MÍDIA E SEXUALIDADE: ARTICULANDO PROPOSTAS PEDAGÓGICAS
PARA UMA EDUCAÇÃO INFANTIL EMANCIPATÓRIA
Juliana Costa Muller1
Ana Paula Knaul2
Resumo: A cada dia novas informações são apresentadas as crianças e a partir delas significações
são constituídas e apresentadas em seus diferentes espaços de convivência. Desta forma,
vivenciando situações contemporâneas de uma infância conectada com as mídias, este artigo derivado de um projeto de estágio - vem apresentar relatos de experiências pedagógicas realizadas
no contexto da educação infantil, sendo este, repleto de falas advindas da mídia com a presença
marcante dos estereótipos representados nas vivências infantis. O estágio aqui referido se
desenvolveu no primeiro semestre de 2010, em uma instituição municipal localizada em São
José/SC, com crianças de 4 à 6 anos. A partir das observações objetivou-se estabelecer ações
pedagógicas que levassem as crianças a refletir sobre os esteriótipos e questões de sexualidade que
apresentavam, criando assim, momentos de ressignificações sobre suas falas, como por exemplo:
―essa brincadeira é de menina‖, ‖menino é mais rápido que menina‖, ―namorar é andar de mão
dada‖, ―namorar é que nem na tv e na internet‖. Portanto, estratégias didáticas e mediações
constantes fizeram-se presentes nestas práticas, proporcionando assim, momentos que objetivaram
uma formação para a emancipação integral das crianças.
Palavras-chave: Mídia. Sexualidade. Educação infantil. Proposta pedagógica.
O cenário da infância na cultura digital
Na contemporaneidade multiplicam-se constantemente as possibilidades de comunicação
entre a comunidade social, tendo em vista, o desenvolvimento acelerado no qual encontram-se as
Tecnologias da informação e comunicação (TIC). Jenkins (2009) denomina esse período de
transformações como sendo uma cultura da convergência, na qual os meios de comunicação se
entrelaçam e se difundem em um movimento simbiótico, no intuito de disseminarem a informação
de forma rápida e avançada.
Imersa a esta realidade, está a criança, ―sujeito social, de direitos, um ser completo em si
mesmo, que pensa, se expressa por meio de múltiplas linguagens, que produz cultura e é produzido
numa cultura‖ (ROCHA; OSTETTO, 2008, p.2). Esta criança, participa de vivências num ambiente
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Mestranda em Educação na Universidade Federal de Santa Catarina / UFSC, linha de Educação e Comunicação
(2012/2). Pós-Graduada em Design Instrucional em EAD pela Faculdade de Administração, Ciências, Educação e
Letras / FACEL. Graduada em Pedagogia pelo Centro Universitário Municipal de São José / USJ (2011), com
habilitação em Educação Infantil, Anos Iniciais e Educação de Jovens e Adultos / EJA.
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Mestranda em Educação na Universidade Federal de Santa Catarina / UFSC, linha de Educação e Comunicação
(2013/2). Pós-Graduada em Design Instrucional em EAD pela Faculdade de Administração, Ciências, Educação e
Letras / FACEL. Graduada em Pedagogia pelo Centro Universitário Municipal de São José / USJ (2011), com
habilitação em Educação Infantil, Anos Iniciais e Educação de Jovens e Adultos / EJA.
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sexualizado, de transformações constantes, em contato com os meios de comunicação que refletem
em suas representações e que contribuem na constituição de conhecimentos, valores,
comportamentos, linguagens etc (NUNES, 1987).
As transformações constantes nas tecnologias de produção, no design de objetos, na
comunicação mais extensiva ou intensiva entre sociedades (...) tornam instáveis as
identidades fixadas em repertórios de bens exclusivos de uma comunidade ética ou nacional
(CANCLINI, 2006, p.30-31).
Desta forma, é possível compreender a criança, como um ser que perpassa por um processo
de construção constante da própria identidade. Esta marcada por uma interculturalidade, como
assim aborda Canclini (2006), que compreende diferentes etnias, costumes, comportamentos, sendo
estes retalhos culturais, que tornam cada vez mais inconstante o estabelecimento de uma identidade
fixa.
Ao analisar essa realidade presente nas vivências da infância, é possível compreender que
são diversas as formas de se construir conhecimento. Santaella (2010) caracteriza essas construções
como, aprendizagem ubíqua, que pode ocorrer a qualquer momento, em qualquer lugar, devido ao
fato de serem mediadas pelo uso das TIC.
De acordo com as vivências das crianças na cultura digital, pode-se perceber que a mídia
incorpora um forte papel na constituição de sentidos e significados, construindo assim a necessidade
de estudá-la.
Estudamos a mídia porque nos preocupamos com seu poder: nós o tememos, o execramos,
o adoramos. O poder de definição de incitação, de iluminação, de sedução, de julgamento.
Estudamos a mídia pela necessidade de compreender quão poderosa ela é em nossa vida
cotidiana, na estruturação da experiência, tanto sobre a superfície como nas profundezas. E
queremos utilizar esse poder para o bem, não para o mal (SILVERSTONE, 2005, p. 264).
