Transformação ou mudança organizacional? - Uma proposta de referenciais
TRANSFORMAÇÃO OU MUDANÇA ORGANIZACIONAL? - UMA PROPOSTA DE REFERENCIAIS
Cor Tir AdMil Rui Manuel Rodrigues Lopes
Enquadramento
Uma das consequências da crise financeira que se instalou no mundo ocidental, que teve o seu catalisador
mais visível com a falência em 15 de setembro de 2008, do banco de investimentos norte-americano Lehman
Brothers, foi a de fazer emergir um quadro terminológico associado habitualmente à teoria das organizações e ao
meio empresarial, mas que se instalou nos programas e objetivos que os Governos, designadamente dos países mais
atingidos pela crise, formularam e procuraram concretizar.
Foi neste âmbito, que passamos a conviver de uma forma mais insistente com expressões como as de
transformação organizacional, reforma das instituições, resposta a desafios de mudança, e racionalização de
estruturas, a título exemplificativo.
Na realidade, este fenómeno de procurar alinhar o contexto envolvente com as estratégias prosseguidas
pelos Países e pelas empresas ou instituições públicas, que não é novo, tem porém, presentemente, características
muito próprias, tal como refere o Prof. Adriano Moreira1 ao caracterizar o atual contexto político-estratégico: “Um
dos traços mais preocupantes da crescente desordem mundial está na impossibilidade de identificar os centros que
exercem o poder de governar (…) trata-se em primeiro lugar de identificar a fonte da desordem que inquieta em
vários domínios, políticos, económicos e sobretudo da paz (…)a ordem prevista nos textos em vigor está ultrapassada
em muitos aspetos essenciais, o presente tem mais dúvidas e exigências do que seguranças.”
Neste âmbito, e no caso concreto das Forças Armadas, o modelo de análise proposto pelo Comando de
Treino e Doutrina do Exército Norte-Americano, através de um documento denominado TRADOC Pamphlet 525-3-0
(The U.S. Army Capstone Concept), de Dezembro de 2012, identificou 3 questões determinantes para a definição de
uma estratégia consistente:
- How does the Army view the future operational environment?
- Given the future operational environment, what must the Army do as part of the joint force to win the Nation’s wars
and execut successfully the primary missions outlined in defense strategic guidance?
- What capabilities must the Army possess to accomplish these missions?
1
Moreira, Adriano, O imprevisto, DN de 13mai14
Escola Prática dos Serviços, Boletim nº 1 de 1 de julho de 2014
1
Transformação ou mudança organizacional? - Uma proposta de referenciais
Na abordagem que é efetuada no referido documento é interessante de verificar a caracterização do
ambiente operacional que é efetuada, ao se reconhecer que a complexidade do mesmo, embora não sendo um dado
novo, tem dimensões diferentes, associadas à maior rapidez com que os efeitos de uma operação se refletem no
contexto operacional, fruto das acrescidas capacidades das tecnologias de informação, que possibilitam a
comunicação instantânea através dos media e das redes sociais, situação potenciada, nalguns casos, pela existência
de diferenças culturais que não são facilitadoras da interação entre os militares e as comunidades. Deste modo,
constata-se a proliferação de acontecimentos que exigem análise num período cada vez menor de tempo e que
conduzem à necessidade de não só se conhecer “a localização do oponente”, mas também de conhecer a sua
intenção, impondo, assim, novos desafios à ação de comando.
No caso nacional, este processo de análise situa-se no âmbito do modelo português de planeamento
estratégico-militar, estabelecido pela Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, Lei da Defesa Nacional e das Forças
Armadas (LDNFA) e pela Lei n.º 111/912, de 29 de Agosto, Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas
(LOBOFA). Esta metodologia permite estabelecer e definir as opções estratégicas de defesa nacional e militares2.
Este processo de planeamento é materializado no denominado ciclo de planeamento de forças, para o qual
concorrem um conjunto de entidades e organismos do Estado, iniciando-se com a avaliação da situação política,
económica e financeira e terminando com a execução dos programas de forças.
Foi um pouco neste enquadramento que surgiu o documento, que procura enquadrar a atual reorganização
em curso nas Forças Armadas, designado “Defesa 2020” 3, no qual se verifica que a expressão utilizada é a de
reforma estrutural, como elemento preponderante que consubstanciará a implementação de um modelo que
deverá responder ao desafio da mudança.
