Avaliar a Aprendizagem para Incluir: Possibilidade ou Utopia?
Carla Beatriz Rodrigues Silva 1
Vanessa T. Bueno Campos ²
Resumo:
A avaliação escolar é tema complexo e se avulta quando pensamos na avaliação escolar de
pessoas com deficiência. Nesse artigo objetivamos discutir e analisar como as pessoas com
deficiência têm sido avaliadas ao longo do processo histórico e como essa avaliação tem
repercussão na formação e inclusão das pessoas com deficiência na sociedade. A pesquisa
surge da necessidade de conhecer mais sobre o conceito de avaliação e inclusão. A
começarmos pela história da deficiência, o que se pretende é proporcionar ao leitor uma
reflexão sobre o conceito atualmente elaborado sobre a deficiência, e ao mesmo instante uma
reflexão das avaliações que foram se constituindo na sociedade ao longo dos tempos.
Pretende-se descobrir por meio de referências bibliográficas os caminhos que se fizeram para
que pudéssemos conhecer sobre o conceito avaliativo hoje presente em nossas escolas,
proporcionando desta forma questionamentos que se configurem em novas propostas para
uma avaliação condizente com o processo inclusivo.
Palavras Chave: Inclusão, Avaliação, Pessoas com Deficiência, Ensino Regular.
Introdução
A avaliação escolar é tema complexo e se avulta quando pensamos na avaliação
escolar de pessoas com deficiência. Nesse sentido, como avaliar a aprendizagem dos alunos
sem que essa prática se torne instrumento de exclusão e de fracasso escolar? Um dos grandes
desafios da instituição escolar, atualmente, é refletir sobre como criar ações pedagógicas
atinentes aos processos avaliativos, inserindo-os em uma perspectiva que favoreça o processo
de inclusão.
1
Graduada em Pedagogia pela Faculdade Católica de Uberlândia, MG. Especialista em Educação Especial pela
Universidade Federal de Uberlândia, MG. ² Professora Dra. Na Faculdade de Educação da Universidade Federal
de Uberlândia.
Nesse artigo objetivamos discutir e analisar como as pessoas com deficiência têm
sido avaliadas ao longo do processo histórico e como essa avaliação tem repercussão na
formação e inclusão das pessoas com deficiência na sociedade.
A pesquisa teve origem nos estudos realizados no curso de pós-graduação lato sensu
em Educação Especial pela Universidade Federal de Uberlândia. Ao estudar sobre as
deficiências, a avaliação se configurou como sendo um dos aspectos que despertou o interesse
em relação á inclusão das pessoas com deficiência no ensino regular. Como se faria a
avaliação dessas pessoas, levando em consideração as possíveis limitações que certas
deficiências apresentam, ou do mesmo modo com que se avaliam os alunos que não possuem
deficiência?
Ao contextualizar historicamente a deficiência nas sociedades pretendeu-se
apreender o seu conceito e estabelecer possíveis relações com o conceito de avaliação e
exclusão. Nesse movimento, histórico, econômico, social e cultural, buscou-se refletir sobre a
figura do deficiente na sociedade, e sobre como a avaliação pode ou não influenciar na
formação e constituição da pessoa com deficiência nas sociedades.
O caminho percorrido para a compreensão da inclusão das pessoas com deficiência e
a avaliação escolar foi por intermédio da pesquisa bibliográfica. Os principais autores que
subsidiaram a discussão sobre a inclusão foram Franco e Dias (2012), Montoan (2003),
Carvalho (2004) e os que balizaram o diálogo sobre a avaliação escolar foram Esteban (1998),
Luckesi (2006) e Patto (1996).
Espera-se por meio deste artigo, que as discussões e reflexões sobre a avaliação e
inclusão das pessoas com deficiência no ensino regular possam esclarecer sobre o conceito
avaliativo hoje presente em nossas escolas e, desta forma, proporcionar questionamentos que
se configurem em novas propostas para uma avaliação condizente com o processo inclusivo.
História da Deficiência
A deficiência, ao longo da história, vem sendo discutida e analisada pela sociedade,
propondo assim a formação de conceitos. Conceitos estes constituídos por fatores históricos,
políticos, econômicos, culturais, filosóficos, científicos e morais.
