ANAIS
A FIRMA: UMA VISÃO ALÉM DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO
ALISSON MAEHLER ( [email protected] , [email protected] )
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
PAULO CASSANEGO JR ( [email protected] , [email protected] )
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA
Resumo
O objetivo do ensaio é entender como o conhecimento organizacional pode se
transformar em uma vantagem superior para o desenvolvimento da firma. A partir da análise
de vários autores e abordagens organizacionais, pode-se encontrar aqueles que propiciam uma
maior contribuição para as discussões teóricas. Nesse sentido, a Teoria da Firma e a Visão da
Firma Baseada em Recursosi (RBV) propiciaram um melhor entendimento sobre a
contribuição
do
conhecimento
para
tais
organizações.
Palavras - chave: Conhecimento Organizacional, Teoria da Firma, Visão Baseada em
Recursos
1.
Introdução
A Teoria da Firma propicia um entendimento sobre a origem e o funcionamento deste
tipo de organização. Contudo, sua constituição sob a ótica da Teoria dos Custos de Transação
(TCT), vem se mostrando limitada por alguns autores nos últimos anos, por não dar atenção
maior às novas competências organizacionais requeridas pelas mesmas, entre elas, o
conhecimento. Uma abordagem que vem sendo utilizada para complementar a lacuna da
Teoria da Firma em relação à estas novas competências é a Visão Baseada em Recursos, ou
RBV. A mesma é um conceito importante em termos de se ver as firmas mais do que como
estruturas de governança, mas como um conjunto de recursos.
Ao se analisar a questão do conhecimento, de modo a ver o mesmo como uma
capacidade organizacional, a limitação fica clara ao se analisar a TCT, que é parte importante
da Teoria da Firma. Segundo a mesma, a firma se forma porque os custos de se operar no
mercado são maiores do que dentro de uma estrutura hierárquica (a firma). Ou seja, o foco
passa a ser a questão econômica. Mas e outras habilidades e capacidades que a firma possui?
São excluídas desse processo? A firma se forma apenas por questões de custos? E como
explicar a necessidade de novas competências, especialmente às específicas a cada
organizações, que levam a um desempenho superior entre firmas, apenas considerando o
aspecto econômico?
Boisier (2005), em trabalho sobre a globalização e o desenvolvimento local, observa
que o conhecimento é o eixo central da globalização e da fase “tecnotiva” do capitalismo e de
uma continuada criação de uma “sociedade do conhecimento”. As firmas, ao atuarem nessa
nova sociedade, passam cada vez mais a perceber no conhecimento organizacional (quer este
esteja armazenado nos indivíduos, nos processos ou fora da organização) como uma grande
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fonte de vantagem competitiva. Cada vez mais, a gestão do conhecimento passa a exercer
grande papel no desenvolvimento e crescimento das firmas.
Com isso, o argumento deste ensaio é de que a Teoria da Firma, sob a ótica dos Custos
de Transação, é limitada em considerar as capacidades (ou “capabilidades”, na visão de
alguns teóricos) organizacionais. A Visão da Firma Baseada em Recursos poderia ser vista
como um complemento a esta visão, ao considerar especialmente o conhecimento
organizacional como um recurso capaz de levar a firma a um desempenho superior. A relação
entre RBV e conhecimento é bastante recente, e tal interligação ainda necessita de maiores
entendimentos, até mesmo porque a Gestão do Conhecimento propriamente dita, tem se
desenvolvido e se caracterizado como um campo de estudo de forma mais consistente apenas
nos últimos anos (BASKERWILLE e DULIPOVICI, 2006).
O ensaio está organizado da seguinte forma: na primeira parte são apresentadas a
Teoria da Firma e a Teoria dos Custos de Transação na constituição da firma; em seguida, são
apresentadas as limitações de tais abordagens; após, é apresentada a idéia de “capabilidade
organizacionalii” de Madhok (1996) e a consideração do conhecimento como capacidade
organizacional; em seguida, apresenta-se a RBV e sua ligação com o conhecimento. Por fim,
são traçadas as considerações finais.
