ESCOLA E UNIVERSIDADE COMO INSTITUIÇÃO:
O DESAFIO DA GESTÃO DA EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA INSTITUCIONAL
Antônio Elízio Pazeto – UDESC
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Resumo: A abordagem centra-se na análise dos referenciais teóricos e dos processos de gestão da
educação praticados, que demonstram contradições com a finalidade da escola e da universidade. Com
base na prevalência de práticas fundadas na perspectiva organizacional de gestão, não consentâneas ao
que é intrínseco à educação, é enfatizada uma concepção de gestão orientada pela perspectiva
institucional, fazendo convergir instituições e sujeitos, tendo por princípio o caráter instituinte, o
projeto institucional e a sustentabilidade que os move e orienta. O trabalho conclui enfatizando o papel
da escola e da universidade na formação de gestores, sob a égide da perspectiva institucional.
Palavras-chave: Escola e universidade. Instituições e organizações. Gestão na perspectiva
institucional.
MOTIVAÇÃO
Há algumas questões que vêm nos acompanhando desde os anos 80, quando iniciamos
os estudos em nível de pós-graduação, na área da administração da educação. Por conta das
atividades que vínhamos exercendo, desde o início dos anos 70, na condição de professor e
diretor de escola pública, a administração da educação apresentava-se como desafio não
somente em relação às práticas administrativas como, principalmente, pela incipiência de
conhecimento e de compreensão que havia em relação aos fenômenos intrínsecos a essa área,
acentuados pelo momento histórico em que se vivia.
Tanto no âmbito de uma instituição educacional propriamente dita, quanto de um sistema
mais amplo, os modelos e práticas administrativas em vigor não apresentavam sintonia com a
realidade, demandas e desafios apresentados pelos segmentos envolvidos. Esse era o
sentimento que se passava em relação aos processos administrativos praticados. Nos diversos
níveis da administração, cumpriam-se ritos e procedimentos desprovidos de sentido, que
pareciam imprescindíveis à natureza e funções das instituições educacionais, fossem elas
escolas ou universidades.
Anos mais tarde, nossa atuação como docente e dirigente universitário, aliada aos
estudos desenvolvidos sobre a universidade brasileira (PAZETO, 1995), nos anos 90,
confirmaram e ampliaram a percepção a respeito das constatações sobre administração da
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O autor é doutor em Educação pela UFRJ e professor da UDESC. Foi consultor da CAPES e das Nações
Unidas em Timor Leste. Atualmente, exerce a função de Diretor de Educação Básica da Secretaria de Estado da
Educação de Santa Catarina.
educação, que demandavam outros olhares e práticas, uma vez que os referenciais e práticas
preponderantes não se coadunavam às novas relações e exigências para esse âmbito.
Não obstante essas observações, vem se constatando, ainda hoje, generalizada falta de
atenção e tratamento inadequado, por parte de governos e dirigentes universitários, em
relação à escola e à universidade brasileira, cujas conseqüências se estendem, por sua vez, a
professores, estudantes e instituições da sociedade, de um modo geral.
Diante dessas constatações, as questões-problema que permeiam a escola e a universidade e
sua gestão, que requerem urgente e aprofundada abordagem, podem ser assim identificadas:
a) Equívocos na concepção de escola e universidade como organização;
b) Dificuldades de discernimento na relação universidade-sociedade-sistema produtivo,
particularmente no que diz respeito à função social e ao mercado;
c) Concepções e práticas reducionistas de gestão da educação, particularmente em relação à
autonomia.
As reformas educacionais, desde a década de 30, e os sucessivos movimentos por
novos modelos de organização dos sistemas educacionais e de suas instituições, deflagrados
até o presente, ainda que todos de história recente, não ultrapassaram o limite das questões
pontuais e das necessidades ou interesses circunstanciados. O âmago das questões que
circunscrevem o sistema educacional brasileiro, com foco na educação básica e na educação
superior e em suas instituições, em nenhum momento, constituiu o centro da agenda nacional.