Segundo o Manual de Legislação em saúde da pessoa com deficiência (2006),
deficiência representa qualquer perda ou anormalidade da estrutura ou função psicológica,
fisiológica ou anatômica. Podendo ser entendidas como: deficiência auditiva- perda total ou
parcial da capacidade de compreender a fala através do ouvido; deficiência física- variedade
de condições não sensoriais que afetam o individuo em termos de mobilidade de coordenação
motora geral ou da fala, como decorrência de lesões neurológicas, neuromusculares e
ortopédicas ou ainda má formação congênita ou adquirida; deficiência mental- caracteriza por
registrar um funcionamento intelectual abaixo da média, oriundo de um período de
desenvolvimento e com limitações associadas a duas ou mais incapacidades do individuo em
responder adequadamente as demandas da sociedade em diversos aspectos; deficiência visualperda total ou significativa da visão que não pode ser corrigida por tratamento clinico, nem
cirúrgico; deficiência múltipla- associação no mesmo individuo de duas ou mais deficiências
primárias ( auditiva, física, mental ou visual) acarretando atrasos no desenvolvimento global e
na capacidade adaptativa
Há ainda no conceito de deficiência a relação de incapacidade e desvantagem na qual
o (Manual de Legislação, 2006) define:
Incapacidade – [...] corresponde a qualquer redução ou falta (resultante de
uma deficiência) e capacidades para exercer uma atividade de forma, ou
dentro dos limites considerados normais para o ser humano [...]
Desvantagem [...] representa um impedimento sofrido por um dado
individuo, resultante de uma deficiência ou de uma atividade considerada
normal para esse individuo, tendo em atenção, a idade, o sexo e os fatores
sócio-culturais. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, Manual de Legislação em
saúde da pessoa com deficiência, 2006)
Para compreendermos como chegamos ao conceito atualmente elaborado sobre a
deficiência é preciso nos reportar a história e entender como ele consitui-se aos poucos pela
sociedade.
De acordo com Franco e Dias (2012), na sociedade greco-romana o deficiente era
eliminado, pois comprometia o ideal de perfeição estabelecido. Na antiguidade e idade média
as pessoas com deficiência por não corresponderem ao padrão de normalidade eram tratadas
com tolerância e apoio ou com menosprezo e eliminadas do convívio social.
Os autores relatam que a situação do deficiente na história começa a se modificar
com o cristianismo, onde todos os homens passam a ser considerados filhos de Deus. Desse
modo a população começa a ter outros olhos para a deficiência, “o da piedade”, pois essa seria
uma forma de se chegar ao céu. Por outro lado, a era cristã traz também à população
indagações sobre os deficientes: seriam eles os escolhidos por Deus, ou estariam ali presentes
manifestando alguma culpa ou castigo divino vivenciado por seus pais ou familiares? A
resposta foi o castigo e as pessoas com deficiências passaram a ser asiladas e assim não
provocariam constrangimento social.
No século XVII, com a contribuição da ciência, houve uma significativa modificação
do conceito até então estabelecidos. Pesquisas e estudos sistematizados surgem na área da
saúde e a deficiência passa a ser caracterizada como doença.
A partir do século XVII, houve uma modificação na conduta das pessoas para com a
deficiência. Evidentemente que as concepções não mudaram de um dia para outros, mas os
conhecimentos científicos contribuíram para ampliar a compreensão das deficiências. Os
dogmas medievais começaram a ser questionados e os estudos sistematizados na área da
saúde passam a explicar a deficiência como um déficit, ou seja, uma incapacidade ou
limitação do individuo. Apesar de já haver atendimentos para com os deficientes, esse século
se tornou um marco na história, pois os esclarecimentos e estudos para com a deficiência
propuseram uma revisão dos preceitos, normas, crenças e práticas sociais oriundas do
cristianismo. Evidentemente que as concepções não mudaram de um dia para outros, mas os
conhecimentos científicos contribuíram para ampliar a compreensão das deficiências.
De acordo com Mazzota (2011) a partir do século XVIII surgem movimentos no
cenário mundial, experiências educacionais: como obras impressas sobre a educação de
deficientes e até mesmo a primeira escola para deficientes subsidiada pelo estado em 1837, a
Ohio School for the Blind, em Nova York. Até então as pessoas com deficiência eram
segregadas em instituições nas quais não se podia comprovar se estas obtinham ou não
possibilidades educacionais.
A educação das pessoas com deficiência no Brasil só ocorreu partir do século XIX,
inspirada em experiências concretizadas na Europa, Estados Unidos e América do Norte.
