza o preconceito linguístico que direta ou
indiretamente acaba atingindo falantes da língua que não dominam as formas linguísticas
consideradas como certas. O que seria esse preconceito lingüístico e como se dá?
A imutabilidade da língua defendida por alguns como fato social, limita o objetivo
da ciência lingüística que ao longo dos anos estuda e pesquisa as peculiaridades da
linguagem. Dia após dia vocábulos vão desaparecendo da língua portuguesa, grande
exemplo é o pronome vós, raramente visto nos diálogos das pessoas ou em textos e, novas
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palavras surgem dentro do nosso país ou são absorvidas a partir de palavras
estrangeiras, um exemplo grande é o mais novo verbo, twittar, tão utilizado pela
comunidade dos internautas. Não entender isso é limitar-se a padrões impostos e rejeitar
uma diversidade lingüística de toda uma nação. O perigo nisso encontra-se nas formas de
rejeição que isso pode levar. Preconceito lingüístico, apresentado primeiramente pelo
linguísta Marcos Bagno, é o deboche, a sátira, ou a não-tolerância em relação ao modo de
falar das pessoas. O que inicialmente era um mito, hoje é mais do que realidade, pois,
continuadamente vemos as mais diferentes formas de não aceitação das formas lingüísticas
adotadas pelas pessoas, o sotaque de uma pessoa pode ser vítima de preconceito, suas
gírias, seus dialetos, a maneira como se expressa, principalmente porque foi
convencionado de que a linguagem falada deve ser igual ao da linguagem escrita. Mas,
tratar a linguagem falada e a gramática normativa como uma só é querer aproximar demais
a lingüística brasileira da de Portugal. Sabemos que nossa língua só se chama portuguesa
por fatores históricos, afinal, fomos colonizados por eles, visto que o que é apresentado
hoje é uma linguagem tipicamente brasileira.
A professora Stela Maris Bortoni-Ricardo constitui e associa os fatores
responsáveis pela variação lingüística em sua obra “Sociolingüística na sala de aula”. Ela
abrange os seguintes aspectos: sociológicos, políticos e lingüísticos que irão envolver os
grupos etários, os gêneros, as redes sociais, o status socioeconômico, grau de escolarização
e mercado de trabalho. Estas temáticas caracterizam os fatos que integram a modalidade da
variação lingüística. Podemos entender como variação lingüística a modalidade de uma
língua caracterizada por determinadas peculiaridades fonéticas, gramaticais ou regionais.
As línguas não são totalmente homogêneas, o que constitui esta heterogeneidade específica
para cada região. Para Marcos Bagno (2002, p.16):
Embora a língua falada pela grande maioria da população seja o
português, esse português apresenta um alto grau de diversidade e de
variabilidade, não só por causa da grande extensão territorial do país —
que gera as diferenças regionais, bastante conhecidas e também vítimas,
algumas delas, de muito preconceito –, mas principalmente por causa da
trágica injustiça social que faz do Brasil o segundo país com a pior
distribuição de renda em todo o mundo.
As línguas são diferentes. Elas sofrem variações diacrônicas (conforme a época),
diatópicas (conforme o lugar), diastráticas (conforme a classe social ou especialização dos
falantes) e ainda conforme a situação (formal ou informal). A Bortoni-Ricardo vem dizer
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que a aceitação de um Brasil monolingüe gera um grave problema, “pois na
medida em que não se reconhecem os problemas de comunicação entre falantes de
diferentes variedades da língua, nada se faz também para resolvê-los” (1984, p. 9). Nesta
idéia vemos que a padronização de uma gramática normativa, incita a criação de um
dogma linguístico e prescreve apenas aquilo que é certo ou errado na língua. Isso gera um
desconforto principalmente quando socialmente as pessoas associam o bom falar a esta
gramática e as pessoas que não se adequam a ela acabam sendo taxadas como pessoas
incultas, verificando-se aí, o preconceito linguístico. Agora, não conhecer a norma culta da
língua imposta pela gramática normativa não requer dizer que o falante seja uma pessoa
inculta, ainda que seja ridicularizado nos momentos de aplicação formais da língua
(preenchimento de vagas de emprego, seletivos, vestibulares). O grande Patativa do
Assaré, mesmo com todo seu desconhecimento linguístico no que tange a norma culta, é
considerado um mito dentro da poesia, principalmente por sua especificidade do fazer
poético, tipicamente nordestino. O que há de se entender é que, quem detém a boa escrita e
a boa fala segundo esta gramática normativa, é a classe prestigiada economicamente,
padrão imposto por essa mesma classe que determina o que é ou não correto dentro da
língua, por terem fácil acesso, acabam dominando o cenário linguístico nesta perspectiva.
