A ESCOLHA PROFISSIONAL E AS RELAÇÕES DE GÊNERO:
PERCEPÇÕES DE JOVENS ESTUDANTES
Andressa Cristiane Colvara Almeida1
Resumo: A escolha profissional ocorre, na maioria dos casos, durante a juventude e está submetida
a diversas influências. Viver em um município predominantemente urbano e em pleno
desenvolvimento econômico, que propicia ampla oferta de empregos, incentiva o jovem a prepararse adequadamente para atender a demanda por força de trabalho qualificada. A pesquisa questiona
como jovens de famílias envolvidas com atividades agrárias se posicionam diante de tal situação.
Assim, objetivamos investigar a pretensão de jovens estudantes do 3º ano do Ensino Médio, com
esta tipologia, no município de Rio Grande-RS. Indagamos sobre as pretensões destes com relação
ao mundo do trabalho e quais os diversos fatores que os levaram a escolher determinada profissão
futura. Através de entrevistas semiestruturadas e utilizando como ferramenta a análise textual
discursiva sugerimos a interferência das relações de gênero na escolha profissional. Verificamos
que os estudantes pouco percebiam esta influência, porém em suas falas acabavam por explicitar
situações em que claramente se identificava a interferência da divisão sexual do trabalho nas
profissões almejadas.
Palavras-chave: Escolha profissional. Jovens. Divisão Sexual do Trabalho.
Introdução
Considerando o trabalho basilar para a compreensão dos processos de formação social e
entendendo ser relevante sua investigação na Geografia, realizei esta pesquisa que consistiu meu
Trabalho de Conclusão de Curso na Graduação em Geografia Licenciatura. Partindo de um contexto
no município de Rio Grande/RS, que passa por um momento de expansão econômica com
investimentos principalmente em sua área urbana, se instigou quais influências e perspectivas de
jovens estudantes moradores fora do perímetro urbano municipal que possuem estreita relação com
trabalhadores vinculados com atividades no setor agrário. Isso porque o município possui
predominância urbana de sua população (96,05%) e a oferta de emprego vem aumentando em
atividades relacionadas a essa área, levando a questionar qual o futuro profissional destes jovens
com características particulares em Rio Grande.
A motivação para esta pesquisa se deu a partir da convivência com alguns destes jovens
quando participei como bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(PIBID) na Escola Estadual de Ensino Médio Lília Neves, localizada na Vila da Quinta sede do 5º
distrito do município, denominado Quinta. A escola em questão possui como peculiaridade receber
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Acadêmica do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande. Rio Grande,- RSBrasil.
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grande parte dos estudantes da área rural e estabelece-se principalmente como polo para o Ensino
Médio, que passou a oferecer a partir do ano 2000.
Nos primeiros contatos que tive com uma turma do 2º ano do Ensino Médio do turno da
manhã, ouvi relatos que alguns jovens exerciam atividades vinculadas ao setor agrário. Como já
havia participado como bolsista de iniciação científica em um projeto que tratava de trabalho e
relações de gênero, com enfoque na Divisão Sexual do Trabalho (DST), a condição daqueles
estudantes me levou a refletir se meninos e meninas exerciam distintas tarefas de acordo com o
sexo. Pensei em compreender se tais atividades desempenhadas, antes mesmo do término da
formação formal básica, influenciariam em suas escolhas profissionais futuras.
No ano seguinte (2012), no qual era exigida a realização do TCC, pensei em definir o
público a ser investigado. Soube que a escola adequava os estudantes advindos da área rural, os
locais mais longínquos, no turno da tarde, já que é despendido um grande tempo para se chegar à
escola. Optei, portanto, por investigar estudantes do 3º ano do Ensino Médio deste turno, já que
estariam mais próximos do momento de decisão para a escolha profissional por estarem ao término
da Educação Básica.
Neste estudo de caso, pensei em realizar uma pesquisa qualitativa por meio de entrevistas
semiestruturadas. Mas, como primeiro passo, lancei mão de questionários semiabertos que foram
entregues para toda a turma a fim de reconhecer se possuíam o perfil de interesse. Foi um total de
19 estudantes, sendo que oito2 destes aceitaram realizar a entrevista. Para interpretação, a
ferramenta escolhida foi a Análise Textual Discursiva (MORAES e GALIAZZI, 2007),
metodologia que busca conhecer, num ciclo de análise constituído de três elementos – unitarização,
categorização e comunicação, a emergência de novas compreensões com base na auto-organização,
a partir da análise de textos pré produzidos ou provenientes do processo de pesquisa.