Dentre estas experiências podemos citar: a primeira obra impressa sobre a educação
de deficientes com autoria de Jean-Paul Bonet, publicada na França; primeira instituição
especializada para a educação de surdos fundada pelo abade Carles M. Eppée em 1770 em
Paris, onde por meio de realizações práticas pelo inglês Thomas Braidwood (1715-1806 e
pelo alemão Samule Heinecke (1729-1790), Heinecke inventou o método oral, atualmente
denominado de “leitura labial”; o Institute Nationale dês Jeunes Aveugles (Instituto Nacional
dos Jovens Cegos) em 1784, fundado em Paris por Valentin Hauy, onde se contou com a
presença de Charles Barbier, oficial do exército que traria uma sugestão aos professores e
alunos um código de escrita idealizado por transmissão de mensagens no campo de batalha-,
que originou a célula Braile, criada por Louis Braile, sistema de escrita e leitura até hoje
utilizado.
Outro aspecto importante a se destacar ocorreu em 1837, em Nova York com a
fundação da primeira escola para cegos inteiramente subsidiada pelo estado: Ohio School for
the Blind. Este fato foi significativo, pois despertou a sociedade para a obrigação do Estado
para a educação das pessoas com deficiência.
Nos séculos XIX e XX há indícios de propostas de redução da segregação das
pessoas com deficiência em asilos e instituições e a ênfase para que estas pudessem ter acesso
a uma escola especial ou até classe especiais em escolas regulares. (FRANCO & DIAS, 2012)
O final do século XIX e inicio do século XX foi marcado por ser um período no qual
se propunha a redução da segregação das pessoas deficientes e a ênfase nos movimentos de
inserção das pessoas com deficiência em escolas especiais comunitárias ou até mesmo em
classes especiais nas escolas regulares.
De acordo com Mazzota (2011), de 1850 a 1920 nos Estados Unidos houve um
crescimento das escolas residenciais que se inspiraram nos modelos Europeus, entretanto
estas instituições passaram a ser vistas como instituições para tutela de adultos e crianças que
uma vez que estas não obtinham possibilidades de iniciativas educacionais. Sendo assim
começou-se a desenvolver os programas de externato: em 1896 foi criada a primeira classe
para deficientes mentais em Previdence, em 1900 em Chicago, a primeira classe para cegos e
a primeira classe para cegos e crianças com deficiência motora, e em 1913 a primeira classe
de “amblíopes”.
Nos Estados Unidos, 1940, pais de crianças com deficiências mentais se organizaram
e lutaram pela defesa dos direitos das crianças com deficiências. Fato ocorrido devido a
críticas que se fizeram às formas educacionais com que tais instituições, internas e externas se
apresentavam. É necessário lembrarmos que a crianças com deficiências mentais severas que
eram consideradas “treináveis” eram totalmente excluídas das escolas públicas, desta forma
os pais se reuniram para criar a NARC (National Association for Retarded Chilrem). Esta
associação exerceu grande influência em vários países e inspirou a criação da APAE
(Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) no Brasil.
No Brasil, a Educação Especial teve inicio somente no final dos anos de 1950 e
inicio de 1960 do século XX. O período de 1854 a 1956 representa iniciativas oficiais e
particulares isoladas e no período compreendido de 1957 a 1993, as iniciativas passaram ao
âmbito nacional. (MAZZOTA, 2011)
Em uma retrospectiva histórica observa-se que a educação especial no Brasil teve
suas peculiaridades; o período de exclusão social, por exemplo, em nosso país se estendeu até
o inicio da década de 50, por isso se justifica a pouca oferta de atendimentos educacionais
para as pessoas com deficiência.
A partir da década de 20, apesar de movimentos importantes acontecerem no cenário
mundial – proclamação da República, fim da primeira Guerra Mundial e o movimento
Escolanovista – o Brasil ainda concebia que a educação das pessoas com deficiência não faria
nenhuma diferença na ordem econômica do país, por isso a educação dessas pessoas não era
considerada como prioridade ou como algo que despertasse o interesse dos governantes.
Apesar da concretização do movimento escolanovista no Brasil, em 1920, no qual se
promulgava o princípio de uma “educação para todos”, havia em todo território nacional
brasileiro, apenas 22 instituições de educação especial, e as crianças com deficiência que não
se enquadravam ao modelo escolar vigente concebido pela nova escola eram segregadas.
(DECHICHI apud JANNUZZI, 1992).