PROBLEMATIZAÇÃO
É instigante o fato de que a gestão da educação, vem sendo tratada como algo
extrínseco à natureza e finalidade a que se destina. Constata-se, da mesma forma, que
determinados conceitos e usos não se coadunam com a finalidade e função da universidade e
da escola, particularmente em vista da adoção de modelos gerenciais não consentâneos com
seus propósitos.
Universidade e escola, por orientarem-se para a existência humana e suas instituições,
culturas e processos de formação, têm parte decisiva na construção das condições para
aprendizagens, conhecimentos e ambientes de convivência e de cidadania bem como do
desenvolvimento de competências que garantam a adoção e consecução de valores e
expectativas.
Os fundamentos da gestão da educação têm inspiração em concepções e paradigmas
que antecedem os modelos de administração elaborados nos séculos XIX e XX. A partir
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daqueles fundamentos,
a literatura produzida nesses dois séculos lançou bases para as
ciências e modelos de administração. Uma visão idealizada, positivista e orientada pela
racionalidade técnico-burocrática e instrumental permeou os modelos administrativos dos
Estados modernos e dos sistemas produtivos, a partir de então organizados.
A percepção de que universidade e escola são organizações de outra ordem – isto é, são
instituições -, que têm vida e são sujeitos com identidade e projetos com possibilidade de
auto-determinação, tornou-se, mais recentemente, uma evidência amplamente constatada,
porém, as práticas administrativas por elas adotadas vêm desvirtuando essa possibilidade.
Sob esse quadro de constatações, a gestão das instituições educacionais necessita lançar suas
bases em concepções e práticas orientadas para a perspectiva institucional e utilizar-se dos
meios e recursos de ordem organizacional para a consecução dos fins institucionais.
O tema proposto será desenvolvido à luz de referenciais teóricos que balizam uma análise das
concepções e práticas da gestão da educação, com ênfase para a perspectiva institucional.
Considerará os supostos teóricos e as perspectivas que vêm orientando a gestão e a formação
de gestores, com destaque para o descompasso entre o que é intrínseco à natureza e finalidade
da universidade e da escola e as práticas preponderantes em sua gestão.
O trabalho apontará as bases e fundamentos norteadores da gestão orientada para a
perspectiva institucional, cujo foco visa ao alcance do projeto institucional. Em contraponto a
essa perspectiva, indicará as contradições da adoção de uma concepção gerencial que vem
orientando a gestão da educação, centrada na perspectiva organizacional, cujo foco prioriza as
condições e os recursos de ordem material, instrumental e normativa, em detrimento dos
sujeitos. Com base nas mesmas concepções e perspectivas, o tema terá em conta os caminhos
para a formação dos gestores da universidade e da escola.
Pelo que representam a escola, de um modo geral, e a universidade, mais
especificamente, ao longo da história, em relação à formação do homem e à organização e
desenvolvimento das sociedades, tornaram-se instituições que desempenharam uma função
estratégica de indiscutível marca e relevância. À medida que foram reconhecidas como tal e
assumiram seu papel de ator social insubstituível, por iniciativa de seus dirigentes e governos,
elas passaram a ampliar e intensificar frente ao ambiente social, e exercer papel orientador
nesse meio.
Constata-se, no entanto, que concepções e performances, de uma parte, e estruturas e
interesses, de outra, não vêm caminhando em estreita sintonia, impondo-se aos gestores e à
sociedade revisão dos modos de pensar e de agir por parte da escola e da universidade, em
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relação às novas exigências, atribuições e responsabilidades intrínsecas ao caráter dessas
instituições.
A dissintonia que se constata é reflexo de um dissenso e da falta de compreensão mais
amplos entre Estado e sociedade, resultado da fragilidade de um projeto social, cujas políticas
por parte de governos e instituições
não apresentam contornos orgânicos, sistêmicos e
convergentes.
Os governos, historicamente, nos processos da administração pública colocam Estado
e sociedade em campos opostos, de forma que para
Rodrigues (2004, p. A 2) “O
patrimonialismo é a marca dos governos brasileiros, não importa sua matriz ideológica.