2. A Firma e a Teoria dos Custos de Transação
As questões envolvendo o motivo da existência de empresas (ou firmas, na linguagem
econômica) há algum tempo intrigavam os economistas. Coube a Coase (1937), contribuir
para o melhor entendimento dessa organização. Até então, segundo Swedberg (2003), poucos
estudos foram focados em entender melhor a existência da firma, sendo que apenas após 1970
é que houve maior quantidade de trabalhos sobre o tema.
A idéia de firma não era claramente entendida até o trabalho de Coase (1937), sendo
que o mesmo é um dos autores mais citados quando se aborda a formação da firma. Além
dele, outros autores se preocuparam com o estudo da teoria e um dos mais importantes, como
ressalta Swedberg (2003), foi Oliver E. Williamson. Em seu trabalho Economics and
organization: a primer (1996) Williamson retoma os estudos de Coase, porém indo além,
incluindo o termo “Custos de Transação”, que embora abordado pelo referido autor, não havia
sido denominado (SWEDBERG, 2003).
Coase (1937) indaga em seu seminal artigo, o motivo da existência das firmas (ou por
que se organiza uma firma) se há o mercado, ou, visto de outra forma, por que a firma emerge
em uma economia especializada em troca. Simplesmente poderia ser usado o mercado, as
trocas diretas entre os agentes. No entanto, há a firma, cuja explicação para existência não
estava clara. O autor aponta uma razão: a firma emerge porque os custos dos mecanismos de
preço (ou de se operar no mercado) são maiores do que na firma. Os custos de usar o mercado
envolvem custos de aquisição de informação, negociação, de redação de um contrato, de má
adaptação e de ajustes se um contrato falha, erros, omissões entre outros. Ele não chamou
estes custos de Custos de Transação, mas a idéia era ressaltada. A denominação foi dada por
Williamson (SWEDBERG, 2003).
Os Custos de Transação podem ser reduzidos ou eliminados pela organização da
firma. Como observa Swedberg (2003), se Coase inventou a idéia dos Custos de Transação,
Williamson a popularizou e a tornou conhecida na economia e nas disciplinas correlatas.
Assim, há a idéia de Coase de que os mercados e firmas constituem métodos alternativos de
coordenação e produção, ou como chama Williamson (1996), diferentes “estruturas de
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governança”. Ainda o mesmo autor, citado por Barney e Hesterley (2004) afirma que a
hierarquia (utilizada pela firma) surge para resolver os problemas de governança do mercado
com investimentos específicos sob condições de incerteza.
O agente responsável pela coordenação-gestão dos diferentes recursos internos de uma
firma passa a ser o empreendedor-coordenador, papel esse que não necessariamente seria
realizado pelo mercado (ZAWISLAK, 2004). Segundo Coase (1937) a partir do momento em
que a organização é formada e certa autoridade é permitida, o empreendedor direcionará os
recursos e economizará certos custos do mercado. Dessa forma, ele precisa ser mais eficiente
que o mercado, agindo com custos menores. Como observa Swedberg (2003), se há um custo
para o mercado e este excede o custo de usar a firma, a mesma é em princípio criada. Com a
firma, o empreendedor pode ser mais eficiente que o mercado.
Na definição de Coase (1937), a firma consiste em um sistema de relações que toma
forma quando a direção dos recursos é dependente do empreendedor. Quanto mais transações
são internalizadas, mais a firma cresce. Dessa maneira, é necessário que alguém coordene o
processo de transações e operações da firma, lide com os riscos e a incerteza e tome as
decisões entre comprar ou fabricar. Por outro lado, a limitação do tamanho da firma se deve,
entre outros fatores, ao aumento dos custos de coordenação das atividades, que passa a ser
crescente na medida em que a firma se expande (COASE, 1937).