Da análise das falas emergiram categorias, as quais considerei possuírem importância para
compreender as influências destes jovens em sua escolha profissional, sendo estas: a família, a
educação, o fator econômico, os espaços rural e urbano e as relações de gênero. Compreendi que
para estes jovens havia o desejo em não manter relação com as atividades realizadas no setor
agrário, apesar da proximidade. Além disso, adequavam seus interesses profissionais às
possibilidades surgidas, por meio de cursos técnicos ou superiores oferecidos no município, os
quais não possuem áreas vinculadas a este setor.
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Serão utilizados nomes fictícios.
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Mas, neste trabalho, trago somente a reflexão da última categoria, a qual mostrou-se a
menos percebida por estes jovens. Destaco que ao me aprofundar em seus discursos, acredito que
pude desvelar uma questão que ainda permanece um tanto sem o reconhecimento devido em nossa
sociedade, a Divisão Sexual do Trabalho.
Inicialmente trato de um breve contexto em nível nacional da população jovem e o trabalho,
abarcando o município de Rio Grande. Em seguida, apresento uma discussão sobre as relações de
gênero e a Divisão Sexual do Trabalho e trago o ponto de vista dos estudantes quanto às questões
levantadas. Finalizo com algumas considerações.
A população Jovem e o mundo do trabalho no contexto atual brasileiro
Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) população jovem é aquela que
compreende as idades entre 15 e 24 anos, sendo que em 2010 foi aprovada a Proposta de Emenda
da Constituição 42/2008, considerando jovens aqueles entre 15 e 29 anos. Trata-se de uma parte da
população que se encontra, em sua maioria, em um momento de rompimento do período escolar,
iniciando a caminhada no mundo do trabalho.
Nesta pesquisa enfoco neste público, buscando compreender suas relações e pretensões de
atividades relacionadas com o trabalho. Como apenas uma entrevistada encontrava-se com uma
idade acima da considerada jovem (possuía 30 anos, os demais tinham entre 16 e 19), pensei em
incluí-la nessa classificação, pois a maior parte de suas atividades se igualava a de seus colegas,
como estar cursando o 3º ano do Ensino Médio no turno da tarde e frequentando curso técnico
durante a manhã.
Ressalto que pesquisas nacionais têm mostrado que “o trabalho está entre os principais assuntos
que mais mobilizam o interesse dos jovens” (ANDRADE, 2008, p. 28), além do quê, considero que
buscam o ingresso no mercado de trabalho adequando-se às suas exigências. Assim, almejam
conhecimento ou aperfeiçoamento de técnicas necessárias às atividades disponíveis no lugar em que
vivem. É sabido que há muitas realidades, desde o trabalho já durante a infância até aqueles que não
exercerão atividades remuneradas, pois pertencem a famílias abastadas. Desse modo, há “grandes
diferenças quanto ao momento de entrada no mercado de trabalho segundo a classe social”
(CASTRO et al, 2009, p. 112).
Mas, pensando na população majoritária que precisa trabalhar, é relevante compreender o
que e como farão para estarem adequados às exigências do mercado, principalmente na fase pós
Ensino Básico, na qual a pressão para definir o rumo a ser tomado na vida, por meio do trabalho,
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ganha força. A proposta da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - 9394/96 é de
promover uma formação já durante a Educação Básica, visando um trabalhador com competência
generalista, demonstrando intenção de garantir uma formação mínima para o trabalho remunerado.
Contudo, também há a possibilidade da realização de cursos profissionalizantes e de
formação técnica concomitante ao Ensino Médio. Segundo Castro et al, nas regiões Sul e Sudeste
são maiores as proporções de jovens de 15 a 24 anos matriculados em cursos técnicos, sendo que
"entre 63% e 65% das matrículas concentram-se nesta faixa etária, ao passo que nas demais regiões
a proporção gira entre 48% e 52%” (2009, p.105).