Bagno, em sua obra “Preconceito Linguistico” (2002), enumera oito mitos que
solidificam a visão de que no Brasil existe apenas uma única unidade lingüística e a
Gramática Normativa é a única correta, mostrando que a visão de que no Brasil não se fala
o português correto é errada. Bagno diz que: (2002, p.38):
O preconceito lingüístico está ligado, em boa medida, à confusão que foi
criada, no curso da história, entre a língua e gramática normativa, é como
um rio que se renova. O preconceito lingüístico vem sendo alimentado
diariamente pelos meios de comunicação, que pretendem ensinar o que é
"certo" e o que é "errado", sem falar, é claro nos instrumentos tradicionais
de ensino da língua, ou seja, a gramática normativa e os livros didáticos.
O lingüista diz ainda que a mídia também contribui para a disseminação desse preconceito
“alimentado diariamente em programas de televisão e de rádio, em colunas de jornal e
revista, em livros e manuais que pretendem ensinar o que é “certo” e o que é “errado” (...)”
(2002, p. 13). O mais interessante a se notar é que as formas de discriminação quase
sempre acontecem com as pessoas de classes populares economicamente inferiores, pois
quando acontecem os erros pelas pessoas das classes dominantes ou das pessoas letradas
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culturalmente, são deixados de lado. Até mesmo dentro da própria mídia que
ajuda neste processo de fortalecimento de preconceito, e que julgam àqueles que cometem
o “erro”, também são agentes formadores de erros na língua, principalmente falada, como é
visto diariamente nos programas de televisão brasileira.
O poeta Carlos Drummond de Andrade, em sua poesia “No meio do caminho”,
(1928) utiliza o verbo “ter” no sentido “haver, existir”, como mostrado abaixo:
No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
Será que o escritor não tinha a noção que do ponto de vista normativo-gramatical a
utilização desse verbo não estaria “errado”? Claro que tinha. Apesar de dentro dos estudos
poéticos haver a famosa “licença poética”, Carlos Drummond de Andrade usou deste verbo
em detrimento de outro porque ele sabia que a língua permitia esta utilização. As ideias do
eu-lirico mudaram? Não, o entendimento por parte de quem ler continua sendo o mesmo.
Ainda que sendo duramente criticado, principalmente por um dos principais propagadores
do preconceito lingüístico no Brasil, o professor Napoleão Mendes de Almeida, que
chegou a condenar o Drummond ao inferno por este “erro”, a poesia está aí, apreciada e
estudada até hoje pela comunidade científico-acadêmica.
Verificando e mostrando a variedade lingüística existente no Brasil, o escritor
Mário de Andrade mostra em uma de suas poesias, a realidade da fala da maioria dos
brasileiros em seu fabuloso poema intitulado “Pronominais” (Pau-Brasil, 1925).
Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
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Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
O que o Mário de Andrade mostra através da poesia, é o que não é entendido pela maioria
daqueles que acham e tem como homogênea a língua brasileira. Desde seu primeiro ano de
idade, a criança já tem a capacidade de se comunicar através da fala e os professores tem
de entender que eles já chegam à escola com esta capacidade, que geralmente é uma
variedade não-padrão de comunicação, com esta gramática internalizada. Então, não
podemos pensar em uma educação ideal, no momento em que a escola tenta impôr suas
normas lingüísticas como se todos os 190 milhões de brasileiros falassem uma língua
comum. O preconceito não é algo “natural”, o que tornaria seu combate inútil, mas sim um
comportamento aprendido. O preconceito é uma “tendência presente em determinados
agrupamentos humanos, mas não algo constitutivo da própria natureza humana” (Grupioni,
1995, p.485). Percebe-se então, que o professor ou a professora, o livro didático, a escola
podem ser capitais na cristalização ou na subversão do preconceito. É no período escolar
que as crianças recebem informações sobre outros povos e outras culturas, muitas vezes
sendo o único momento em que tomam contato com culturas diferentes. Além disso, o
livro didático e a figura do professor ou da professora constituem uma autoridade para os
alunos e as alunas (Cf. Grupioni, 1995, p.486). Daí a importância de se ter clara a
abordagem que se fará do tema em sala de aula, da escolha do material didático e da
preparação dos professores e das professoras.
A professora Irandé Antunes contribui com essa ideia mostrando que o processo
de ensino-aprendizagem sobre a gramática não deve se limitar somente ao seu estudo
sistemático, como forma de identificar o “certo e o errado”, mas, juntamente com os
estudos sociais, culturais e políticos, que são essenciais para a boa formação de caráter do
educando.
Desse modo, gramática, se é necessária, se é imprescindível, se é
constituinte da linguagem, não chega, no entanto, a ser suficiente, a
bastar, a preencher todos os requisitos para a atuação verbal adequada.
Aqui está a raiz do equivoco: a crença numa “gramática” onipotente,
capaz de exaurir as exigências de funcionamento da língua e de garantir o
êxito de qualquer atuação verbal. (ANTUNES, 2002, p. 19)
A gramática é importantíssima para educação brasileira, mas de forma alguma ela pode ser
veiculada como objeto medidor do falar certo ou errado nos diálogos. Também não pode
ser veiculada como fator separador de status social fazendo a segregação das pessoas que
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detém um conhecimento maior sobre ela. Nosso país será cada vez mais elitista,
se as instituições de ensino e a própria população “culta”, não admitir a existência de
milhares e milhares de línguas portuguesas.
MÍDIA E IDEOLOGIA
Por trás da discussão envolvida no objeto de pesquisa deste trabalho, foram
veiculadas informações a respeito da obra “Por uma vida melhor” que interpelou nas mais
variadas opiniões. Essa veiculação ocorreu nas mais variadas formas de meios de
comunicação que existem (internet, jornais, revistas, televisão). A análise deste conteúdo
favorece a interpretação dos resultados das mensagens que os veículo querem transmitir e
como os leitores (receptores) recebem estas informações, a maneira que esses dados
textuais e imagens são absorvidos pelos espectadores. Segundo Baczko (1985, p.403):
A imaginação social, além de fator regulador e estabilizador, também é a
faculdade que permite que os modos de sociabilidade existentes não
sejam considerados definitivos e como os únicos possíveis, e que possam
ser concebidos outros modelos e outras fórmulas.
Para o autor, é por meio das imagens que o imaginário social pode atingir as
aspirações, os medos e as esperanças de um povo, é neles que as sociedades esboçam sua
identidade e objetivos, é por meio dessas imagens que a sociedade analisa as formas de
resistência e vêem onde elas se inscrevem.
Os suportes midiáticos funcionam como uma extensa rede de transmissão de
imagens e símbolos que por sua vez alimentam o imaginário social, a mídia constitui
verdadeiras comunidades de imaginação ou comunidades de sentido, condicionam
ideologias e refletem condições de interação, ou seja, tratam a questão da reflexão da
subjetividade que cada indivíduo vai exercer após o contato com determinado veículo de
comunicação. Consoante a estas abordagens, as análises foram feitas em torno do discurso
das matérias destes veículos e de como a comunidade acadêmica em geral recebeu e reagiu
a estas questões.