Apropriam-se da máquina, resolvem seus problemas e danem-se os outros”. Tais práticas
cristalizaram a cultura e a estrutura do Estado e das organizações da sociedade, resultando
numa relação, cujo “resultado desse anacronismo fez do país uma nação de contribuintes e de
consumidores, mas não ainda de cidadãos”, como se ouve, correntemente.
Não obstante a matriz de referência que pautou a cultura e a burocracia estatal,
resultando em visão e prática de dependência
da sociedade em relação ao Estado, as
organizações vêm se modernizando e passando a assumir diferentes formas de gestão,
independentemente da natureza governamental, empresarial ou social que representam.
A constatação da existência de variada gama de organizações com distinta natureza e
finalidade, e do dinamismo que lhes é característico, bem como suas matrizes conceituais
combinadas com as performances administrativas originárias de tempos e realidades não
consentâneos com o novo momento histórico em que se vive, acenam para a necessidade de
adoção de novas bases conceituais e programáticas, por parte das instituições e de seus
ambientes.
A compreensão dessa nova realidade está determinando, nas últimas décadas,
necessidade de revisão dos referenciais teóricos que vinham sustentando a gestão das
instituições, sobretudo, de ordem cultural e ética. Em vista disso, buscam-se novos parâmetros
para atender ao campo social e à sua gestão, de forma a corresponder às demandas e
responsabilidades de âmbito público estatal ou não estatal, contrapondo-se, dessa forma, a
uma cultura referida a sistemas e modelos histórica e culturalmente alheios à emergência de
novos perfis e relações de poder na sociedade.
Escola e universidade e sua gestão, objetos dessa abordagem, compõem o conjunto da
problemática mais ampla das organizações que integram o desenvolvimento da sociedade,
cujos modelos e práticas, de ordem burocrática, política e educacional, necessitam ser
redefinidos, frente à demanda de desenvolvimento sustentável para a sociedade brasileira.
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Essa revisão requer, necessariamente, introduzir a perspectiva institucional na análise do
contexto, para que Estado, instituições e sociedade sintonizem seus ritmos e façam convergir
seus projetos.
BASES CONCEITUAIS E PERSPECTIVA INSTITUCIONAL
Não se constitui fato novo que gestão de escola e universidade vem sendo objeto de
estudos, não faz mais de cinqüenta anos. Mesmo assim, tais estudos tiveram por base os
caminhos traçados pelos estudos organizacionais, que vinham tomando forma, há mais de um
século, quando as instituições educacionais começaram a se ocupar, de maneira sistemática,
com essa matéria.
Nesse quadro de análise, os estudos organizacionais trouxeram para a administração
da educação – nesta abordagem denominada gestão da educação – a concepção denominada
técnico-científica ou científico-racional, como aponta Libâneo (2004), própria do mundo das
organizações voltadas para o setor produtivo ou para a organização da sociedade, que se
estruturava em torno da empresa, do Estado e de suas instituições tradicionais. Para o autor,
as escolas que operam com nesse modelo dão forte peso à estrutura organizacional, à
definição rigorosa de cargos e funções, à hierarquia das funções, às normas e
regulamentos, à direção descentralizada e ao planejamento com pouca participação das
pessoas (p. 210).
Por isso mesmo, essa concepção é denominada clássica ou burocrática. Em
contraponto à concepção técnico-científica, o autor aponta a concepção sociocrítica, orientada
pela vertente político-sociológica. Sob esse enfoque, como afirma Libâneo (2004, p. 120)
a organização escolar é concebida como um sistema que agrega pessoas, destacando-se o
caráter intencional de suas ações, a importância das interações sociais no seio do grupo e
as relações da escola com o contexto sociocultural e político. A organização escolar não é
uma coisa objetiva, um espaço neutro a ser observado, mas algo a ser construído pela
comunidade educativa, envolvendo os professores, os alunos, os pais.
Passaram-se algumas décadas para que abordagens condizentes com o objeto
educacional propriamente dito trouxessem nova orientação à gestão da educação. Ou seja, a
gestão da escola e da universidade tem razões de outra ordem, cujos referenciais, até então
utilizados, não se comprometiam com a natureza e a finalidade da educação e da gestão de
suas instituições.