Assim, o empreendedor ocupa papel essencial na organização da firma. É ele o
elemento que age em um contexto de incerteza, direciona uma equipe e procura alcançar uma
eficiência superior ao que seria obtida utilizando os mecanismos de mercado. Tanto que
Coase (1937) aborda várias vezes em seu trabalho o papel do empreendedor enquanto
mobilizador e centralizador de recursos. No entanto, Coase não se preocupa em aprofundar a
questão do empreendedor, muito menos do empreendedorismo.
Como mencionado anteriormente, a Teoria da Firma, por meio da Teoria dos Custos
de Transação, como colocam Barney e Hesterly (2004), focou nos casos extremos de
mercados e hierarquias para organizar as atividades econômicas. Contudo, outras formas
alternativas ao mercado, além das hierarquias, vem sendo reconhecidas. A TCT designou,
segundo os autores, tais formas intermediárias como sendo “híbridas”, pois são estruturas de
governança que não são nem hierárquicas e nem de mercado. São exemplos de tais formas
híbridas de governança as joint ventures, as franquias, as redes de empresas e as alianças. Há,
dessa forma, um extendimento da questão sobre a existência das firmas para a existência das
formas híbridas.
3. Limitações da Teoria dos Custos de Transação
A Teoria da Firma, formulada inicialmente por Coase (1931), foi prodigiosa em
analisar, como já mencionado, o porquê da existência das firmas e como elas se configuram
em um modelo de hierarquia. A firma existe, pois os custos de operar no mercado são maiores
do que numa estrutura hierárquica. Nesse sentido, os Custos de Transação, conceito
formulado por Williamson (1996), cumprem um importante papel, uma vez que sua análise é
chave para que o empreendedor possa tomar a decisão de comprar (do mercado) ou produzir
internamente (na firma). Assim, a Teoria dos Custos de Transação tem como objetivo a
eficiência organizacional, sobretudo pela redução de custos.
A Teoria dos Custos de Transação, contudo, sofreu e vem sofrendo algumas críticas.
Barney e Hesterley (2004), citam três críticas principais: a) a TCT tem foco excessivo na
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redução dos custos; b) atenua os custos de organização e c) negligencia o papel das relações
sociais nas transações econômicas.
Em relação ao primeiro ponto, a TCT foca a minimização de custos como sendo um
imperativo da organização. Barney e Hesterley (2004, citando Williamson, 1991) observam
que “economizar é mais importante do que traçar estratégias, ou seja, a economia é a melhor
estratégia”. A TCT foca a minimização dos custos, ou posto de outra forma, uma transação
sempre vai ser conduzida pelo meio que apresentar o menor custo. Assim, sempre se busca
minimizar estes custos dentro da estrutura onde eles são conduzidos, ignorando importantes
aspectos como especificidade de ativos (enquanto recurso interno), que é um aspecto
importante e que necessita de investimentos para gerar resultados e consequentemente reduzir
os custos ao longo prazo. Barney e Hesterly (2004) concordam com a visão de Madhok
(1996), ao observar que evitar o oportunismo e minimizar os custos de transação são
benefícios relativamente pequenos se a firma não possuir um ativo (incluindo aí o
conhecimento) que tenha um elevado valor reconhecido pelo mercado.
Madhok (1996), também critica a Teoria dos Custos de Transação, porque vê a mesma
como sendo incompleta, uma vez que só analisa custos e que as firmas só visam sua
eliminação. O autor vai ainda mais longe, ao ressaltar a reduzida consideração da TCT nas
“capabilidades organizacionais”, no sentido de ver a firma como um conjunto de recursos e
conhecimentos que junto com rotinas específicas são fontes de vantagens competitivas.
Assim, surgem organizações únicas, com capacidades internas distintas e vantagens
específicas sobre outras.