Com uma disseminação tão forte de idéias contrárias a do livro em questão, a
mídia em geral mostrou-se detentora de poder e ideologia. Mostrou sua força quanto a
tomar um posicionamento e fazer com que aqueles que prestigiam seus trabalhos tomem
posicionamentos iguais aos adotados, no caso, assumiu um lugar de depositária do bom
falar e do bom escrever. Que a língua é única e imutável e que quem é contra a estas idéias,
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são aqueles que não contribuem para o bom desenvolvimento da educação.
Neste caso, será que a própria mídia não se apercebeu que estaria excluindo socialmente
mais da metade da população brasileira, afinal, a maioria não tem conhecimento desse bom
falar e bom escrever que é defendido. Essas manifestações “puritanas” de uma língua
homogênea e correta, chocam-se com a cultura de uma população que carrega consigo uma
pluralidade lingüística e cultural tão rica de manifestações.
Na sociedade contemporânea, de informação abundante e disponível, as idéias
buscam legitimidade cada vez mais na âncora dos fatos. Aquele que tiver maior
disponibilidade e recursos para transmitir suas informações, conseguirá atingir a um
público maior e absolutamente uma aceitação maior das idéias que defende. Para Bagno
(2007), a mídia deveria ser mais imparcial e ser objeto de ajuda e benefícios pedagógicos,
de informação e culturais para a sociedade. De acordo com o mesmo (2007, pág. 77):
A televisão tornou-se um fenômeno cultural impressionante na história da
humanidade, e é a prática para a qual os cidadãos estão menos
preparados. Isso acontece porque a escola tem-se preocupado apenas com
reproduzir alguns conhecimentos, perpetuando a cultura e
conseqüentemente ficando à margem dessa sociedade que precisa educar
para uma cultura da imagem.
Esse fenômeno, segundo o autor, ao atingir os menos preparados, consegue disseminar e
materializar os seus discursos nas mentes das pessoas. Assim, a transposição das ideologias
torna-se mais facilitada. Isso tende a crescer muito mais hoje e futuramente, pois, a
informatização e evolução dos meios de comunicação aliadas a recursos tecnológicos
altamente evoluídos, propaga com maior intensidade, velocidade e qualidade as
informações que serão prestadas e veiculadas à sociedade. Acredita-se que a principal
ferramenta, que utiliza vários discursos, propagando ideologias de forma instantânea, seja a
internet. A maneira como a sociedade recebe estas informações é motivo de preocupação
por parte da comunidade científica. Entre estas preocupações encontra-se a idéia de que
esse bombardeio de informações possa interferir na construção da índole da pessoa e no
seu poder crítico quanto às questões político-culturais. Segundo Almeida (2001, p.175)
“por mais que existam forças globalizantes; por mais que se apresente um
multiculturalismo que interfere nas culturas; por mais que a mídia interfira como força
homogeneizante e desequilibradora de conceitos individuais e sociais, o professor e a
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escola não podem desistir de sua autonomia criadora para uma educação
reflexiva, emancipatória e autônoma”.