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Os novos referenciais, no entanto, já vinham sendo anunciados no interior dos estudos
organizacionais, ainda na primeira metade do século passado, quando Selznick, na década de
40, à luz dos estudos da época, esboçou distinções entre organizações e instituições. Sob sua
égide, foi introduzida a questão dos valores, cultura, sujeito e ambiente, que apontou o caráter
institucional das organizações e na teoria organizacional. Embora, à época, essa distinção não
se devesse à preocupação com a educação, tal abordagem levava em consideração elementos
que transcendiam a racionalidade técnico-instrumental e objetiva que dominava as
organizações.
Como observa Scott (2001 p. 23),
Desde o começo, Selznick (1948) tinha o propósito de distinguir entre organização como
a ‘expressão estrutural da ação racional’ (p. 25) – como instrumento mecanicista
projetado para alcançar objetivos específicos – e organização vista como um sistema
orgânico adaptável afetado pelas características sociais de seus participantes, assim como
pelas variadas pressões impostas por seus ambientes. ‘Organizações’, com vistas a uma
extensão variável e de longo prazo, são transformadas em ‘instituições’ .
A literatura que trata dessas questões avançou significativamente, nos anos 70, em
torno do que se convencionou chamar Teoria Institucional, por referir-se à cultura e ao
ambiente, em conseqüência da Teoria dos Sistemas, dos anos 60.
Com base no enfoque institucional, nações e grupos sociais são reconhecidos em função de
sua missão, valores, culturas e percepções, e de objetivos variáveis, enquanto as empresas são
constituídas em torno de racionalidade e modelos produtivos e de objetivos explícitos
(ETZIONI, 1974).
Como afirma Selznick (1972, p. 18)
Organizações são instrumentos técnicos para mobilizar as energias humanas para a
realização de objetivos; instituições são estruturas sociais incorporadoras de valor. (...)
Organizações transformam-se em instituições ao serem infundidas de valor, (...). Quando
uma organização adquire uma identidade própria e distinta, torna-se uma instituição.
Em vista desse enfoque, as organizações são instrumentos racionais orientados para os
meios. Elas somente se transformam em instituições se incorporarem e se adaptarem aos
valores externos da sociedade.
De outra parte, o advento de estudos de cunho interdisciplinar sobre meio ambiente,
permite estabelecer uma correlação entre organizações, biosfera e sociosfera, ao considerar
que as ciências naturais e as ciências sociais apresentam estreita relação de intersecção em
seus processos vitais. Sob esse prisma, Merchant (1980, p. 69) afirma:
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Teorias sobre a natureza e teorias sobre a sociedade possuem uma história de
interconexões. Uma concepção da natureza pode ser compreendida como uma projeção,
no cosmos, da percepção humana a respeito de si mesma e da sociedade.
A análise das organizações e sua correlação com o paradigma sócio-ambiental, como
tratam Egri e Pinfield (2006, p. 2) requerem
uma abordagem holística multifacetada, interdisciplinar controvertível. Multifacetada
porque investiga-se os fenômenos em diferentes níveis (individual, grupal,
organizacional, social e global) a partir de perspectivas alternativas (física, técnica,
econômica, social e ética). Interdisciplinar porque investiga-se tanto nas ciências naturais
(ecologia, biologia, química, física) como nas ciências sociais (filosofia, sociologia, teoria
organizacional) em busca de áreas de intersecção e de divergências. Controvertível
porque é uma arena em expansão repleta de conflitos políticos entre atores sociais
propondo condutas alternativas.
O paradigma sócio-ambiental associa-se à vertente sociológica, que tem por
fundamento “a construção social da realidade” desenvolvido por Berger e Luckmann (1991),
cujo enfoque está centrado na investigação da natureza e em sua interação com a ordem
social. Sob esse prisma, ambientes, culturas, instituições e processos formativos remetem a
contextos e concepções de ordem multirreferencial e muldimensional, em cujas bases, a
gestão da escola e da universidade se insere, porque referidas aos sujeitos a seus contextos e
espaços sociais.