Quanto ao segundo ponto, a crítica é de que TCT tende a subestimar os custos de
organizar as transações dentro da firma. Barney e Hesterly (2004, citando JONES e HILL,
1988), consideram que o uso da autoridade é tido como sendo mais eficiente para resolver as
disputas internas do que no mercado. Isso nem sempre acontece, porque muitas vezes as
negociações podem ser mais longas e custosas na firma do que entre firmas. Pode haver
negociações caras e tráfico de influências, ou até mesmo o que Alchiam e Demsetz (2005)
chamam de shirking (gazeteamento) por parte dos colaboradores, aumentando-se os custos de
controle e monitoramento. Além disso, sempre há o risco de comportamento oportunístico
pelos atores organizacionais, como descrito por Williamson (1996).
Em relação ao terceiro ponto, a TCT busca adotar pressupostos realistas quanto ao
comportamento humano. Ela adota, na verdade, uma visão calculista das pessoas, reduzindo o
impacto das relações sociais e culturais. O enfoque em contratos, custos e outros elementos
reduz a importância do ser humano na teoria. Swedberg (2003) faz justamente um paralelo
entre a abordagem econômica e a abordagem sociológica na teoria organizacional. Para o
autor, ambas as abordagens, de forma isolada, são incompletas no entendimento de
organizações (entre elas a firma). Enquanto a teoria econômica foca em firmas individuais,
segundo o autor, a abordagem sociológica considera um conjunto de firmas. Além disso, esta
última procura enfocar de forma mais acentuada aspectos culturais e significados, relegados a
um segundo plano na abordagem econômica do estudo da firma, especialmente em se
considerando a TCT.
Como observa Madhok (1996), a noção de firma como sendo um conjunto de
transações e contratos é inadequada e apresenta base fraca para o entendimento de uma teoria
de firma como sendo um conjunto de conhecimento. Assim, o autor apresenta, como já
mencionado, o conceito de “organizational capability”, ou seja, a firma como sendo um
conjunto de recursos e competências ligadas a rotinas específicas da organização que pode
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levar a um desempenho superior e à fontes de recursos de valor. Desse modo, o autor cria uma
“Teoria da Firma baseada em Conhecimento”, o que ainda vem sendo construído como
discussão teórica. A idéia é partir de uma perspectiva de redução de custos para uma
perspectiva de construção de valor (ou criação de valor).
Hamel (1991) e Hamel e Prahalad (1995) ressaltam o papel da competição por
competência. Assim, os autores observam que o sucesso competitivo não é apenas uma
função de um determinado posicionamento ou comportamento estratégico, mas também da
capacidade que uma firma possui em adquirir, acessar e acumular recursos estratégicos
necessários para atuar nos mercados almejados. Os recursos internos que as firmas possuem
diferentes de seus concorrentes podem proporcionar larga vantagem. O foco não pode ser
apenas em reestruturações de sistemas produtivos, corte de custos ou outras medidas com
foco no curto prazo, mas em criação de valor com base nas competências desenvolvidas
internamente.
Dadas as discussões anteriores e as limitações da TCT em considerar novas
capacidades organizacionais requeridas, a RBV vem sendo utilizada no intuito de entender as
firmas e suas estratégias competitivas, além de como as mesmas utilizam seus recursos para
criar vantagem e como acessam tais recursos de fontes que não as internas, através, por
exemplo, de estratégias de colaboração (DAS e TENG, 2000). Assim, autores como Madhock
(1996), Das e Teng (2000), superam as limitações da Teoria dos Custos de Transação no
entendimento sobre as firmas, partindo para o pressuposto que a mesma é equivalente a um
conjunto de recursos que lhe pertencem, sendo tais recursos tanto tangíveis quanto
intangíveis, ativos que são únicos e diferenciam uma firma das demais.
Trabalhos que ligam a RBV e o conhecimento enquanto recurso valioso para a firma
ainda são restritos. Dado que os estudos sobre a Gestão do Conhecimento Organizacional vem
ganhando destaque maior apenas a partir do final dos anos 90, penso que a relação entre os
dois conceitos (RBV e conhecimento) pode ser uma via interessante de pesquisa e prática
organizacional. Nesse sentido, algumas questões ainda estão sem resposta, como, por
exemplo, de que modo identificar conhecimentos que podem ser valiosos para a firma? Como
desenvolver tais conhecimentos de forma contínua protegendo-os da ameaça de
competidores? O cruzamento entre a RBV e o conhecimento será realizado nas próximas
seções.
