Apresentação
O volume que ora apresentamos abarca o resultado
de trabalhos de pesquisa que vêm sendo desenvolvidos pelos
integrantes do Grupo de Pesquisa FALE há alguns anos.
O Grupo FALE, Formação de Professores, Alfabetização,
Linguagem e Ensino, é cadastrado como Grupo de Pesquisa
do Diretório do CNPq a partir de 2006. Contudo, desde
2004, contando com colaboradores de outras instituições,
já desenvolvia pesquisas na área de Ensino de Linguagem,
juntamente ao NEEL, Núcleo de Ensino e estudos de
Linguagem, da Faculdade de Educação da UFJF.
Inicialmente, em função de estudos e discussões sobre
as dificuldades enfrentadas atualmente por professores de
Língua Portuguesa na escola pública, o grupo foi movido a
investigar temas relativos à formação e atuação dos professores
de linguagem do Ensino Fundamental inicial e final e Ensino
Médio. Diante das críticas e transformações pelas quais o
Ensino de Língua Portuguesa em geral passou nas últimas três
décadas, as pesquisadoras integrantes do grupo empenharamse em investigar quais seriam as principais lacunas na formação
docente e, diante disso, que atuação se poderia desencadear
para mudar essa realidade.
Como consequência, o primeiro projeto de pesquisa
investigou que concepções de linguagem os professores
adotavam para o trabalho escolar com a língua materna, que
práticas realizavam na escola com leitura, escrita, gramática,
oralidade, dialetos populares e como realizavam o trabalho
com a diversidade na escola. Os resultados revelaram uma
amostra de como estava o ensino de Língua Portuguesa em
Juiz de Fora e como se poderiam propor ações para colaborar
com a prática de professores. Os resultados dessa pesquisa
estão publicados em Calderano & Lopes (2006).
Daí em diante, movidas por muitas questões oriundas
da primeira pesquisa, foram agregadas novas pesquisadoras e
iniciadas novas investigações. Concomitante a isso, o grupo
começou a desenvolver projetos de extensão e treinamento
profissional, além de outras pesquisas financiadas pela UFJF,
e por agências como FAPEMIG e CNPq, de forma a colocar
em prática as ações que intervêm justamente nas maiores
dificuldades da escola pública atual: o desenvolvimento de
habilidades de leitura e escrita. Nesse âmbito, atuam1 bolsistas
dos cursos de Letras e Pedagogia, orientados por professores da
UFJF, fator que contribui não só para a melhoria na educação,
como também para a formação desses alunos de graduação.
Hoje, o grupo conta com dez pesquisadores, sendo
cinco do quadro da UFJF e cinco de instituições públicas e
particulares de Juiz de Fora e cidades vizinhas.
Os temas mais investigados constituem aqueles
referentes ao trabalho escolar com a língua materna. Durante
esses seis anos, foram desenvolvidos projetos de pesquisa,
extensão e treinamento profissional na área de formação
de professores alfabetizadores, leitura e escrita na escola de
Ensino Fundamental e Médio, oralidade no ensino de Língua
Portuguesa, gêneros textuais, dificuldades de aprendizagem
no processo de aquisição e desenvolvimento da escrita,
desenvolvimento do léxico infantil, sociolinguística na sala
de aula, diversidade, inclusão social e linguagem. Boa parte
dessas ações de treinamento, extensão e pesquisa vêm sendo
realizadas nas escolas das redes de ensino de Juiz de Fora;
outras, no Laboratório de Alfabetização da Faculdade de
Educação da UFJF.
Como se vê, esse grupo, concomitantemente,
homogêneo – porque se interessa por questões relativas
ao campo “Linguagem e Escola” – e heterogêneo – porque
“subdivide-se” em diversas áreas do campo em questão –,
como já descrito, se forma como um todo que tenta contribuir,
na sua abrangência temática, para uma melhoria do trabalho
com a linguagem, leitura, escrita e literatura na escola de
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As ações que o Grupo de Pesquisa FALE realiza nas escolas foram denominadas
de “FALE na Escola”. Mais detalhes podem ser conferidos em www.ufjf..br/
fale, site oficial do grupo.
Ensino Fundamental e Médio, na tentativa de participar
mais ativamente de projetos inseridos na escola, não só na
intervenção com alunos mas também na formação continuada
de professores.
Os artigos deste volume
Muitas questões relativas à prática dos professores de
Língua Portuguesa são foco de nossas pesquisas. Apresentamos,
neste volume, alguns resultados de trabalhos realizados no
âmbito do Grupo FALE. Todos os autores, com exceção da
profa. Rebecca Wheeler, da Universidade Christopher Newport,
Newport News, Virgínia (USA), autora do terceiro artigo, são
integrantes do Grupo de Pesquisa FALE.
