Uma Forma Normal Para Sistemas Hamiltonianos. Um exemplo. ∗ Luziene Maria de Carvalho Luz Otávio de Oliveira Costa Filho Departamento de Matemática-UFPI 64.049-530 - Ininga - Teresina - PI [email protected] e [email protected] † Introdução O trabalho que apresentamos aqui, pretende estudar uma transformação para a função hamiltoniana do sistema de equações diferenciais dada, descrita de forma que, após o desenvolvimento da função hamiltoniana em série de potências, tenhamos cada termo da série escrita como um produto das variáveis com a mesma potência. Ou seja, desejamos “normalizar” a função hamiltoniana. O primeiro passo é obter, através de substituição canônica linear, normalização da parte quadrática da função hamiltoniana para, em seguida, estender o caráter da normalização aos demais termos dessa função desenvolvida em série formal de potências, utilizando uma substituição canônica formal. Esse procedimento será desenvolvido na segunda parte de nosso estudo. Apresentamos, em seguida, um exemplo, como aplicação do estudo da parte quadrática da forma normal. Para isso, utilizamos a equação de Duffing. O nosso próximo passo é o estudo da parte perturbada dessa equação. Sob aspecto teórico, também estudaremos a estabilidade desses sistemas e apresentamos critérios que garantam quando a sua solução resulta numa solução real para o sistema originalmente dado. ∗ † O primeiro autor é bolsista de Iniciação Cientı́fica do IM - AGIMB o segundo autor é o orientador 1 1 Estudo da Substituição Linear Faremos a seguir um estudo detalhado de uma substituição canônica linear que, numa vizinhança da origem do sistema de coordenadas, que coincide com a posição de equilı́brio do sistema canônico de equações diferenciais, ”diagonalize” a parte quadrática da correspondente função hamiltiniana. Sem perda de generalidade, tomamos a solução de equilı́brio na origem e portanto, o desenvolvimento em séries de potências, da função hamiltoniana, não tem termos constantes e será considerada analı́tica. Assim, a função hamiltoniana H(u1 , u2 , ..., un , v1 , v2 , ..., vn ) = H(u, v) é uma série de potências convergente em uma vizinhança da origem (os vetores u = (u1 , u2 , ..., un ) e v = (v1 , v2 , ..., vn )). O sistema canônico associado é: duk = u˙ = ∂H k ∂vk dt (k = 1, 2, ..., n) (1.1) dv ∂H k dt = v˙k = − ∂u k ∂H (0, 0) = 0 = ∂H (0, 0). onde supomos ∂v ∂uk k Seja w o vetor coluna cujas 2n-entradas são u1 , u2 , ..., un , v1 , v2 , ..., vn e seja Hw o vetor coluna cujas entradas são as derivadas de H(u, v), a saber: w= u1 u2 .. . un v1 v2 .. . e Hw = vn ∂H ∂u1 .. . ∂H ∂un ∂H ∂v1 .. . ∂H ∂vn Hu1 . . . = Hun Hv1 .. . Hvn . Sendo I a matriz identidade de n filas e 0 a matriz nula de n filas, têm-se a matriz simplética J de 2n filas J= 0 I -I 0 e assim podemos colocar o sistema (1.1) na forma ẇ = JHw 2 (1.2) . Com as hipótesis acima, a série de potências H começa com termos quadráticos e toma a forma 1 H = w Gw + · · · ; 2 mais explicitamente, se G = (gij ) com i = 1, 2, ..., n e j = 1, 2, ..., n uma matriz