Essa “alfabetização de imagens e discursos” (Almeida, 2001) sem a devida
orientação quanto ao conteúdo, acaba criando ideologias que variam de acordo com aquilo
que quer se transmitir. Considerando-se que a ideologia representa a relação imaginária de
indivíduos com a sua real existência, sempre irá permear os aparelhos e na sua prática,
fazendo com que indivíduos se tornem sujeitos. Um grande exemplo seria as modas
lançadas na televisão que é representada pelos sujeitos, em sua maioria crianças e
adolescentes. Isso faz com que acaba sendo mensuradora na coesão de grupos e domina
através da autoridade que é imposta no imaginário, tornando-se muitas das vezes forte,
agindo na função de deformadora de caráter. Toma a imagem pelo real, o reflexivo pelo
original. Para Fairclough (2001, p.117):
As ideologias são significações, construções da realidade (o mundo
físico, as relações sociais, as identidades sociais) que são construídas em
várias dimensões das formas, sentidos das práticas discursivas e que
contribuem para a produção, reprodução ou transformação das relações
de dominação. (...) embutidas nas práticas discursivas são muito eficazes
quando se tornam naturalizadas e atingem o status de ‘senso comum.
Os efeitos ideológicos têm se tornado um efeito causal nas práticas discursivas, os aspectos
apresentados pelo mundo são postos em prática nas encenações do mundo e acabam sendo
incutidas nos agentes sociais e nas mudanças das relações de poder, dominação e
exploração. Para o autor, a visão crítica de ideologia se diferencia das visões descritivas
enquanto posições, atitudes e crenças, dentre outros, que não fazem referência a relações
de poder. Em termos gerais, há muito tempo que a ideologia é a base das representações
sociais compartilhadas pelos membros de um grupo, logo, as pessoas permitem
coletivamente que de alguma forma isso venha colaborar com a organização de suas
crenças (quando imposta pela igreja), atitudes (quando impostas pela mídia) e suas
posições (quando imposta pela política). Ressalta-se que estes aparelhos não sejam os
únicos propagadores de ideologias existentes.
A PROBLEMÁTICA DO LIVRO POR UMA VIDA MELHOR
“Só existe um português, que é o certo”. Iniciamos este tópico com esta célebre
frase do Senador Cristovam Buarque, que já foi nada mais nada menos, reitor da UnB e
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Ministro da educação. Esta declaração faz parte do posicionamento que o
ministro teve quanto ao que foi mostrado no livro “Por uma vida melhor” da professora
Heloísa Ramos. Muito se falou sobre este livro e não foi difícil ver e ouvir nos noticiários
que a autora do livro ensinava o aluno a falar e escrever errado. A primeira manifestação
surgiu no site do iG que trazia em sua matéria principal do dia 12 de maio o seguinte:
“MEC adota livro que ensina aluno a falar errado”. O que mais se mostrou foi a frase “Os
livro ilustrado mais interessantes estão emprestado”. Durante todo este tempo, o debate
acerca desta obra, ganhou não apenas a internet, mas a TV e todos os outros meios de
comunicação. Nos meios impressos, destacam-se as Revistas Veja e IstoÉ que, sem
entrelinhas, foram objetivas em sua posição contrária acerca do que é ensinado no livro. A
IstoÉ entende como consagração da ignorância o que é postulado e declara:
A inconcebível decisão do Ministério da Educação e Cultura de avalizar o
livro “Por uma vida melhor” para as escolas públicas desmoraliza o
idioma nacional. O livro – que deveria ser intitulado “Por um Ensino
Pior” – prega que é aceitável o uso de expressões como “nós pega o
peixe” ou “os livro”(...) Com o selo oficial do MEC, a obra agride normas
gramaticais e estabelece um novo padrão de pedagogia onde o descaso
com o ensino vira praxe (...) O uso impróprio é aceitável (...) A
banalização do português é permitida. Será que é isso que desejam os
milhões de pais quando levam seus filhos às escolas todos os dias? É
admissível que estudantes tenham na mochila e nas carteiras da sala de
aula um material que emburrece em vez de instruir? (IstoÉ, Ano, 35,
nº2167)
Por sua vez, a Revista Veja (edição 2219, ano 44, nº 22) acredita que esta obra
seja de fato o “Assassinato da Língua Portuguesa”, tomando por base de que esta obra
agride e deseduca o aluno que for usá-la e diz que “sob diversos aspectos, “Por uma vida
melhor” tem potencial para piorar a existência de meio milhão de brasileiros. Se realmente
for levado a sério pelas escolas públicas, a obra vai condenar esses jovens a uma escuridão
cultural sem precedente”. Estes posicionamentos contrários por parte dos editores destas
revistas foram corroborados por figuras da mídia em geral, política e cultura. Alguns
professores e escritores também não foram favoráveis a estes posicionamentos, no site do
iG, onde houve uma grande quantidade de comentários sobre o caso, percebeu-se que a
grande maioria também foi contra o livro. Na televisão, figuras conhecidas como Carlos
Monforte, Arnaldo Jabor, Jô Soares, Alexandre Garcia e José Nêumanne Pinto, deram seu
posicionamento que, pra variar, foi contra a obra em questão. Na contrapartida, os
lingüistas em sua grande maioria foram a favor, mostrando cientificamente o porquê da
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obra não estar errada e fazendo dura crítica, principalmente à mídia e camada
política. E a comunidade acadêmica? Qual seu posicionamento acerca desta obra?