4.
A Visão da Firma Baseada em Recursos
De forma a complementar os entendimentos sobre a Firma e os Custos de Transação, a
Visão Baseada em Recursos foca, como unidade fundamental de análise, os recursos e as
capacidades controladas pela firma (BARNEY e HESTERLY, 2004). Os recursos e
capacidades de uma firma incluem todos os atributos que a capacitam para definir e
implementar estratégias. Tais recursos, segundo os autores, podem ser recursos financeiros,
físicos, humanos e organizacionais. Nessa abordagem, os recursos e capacidades das firmas
são capazes de variar dependendo do ramo e essas diferenças podem ser mantidas se existirem
barreiras à entrada, como será visto adiante. Nesse sentido, tal teoria apresenta importância
significativa em analisar porque determinadas organizações conseguem superar suas
concorrentes, sendo, portanto muito utilizada na análise de estratégias.
Segundo Das e Teng (1998), a RBV vem sendo considerada, segundo alguns autores,
como uma “nova Teoria da Firma”, pois inclui novas visões sobre a constituição de tais
organizações e sua competitividade, centrando sua atenção nos recursos específicos que a
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firma possui. Nesse contexto, Barney e Hesterly (2004) citam que a capacidade de imitação é
um componente importante da RBV. Isso porque se outras firmas puderem adquirir ou
desenvolver um mesmo recurso, ou um substituto, a poderem ainda faze-lo a um menos custo,
então tais recursos não serão fontes de vantagem competitiva para nenhuma delas.
Das e Teng (2000) e Wilk e Fensterseifer (2005) sustentam que devido aos recursos da
firma serem específicos e não perfeitamente mobilizáveis, as mesmas são continuamente
heterogêneas em termos de sua base de recursos. Recursos não imitáveis, raros, escassos,
especializados, complementares e capazes de adicionar valor, tornam-se uma possível fonte
de vantagem competitiva, que leva a melhores resultados ou retornos acima da média.
Sustentar a heterogeneidade de recursos, dessa forma, é um imperativo que necessita ser
buscado.
Das e Teng (2000) conceituam recursos como sendo todos os ativos, “capabilidades”,
processos, informações e conhecimentos controlados pela firma e que a habilitam a selecionar
e usar estratégias que atinjam eficiência e efetividade, ou seja, tanto ativos tangíveis como
intangíveis. Como já mencionado, a RBV sugere que a firma é um conjunto heterogêneo de
recursos (tangíveis e intangíveis) que estão sendo permanentemente ligados à organização.
A função da organização é sustentar esta heterogeneidade de recursos de forma a criar
vantagem. Assim, tal vantagem pode ser proveniente do acesso preferencial que a firma
possui a um conjunto específico e valioso de recursos, especialmente aqueles baseados em
conhecimentos. Ou seja, organizações que possuem, de alguma forma, recursos únicos,
escassos e imperfeitamente mobilizáveis (difíceis de imitar ou transferir), possuem, em teoria,
maior vantagem sobre organizações que não estão em iguais condições.
Segundo Barney e Hesterly (2004), as firmas são capazes de adquirir certos recursos
ou capacidades de três formas distintas. A primeira advém de sua trajetória específica: neste
caso, há o que se chama de path dependence (dependência do caminho), em que os recursos e
capacidades foram sendo desenvolvidos ao longo do tempo e por isso são valiosos. Por
exemplo, pode-se citar o conhecimento que determinada empresa familiar desenvolveu com o
passar dos anos para produzir determinado produto. Outra forma de desenvolver uma
capacidade é por meio da ambigüidade causal, quando a firma não sabe a origem de seu
desempenho superior. Assim, seus competidores também não sabem o que pode ser imitado.
Por último, as firmas podem desenvolver capacidades por meio de recursos sociais
complexos, como a cultura da firma, o trabalho de sua equipe de empregados, sua reputação
entre outros.