Os aspectos que contribuíram para que houvesse a Educação especial em nosso país
podemos apontar: (i) o liberalismo que propunha a implantação de reformas educacionais; (ii)
a criação do Imperial Instituto dos meninos cegos (Instituto Benjamim Constant em 1854 e do
Instituto dos Surdos-Mudos ( INES-Instituto Nacional da Educação de Surdos) em 1857; (iii)
as iniciativas isoladas particulares de projetos elaborados para a área da educação especial
que aconteceu sob influência das iniciativas educacionais que surgiram nos países Europeus e
da América do Norte. (DECHICHI apud JANNUZZI, 1992)
No entanto, a expansão do atendimento educacional destinado às pessoas com
deficiência, só ocorreu a partir de 1957 com a assistência técnica e financeira do MEC às
instituições especializadas e com a criação de campanhas nacionais para a educação das
pessoas com deficiências. (MAZZOTTA, 2011)
Da Integração á Inclusão.
No século XIX surge um movimento conhecido como integração social, que se
propunha ensinar as pessoas com deficiência e alunos sem deficiência na escola pública.
Segundo Franco e Dias (2012) essa proposta ocorreu devido a três fatores: (i) as duas guerras
mundiais, onde se deveria inserir novamente os soldados na sociedade, (ii) ao avanço
científico e (iii) o fortalecimento legal dos direitos humanos.
No século XX, nas décadas de 60 e 70 surgem leis e programas de atendimento
educacional, favorecendo a integração da pessoa com deficiência na escola e no mercado de
trabalho. Na década de 80 a ONU (Organização das Nações Unidas) declara como sendo o
ano internacional das pessoas com deficiência. Surgem documentos tais como: Declaração
Mundial de Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994), documentos
estes que objetivavam proteger e assegurar os direitos das pessoas com deficiência.
No Brasil, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e após a
reforma da Constituição Federal Brasileira (1988), surge em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases
Educacionais a LDB n º 9.394/96, a qual estabelece que a escolarização das pessoas com
deficiência devera acontecer preferencialmente no ensino regular, garantindo assim a exclusão
de qualquer forma de preconceito ou discriminação.
Entendemos que o movimento de integração ocorreu até a década de 80, com a luta
pela inserção dos deficientes na sociedade, e a partir da década de 90 por meio de leis e
declarações surge a ideai da inclusão das pessoas com deficiência. Segundo Sassaki (1997), a
inclusão social se define como:
[...] processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus
sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e,
simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papeis na sociedade.
A inclusão social constitui, então, um processo bilateral, no qual as pessoas
ainda excluídas, e a sociedade buscam em parceria, equacionar problemas,
decidir sobre soluções e efetivar equiparação de oportunidade para todos.
(SASSAKI, 1997, p.7)
Nesse sentido, na proposta de integração escolar, os alunos devem ter garantido o
acesso à escola, o direito e ir e vir no que se refere, principalmente, a adaptação do sistema
educacional e dos estudantes ao espaço físico; a proposta de inclusão, por sua vez, reivindica
o direito dos alunos a participarem efetivamente da formação escolar e respeitados em suas
especificidades físicas, psíquicas, emocionais.
Mantoan (2003) considera que o processo de integração oferece ao aluno a
oportunidade de transitar no sistema escolar, da classe regular ao ensino especial em todos os
tipos de atendimento: escolas especiais, classes especiais em escolas comuns, ensino
itinerante, salas de recursos e outros, podendo ser entendido deste modo como o especial na
educação. Quanto à inclusão escolar a autora (2003) analisa que:
[...] questiona não somente as políticas e a organização da educação especial
e da regular, mas também o próprio conceito de integração. Ela é
incompatível com a integração, pois prevê a inserção escolar de forma
radical, completa e sistemática. Todos os alunos, sem exceção, devem
freqüentar as salas de aula do ensino regular. (MANTOAN, 2003. p. 24)
Desse modo, a integração difere da inclusão por ser a inclusão o processo pelo qual a
escola se adapta para receber os alunos, onde o sistema educacional vise atender as
especificidades de cada aluno, com ou sem deficiência. Enquanto que a integração refere-se à
simples inserção do aluno com deficiência no ensino comum, fazendo com que deste modo o
próprio aluno procure formas para se adaptar ao sistema educacional vigente.
Para Carvalho (2006), os processos integrativos fazem com que as pessoas com
deficiência se sintam participantes e aceitas no grupo, ao invés de serem mais um(a) no grupo.
Nesse sentido, devemos considerar que a integração é uma etapa importante para a educação,
por isso não deve ser desmerecida, todavia esta por si só não resolve a questão do deficiente
na sociedade, uma vez que, apesar de integrados, eles não participam ativamente como
cidadãos, exigindo que seus direitos e deveres sejam respeitados.