Neste enquadramento e no caso vertente deste artigo, o nosso propósito é tão só o de apresentar um
conjunto de referenciais, definições e abordagens concetuais e metodológicas que nos permitem abordar, de uma
forma sistematizada, alguns conceitos no âmbito da formulação e implementação de uma estratégia organizacional,
quando confrontada com os desafios da mudança.
2
Englobam o Programa do Governo, as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (GOCEDN), o Conceito Estratégico de
Defesa Nacional (CEDN), a Diretiva Governamental de Defesa Nacional (DGDN), o Conceito Estratégico Militar (CEM), as Missões das Forças
Armadas (MIFAS), o Sistema de Forças (SF) e o Dispositivo de Forças (DF)
3
Resolução do Conselho de Ministros nº 26/2013, de 19 de Abril
Escola Prática dos Serviços, Boletim nº 1 de 1 de julho de 2014
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Transformação ou mudança organizacional? - Uma proposta de referenciais
Assim, elegemos um conjunto de referenciais sustentados em modelos analíticos com alguma estabilidade
como são o caso dos apresentados por Ansoff, Pettygrew e Kotter.
1. Um conceito de transformação organizacional
É habitual confundir-se o conceito de transformação organizacional com o de mudança organizacional.
Contudo, poucas mudanças são verdadeiramente transformacionais. Na realidade, enquanto toda a transformação é
mudança, nem toda a mudança é transformação.
Para Daszko e Sheinberg,4 transformar é criar algo completamente novo, num processo efetuado numa
sequência descontínua, que não permite sequer antever o seu resultado final e que implica obrigatoriamente uma
mudança das mentalidades ao nível organizacional.
Nesta medida, podemos afirmar que uma transformação exige que se altere a matriz cultural da
organização, atuando não só nos aspetos visíveis e tangíveis (v.g. a cor da farda, o logotipo, etc), mas igualmente nos
valores partilhados entre todos os colaboradores.
Assim, o habitualmente denominado cimento integrador de toda a organização, papel habitualmente
atribuído à cultura organizacional, terá de ser alterado por forma a permitir um bem maior: a sobrevivência da
organização num contexto que lhe estará a ser crescentemente desfavorável e que não está a permitir atingir o
desiderato fundamental de qualquer estratégia empresarial: “criar mais valor aos clientes do que o valor oferecido
pelos concorrentes.”5
Porém, neste particular, como nos aconselha John Kotter, num processo de transformação ou mesmo de
mudança organizacional as alterações de raiz cultural apenas serão passíveis de materializar numa fase adiantada do
processo.
Assim, para este autor, “cultural change comes last, not first”6. Assim, apenas depois de se terem obtido
resultados com a adoção, com sucesso, de novos métodos durante um período de tempo, que possam ser
reconhecidos pelos colaboradores e que imponham uma clara alteração dos processos de funcionamento, é que se
poderá avançar para o objetivo de se implementar um quadro de normas e valores, diferente do antecedente.
4
“Survival is optional. Only leaders with new knowledge can lead the transformation”;
http://www.mdaszko.com/theoryoftransformation_final_to_short_article_apr05.pdf
5
Cardeal, citado por Ceitil, Evolução da estratégia empresarial no mundo pós-moderno, D&F, MAR2014
6
Kotter, J., Leading Change, Harvard Business School Press, 1996, p. 155
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3
Transformação ou mudança organizacional? - Uma proposta de referenciais
Um processo de transformação tem, deste modo, uma lógica fraturante, de difícil implementação
gradualista, uma vez que existe um claro reconhecimento por parte da organização que as capacidades que possui
não garantem a sua sobrevivência, num contexto com o qual se torna evidente um profundo desalinhamento, sendo
indispensável que a liderança possua, neste caso, uma visão verdadeiramente transformacional.
Transformar uma organização, significa assim ter a coragem de iniciar uma jornada em direção ao
desconhecido, com determinação, mas também com a flexibilidade de ir aprendendo e corrigindo durante o
caminho, fruto de uma aprendizagem constante.
Para Daszko e Sheinberg,7 “The end state of transformation cannot be described because it cannot be seen.