Com isso, creio que o conhecimento organizacional tenha sua origem, enquanto
recurso valioso, da complexidade social de uma organização. Uma vez que o conhecimento
tácito (aquele que não está expresso de modo formal, mas está internalizado na mente dos
indivíduos), como será visto a seguir, é de difícil imitação, o mesmo pode se tornar um
recurso (ou uma capacidade) importante para a firma obter vantagem sobre as outras. Assim,
desloca-se o foco de uma estrutura preocupada com a questão dos custos (Teoria dos Custos
de Transação), para uma estrutura empenhada em desenvolver essa competência, por meio da
gestão do conhecimento. Essa pode se dar, por exemplo, por meio do desenvolvimento das
pessoas, de treinamentos, de sistemas de armazenamento de informações, de
compartilhamento e troca de conhecimentos entre outros. A ligação entre a RBV e o
conhecimento é descrito a seguir.
5.
A RBV e o conhecimento: em busca de novas competências
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Para Boerner, Macher e Teece (2001), em adição, e ao mesmo tempo, como
complemento a Teoria dos Custos de Transação, um grande número de teorias sobre
aprendizagem e criação de conhecimento nas firmas enfatizam os fatores de nível
organizacional. Para os autores, citando a obra de Penrose (1959), a firma é um repositório de
conhecimentos em que a aprendizagem é central para o crescimento. No entanto, esse
conhecimento precisa ser único e difícil de imitar, como conhecimentos específicos sobre
determinados mercados, tecnologias ou consumidores, por exemplo, como visto na RBV.
A idéia de firma como repositório de conhecimento organizacional é compartilhada
por Daft e Weick (2005), que observam que as organizações, assim como os indivíduos,
possuem sistemas cognitivos e memória. Os indivíduos podem ir e vir da organização, mas as
organizações preservam o conhecimento, os comportamentos, os mapas mentais, as normas e
os valores ao longo do tempo. Para os autores, o compartilhamento deste conhecimento
(dentro da firma) é importante, para que haja consenso, por exemplo. Assim, a obtenção de
coerência entre os membros caracteriza o ato de organizar, ou seja, o conhecimento facilita a
gestão.
Mas o que vem a ser o conhecimento? Na teoria da criação do conhecimento adotou-se
a definição tradicional do conhecimento como “crença verdadeira justificada”, um processo
humano dinâmico de justificar a crença pessoal com relação à “verdade”. Segundo Bateson
(1979) a informação proporciona um novo ponto de vista para a interpretação de eventos ou
objetos, o que torna visíveis significados antes invisíveis ou lança luz sobre conexões
inesperadas. A informação é um meio ou material necessário para extrair e construir o
conhecimento. O mesmo é identificado como a crença produzida (ou sustentada) pela
informação.
Nonaka (1997) fundamenta a teoria da criação do conhecimento na organização em
duas dimensões: epistemológica e ontológica. Na dimensão ontológica, em termos restritos, o
conhecimento só é criado por indivíduos. A organização apóia os indivíduos criativos ou lhes
proporciona contextos para criação de conhecimento. A criação do conhecimento
organizacional deve ser entendida como um processo que amplia “organizacionalmente” o
conhecimento criado pelos indivíduos, cristalizando-o como parte da rede de conhecimentos
da organização.
A Dimensão Epistemológica, por sua vez, está baseada na distinção entre
conhecimento tácito e conhecimento explícito. O conhecimento tácito é pessoal, específico ao
contexto e, assim, difícil de ser formulado e comunicado. Já o conhecimento explícito referese ao conhecimento transmissível em linguagem formal e sistemática, sendo, portanto mais
fácil de ser transferido e acumulado. Becerra et al. (2008) observam que a distinção entre
conhecimento tácito e explícito é amplamente divulgada na literatura sobre gestão do
conhecimento. O conhecimento tácito é frequentemente visto como uma importante base para
o estabelecimento da vantagem competitiva sob o ponto de vista da Visão da Firma Baseado
em Recursos. Tal conhecimento está associado com a cultura e a filosofia de negócios,
propiciando comportamentos, ações e estratégias que são de difícil imitação ou troca, e cuja
aprendizagem é facilitada pelo estabelecimento de alianças ou outro sistema de colaboração.