Em um momento no qual há grande parcela da população brasileira em idade
economicamente ativa3, o país precisa investir em qualificação, pois está em expansão econômica,
refletida no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nos últimos três anos4. A expansão dos
investimentos na área de petróleo e gás, decorrendo também no renascimento da indústria naval,
vem impulsionado as atividades destes ramos, havendo consequências nos mais variados setores da
economia.
As cidades definidas para desempenharem os papeis fundamentais, como a construção das
plataformas petrolíferas de extração e de navios, vem ganhando incentivos e destaque em nível
nacional, como ocorre hoje em Rio Grande. A expectativa e a necessidade urgente de uma mão de
obra qualificada recai sobre a população jovem, havendo incentivos para cursarem cursos de
qualificação técnica, inclusive por meio de programas do Governo Federal. Outras áreas também
ganham incentivos já que servem de suporte a estas atividades.
Hoje no município do Rio Grande, cursos de aperfeiçoamento são oferecidos por algumas
entidades e programas, tais como: PRONATEC (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e
Emprego); SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial); SENAC (Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial) e PROMINP (Programa de Mobilização da Indústria Nacional de
Petróleo e Gás Natural), que integra o Plano Nacional de Qualificação Profissional – PNQP. Há
também o programa ProJovem Trabalhador e algumas vagas por meio do PROEJA, que integra a
modalidade da educação para jovens e adultos com algum curso profissionalizante. Sem dizer dos
cursos particulares nas mais diferentes áreas5.
3
PEA - É composta pelas pessoas de 10 a 65 anos de idade que foram classificadas como ocupadas ou desocupadas na
semana de referência da pesquisa.
4
Apesar de o valor para 2012 ter sido menor que o esperado pelo governo, que era de 4,5% e ficou em apenas 0,9%.
Em: <http: //www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticia> Acesso em março de 2013.
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Dentre os cursos oferecidos pelo governo e por entidades particulares estão: construção civil, metalmecânica,
refrigeração e climatização, beleza, comércio, comunicação, gastronomia, gestão, idiomas, informática, saúde,
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Os jovens entrevistados, sendo um do sexo masculino e sete do feminino, demonstraram
interesse por uma formação técnica. Das meninas, seis cursavam um curso técnico e o menino
realizava estágio. A única que apenas estudava justificou, colocando que não foi possível pela
distância, já que os cursos são oferecidos no centro da cidade.
Todos almejavam uma formação superior, adequando aos cursos oferecidos no município
pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Três demonstraram interesse por veterinária,
mas optaram por outros cursos existentes na universidade em questão. A urgência para a entrada no
mercado de trabalho foi perceptível, como quando a estudante Fernanda disse estar em dúvida se
largaria o curso técnico por um curso superior, pois era uma chance de já começar a trabalhar.
Apesar de influências mais perceptíveis como o incentivo da escola e da família, o fator
econômico e as oportunidades surgidas para a escolha de determinadas carreiras profissionais,
compreendi que havia um elemento a mais, sempre constante: as relações de gênero, o qual passo a
discutir a seguir.
As relações de gênero e a Divisão Sexual do Trabalho
Inicialmente é necessário esclarecer que entendo gênero “entre duas proposições: gênero é
um elemento constitutivo das relações sociais, baseado nas diferenças percebidas entre os sexos e,
gênero é a maneira primordial de significar relações de poder” (SCOTT apud VELEDA DA
SILVA, 2009, p. 302). Concordo com Saffioti quando coloca que
Este conceito não se resume a uma categoria de análise, como muitas estudiosas pensam,
não obstante apresentar muita utilidade enquanto tal. Gênero também diz respeito a uma
categoria histórica, cuja investigação tem demandado muito investimento intelectual"
(2004, p. 44).
Tal investimento ocorre também dentro da ciência geográfica, a qual me dedico. A partir da
explicitação dessa problemática em nível mundial principalmente durante os anos 1970 (período
marcado por lutas feministas) surgiram estudos de Geografia e gênero a fim de promover maior
visibilidade às mulheres. Entre outras reivindicações, buscam uma ruptura de paradigmas espaciais
a homens e mulheres, consequência de inúmeros agentes e fatores, sejam culturais ou econômicos.