Com base nesse referencial, a vertente sociocrítica centra-se nos sujeitos, nas
intenções, na interação e nos processos de gestão. Libâneo (2004), ao conceber a escola como
instituição, destaca os elementos ‘instituintes’ expressos por valores e pela capacidade do
grupo para criar e instituir, sobrepondo-se, dessa forma, aos elementos ‘instituídos’, cujo foco
recai sobre a autoridade,
sobre as formas estruturadas de organização, regulamentos e
procedimentos previamente definidos. Assim concebida, são características da gestão da
escola, entre outras:
Decisões coletivas por meio de assembléias e reuniões, buscando eliminar todas as
formas de exercício de autoridade e de poder; ênfase na auto-organização do grupo de
pessoas da instituição, por meio de eleições e da alternância do exercício de funções;
(...); crença no poder instituinte da instituição e recusa de todo poder instituído. O caráter
instituinte se dá pela prática da participação e autogestão, modos pelos quais se contestam
as formas de poder instituído; ênfase nas relações pessoais, mas do que nas tarefas (p.
122-3).
Sob a mesma perspectiva de análise e com base nos referenciais anteriormente
apresentados, ao destacar as finalidades da universidade, Freitag (1995, p. 31) afirma que “as
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universidades, antes de ser organizações, são (porque me recuso a dizer “eram”) instituições”.
E continua o autor:
Isso implica para a instituição a exigência de um reconhecimento coletivo ou público de
legitimidade (cultural, ideológico, político) e, no interior de si mesma, de uma margem
essencial de autonomia. Como todas as instituições (...) a universidade é, em parte,
‘autogerada’, sob a condição de um reconhecimento e de uma regulamentação exteriores
(problema da delimitação de seu domínio de autonomia) (FREITAG, 1995, p. 32).
E assim finaliza o autor, com relação a meios e dos fins no âmbito da universidade:
A organização se define, em compensação, de maneira instrumental: ela pertence à ordem
da adaptação dos meios, em vista do atendimento de um fim ou um objetivo particular; é
então ela mesma que também define suas fronteiras, de maneira auto-referencial. O
aspecto institucional remete à prioridade dos fins; o aspecto organizacional, à prioridade
dos meios (FREITAG, 1995, p. 32).
Embora, em alguns momentos organizações e instituições parecessem dois entes
distintos, o percurso dos estudos organizacionais, desde as abordagens mais racionais e
objetivas, às
orientadas para as questões sócio-ambientais ou subjetivas, demonstra um
“continuum”, um movimento entre o caráter institucional e o organizacional. Trata-se,
sobretudo, da interpretação, do ângulo de visão e de análise em que as organizações são
focalizadas, mais que de distinções que se queira atribuir a elas. Assim, gestão pode ser
compreendida a partir da posição tomada pelo gestor diante da organização, tendo por base a
finalidade e a intencionalidade que ele pretende imprimir ao seu desenvolvimento.
Com base na comunicação que gestor e organização estabelecem, Godoi (2005) destaca o
movimento que os estudos vem estabelecendo entre as dimensões da exterioridade e da
interioridade, ao constatar que
até agora o conhecimento da gestão recaiu, sobretudo, no pólo da exterioridade, enquanto
gerir implica necessariamente escolhas subjetivas, o uso de certo poder, habilidades
conceituais, visão, imaginação, atitudes afetivas, empatia e habilidades interpessoais
(GODOI, 2005, p.19).
Intenção e interação estabelecem o grau e a intensidade das relações cultivadas entre
os elementos e os processos da gestão das organizações. Visão, discernimento e criatividade
constituem atitudes do gestor que possibilitam estabelecer comunicação entre o mundo do
sistema e o mundo da vida, como aborda Habermas (1989), em sua Teoria da Ação
Comunicativa.