Os artigos 205 e 208, inciso I da Constituição Federal de 1988, preconizam que o
acesso à educação, em qualquer nível, é um direito humano inquestionável. Assim, todas as
pessoas, inclusive as pessoas com deficiência têm o direito à educação escolar em qualquer
um de seus níveis. Mas, é importante destacar que o Ensino Fundamental é a única etapa
considerada obrigatória pela Constituição Federal e, por isso, não pode ser jamais substituído.
Desta forma ao se falar em educação é impossível não se pensar no direito das
pessoas com deficiência de frequentarem o ensino regular, de usufruírem de uma educação
inclusiva que vise fazer com que as práticas pedagógicas acolham a diversidade nas
instituições de ensino.
Na perspectiva de uma educação que possibilite o acesso e a permanência de todos
na escola, a revisão dos conceitos que embasam as práticas avaliativas e os interesses que
estão envolvidos, quando se pensa e se pratica a avaliação, pode ser uma das alternativas para
afrouxar os nós que prendem a escola em uma prática cotidiana mais preocupada com a
disciplina e com o controle dos alunos, do que com uma prática pautada no diálogo e na
interação entre os sujeitos que constituem o espaço escolar.
Avaliação e Inclusão.
Ao refletirmos sobre os caminhos percorridos para se chegar ao conceito de
deficiência, identificamos que os longos períodos de exclusão e a não aceitação das diferenças
que condicionaram o conceito de deficiência está intimamente relacionado ao conceito de
avaliação.
O vocábulo “avaliar” origina-se do latim “valere”, que significa: ser forte, ter valor.
No senso comum, “avaliar” é empregado no sentido de atribuir valor a um objeto. Assim, a
avaliação permite diversos significados, tais, como: verificar, calcular, medir, apreciar,
classificar, diagnosticar, entre outros. Avaliar, segundo Luckesi (2006), significa: determinar
a valia ou o valor de; apreciar ou estimar o merecimento de: avaliar um caráter; avaliar um
esforço; etc. Com esta significação, a avaliação se encerra com a determinação de um juízo de
valor sobre a realidade.
A avaliação tem sido concebida historicamente como uma forma de controle que,
através da seleção, incluía poucos e excluía muitos. A avaliação é algo que se processa no
espaço social e por isso mesmo é histórica, é cultural e está implicada em relações de poder.
Desse modo, a avaliação traduz visões sociais particulares e interessadas, ao mesmo tempo
em que contribui para a produção de identidades individuais e sociais. As práticas avaliativas
vinculam-se a formas específicas e contingentes de organização tanto da educação como da
própria sociedade.
As pessoas com deficiência vêm sendo avaliadas desde a antiguidade até a
contemporaneidade e essas avaliações se traduzem, em geral, em menosprezo, preconceito,
segregação, discriminação. Afastar estigmas ou atitudes que reafirmam um olhar
discriminatório às pessoas que fogem do padrão, historicamente construído como adequado
ou inadequado, é um grande desafio, talvez, o maior de todos. É possível, pois, afirmar que a
avaliação não é algo que se explique ou se justifique em si mesma. Imprescindível que
reconheçamos, nas propostas e ações avaliativas, privilégio ou marginalização daqueles sobre
os quais tais propostas e ações vão recair e a contribuição disso na exclusão educacional. A
avaliação é uma criação sociocultural, e por isso não é um elemento que traga, em sua prática
e produção, ingenuidade e neutralidade. Não há neutralidade e imparcialidade no ato de
selecionar, medir, atribuir conceito ou nota, classificar, eliminar.
Ao longo da história do processo de escolarização muitas práticas pedagógicas
reafirmaram e reafirmam algumas dessas significações concernentes à avaliação sendo que
quase todas estão intimamente relacionadas às ideias de julgamento.
A cultura do sucesso e ou fracasso têm sido concebida historicamente como um
problema individual do aluno frente às exigências escolares. As poucas tentativas de escapar
deste julgamento atribuem, em geral, o êxito ou fracasso as condições anteriores e externas à
escola, como as desigualdades e perversidades sociais, econômicas e culturais e à lógica da
“exclusão”, que parecem segundo considerações de Carvalho (1997, p. 21), dominar nossas
instituições sociais. Evidentemente, estes fatores interferem consideravelmente no processo,
porém desconsiderar que as práticas escolares não influem, determinam e contribuem para
que este quadro permaneça inalterado é um pressuposto no mínimo ingênuo e equivocado.