Em acréscimo ao trabalho de Becerra et al. (2008), Polanyi (1967) expõe que o
conhecimento tácito é extremamente importante na cognição humana, pois o conhecimento
que pode ser expresso em palavras e números representa apenas a ponta do iceberg do
conjunto de conhecimentos com um todo. O autor afirma que “podemos saber mais do que
podemos dizer”. No entanto, como ressalta Becerra et al. (2008), em geral, tanto a
transferência de conhecimentos tácitos quanto explícitos possuem um efeito positivo no
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desempenho das firmas, sendo a aquisição de conhecimento um objetivo crítico para a
aprendizagem nas firmas.
Easterby-Smith et al. (2008) percebe o conhecimento organizacional como vital para o
sucesso competitivo. Isso porque firmas que sabem mais sobre seus consumidores,
competidores, fornecedores e sobre si mesmos desenvolvem muitas vezes maiores vantagens
competitivas. Além disso, a Gestão do Conhecimento é uma abordagem recorrente, pela
importância atribuída aos conhecimentos tácitos e explícitos para a inovação.
Assim, recorrendo à idéia de Madhock (1996) em focar as capabilidades
organizacionais da firma, além de uma visão de custos, o conhecimento pode se transformar
em um recurso importante. As habilidades dos indivíduos, a organização e a tecnologia,
interligados em processos específicos e dinâmicos da firma, auxiliam para uma vantagem
superior. Dadas as condições econômicas atuais, é possível que as organizações possuam as
mesmas máquinas, os mesmos softwares, adotem os mesmos programas de qualidade,
possuam os mesmos certificados e acesso a mercados e insumos bastante semelhantes.
Contudo, o conhecimento, especialmente o tácito, que reside na mente dos indivíduos
(ou na organização, como observa Daft e Weik, 2005), é único e específico a cada firma. Uma
série de circunstâncias, como a localidade em que a mesma está inserida, o tempo, a estrutura
organizacional, a diversidade de pessoal, as escolhas estratégicas entre outros fatores, levam à
uma composição única de dados e informações que, na interação entre indivíduos ou mesmo
de forma individual, se transforma em conhecimento. A partir daí, inovações podem ser
criadas, novos arranjos interorganizacionais podem ser estabelecidos, novas decisões e
estratégias podem ser formuladas.
Dessa maneira, identificar, desenvolver e transformar conhecimentos valiosos em
produtos e serviços tornam-se questões estratégicas para a firma. A visualização do
conhecimento como um recurso, sob a ótica da RBV, é um primeiro passo, pois tal teoria
passa a olhar o interior da firma e os recursos que a mesma possui, buscando transformar os
mesmos em vantagens. Não basta apenas olhar, é preciso realmente agir sobre tais recursos.
Direcionar o foco na análise do ambiente ou na estrutura da indústria, como fez Porter (1992),
parece ter sido uma abordagem dominante nas décadas de 80 e 90. Contudo, a percepção de
que mesmo em um determinado contexto as firmas possuem desempenhos diferentes levou
Barney (1991) a criar s idéia da RBV. Como mencionado, apenas recentemente, no contexto
do RBV, o conhecimento enquanto recurso vem emergindo, talvez porque esteja se
descobrindo (pelo menos até o momento), que o mesmo ainda pode ser considerado
específico a cada firma. Uma vez que conhecimentos (especialmente tácitos, internos e não
expressos) possam ser facilmente copiados ou levados de uma firma a outra, termina-se com a
vantagem.
5. Conclusões
O objetivo do ensaio foi analisar como a Visão da Firma Baseada em Recursos pode
contribuir para uma melhor compreensão dos sistemas de gestão do conhecimento na firma.