de 2n entradas e a transposta de w que, é o vetor linha w = (u1 , u2 , ..., un , v1 , v2 , ..., vn ), temos que H= 1 (u1 , u2 , ..., un , v1 , v2 , ..., vn )(gij ) 2 u1 u2 .. . un + ··· v1 v2 .. . vn onde vemos que os primeiros termos da série H são quadráticos. A matriz G é a hessiana de H e podemos por Hw = Gw + · · · e o sistema (1.2) toma, agora, a forma ẇ = JGw + · · · NOTA: A forma quadrática G : IR2n −→ IR é uma função cujo valor em um vetor w = (u1 , ..., un , v1 , ..., vn ) = (w1 , w2 , ..., w2n ) (lembrar que w é a transposta de w) é dado por 2n G.w 2 = gij wi wj i,j=1 (gij ) é uma matriz simétrica de ordem 2n. É óbvio que “se t ∈ IR, então G.(tw)2 = t2 .(G.w2 )” 3 A forma hessiana da função pelo menos duas vezes diferenciável H : U ⊂ IR2n −→ IR, no ponto x ∈ U será indicada por G(x) ou GH(x) caso seja necessário ser mais explı́cito. G(x) = d2 H(x), portanto 2n G(x).w 2 = ∂ 2 H(x) wi wj i,j=1 ∂xi ∂xj O teorema de Schwarz afirma que a matriz G = (gij ) = ∂ 2 H(x) ∂xi ∂xj (Hessiana de H no ponto x ∈ U) é simétrica. A seguir mostraremos algumas proposições de acordo com (Costa Filho,2002), para obtenç ao da normalização da parte linear do sistema a ser estudado. Proposição 1. O polinômio caracterı́stico da matriz JG é uma função par. Prova: Notemos que J = J −1 = −J; detJ = 1 e G = G onde ( ) indica transposição e tomando a matriz identidade, I2n , de 2n filas, temos (λI2n − JG) = λI2n + GJ = J(−λI2n − JG)J e por conseguinte, o polinômio caracterı́stico de JG satisfaz à condição p(λ) = det(λI2n − JG) = det(−λI2n − JG) = p(−λ), donde concluimos que p é função par, isto é, se λ é raiz de p(λ), tem-se que −λ também é, com a mesma multiplicidade. A seguir vamos diagonalizar a matriz JG. Inicialmente consideremos a hipótese de que todos os auto-valores da matriz JG são simples, isto é, são de multiplicidade 1 e portanto, não-nulos. Efetuando uma conveniente reordenação, estes auto-valores podem ser denotados por λk e λk+n = −λk (k=1,2,...,n). Proposição 2: Se todos os auto-valores são simples e ordenados conforme a hipótese acima, então a matriz JG pode ser posta na forma diagonalizada e, 4 além disso, as matrizes que diagonalizam JG têm por colunas os auto-vetores associados aos respectivos auto-valores λ1 , λ2 , ..., λn e duas delas diferem entre si por multiplicação à direita por uma matriz diagonal invertı́vel. Prova: Sabe-se que os auto-vetores correspondentes a um auto-valor λj formam um subspaço de dimensão 1, devido λj ser raiz simples do polinômio caracterı́stico. Tomando L0 = diag[λ1 , λ2 , ..., λn ] e L= L0 0 0 −L0 , construamos uma matriz C cujas colunas sejam auto-vetores associadas aos auto-valores λ1 , ..., λn , −λ1 , ..., −λn . Essa matriz diagonaliza JG. Então pomos C −1 JGC = L, o que produz C GJ = −LC . Proposição 3: Se C GJ = −LC então (J −1 C J)JG = L(J −1 C J). (1.3) Prova: Como JJ = −I2n , temos J −1 C JJ = JC e assim (J −1 C J)JG = JC G. Pelo fato de 0 L0 L0 0 −LJ −1 = ser matriz simétrica, resulta que LJ −1 = (LJ −1 ) = (J −1 ) L = JL, e pela hipótese, podemos por JC G = −JLC J −1 = −LJ −1 C J −1 = L(J −1 C J) , que pela Eq.