A dimensão comunicativa expressa pela dialogicidade dá dimensão social aos
diferentes sujeitos, atribuindo-lhes caráter institucional porque integrados a um mesmo corpo,
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isto é, a uma instituição orgânica, sistêmica, interdependente. Comunicação traduz-se por
ação comunicativa e intersubjetiva, de modo a estabelecer uma “comunidade de
comunicação”, onde o princípio da alteridade não só constitui a identidade do eu, o
entendimento dos outros “eus”, o eu universal e individual, além do próprio eu que se constrói
por meio do diálogo, como bem expressa Coutinho (2005). Ainda sob esse prisma, o mais
forte e radical que as instituições propõem são os problemas da alteridade, tendo em vista,
segundo Enríquez (1991, p. 85), “a aceitação do outro enquanto sujeito pensante e autônomo
por cada um dos atores sociais que mantêm com ele relações afetivas e vínculos intelectuais”.
O princípio da “comunidade de comunicação” representa o caráter institucional e
público das organizações, em contraponto ao caráter privado que as constituem. A relação
dialógica constrói laços de pertença e senso de humanidade nos diferentes âmbitos e
processos, criando contextos de corresponsabilidade, eqüidade e de subsidiaridade. Tal perfil
não só propicia um ambiente público e sustentável, como viabiliza a diversidade de suas
identidades, o exercício da democracia e a construção de ambientes de autonomização.
Ao analisar as instituições como ambiente de relações humanas e de criação, Garay
(1998) afirma que, em sentido estrito,
sua finalidade primordial é a existência, não a produção; centram-se nas relações
humanas, na trama simbólica e imaginária em que essas se inscrevem, mas não nas
relações econômicas. Operam com seres humanos aos quais possibilitam, ou não, viver,
trabalhar, educar-se, confortar-se, curar-se, mudar e ‘talvez criar o mundo a sua imagem’
(p. 116).
Ao focalizar a análise institucional, a mesma autora afirma:
Em sua aplicação às instituições educativas - e tratando-se estas de ‘instituições de
existência’ (ENRÍQUEZ, 1987), como descrevemos antes – buscará, a partir de hipóteses
construtivas, centrar-se em processos mais do que em produtos. Tentará produzir
conhecimentos que possibilitem novas simbolizações de lucros e êxitos educativos.
Pensar politicamente a organização institucional não regida pela eficiência produtiva, mas
por projetos educativos democráticos, isto é, orientados pela busca da eqüidade, justiça e,
centralmente, a autonomia individual e social (p. 117).
Com base nos referenciais e perspectivas anteriormente apresentados, escola e
universidade constituem-se instituições de existência, isto é, são processos em si mesmos,
cuja posição primordial é a formação social global centrada nos sujeitos e regulada pela
mudança e transformação. Sua dinâmica e processo instituinte se constroem e se materializam
a partir e com base nas organizações e nos processos instituídos, por meio de tensões, diálogo
e interação entre os sujeitos e objetos que as constituem.
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MISSÃO INSTITUCIONAL E DESAFIOS DA GESTÃO DA EDUCAÇÃO
Escola e universidade, embora instituições com distintas especificidades, são comuns
no que se refere a sua natureza e finalidade. Ambas dizem respeito, diretamente, à formação
do ser humano em suas múltiplas dimensões, e centram-se no desenvolvimento de
aprendizagem e de conhecimento em espaços e condições específicas. Ambas são, portanto,
em primeiro plano, instituições da existência humana e, como tal, decisivas no processo de
formação da sociedade.
A gestão da educação, seja ela voltada para a escola ou para a universidade, tem como
principal desafio a função de coordenar e orientar processos e prover condições com vista à
mobilização e formação de sujeitos para construção de ambientes sociais em seus contextos,
construindo novas aprendizagens, conhecimentos e relações. Com base nessa referência, a
gestão se processa por meio de ações com foco na autonomia, na mudança e na criação, que
constituem expressões vitais de desenvolvimento dos sujeitos e de ambientes sociais para a
existência humana. Nesse sentido, escola e universidade apresentam-se como instituições que
mobilizam sujeitos e processos sob a perspectiva instituinte, à medida que exercitam suas
competências e praticam seus projetos.