Segundo Silva,
segurança, atividades do setor de petróleo e gás, caldeireiro, encanador industrial, mecânico ajustador, montador,
soldador de estrutura naval, soldador de tubulação naval, projetista, desenhista projetista de elétrica, desenhista
projetista de instrumentação, desenhista projetista de tubulação, desenhista projetista de estrutura naval, instrumentista
montador, instrumentista de sistemas, encarregado de instrumentação, encarregado de elétrica, encarregado de
montagem mecânica, automação industrial, eletrotécnica, fabricação mecânica, geoprocessamento, enfermagem,
madeira e móveis, turismo e hospitalidade, construção e reparos II, transportes, serviços pessoais, vestuário,
alimentação e telemática.
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[...] o movimento feminista empreendido na história da geografia passou a agir com a
finalidade de investigar e tornar visível a relação entre as divisões dos gêneros masculino e
feminino e as divisões espaciais, com o objetivo de compreender como as duas se
constroem simultaneamente e desvendar os elementos ocultos sob a aparente ordem
"natural" da organização da realidade socioespacial (2009, p. 31).
Desse modo, a Geografia e os estudos de gênero como um dos atores nas ações por
igualdade entre os gêneros, busca promover, por meio de pesquisas nas últimas décadas, a ruptura
dos padrões espaciais impostos por uma sociedade patriarcal. Uma das linhas investigativas é a que
trata das relações laborais de homens e mulheres, expressa na Divisão Sexual do Trabalho.
Entendo o trabalho como princípio da constituição social, sendo um conceito chave para se
compreender as relações sociais que se consubstanciam no espaço geográfico. Assim, percebendo
que as relações humanas possuem intrinsecamente a ação do poder, se efetivando nas atividades
laborais por meio da divisão social do trabalho, reconheço também a DST que é uma das suas
formas para produzir bens e serviços necessários à vida.
Além disso, expressa os diferentes papeis atribuídos às mulheres e aos homens nas
sociedades e no espaço produtivo e reprodutivo. Assim, “a divisão sexual do trabalho tradicional, na
qual cabe às mulheres o trabalho doméstico/reprodutivo, ainda tem forte peso na inserção feminina
no mundo do trabalho, o que [...] é mediado pela classe social” (CASTRO et al, 2009, p. 112).
Várias foram as lutas feministas em busca de maior reconhecimento na esfera do trabalho.
Os eventos de forte relevância na luta trabalhista, desde seus primórdios, contaram com a presença
feminina, já que muitas eram exploradas já no século XIX principalmente em fábricas têxteis, tal
qual muitas crianças. Um acontecimento que representou a luta das mulheres e que hoje é um
símbolo foi o 8 de março, no qual trabalhadoras reivindicaram melhores condições de trabalho e
foram assassinadas em um incêndio na fábrica em Nova Iorque durante um protesto em 1911.
Apesar de muitas conquistas, ainda se apresentam desigualdades, principalmente a salarial.
A própria Organização Internacional do Trabalho (OIT) traz em sua convenção de número 100, a
igualdade de remuneração para homens e mulheres em seu exercício laboral, sendo que no Brasil
ainda não é uma realidade. Assim, se faz necessária relevância acerca dessa questão, para que haja
respeito para com o trabalho feminino, tal qual necessário ao executado pelo público masculino.
Reconhecer e lutar junto a outras discriminações seja de raça, idade ou orientação sexual, é algo
fundamental na busca de uma sociedade mais justa.
O ponto de vista dos estudantes
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Neste movimento de grandes possibilidades de trabalho remunerado, percebe-se algo
bastante interessante quanto às ocupações, tendo-se como ponto de vista o sexo dos trabalhadores.
Ocorrem intensas inserções de mulheres em atividades antes exercidas majoritariamente por
homens. Essa tendência de uma “feminilização da mão de obra” se dá principalmente pela
necessidade de suprir a falta da mão de obra masculina. Isso oportuniza uma diversificação nas
atividades das mulheres, frequentemente sujeitas a trabalhos menos valorizados, como os do
comércio e domésticos, muitos exercidos informalmente.
Dessa maneira, há elevada busca por cursos técnicos por ambos os sexos, independente das
funções, pois o que muitas vezes se prioriza (ser do sexo masculino), em momentos de muita oferta
de emprego e poucos habilitados, já não é tão considerado. O próprio Plano Nacional de Políticas
para as Mulheres 2013-2015, traz em uma de suas linhas de ação o estímulo à capacitação
profissional de mulheres e a sua inserção em ocupações que não reforcem a divisão sexual do
trabalho.