Estudo realizado por Patto (1996) recuperou, na década de 80, no século passado, a
trajetória histórica do fracasso escolar. A incompetência do aluno em aprender é justificada,
segundo a autora, ao longo da história, por deficiências genéticas, cognitivas, psicológicas,
culturais, socioeconômicas. Para essa autora, as explicações do fracasso baseadas na teoria
dos déficits e da diferença cultural precisam ser revistas.
Ao longo da história do processo de escolarização muitas práticas pedagógicas
reafirmaram e reafirmam algumas dessas significações concernentes à avaliação sendo que
quase todas estão intimamente relacionadas às ideias de julgamento.
Na perspectiva pedagógica inclusiva, esta acepção não é suficiente, pois, segundo
Luckesi (2006), a avaliação do aproveitamento escolar precisa ser praticada como uma
atribuição de qualidade dos resultados da aprendizagem dos alunos e percebida como um ato
dinâmico, que precisa ter como objetivo final uma tomada de decisão que vise a direcionar o
aprendizado para o pleno desenvolvimento do educando. Essa visão é ampliada, quando se
considera que "avaliar é ser capaz de acompanhar o processo de construção de conhecimento
do educando, para ajudar a superar obstáculo".
Enquanto a inclusão prevê a diversidade, o acolhimento e a somatória das diferenças
para um modelo democrático, as escolas continuam a utilizar práticas do século XVII, onde se
previa uma educação para todos, que por sua vez não acolhe a diferença, pois se estabelece
regras e tempos para a aprendizagem. Para Luckesi (2006), uma das questões para se pensar
em um modelo democrático de avaliação seria fazer do erro uma constante aprendizagem e
não um fim em si mesmo.
Nas instituições escolares a sala de aula é caracterizada e constituída enquanto
espaço heterogêneo se estabelecendo deste modo um principio inclusivo, pois visa a inserção
de pessoas diferentes em um mesmo local, onde se deve respeitar as diferenças, e aprender a
partir delas. No entanto ao se falar sobre a inclusão das pessoas com deficiência no ensino
regular dois questionamentos surgem sobre as práticas avaliativas em nossas escolas. Como
avaliar para a formação do cidadão sem excluir aqueles que hoje são considerados por muitos
como os “diferentes” em nossas escolas? E como avaliar o aluno em suas especificidades, se a
avaliação escolar acontece de forma homogênea e é concebida em um espaço heterogêneo?
A proposta de educação para todos não vem ocorrendo de forma linear, mas deve ser
compreendido enquanto um processo de construção de uma escola que permite que haja a
possibilidade de encontros, desencontros, diálogos, resistências, avanços, retrocessos, na
tentativa de considerar a diversidade humana tornando-a elemento enriquecedor na
constituição de cada sujeito. Diante da heterogeneidade que caracteriza a sala de aula, uma
das dificuldades encontradas é a de organizar e possibilitar uma prática pedagógica em que o
professor consiga avaliar o aluno tendo-o como parâmetro de si mesmo. Esta tem sido a
perspectiva orientadora referente aos processos de avaliação da aprendizagem em
consonância com as propostas pedagógicas que visam à inclusão.
Ao estabelecermos relação entre avaliação e inclusão, identificamos a possibilidade
de romper com a visão simplificadora do ato pedagógico e reconhecer o outro como um
indivíduo imerso em uma diversidade que está imbricada nas diferentes culturas que nos
constituem e das quais somos partes construtoras. A diversidade é condição humana, é natural
a todas as espécies, é condição sine qua non para que possamos nos desenvolver, nos
aprimorar e nos modificar constantemente. Nesse sentido, é importante olharmos para os
sujeitos relacionando-os com o ambiente sociocultural do qual participam.
Acreditamos que a inclusão é o meio pelo qual a prática educativa deve se apoiar
para que se possam modificar as práticas avaliativas que não levem em consideração o
desenvolvimento integral dos alunos, deste modo para que se alcance uma avaliação
condizente com o processo de inclusão, é necessário que haja modificações em dois aspectos
educacionais: a forma com que se ensina aos alunos e a forma com que avaliam os
conhecimentos adquiridos pelos alunos.
Segundo Carvalho (2006) o ensino inclusivo deve ser democrático e visar o pleno
desenvolvimento do educando para promover as suas habilidades. Para a autora os ideários
educacionais podem ser resumidos em:
[...] O direito à educação, escolas responsivas e de boa qualidade, o direito
de aprendizagem e o direito à participação, o direito à igualdade de
oportunidades, o que não significa um “modo igual” de educar a todos e sim
dar a cada um o que necessita em função de suas características e
necessidades individuais.(CARVALHO, 2006, p.79- 80).