Sob o prisma da escola como uma realidade social construída, Libâneo (2004, p. 123)
confirma que essa concepção de gestão
Privilegia menos o ato de organizar e mais a ‘ação organizadora’ com valores e práticas
compartilhados. A ação organizadora valoriza muito as interpretações, valores,
percepções e significados subjetivos, destacando o caráter humano e secundarizando o
caráter formal, estrutural, normativo.
De outra parte, missão e compromisso institucional identificam-se com a própria
finalidade da universidade. Juliatto (2005), ao abordar a questão do compromisso com a
missão institucional, afirma que
as escolas, e com maior razão, as grandes universidades são instituições complexas, no
sentido de que apresentam uma variedade de propósitos. (...) Estabelecer objetivos e
prioridades é preceito fundamental de gestão. Clareza, precisão, concisão e comunicação
de objetivos e metas são imprescindíveis ingredientes do bom governo da boa escola (p.
141).
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Com base nesse suposto, cumpre, segundo o autor, que as decisões e procedimentos
administrativos da universidade, “sejam consistentes e condizentes com a missão e as metas
estabelecidas”, como condição para que a universidade se oriente para ações e metas
objetivas.
É pelo planejamento que a universidade esboça sua Missão - explicitação da essência,
finalidade e ideário -, e sua Visão - tradução da missão em políticas de ação num determinado
período, ponte entre missão e realização, como propõe Cazalis (2002).
A universidade, de outra parte, como agência social especializada, mais do que
qualquer outra, é o espaço apropriado para pensar e promover conhecimentos e processos de
formação de lideranças e de tecnologias centrados na auto-determinação, na sustentabilidade e
na corresponsabilidade. A universidade e sua gestão assumem o caráter institucional, em
primeiro plano, tendo por centralidade a construção social de sujeitos e de ambientes
sustentáveis.
A perspectiva institucional é movida por uma visão de sustentabilidade e de
cooperação sistêmica de ordem multi e transdisciplinar, cujos princípios de identidade,
diversidade e alteridade são indissociáveis, públicos e intrínsecos aos sujeitos, à coletividade e
ao ambiente.
Ter a compreensão do caráter institucional da escola e da universidade, orientar-se por
ele, constitui outro importante desafio a que a boa gestão deve trazer sempre presente.
Um terceiro e não menos importante desafio diz respeito ao projeto institucional da escola ou
da universidade, considerado desde conhecimento e aderência à realidade, processo de
elaboração, gestão da execução e avaliação. Tais focos, entendidos no seu conjunto como
gestão institucional, implicam a coordenação de um conjunto de ações e estratégias centradas
na construção de sujeitos e de realidades em movimento. Em decorrência dessa concepção,
planejamento, coordenação e avaliação, sob a ótica institucional, constituem-se funções
estratégicas que ocupam lugares e tempos indissociados entre si e expressão dos sujeitos
internos e externos. O mesmo princípio que assegura unidade indivisível à escola ou
universidade como instituição, determina que gestão institucional, por meio de suas funções
estratégicas, seja exercida de forma una e indissociável.
A centralidade da instituição está assentada nas relações de produção de sujeitos –
aprendizagem e existência -, e de produção de artefatos – conhecimentos e tecnologias -,
sendo protagonistas os próprios sujeitos, em ambientes sociais determinados. O que move tais
relações é a intencionalidade, a legitimidade e o caráter instituinte, cujos princípios são
intrínsecos aos sujeitos e ao projeto da instituição.
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A perspectiva organizacional é movida preponderantemente por uma visão de curto
prazo, competição, individualismo, uniformidade, parcialidade e disciplinaridade; pelo
instituído, hierarquia, heteronomia; lida com base na legalidade, certeza, segurança e controle;
princípios extrínsecos às pessoas, à coletividade e ao ambiente natural e social.
O que move as organizações são interesses e comportamentos de caráter particular,
fundados na racionalidade e instrumentalidade objetiva, visando a metas de interesse privado,
produções e resultados imediatos e de consumo.