A partir disso, busquei questionar meus pesquisados acerca do trabalho e relações de gênero
durante as entrevistas. Praticamente em todos os casos, reconheci nas entrevistas pouca percepção
sobre as relações de desigualdade presentes em nossa sociedade, quando tratamos das diferentes
tarefas estabelecidas a homens e mulheres. Porém, quando em um primeiro momento propus que
respondessem os questionários, os quais levaram para casa, se destacaram em suas respostas pontos
que me chamaram a atenção quanto ao trabalho exercido tanto em âmbito público como privado.
Todos declararam uma divisão de tarefas entre os familiares dependendo do sexo em algum
momento da pesquisa. Denis, por exemplo, ao ser questionado de como eram divididas e se eram
diferentes as atividades de seus pais, relatou, primeiramente, serem bem distintas, mas logo
atenuou, demonstrando a busca de não sobrecarregar nenhum membro da família: " Ah sim ... é
bem diferente [...] só que assim, eles estão sempre se ajudando, minha mãe sempre ajuda, que são
pecuaristas […] a gente sempre vai um ajudando o outro".
A mesma questão foi levantada para Carolina, que não reconhece primeiramente uma
divisão de tarefas entre os pais, mas logo após, reconhece que cabe mais a mãe as tarefas
reprodutivas:
"Não...é por dias, às vezes tem dia que a minha mãe faz mais coisas e dia que o meu pai faz
coisas. Mas no campo mesmo assim [...] meu pai que recorre o campo que vai olhar os
bichos e a minha mãe fica mais na volta de casa, cuidando do pátio, fazendo a comida, mas
às vezes eles trocam [...]".
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Muitas vezes, sem se perceber, as funções já determinadas na família acabam sendo
reproduzidas pelas gerações mais novas, mantendo uma divisão sexual na família. Acredito que não
há como romper com tal determinação na sociedade se negarmos que isso existe no âmbito familiar
e que é a partir dessas primeiras relações que é possível promover um pensamento menos desigual
entre homens e mulheres.
Hirata e Kèrgoat, ao tratarem da gênese do conceito de Divisão Sexual do Trabalho na
França na década de 1970, comentam que
Foi com a tomada de consciência de uma “opressão” específica que teve início o
movimento das mulheres: torna-se então coletivamente “evidente” que uma enorme massa
de trabalho é efetuada gratuitamente pelas mulheres, que esse trabalho é invisível, que é
realizado não para elas mesmas, mas para outros, e sempre em nome da natureza, do amor e
do dever materno. A denúncia [...] se desdobrará em uma dupla dimensão: “estamos cheias”
(era a expressão consagrada) de fazer o que deveria ser chamado de “trabalho”, de deixar
que tudo se passe como se sua atribuição às mulheres, e apenas a elas, fosse natural, e que o
trabalho doméstico não seja visto, nem reconhecido (2007, p. 597).
Apesar de passadas décadas desse despertar, ainda hoje essa divisão é presente e a
invisibilidade do trabalho realizado na família pelas mulheres permanece. A DST ultrapassa o
privado, chegando também às atividades realizadas em outros ambientes, reflexo dessa não
percepção do que é realizado pelas mulheres. Desse modo, algumas atividades permanecem
vinculadas ao feminino, levando essas mulheres a acumular jornadas.
Os estudantes, demonstraram reconhecer como trabalho as atividades desempenhadas no
âmbito domiciliar, como exemplo quando Berenice relatou: "acho que trabalho é tudo que a gente
faz [...] assim como o que a gente faz em casa", e Alice: "trabalho depende, eu vejo duas maneiras
de trabalho: trabalho remunerado [...] e trabalho de casa". Porém não reconhecendo uma divisão
sexual.
Comentei com Eunice, que faz curso técnico de enfermagem, se percebia maior incidência
de mulheres neste curso voltado a uma profissão de cuidado, quando comparado a de seus colegas
no curso de Segurança do Trabalho. Disse que sim e destacou que havia muito mais pessoas do sexo
feminino que masculino, cerca de 21 e 2 respectivamente, mas não soube dar uma explicação do
porquê dessa situação.