Luckesi (1998) propõe uma nova perspectiva sobre a avaliação: olhar o erro como
uma fonte de virtude. Segundo o autor os educadores devem observar antes de julgar, pois o
erro se constitui a partir de um julgamento, de um preconceito, e estes não permite enxergar o
fato como ele realmente é. Por isso, para que possamos ter uma prática avaliativa que objetive
incluir ao invés de excluir os alunos, precisamos fazer do erro uma constante aprendizagem e
não um fim em si mesmo, onde o que se obtém é apenas uma forma de se classificar os
conhecimentos para a aprovação ou não de determinado aluno.
Entretanto, para que haja a inclusão e a garantia de uma avaliação dos conhecimentos
adquiridos pelas pessoas com deficiência, à avaliação cabe também a tarefa de ultrapassar os
limites da técnica que prevê o exame, incorporando a esta uma dimensão ética. De acordo
com Esteban (1993), estamos vivenciando um momento que propõe mudanças no cotidiano
escolar, dentre elas as alternativas se oscilam em: uma avaliação quantitativa, onde se verifica
a qualidade da educação, por meio de quantificação do desempenho cognitivo e habilidades
adquiridas. Forma pela qual a avaliação se revela como um mecanismo de controle,
condizente com o apoio de provas governamentais como SAEB (Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica), provões e outros; e o modelo hibrido de avaliação, proposta
que afirma uma ruptura com a avaliação quantitativa que considera os alunos como sujeitos
históricos e sociais, acreditando que o tempo e o ritmo de cada um devam ser respeitados.
Este último modelo avaliativo, o modelo hibrido vem sendo questionado por Esteban
(1993), por ser um modelo que oscila entre um mecanismo de controle da avaliação, que visa
o lugar do aluno na hierarquia social, e ao mesmo passo romper com a segregação e o sistema
de controle que a avaliação dispõe.
O modelo atualmente vivenciado pelo estado de Minas Gerais, a proposta dos Ciclos
de Formação, passa por esse paradigma uma vez que têm como finalidade fazer com que a
avaliação assuma um caráter processual e investigativo onde as informações advindas dessa
prática sejam instrumentos para melhor intervir no processo de ensino aprendizagem, mas que
em outra perspectiva também se apresenta como sendo o modelo pelo qual se utiliza de
práticas avaliativas classificatórias para identificar os níveis de conhecimento e habilidades
que cada aluno possui.
O desafio a ser enfrentado ao buscar pontos de interlocução entre
avaliação da aprendizagem e inclusão escolar é o de encontrar uma maneira de
utilizar os processos avaliativos como potencializadores das aprendizagens,
como uma ferramenta pedagógica capaz de auxiliar na (re)construção de
conhecimentos, escutar as vozes historicamente silenciadas e fazer emergir as
potencialidades de cada sujeito.
Desta forma, faz-se necessário que os sistemas de
ensino proporcionem aos alunos uma avaliação democrática. Esteban (1993) conceitua como
sendo uma avaliação democrática imersa numa pedagogia da inclusão, prática ainda não
estabelecida, aquela que visa fazer da avaliação, uma tarefa que englobe a construção de uma
pedagogia multicultural, onde se possa substituir a homogeneidade presente em nossas
escolas pela heterogeneidade.
Considerações finais
As reflexões apresentadas ao longo desse artigo objetivaram relacionar a deficiência
à avaliação social e escolar.
Depreendemos que a avaliação deste a antiguidade tem
importante papel classificatório e meritocrático na definição dos papeis sociais e nas relações
de poder.
Através da ação de “dar valor”, a sociedade encontrou formas de justificar,
estigmatizar, segregar, discriminar, excluir e definir o valor de cada um segundo as normas
estabelecidas como “verdades”. Dessas verdades provisórias surge o preconceito.
Afastar estigmas ou atitudes que reafirmam um olhar discriminatório às pessoas que
fogem do padrão, historicamente construído como adequado ou inadequado, é um desafio,
talvez, o maior de todos, mas que devemos enfrentar para alcançarmos a inclusão.
Atualmente muito se discute sobre as possíveis formas de se incluir as pessoas com
deficiência na sociedade, e por meio dessas discussões as pessoas vêem adquirindo um novo
olhar para com a deficiência. Surgiram dessa forma leis que objetivavam resguardar os
direitos e deveres das pessoas com deficiência contribuindo assim para melhorias nos
processos de ensino-aprendizagem de uma pessoa com deficiência.