(1.4), obtemos a Eq.(1.3). Proposição 4: A matriz P = (J −1 C J)−1 também diagonaliza JG. 5 (1.4) Prova: Se P = (J −1 C J)−1 , notemos que detP = 0 e devido a Eq. (1.3) temos P −1 JGP = L, isto é, P diagonaliza JG. Do que foi dito acima, segue-se que P difere de C por uma matriz diagonal invertı́vel. Pomos C = P B, onde B= B1 0 0 B2 com B1 e B2 matrizes diagonais invertı́veis de n filas. Como J −1 C J = P −1 segue-se que 0 B2 , (1.5) C JC = JP −1 C = JB = −B1 0 Como J é antisimétrica, bem como C JC, então B1 = B2 . Consideremos, agora, a matriz Q= B1 0 0 I , donde Q JQ = JB. (1.6) Observamos agora, que pondo D = CQ−1 essa matriz D também diagonaliza JG, pois ela difere de C por uma matriz diagonal invertı́vel. Proposição 5: A matriz D é simplética. Prova: Tomando as Egs.(1.5) e (1.6) obteremos que D JD = J o que, por definição, diz que a matriz D é simplética. De fato, temos que D JD = (Q−1 ) C JCQ−1 = (Q )−1 JBQ−1 = (Q )−1 Q JQQ−1 = J. Como a matriz D é simplética, a transformação linear w = Dz (1.7) é canônica, onde z é o vetor coluna z = (x1 , x2 , ..., xn , y1 , y2 , ..., yn) . Como a matriz D é simplética e vale a igualdade D−1 JGD = L, a transformação linear canônica dada na Eq. (1.7), conduz o sistema canônico ẇ = JGw + · · · 6 , no sistema canônico dz = ż = JHz dt (1.8) onde n H(z) = H(x1 , x2 , ..., xn , y1 , y2 , ..., yn ) = H(x, y) = k=1 λk xk yk + · · · que é a normalização de H inicialmente procurada. A matriz D é, em geral, complexa, mesmo que a função H(u, v) do sistema (1.1) seja real. Em vista disso, é importante estabelecer critérios que assegurem quando a solução deste último sistema, isto é, do sistema (1.8) resulte numa solução real do antigo sistema (1.1). Este estudo deverá ser realizado na continuidade após análise da forma normal. Devido a substituição (1.7) ser linear, ela pode ser representada por série de potências convergentes em uma vizinhança da origem. 2 Aplicação da Forma Normal à Equação de Duffing Nesta seção apresentamos a aplicação da forma normal, na parte linear do sistema abaixo, obtido da equação de Duffing. Consideremos a equação de Duffing na forma dx d2 x 3 = βcos + x + αx + γ dt2 dt t (2.1) e coloquemos na forma de sistema de equações diferenciais de primeira ordem, a saber: u˙1 u˙2 v˙1 v˙2 = 0 0 −1 0 0 0 0 1 0 0 − 0 0 0 0 u1 u2 v1 v2 7 + 0 0 −αu1 3 − γv1 + u2 0 , (2.2) onde x = u1 , ẋ = v1 , u2 = β cos t e v2 = β sin t. Agora, consideremos a matriz do sistema (2.2) que é a matriz JG = 0 0 −1 0 0 0 0 1 0 0 − 0 0 0 0 e cujos autovetores e autovalores correspondentes estão descritos na seguinte ordem: i↔ 1 0 i 0 ↔ i 0 −i 0 1 −i↔ 1 0 −i 0 ↔ i 0 i 0 1 . A matriz dos autovalores que diagonaliza a matriz JG é a matriz C= 1 0 1 0 0 −i 0 i i 0 −i 0 0 1 0 1 e sendo a matriz diagonal dada por L= L0 02 02 −L0 onde L0 = i 0 0 −i e 02 é a matriz nula de ordem 2. De fato C −1 (JG)C = L. Sendo a matriz J= 02 I2 −I2 02 onde I2 é a matriz identidade de ordem 2 devemos calcular a matriz P = (J −1 C J)−1 = 1 i 2 0 1 − 2 0 8 1 0 i 0 2 1 1 0 − 2 2 , 1 0 0 2 1 1 i 0 i 2 2 que também diagonaliza a matriz JG, pois P −1 (JG)P = L e com isso podemos determinar a matriz B dada por P −1 C = B = B1 02 02 B2 onde B1 = B2 = −2i 0 0 −2i . A seguir construamos a matriz B1 0 0 I2 Q= e pondo D = CQ−1 temos D= 1 i 2 0 1 − 2 0 0 1 0 1 0 i 2 0 −i 0 1 i 0 1 2 . Note que esta matriz é simplética. De fato, D JD = J onde D é a transposta de D. Uma vez obtida a matriz simplética D, podemos escrever a transformação linear w = Dz que normaliza a parte quadrática da função hamiltoniana dada. Com efeito, sendo w= u1 u2 v1 v2 temos que u1 u2 v1 v2 = e z= x1 x2 y1 y2 1 ix1 + y1 2 1 x2 + iy2 2 1 − x1 − iy1 2 1 ix2 + y2 2 9 . De acordo com o desenvolvimento teórico, devido a (1.2), sabemos 1 que H = w Gw + · · · logo, podemos determinar a matriz G, a saber: Se 2 JG = 0 0 −1 0 0 0 0 1 0 0 − 0 0 0 0 então G = 1 0 0 − 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 − . Segue-se que H= 1 2 u1 u2 v1 v2 G u1 u2 v1 v2 +· ·· 1 = {u21 − u2 2 + v12 − v2 2 } + · · · . 2 Efetuando a mudança de variáveis indicada acima, isto é, u1 u2 v1 v2 = 1 ix1 + y1 2 1 x2 + iy2 2 1 − x1 − iy1 2 1 ix2 + y2 2 obtemos que H ∗ = ix1 y1 − i x2 y2 + · · · = λ1 ω1 + λ2 ω2 + · · · onde λ1 e λ2 são os autovalores da matriz JG e ωk = xk yk , k = 1, 2 que é a normalização da parte quadrática de H, como desejávamos. 3 Conclusões Neste trabalho realizamos um estudo detalhado da parte quadrática da forma normal desenvolvida por Costa Filho [3] e efetuamos uma aplicação numa equação de Duffing. Verificamos que a função hamiltoniana da parte linear do sistema dinâmico correspondente fica perfeitamente normalizada. Aqui, apresentamos este resultado em detalhes. O nosso próximo passo é 10 completar o estudo, em detalhes, de toda a normalização e aplicar a forma normal à parte perturbada do sistema já obtido, além de procurar estudar as condições de estabilidade e realidade dessas equações. AGRADECIMENTO Ao Prof. Dr. Otávio de O. Costa Filho, nossos agradecimentos pela oportunidade em apresentarmos este trabalho, com o qual esperamos trazer uma contribuição para estudos dos diferentes sistemas dinâmicos ”hamiltonianizáveis”. Referências [1] BIRKHOFF, G. D, Dynamical System,Am. Math. Soc. vol. IX,N.Y.,1927, revised edition 1966. [2] COSTA FILHO, O. O., A forma normal para sistemas hamiltonianos, Tese Mestrado, UFPE, 1978 [3] COSTA FILHO, O. O.,Uma forma normal para sistemas dinâmicos hamiltonianos In: Anais do I Congresso Temático de Dinâmica Controle e Aplicações - publicado em CD - série Arquimedes. São José do Rio Preto (SP): editora da UNESP, 2002. v.I. p.211 - 234 [4] GOLDSTEIN, H, Classical mechanics, Addison, Wesley Publishing Co,1972 [5] NAYFEH, A. H., Normal forms,Willey, 1982 [6] POINCARÉ, H., Les méthodes nouvelles de la mécanique céleste, Paris, 1892 [7] SIEGEL, C. L. & MOSER, J. K.,Lectures on celestial mechanics, Springer Verlag, Berlin, 1971 [8] SIEGEL, C. L.,On the integral of canonical systems, Ann. Math., 42, 806-822, 1941 11