Destaco que em sociedades patriarcais, as tarefas de cunho reprodutivo, de cuidado, estão
voltadas às mulheres. Isso porque remete-se como características intrínsecas femininas a paciência e
delicadeza necessárias a esse tipo de função, sendo atividades menos valorizadas já que não
necessitariam de uma formação específica, pois haveria na mulher, naturalmente, certa inclinação.
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Para Gisele, que pretende cursar Pedagogia, também se comentou acerca dessa tendência
feminina para esta profissão por ela almejada, reconhecendo a estudante que há mais mulheres no
curso de pedagogia, justificando dizendo que "as mulheres possuem maior paciência com crianças".
Nota-se que a própria estudante já naturaliza características ditas como femininas condicionando
determinada profissão.
As funções educativas, também estão dentro daquelas que remetem a necessidade de
características femininas. Na educação formal, principalmente nas seres inicias, essa tendência é
ainda maior pois vê-se praticamente como uma extensão da educação familiar os passos iniciais na
educação formal, mantendo a mulher como ser que constrói os primeiros conhecimentos.
Helena realiza o Técnico em Segurança do Trabalho mas pretende um dia cursar veterinária
e trabalhar com animais de grande porte. Sempre esteve em contato com estes e disse que conhecia
pessoas que trabalhavam na área, possuindo certa noção das atividades da profissão. Quando
questionei se conhecia mulheres neste mesmo ramo, comentou serem poucas as que trabalham com
animais grandes, isso porque pode remeter a um trabalho que exige maior força física, o que, para
muitos, não seria o adequado a mulheres.
É fato que ainda existem grandes desigualdades salariais para homens e mulheres e guetos
femininos (CARDOSO, 2012). Da mesma forma,
[...] o aumento da taxa de participação para as mulheres de 18 a 29 anos certamente reflete
a mudança sociocultural em curso quanto à divisão sexual do trabalho – uma parcela cada
vez maior das mulheres recusa-se a ser relegada apenas ao trabalho doméstico-reprodutivo
não remunerado. Neste sentido, as mudanças sinalizariam processos de fortalecimento da
moratória social e de aumento da equidade nas novas gerações (CASTRO et al, 2009, p.
114).
Apesar das mudanças, as relações de gênero ainda podem influir na escolha profissional, em
geral ocorrendo de maneira não muito perceptível. Isso denota questões mais profundas da
sociedade que ainda estão impregnadas em nosso cotidiano. Assim, entende-se que este tema se faz
ainda bastante necessário, em todos os ambientes, pois perpassa os âmbitos privado e público
gerando desigualdades que refletem por toda sociedade, principalmente em relação ao trabalho.
Considerações
Os jovens participantes da pesquisa, estão atentos ao movimento econômico nacional
refletido no município, o qual propicia oportunidades de qualificação e emprego. Porém
compreendi que não percebem nitidamente, em suas relações, desigualdades ente homens e
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mulheres de acordo com suas funções. Isso remete a refletir o quanto ainda naturalizado estão
algumas atividades de acordo com os sexos e a necessidade de se destacar essa discussão.
Desse modo, quanto à influência da Divisão Sexual do trabalho, ainda é preciso um esforço
da sociedade em levar ao público jovem esta reflexão. Medidas já foram e estão sendo tomadas,
como pela OIT e no PNPM, contudo, demonstram ainda como não suficientes. Acredito ser um
processo lento, que necessita estar em pauta constantemente, a fim que as desigualdades diminuam,
alertando-se principalmente a população jovem. Assim, a busca por reconhecimento do trabalho das
mulheres mostra-se como um desafio atual ao feminismo.
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The professional choice and gender relations: perceptions of young students
Abstract: The choice professional occurs, in most cases, during youth and is subjected to various
influences. Living in a predominantly urban municipality and in full economic development, which
provides a wide range of jobs, encourages young people to prepare themselves to meet the demand
for skilled workforce. The survey asks how young families involved with agricultural activities
stand in front of such a situation. Thus, we aimed to investigate the claims of young students of the
3rd year of high school, with this typology, in Rio Grande-RS. We inquired about the pretensions of
these towards the world of work and what the various factors that led them to choose certain future
profession. Through semi-structured interviews and using as tool the discursive textual analysis
suggest the interference of gender relations in their career choice. We found that some students
perceived this influence, but ended up in their speech explaining situations that clearly identified the
interference of the sexual division of labor in the desired professions.
Keywords: Professional choice. Young. Sexual Division of Labor.
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