No entanto, é preciso lembrar que alguns conhecimentos ainda são intitulados como
sendo os únicos possíveis para se alcançar os resultados esperados e deste modo o exame se
classifica como sendo um destes conceitos para a avaliação na escola.
Muitos sãos os fatores que contribuem para que a avaliação seja um projeto utópico:
falta de profissionais qualificados, recursos educacionais adequados, equipe multidisciplinar,
há também de se mencionar que acolher a diversidade e fazer da escola um ambiente
inclusivo. Sem duvida é tarefa árdua e necessita de conscientização e participação de pais,
professores, gestores e todos os que englobam o sistema educativo.
No entanto, falar de avaliação e inclusão nos possibilita romper com a visão
simplificadora em que o ato pedagógico esta inserido, nos possibilita reconhecer o outro como
um individuo imerso em uma diversidade que está imbricada nas diferentes culturas que nos
constituem e das quais somos partes construtoras. Ao se falar em uma avaliação para a
inclusão o grande desafio ao se buscar pontos de interlocução entre avaliar e incluir é o de
encontrar uma maneira de utilizar os processos avaliativos como potencializadores das
aprendizagens, como uma ferramenta pedagógica capaz de auxiliar na (re)construção de
conhecimentos, escutar as vozes historicamente silenciadas e fazer emergir as potencialidades
de cada sujeito.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 Lex: Leis de Diretrizes e Bases da
educação Brasileira (LDB), Brasília, 1996.
BRASIL.
Ministério
Departamento
de
da
Saúde.
Ações
Secretaria
Programáticas
de
Atenção
Estratégicas.
à
Saúde.
Manual
de
legislação em saúde da pessoa com deficiência – 2. ed. rev. atual.–
Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2006.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF,
Senado, 1998.
CARVALHO, Edler Rosita. Educação Inclusiva: com os pingos nos “is”. Porto Alegre:
Mediação, 2004.
CHRISTOFARI, Ana Carolina, Avaliação e Inclusão Escolar: Desafios, Conflitos e
Possibilidades. Programa de Pós graduação em Educação da Universidade Federal do Rio
Grande
do
Sul.
Disponível
emhttp://peadinclusao.pbworks.com/f/Avalia
%C3%A7%C3%A3o+Escolar+Conflitos+e+possibilidades.pdf. Acesso em 06/08/2012.
DECHICHI, Cláudia. Centro de Ensino, Pesquisa, Extensão e Atendimento em Educação
Especial. Unidade II, Princípios e Fundamentos da Educação Especial: Alguns Aspectos
Históricos no atendimento a pessoa com deficiência- cáp I, 2011. Disponível em :
http://xa.yimg.com/kq/groups/24335687/1533699689/name/Princ
%C3%ADpios+e+Fundamentos+da+educa%C3%A7%C3%A3o+especial.pdf.
Acesso
em
20/09/2012.
ESTEBAN, Maria Tresa (org.). Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. Rio de
Janeiro: DP & A, 1999.
FRANCO, R. J & DIAS, S. R. T, A Pessoa Cega no Processo Histórico: Um breve percurso.
Disponível em: http://www.asdef.com.br/innova/assets/artigos/historia009.pdf. Acesso em
02/07/2012.
LUCKESI, C. C. Avaliação da Aprendizagem Escolar: estudos e proposições. São Paulo:
Cortez, 2006.
LUCKESI, C. C. Verificação ou Avaliação: O que pratica a escola? Disponível em:
http://www.crmariocovas.sp.gov.br/int_a.php?t=009. Acesso em 01/05/2012.
__Prática Escolar: do erro como fonte de castigo ao erro como fonte de virtude. Disponível
em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/int_a.php?t=023. Acesso em 01/05/2012.
MANTOAN, Maria Teresa Égler. Inclusão Escolar O que é? Por quê? Como fazer? São
Paulo: Moderna, 2003.
MAZZOTTA, Marcos J. S. Educação Especial no Brasil: história e políticas públicas. 6 ed.
São Paulo: Cortez, 2011.
PATTO, M.H.S. A Produção do Fracasso Escolar. São Paulo: T.A. Queiroz, 1996.
SASSAKI, K. R. Inclusão: Construindo uma Sociedade para Todos. Rio de Janeiro: WVA,
1997.
Download

Uma avaliação para a Inclusão: Possibilidade ou Utopia