O artigo introdutório, Letramento e ensino de gêneros, de
Vanessa Souza da Silva, retoma o conceito de letramento, por
meio das contribuições de Kato, Tfouni, Kleiman e Soares. A
autora explicita a diferença entre alfabetização e letramento,
mostrando ao leitor que a escola tem o compromisso de
promover a inclusão social dos alunos via domínio da
linguagem escrita, de forma que atuem plenamente numa
sociedade grafocêntrica. Em seguida, apresenta um histórico
dos censos sobre os índices de analfabetismo, com foco
naqueles realizados entre 1872 e 2003. Nesse tópico, Vanessa
Silva informa que os dados registram um avanço significativo
na diminuição do analfabetismo ao longo dos anos; contudo,
há muito que se fazer nesse campo, uma vez que ainda “há
milhares de pessoas excluídas dos eventos de letramento e
impedidas de romper socialmente através da palavra escrita”,
nos dizeres da autora. Por fim, propõe um ensino baseado
nos gêneros textuais como forma de alcançar o letramento,
na medida em que o domínio de diversos gêneros promove o
exercício de práticas sociais de leitura e escrita, fazendo com
que o aluno participe de eventos de letramento que acontecem
na sociedade.
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Lúcia F. M. Cyranka e Maria Luiza Scafutto enfocam
a questão do trabalho escolar com a variação linguística. No
artigo Educação linguística: para além da “língua padrão”,
apresentam uma interessante discussão sobre língua padrão
e o prestígio que ela adquiriu na sociedade, mostrando o
quão nociva se torna a adoção dessa variedade como única
manifestação possível, principalmente porque a ela agregou
a noção de estabilidade linguística, que se contrapõe ao
princípio da variação e mudança. Sem negar a importância
de se levar o aluno a desenvolver competência no uso da
variedade prestigiada, a chamada variedade culta, apresentam
uma abordagem mais produtiva, argumentando que a
chamada educação linguística, perdurando por toda a vida
escolar, propicia a compreensão da língua como um fenômeno
variável e heterogêneo. Para ilustrar isso, as autoras relatam
os resultados da pesquisa-ação “Os dialetos sociais na escola
pública” (UFJF/FAPEMIG), além de experiência de trabalho
com a linguagem em escola particular, em que usaram a
análise contrastiva para levar os alunos a realizarem reflexão
linguística, comparando enunciados representativos das
variedades linguísticas a partir dos contínuos rural-urbano, de
monitoração estilística e de oralidade-letramento. Assim, as
pesquisadoras perceberam que, com a experiência realizada,
os alunos construíram a concepção de diferença linguística
(e não de erro), abandonando, como consequência, a ideia
de que diferença constitui deficiência. Nesse sentido, o artigo
contribui para mostrar ao professorado que é possível realizar,
na escola, um trabalho sistematizado que vise à conscientização
dos alunos sobre o monitoramento da própria fala e sobre o
processo de desenvolvimento da sua competência linguística.
Conscientes disso, os alunos adquirem confiança – saindo da
tradicional visão de erro, pobreza linguística e ignorância para
uma visão de múltiplas possibilidades de expressão linguística
em diversos eventos comunicativos.
Nesta mesma direção, o artigo Mudança de código:
ferramentas de linguagem e cultura transformam atitudes
linguísticas escolares, de Rebecca Wheeler, Professora Associada
do Departamento de Inglês, Christopher Newport University,
traduzido para este volume, apresenta apontamentos sobre o
preconceito dialetal existente em escolas americanas, contra o
inglês vernacular afroamericano (AAVE), usado por crianças
negras que estudam em escolas urbanas. Rebbeca mostra que,
frequentemente, professores associam o inglês padrão com
“gramática”, desprezando o dialeto vernacular que a criança
traz de sua comunidade. Para exemplificar uma experiência
de êxito contra esse preconceito, o artigo apresenta o relato de
uma professora do segundo e terceiro anos da Escola Primária
Newsome Park em Newport News, Virginia, Rachel Swords,
que constatava um resultado inferior de seus alunos negros
nos testes estaduais em relação aos alunos brancos. Assim,
após intervenção e orientação de Rebecca, Rachel passou a
usar a análise constrastiva, ao contrário de apenas “corrigir” a
fala de seus alunos – ação que procura erradicar o vernáculo
das crianças – para que eles passassem a perceber então que
há necessidade de uma mudança de código apropriada ao
contexto. De fato, o resultado foi que as crianças “descobriram”
a noção de que diferentes padrões de linguagem são adequados
a diferentes contextos. Como consequência, quebraram um
ciclo de “mitos destrutivos, amplamente propagados, sobre
a variação da língua” que são a base para o preconceito em
relação aos dialetos, tão existente na sociedade (Wolfram,
1999, p. 78, apud Wheeler, neste volume).
O trabalho com gêneros textuais é o foco do artigo
Elaboração de um programa de língua portuguesa: práticas
pedagógicas com gêneros textuais, de autoria de Laura Silveira
Botelho e Tânia Guedes Magalhães. As autoras relataram
o resultado de uma pesquisa-colaborativa realizada numa
escola municipal de Juiz de Fora durante dois anos, na qual
constataram algumas lacunas na formação dos professores
de Língua Portuguesa da escola pesquisada. Devido a esse
fato, propuseram uma pesquisa dividida em duas etapas.