How the organization will look in its next cycle of transformation is unknown and unknowable.”
2. O diagnóstico estratégico – Análise do contexto
Figura nº 1 – O diagnóstico estratégico – Modelo de Ansoff
Na perspetiva de Ansoff8 o reconhecimento da necessidade de realizar uma mudança organizacional de nível
estratégico, resulta da existência de um diferencial/desalinhamento entre as características do ambiente geral e do
ambiente particular9 que rodeiam uma organização (mais ou menos turbulento ou incerto - com uma plêiade de
7
“Survival is optional. Only leaders with new knowledge can lead the transformation”;
http://www.mdaszko.com/theoryoftransformation_final_to_short_article_apr05.pdf
8
Ansoff, Igor, Implanting Strategic Management, Prentice Hall, 1990
9
Contexto envolvente na fig nº 1
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4
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ameaças mas também de oportunidades) e a estratégia que vem sendo prosseguida, sustentada em capacidades
que se têm revelado insuficientes.
Quando estes fatores não estão devidamente alinhados (v.g. fig nº 1) então é o momento de encetar uma
mudança organizacional ou de suportar os riscos decorrentes desse desalinhamento com eventuais repercussões
negativas, neste caso, ao nível do desempenho da organização.
Nesta medida, percebendo-se o porquê mudar, importa de seguida formular uma estratégia organizacional
que permita responder à segunda questão decisiva nesta análise o que mudar?
Neste ponto, importa igualmente ter presente o que devemos entender por estratégia organizacional.
Escolhemos duas abordagens que convergem em conceitos em tudo semelhantes.
Para Cardeal10, uma estratégia organizacional pode ser definida como “o caminho selecionado pela empresa
para alcançar a sua visão e os seus objetivos”, enquanto que para o General G. Sullivan11 “ strategy is a set of
concepts for action (…) vision and values get you to the starting line; it takes a lot of hard work to go from there to
the finish line. The hard work is focused by strategy (…) at its essence strategy is an intelectual construct linking
where you are today with where you want to be tomorrow.”
Noutra dimensão, que importa diferenciar é o corpo concetual que emoldura o conceito de estratégia na sua
dimensão política, o qual na definição do General Cabral Couto é a “Ciência e arte de desenvolver e utilizar as forças
morais e materiais de uma unidade política ou coligação, a fim de se atingirem objetivos políticos que suscitam, ou
podem suscitar, a hostilidade de outra vontade política”.12
Assim, a aplicação e generalização do conceito de estratégia a diferentes áreas do saber, evidencia que a sua
essência é intemporal e independente dos contextos onde é aplicada, uma vez que o seu campo aplicacional é o de
procura alinhar e dar coerência à trilogia Ends – Ways and Means,
utilizando determinados processos e
metodologias de cariz analítico, para observar o contexto envolvente e daí extrair consequências para o
posicionamento atual e futuro da organização, Instituição ou Estado soberano em causa.
10
Cardeal, citado por Ceitil, Evolução da estratégia empresarial no mundo pós-moderno, D&F, MAR2014
Sullivan, Gordon, Hope is not a method, NY, Broadway Books, 1997, p. 98
12
Couto, A.C., Elementos de Estratégia, Apontamentos para um curso, IAEM, 1988
11
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3. Um referencial para estruturar a mudança
Dando sequência ao diagnóstico efetuado, relativo ao alinhamento da organização com o seu ambiente
envolvente e respondida à questão porquê mudar, deverá ter-se em seguida a perceção da amplitude e da
profundidade da mudança a realizar, a qual poderá envolver conforme apresentamos no ponto precedente uma
verdadeira transformação.
Assim, é fundamental perceber o que terá de ser mudado na organização, respondendo objetivamente à
questão: o que mudar?
O modelo analítico de Pettygrew13, reúne sinteticamente o conjunto de fatores que deverão ser analisados
aquando da formulação e implementação de um processo de mudança, enfatizando a interação contínua entre o
contexto, o processo e o conteúdo da mudança, ressaltando a importância da regulação entre os três.
A cada uma das fases estarão naturalmente associadas metodologias adequadas ao estudo dos parâmetros
em questão como é o caso, a título exemplificativo do modelo analítico SWOT14, no que à abordagem do contexto
envolvente diz respeito.