Partiu-se do estudo da Teoria da Firma e dos Custos de Transação, ressaltando a visão
fortemente calcada em redução de custos em ambas as teorias e sua falha em considerar novas
capacidades necessárias para as organizações, como as “capabilidades organizacionais”, entre
elas o conhecimento. Percebe-se que a RBV pode complementar o entendimento sobre o
papel do conhecimento na firma, o que apenas recentemente vem sendo estudado.
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Um dos aspectos que chama a atenção, ao final do presente ensaio, é que o
conhecimento pode (?) ser visto, também, como uma forma de uma organização ter maior
poder sobre outras. Tal conclusão veio a mim através da leitura do artigo de Ranson, Hinings
e Greenwood (1980, p. 08), em que os mesmo observam que “indivíduos e grupos em um
contexto de organizações possuem poder, porque podem controlar e manipular recursos
escassos (grifo meu)”. Ainda segundo os autores, a distribuição desses recursos não só
oferece uma capacidade de determinar os resultados, mas também de recriar regras, posições e
dotações orçamentais para garantir a reprodução destas bases, ou seja, quem possui
determinados recursos (e seu controle) tem maior facilidade de se perpetuar no poder.
Considerando que a RBV foca justamente em recursos escassos, valiosos e de difícil
imitação, e que o conhecimento pode ser um destes recursos, há um “perigo” de domínio e
concentração de poder em mãos de poucas firmas. Firmas que possuem maior acesso a
informação e conhecimento de ponta, como nos países desenvolvidos, tendem a exercer ainda
mais poder sobre outras firmas, de modo a gerar um ciclo perigoso de concentração e
exclusão.
Ao situar a RBV num modelo de escolha estratégica (uma visão da organização que
foca nas escolhas dos gestores) Astley e Van de Vem (2005), observam que as pessoas e seus
relacionamentos são organizados e socializados para servir às escolhas e propósitos daqueles
que estão no poder. O ambiente e a estrutura são ordenados e incorporam os significados e
ações da classe dominante da organização. Ou seja, a RBV e o conhecimento são alocados e
geridos por gestores que os utilizam, entre outras coisas, para se perpetuarem em seus cargos,
tanto quanto por organizações se perpetuarem em seus mercados. Assim como a Teoria da
Firma foca sua atenção no papel do empreendedor, a RBV foca sua atenção nos gestores que
tomam as decisões estratégicas. Ou seja, o foco passa a ser interno, nos recursos e nas pessoas
de dentro da firma.
Marsden e Townley (2001), afirmam que “poder e conhecimento, concebidos pelo
Positivismo como independentes, são lados internamente relacionados da mesma relação
social e conhecidos pela taquigrafia conceitual “poder-conhecimento”. Assim, parece haver
certa lógica implícita que liga as discussões entre conhecimento e poder. No presente ensaio,
o objetivo não é aprofundar a discussão sobre o poder, que entendo como sendo algo
complexo demais para ser abordado em poucas linhas. Contudo, é apresentar uma conclusão
pessoal que ainda não havia tomado forma e que agora surge. Ora, se os teóricos de
administração estratégica da atualidade ressaltam que para buscar um desempenho superior a
firma deva explorar os recursos (e conhecimentos) que possui, parece haver sentido de que
organizações com melhores recursos exerçam maior poder sobre as outras (e internamente à
firma também, pois indivíduos com maior conhecimentos sobre os meandros organizacionais
tendem a exercer maior poder sobre outros. Maslowiii diria que são indivíduos que possuem
maior auto-confiança).
Referências
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i
Na literatura, encontra-se tanto Visão da Firma Baseada em Recursos quanto Visão Baseada em Recursos, e até
mesmo Teoria da Dependência de Recursos.
ii
Capabilidade é entendida como a capacidade de gerir de modo eficiente os recursos da firma.
iii
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Management Decision, Vol. 43, No. 10, 2005.
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A FIRMA: UMA VISÃO ALÉM DOS CUSTOS DE