Na primeira, realizaram uma formação continuada com os
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professores sobre temas relativos ao trabalho escolar com a
língua materna, como letramento, concepções de linguagem,
gêneros textuais, variação linguística, etc. Numa segunda
etapa, elaboraram, junto com o corpo docente, um programa
de ensino de Língua Portuguesa de 1º ao 9º ano do Ensino
Fundamental, baseado em gêneros textuais, para ser um
documento norteador dos professores, que não tinham uma
diretriz elaborada pela própria escola. As autoras perceberam
que é necessário promover uma maior integração entre os
docentes, principalmente de segmentos diferentes (como
Fundamental I – 1º ao 5º anos, e Fundamental II, 6º ao 9º anos)
de forma a envolvê-los num trabalho de continuidade entre os
segmentos. Ademais, ficou claro que um acompanhamento do
dia a dia da escola torna-se necessário para que se possa propor
um ensino de qualidade na escola pública brasileira.
Ilustrando de forma prática e sistematizada o trabalho
com gêneros textuais, o artigo O gênero tirinhas de final
de revista: uma proposta de sequência didática, de Suzana
Lima Vargas e Luciane Manera Magalhães apresenta um
excelente modelo para efetivar um trabalho de qualidade
com os gêneros na escola, tão desejado pelos professores que,
muitas vezes, querem trabalhar com essa proposta, mas não
sabem como fazê-lo. Inicialmente, apresentam uma breve
explanação sobre gêneros textuais e sequência didática.
Em seguida, para relatar uma intervenção didática com o
gênero tirinhas, realizada com alunos do 2° ano do Ensino
Fundamental de uma escola pública, as autoras apresentaram
as características do gênero em questão. Para a intervenção,
traçaram um modelo detalhado e minucioso que inclui as
etapas da sequência didática, os objetivos a serem alcançados,
as atividades a serem realizadas e os materiais necessários para
o desenvolvimento das atividades. Na análise das produções
iniciais dos alunos, uma das etapas da pesquisa, Suzana Vargas
e Luciane Magalhães puderam perceber que os alunos trazem
um conhecimento construído sobre o gênero, de modo que,
a partir deles, surgem pistas para a continuidade do trabalho
didático-pedagógico a ser organizado pelo professor. São ações
como essas, que enfocam o desenvolvimento de habilidades
de leitura e escrita de forma gradual, que contribuem para a
formação de alunos mais capazes de interagir na sociedade de
forma plena por meio da linguagem.
Encerrando o volume, Begma Tavares Barbosa enfoca a
formação de leitores e as práticas escolares de leitura literária
no Ensino Médio no momento atual, em que é clara uma
resistência a essa leitura, fundamental para a formação do
leitor. Intitulado “Letramento literário: sobre a formação escolar
do leitor jovem”, o artigo perpassa o conceito de letramento,
apresentando uma sólida discussão sobre o letramento
literário. Em seguida, a autora elabora uma seção em que
defende o ensino de Literatura no Ensino Médio, mostrando
que ler literatura, uma vez que esse texto comporta um
caráter transgressor e libertário, corrobora com uma
formação do aluno mais crítica e menos passiva diante do
mundo. Contrária à posição de leitura literária com objetivos
funcionais, Begma Tavares mostra que os documentos oficiais
apontam orientações bastante claras para o letramento
literário, no sentido de apresentar o texto literário como
fruição, conduzido pelo gosto e pelo desejo de ler. Assim,
deve-se tomá-lo como um espaço de entretenimento, de
reflexão sobre o humano e de fruição estética. De forma a
contribuir com a prática de sala de aula, a autora apresenta
resultados de pesquisa realizada com alunos de Ensino
Médio, pesquisa essa que permitiu traçar um perfil do leitor
adolescente e jovem, para refletir sobre o impacto das práticas
de linguagem e de leitura adotadas pelas escolas e indicar,
a partir dos resultados apresentados, ações voltadas para a
promoção do letramento literário. Após discutir os dados,
Begma, para finalizar o trabalho, apresenta possibilidades de
atuação pedagógica mais significativa, ilustradas com relatos
de alunos em aulas de leitura de textos literários.
Entendemos que os artigos aqui reunidos trazem
não apenas resultados de pesquisas relevantes para o meio
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acadêmico. Acreditamos, sim, que essas produções estejam ao
alcance de professores que trabalham no dia a dia da escola e
precisam não só de conceitos e fundamentação teórica, como
também de leituras de experiências que auxiliem seu cotidiano.
As organizadoras
Profa. Dra. Lúcia Furtado de Mendonça Cyranka
Profa. Dra. Tânia Guedes Magalhães
Referências
CALDERANO, Maria da Assunção; LOPES, Paulo R. Curvelo.
(Org.). Formação de professores no mundo contemporâneo: desafios,
experiências e perspectivas. Juiz de Fora: EDUFF, 2006.
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