Figura nº 2 – A Estruturação da Mudança – Modelo de Pettygrew
13
14
Pettygrew, A. The awakening giant, continuity and change in ICI, citado por Faria Bilhim, Teoria Organizacional, ISCSP, 1996
S (strenghts), W (weaknesses), O (opportunities), T (threats)
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4. Os erros a evitar numa mudança organizacional
Em muitas situações identificadas por John Kotter, no livro Leading Change15, o esforço para se concretizar
uma mudança organizacional tem-se revelado um verdadeiro desapontamento, indutor de um desperdício de
recursos e de uma enorme frustração no seio dos colaboradores.
Nesta medida, o autor descreve os oito erros mais comuns com que deparou na investigação efetuada:
1º Permitir demasiada complacência, ao não se conseguir incutir na organização um sentido de urgência para a
realização de uma mudança. No seu entendimento, é indispensável criar alguma inquietude, forçando os
colaboradores a saírem da sua “zona de conforto”, forçando-os a aceitarem um esforço adicional em nome de
um objetivo de melhoria organizacional;
2º Não criar uma coligação de vontades suficientemente forte, assumindo-se que não é suficiente um
envolvimento ativo da liderança de topo, sendo indispensável contar com o apoio de colaboradores, com
posição hierárquica, prestígio e conhecimento da organização para liderar e motivar equipas em direção a
novos objetivos;
3º Subestimar o conceito de “visão”, uma vez que o mesmo permite a focalização dos esforços numa determinada
direção;
4º Não abrir canais de comunicação, que permitam que as informações sobre o processo em curso fluam em
tempo por toda a organização;
5º Permitir o aparecimento sucessivo de obstáculos “bloqueadores”, designadamente os que têm origem no
comportamento de colaboradores colocados em lugares-chave da organização, não consentâneo com os
objetivos que se pretendem atingir, sendo por vezes inevitável a confrontação e mesmo o afastamento dos
mesmos dos cargos que ocupam;
6º Não conseguir obter “pequenas vitórias”/”short wins”, nos primeiros 6 a 18 meses, que permitam o
reconhecimento por parte dos colaboradores dos méritos da mudança em curso;
7º Declarar vitória muito cedo, sem ter garantido que a totalidade dos objetivos foi devidamente alcançada;
8º Negligenciar uma ancoragem firme dos novos vetores de mudança na cultura da organização, materializada
através da clara assunção de que já existe uma forma diferente de como fazemos as coisas por aqui.
15
Kotter, J., Leading Change, Harvard Business School Press, 1996
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Conclusões
As exigências que um contexto envolvente crescentemente complexo, turbulento e incerto coloca aos
países, aos órgãos do Estado e às empresas, aproximam conceitos e metodologias, próprias do planeamento e da
ação estratégicas, sendo no entanto indispensável diferenciar e perceber também os pontos de convergência, entre
o conceito de estratégia, enquanto vetor da ciência política e o conceito que tradicionalmente se associa à teoria das
organizações, o qual se traduz na escolha de uma caminho, efetuado por uma organização, com o objetivo de
concentrar esforços para tornar real a visão que a liderança tem do futuro.
Neste enquadramento, enfatizamos a necessidade de se dominarem as práticas e os processos de
transformação ou de mudança organizacional, tendo sido sugeridos os modelos de Ansoff, Pettygrew e Kotter.
De facto, transformar ou mudar uma organização exige saberes analíticos sendo a diferença entre estes
conceitos colocada na amplitude e na profundidade com que se pretende intervir na organização.
Tradicionalmente, considera-se a ocorrência de uma mudança organizacional quando se produzem
alterações numa das dimensões da organização, quer seja na estratégia, estrutura ou nas pessoas. Já a
transformação implica mudanças que ocorrem simultaneamente nas diferentes dimensões da organização, sendo
articulada pela cultura e conduzida obrigatoriamente pelos seus líderes.
Alguns dos erros na implementação destes processos (como mudar) foram identificados por Kotter e por nós
sistematizados; importa no entanto perceber que todo este caminho se inicia com um rigoroso, esclarecido e
objetivo diagnóstico da situação; porquê mudar e o que mudar, são questões que exigem dos líderes, qualquer que
seja a área funcional da vida em sociedade, respostas claras e inequívocas.
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