SISTEMATIZAÇÃO DOS DADOS COLHIDOS
Os resultados obtidos nesta pesquisa foram obtidos através de palestras reflexivas
onde o senso crítico dos espectadores foi exercitado. Um questionário foi distribuído para
cada pessoa que, depois de toda explanação do trabalho (feita através do conhecimento da
problemática, vídeos, exemplos e por fim o debate), respondeu-se e então sistematizou-se
os resultados obtidos. Três instituições foram escolhidas para esta pesquisa, FAMA,
UEMA e CEUMA, onde totalizou-se no final, o número de 165 alunos que responderam ao
questionário, 70 da FAMA, 34 do CEUMA e 61 da UEMA.
As duas questões vigentes na pesquisa bem como os resultados são apresentados da
seguinte forma:
 DE FATO, HÁ PRECONCEITO LINGUÍSTICO NO BRASIL?
INSTITUIÇÃO
Sim
Não
FAMA
96%
4%
CEUMA
89%
11%
UEMA
95%
5%
 VOCÊ É CONTRA OU FAVOR DO LIVRO “POR UMA VIDA MELHOR”?
INSTITUIÇÃO
Contra
A favor
Sem posicionamento
FAMA
41%
34%
25%
CEUMA
36%
42%
22%
UEMA
55%
35%
10%
Percebe-se a quantidade de pessoas que reconhecem que existe sim o preconceito
lingüístico, essa quantidade é importante, pois, esse conhecimento é o primeiro passo para
eventualmente eliminá-lo. O não posicionamento se deu na idéia de que “não podemos
julgar sem conhecer e que quase toda discussão é fruto da mídia. As principais razões para
serem contra a obra é que nós temos que estudar é a norma culta e não se pode dar
destaque a uma linguagem que não servirá de nada. Já, avesso à essa idéia, as pessoas
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disseram que deve sim ser usada a obra nas escolas desde que os professores se
conscientizem dessa ideologia já que o livro ajuda na inclusão social.
CONCLUSÃO
A premissa é que a língua falada está em constante evolução – é o que a gente fala
todo dia – “nois vai”; “us meninu” e falamos assim mesmo e não “os meninos”. Essas
“pérolas”, para os mais puristas, recheiam o nosso falar o tempo todo, não é algo natural.
Um bom exercício é reparar no que você fala, já que na escola, infelizmente, não
aprendemos a olhar as diferentes facetas da Língua (Langue)/Fala (Parole).
O idioma é dinâmico como um supermercado repleto de produtos; alguns são
mais prestigiados, outros menos, alguns estão na moda, outros são antiquados, arcaicos;
sempre aparecem formas novas e algumas saem de linha, isso acontece porque há a
concorrência entre as formas e sempre optaremos pela mais econômica. Assim temos:
vossa mercê> vossemecê>você>ocê e finalmente >cê. A Língua Portuguesa descende do
Latim Vulgar, dialeto lingüístico falado pelos menos prestigiados – o povo conquistado.