As organizações agem na perspectiva da mimese, gerenciamento, reprodução,
dependência, uniformização. Sob essa ótica, outros seres são considerados hetero, no sentido
da exterioridade, não pertencimento, determinação externa ou de ordem superior. Nas
organizações as relações são hierárquicas, com preponderância das relações de mercado e
utilitarismo.
Equívocos em relação à orientação da gestão da escola e da universidade,
relativamente às dimensões institucional e organizacional podem acarretar reducionismos ou
desvios da missão e dos compromissos da instituição, pondo em risco sua finalidade.
As organizações não constituem, em si, dualidade ou faces opostas das instituições ou viceversa. Constituem, sim, um movimento, uma unidade que apresentam faces ou perspectivas
de natureza e finalidade distintas, mas de caráter indissociável e complementar. Tais são
também as dimensões instituinte e instituído, pois o instituinte não se objetiva e não se torna
individuação sem que haja uma base instituída. Ambos os casos – instituição/organização e
instituinte/instituído -, representam canais em que se manifesta a necessária preponderância
de uma dimensão sobre a outra, dependendo da natureza, finalidade e compromissos que estão
em jogo.
Não obstante o contraponto entre organizações e instituições, observa-se que a análise
dessa matéria remete a determinações que transcendem sua estrutura, objetivos e
performances. Por essa razão, organizações e instituições não são entes excludentes.
Representam faces ou perspectivas de uma mesma totalidade social indissociável e
interdependente.
Ao se abordar, portanto, a perspectiva institucional, está se tratando da intensidade e
da preponderância desta em relação à perspectiva organizacional. Assim, entende-se que é a
ênfase na natureza, finalidade e compromissos – seu caráter intrínseco -, que determinam
serem mais organizações ou mais instituições, ou situações que determinam preponderância
da perspectiva institucional sobre a organizacional.
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Todas as instituições – escola ou universidade -, necessariamente, apresentam uma
base organizacional, pela qual são providos os recursos e condições indispensáveis para a
consecução de seus fins. De igual forma, em toda organização há uma dimensão institucional,
em vista das relações e impactos a sujeitos, ambientes ou processos mais amplos. Ambas,
embora com intenções e intensidade próprias, refletem e são reflexo de uma construção social
e de uma totalidade, sem perder sua identidade e sua especificidade.
Trata-se, portanto da ótica de análise, dos valores e das intenções orientadoras dos
processos, que permitem determinado enfoque ou direcionamento, seja no âmbito da análise
ou da própria gestão. Segundo Selznick, (1972) a questão é de percepção, de análise e de
subjetividade, e não de estrutura, descrição e demandas externas.
De forma mais objetiva, são feitas algumas considerações, ainda que de caráter não
conclusivo:
•
Escola e universidade requerem reconhecimento como instituições, antes de qualquer
outra concepção;
•
Instituição, diferentemente de organização, está centrada em sujeitos instituintes e se
move para a construção da existência humana;
•
O não discernimento do caráter institucional ou sua submissão à dimensão
organizacional, constitui grave reducionismo, descaracterização e desvio da identidade
e da finalidade de uma instituição;
•
Gestão na perspectiva institucional expressa indissociabilidade entre ambientes e
sujeitos instituintes e valores, exercida pela ação comunicativa;
•
A centralidade da escola está na aprendizagem e na formação de competências básicas
dos sujeitos e dos ambientes que interagem em função dela;
•
A centralidade da universidade está na formação de lideranças por meio de
conhecimentos, competências e do desenvolvimento de tecnologias, com vistas à
construção de ambientes sociais sustentáveis, que transcendem a formação
profissional e o mercado;
•
Projeto e gestão da educação na perspectiva institucional constituem síntese e
movimento da construção social de sujeitos, que se instituem na direção de seu vir-aser, em ambientes sociais determinados;
•
Formação avançada dos gestores educacionais, tanto no âmbito da escola quanto da
universidade, torna-se requisito imperioso para assegurar gestão na perspectiva
institucional.
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REFERÊNCIAS
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ESCOLA E UNIVERSIDADE COMO INSTITUIÇÃO: O