Foi esse latim desprestigiado, o jeito errado de falar que deu unidade ao Império Romano e
se transformou na nossa forma culta.
O livro didático em questão revoluciona e causa espanto, pois propõem a reflexão
sobre o idioma e das diferentes formas lingüísticas, sem preconceito, sem ditar o que é
certo ou errado. Ele mostra que devemos ter adequação lingüística e consciência de qual
forma da língua temos que escolher quando formos nos comunicar, essa escolha depende
do contexto em que nos situamos. A proposta não é usual, por isso tamanha comoção, mas
é o caminho que tende a ser seguido. E para isso, a sociedade terá que aprender a pensar
mais, ser mais crítica em suas escolhas e se desapegar das idéias cristalizadas. O ato de
refletir é doloroso, mas a mudança de comportamento depende disso e devemos incuti-las
nas novas gerações, pois só assim teremos uma sociedade libertadora, justa e acolhedora,
menos preconceituosa e separatista. Afinal, a comunicação é o único meio para o
entendimento.
O livro didático em questão revoluciona e causa espanto, pois propõem a reflexão
sobre o idioma e das diferentes formas lingüísticas, sem preconceito, sem ditar o que é
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certo ou errado. Ele mostra que devemos ter adequação lingüística e consciência
de qual forma da língua temos que escolher quando formos nos comunicar, essa escolha
depende do contexto em que nos situamos. A proposta não é usual, por isso tamanha
comoção, mas é o caminho que tende a ser seguido. E para isso, a sociedade terá que
aprender a pensar mais, ser mais crítica em suas escolhas e se desapegar das idéias
cristalizadas. O ato de refletir é doloroso, mas a mudança de comportamento depende disso
e devemos incuti-las nas novas gerações, pois só assim teremos uma sociedade libertadora,
justa e acolhedora, menos preconceituosa e separatista. Afinal, a comunicação é o único
meio para o entendimento.
REFERÊNCIAS
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ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática. São Paulo: Parábola, 2002.
BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: ROMANO, Ruggiero (Dir.). Enciclopédia
Einaudi v.5. Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1985. p. 296-335.
BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico – o que é, como se faz. 15 ed. Loyola: São
Paulo, 2002
BAGNO, Marcos. Nada na Língua é Por Acaso – SP, Parábola, 2007
BAGNO, Marcos. Não é errado falar assim! Em defesa do português brasileiro. São
Paulo: Parábola, editorial, 2009.
BARROS, Diana L. Pessoa. Contribuições de Bakhtin às teorias do texto e do discurso.
IN: FARACO, Carlos Alberto; TEZZA, Cristóvão; CASTRO, Gilberto. Diálogos com
Bakhtin. 3. Ed. CURITIBA: Ed. Da UFPR, 2001.
BORTONI-RICARDO. S. M. Compreensão de Leitura: da palavra ao texto. In: Palavra:
forma e sentido. GUIMARÃES, E; M. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2007. [no prelo].
CAGLIARI, Luiz. Alfabetização e lingüística. São Paulo: Scipione, 1996.
FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Trad. Izabel Magalhães. Brasília:
Ed. UNB, 2001
GRUPIONI, L.D.B. (1995). “Livros didáticos e fontes de informações sobre as sociedades
indígenas no Brasil”. Brasília: MEC/MARI/UNESCO, pp. 481-493.
FONTES DE PESQUISA
VEJA. São Paulo. Editora Abril S/A. Nº 22, Junho de 2011. 157 páginas. ISSN 0100-7122
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ISTOÉ. Rio de Janeiro. Três Editorial Ltda. Nº 2167. 114 páginas. ISSN 01043943
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POLÊMICA OU IGNORÂNCIA? - Linguagem e Identidades