A sociedade contemporânea se organiza por meio das mídias, assim como já nos dizia
Silverstone (2005), ela é uma grande mediadora entre sujeito e cultura. Esta relação aponta para
fragmentações em relação ao trabalho educativo das crianças mesmo que em muitos momentos
busquem mostrar sua junção, que nem sempre é percebida pelos adultos:
Os sentidos culturais das sociedades contemporâneas se organizam cada vez mais a partir
das mídias, que sendo parte da cultura exercem papel de grandes mediadoras entre os
sujeitos e a cultura mais ampla, modificando as interações coletivas. Nessas interações,
verificamos diversas fragmentações em relação ao trabalho educativo com crianças, como
razão-emoção, jogo-trabalho, ciência-imaginação, e embora as crianças, teimosamente,
insistem em mostrar sua junção, nem sempre ela é percebida pelos adultos. (FANTIN,
2006, p. 25).
A educação e os discursos escolares vão se separando da cultura, a cultura parece que se dá
pelo ―saber-fazer‖ e a educação pelo ―saber-usar-refletir, instrumentalizar‖: ―No entanto, ainda que
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a escola possa ensinar o saber-fazer visando superar tal dicotomia, se os sentidos desses saberes não
forem apreendidos, isso não será suficiente‖. (FANTIN, 2006, p. 26).
Eis assim, a necessidade de uma visão crítica a respeito da mídia, um desafio apresentado
pela sociedade contemporânea ao meio escolar:
Embora saibamos que nem sempre a demanda da sociedade é a mesma da escola, o papel
que as mídias têm desempenhado na sociedade da informação, da comunicação, do
espetáculo e, consequentemente, na formação dos sujeitos deve ser discutido na escola. Por
mais que fale que as atuais gerações de crianças e jovens cresceram com a TV, com o
vídeo, com o controle remoto, e embora apenas uma minoria possua computador e internet
(nos países periféricos), e por mais que se pergunte o que isso significa, o entendimento a
respeito das mudanças propiciadas pelas mídias e pelas redes ainda está longe de ser
suficientemente problematizado na escola. (FANTIN, 2006, p. 26).
De acordo com esta realidade e necessidade de problematização no meio escolar, pode-se
ainda completar a disseminação das informações pelas TIC‘s, os paradigmas e estereótipos
relacionados à sexualidade humana e aos modelos sociais foram se incorporando nas atitudes da
comunidade social e representados em suas manifestações cotidianas. No intuito de compreender
melhor a respeito desses padrões, Azibeiro e Morin apresentam o conceito de paradigmas, citados
em Melo e Pocovi (2002, p. 29):
Chamamos paradigmas às estruturas de pensamento que, de modo quase que inconsciente
comandam nosso modo de ser, de olhar, de viver, de fazer, de falar sobre as coisas e sobre
nós mesmos. São os nossos sistemas mentais, que filtram toda a informação que
recebemos: ignoramos, censuramos, rejeitamos, desintegramos o que não queremos saber.
Não os entendemos como modelos, rígidos e acabados, mas como horizontes, que se
ampliam e se modificam a cada passo dado, ou teias de significados, sempre se retecendo e
rearticulando.
A presença da mídia como um meio da massa permite a disseminação de padrões
constituídos pela comunidade social, como por exemplo o padrão de beleza idealizados por meio de
representações estéticas, modelando formas de condutas ideais a serem incorporadas. Nesse sentido
é importante ressaltar que ―muitas vezes‖, ou então dizer, ―quase sempre‖, os paradigmas são
incorporados pelos indivíduos, sem nem ao menos saberem, o porquê foram constituídos e o que
compreendem na matriz de sua concepção. Esses modelos, engendram consequências que remetem
à constrangimentos, ao consumo abusivo, dentre outros.
Gastaldo (2009, p. 355), caracteriza as produções midiáticas e seus reflexos:
Os produtos veiculados pela mídia utilizam linguagens e articulam significados e
determinados referentes, criando representações que, ao serem veiculadas para a sociedade,
tomada como ―massa‖, ressaltam alguns significados, ocultam outros, incorporam
significados correntes em alguns grupos e os ampliam para toda a sociedade, entre outras
operações, nas quais se manifesta potencial de veiculação de ideologia através da mídia,
―naturalizando‖ representações sociais e operando no sentido da manutenção de uma dada
relação de forças no interior de uma sociedade. (GASTALDO, 2009, p. 355).
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Partindo desse pressuposto, Paulo Freire (2000), afirma: ―a educação como prática da
liberdade é um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade‖. É nesse enfoque que
as vertentes pedagógicas da Educação Sexual colocadas por Nunes (1996), estão postuladas, no
sentido de conhecer a realidade e compreender as formas com que foram se constituindo os
paradigmas.
Dentre as vertentes pedagógicas trazidas por Nunes (1996), encontram-se: a médicobiologista (compreende discussões a respeito da reprodução sexual, fragmentando o estudo da
sexualidade); a normativo-institucional (aborda regras de moral e conduta sexual estabelecidas pela
igreja católica, gerando a repressão sexual); a terapêutico-descompressiva (onde o sexo é
compreendido como técnica, produtividade e consumo desenfreado, incorporado pela contribuição
da mídia para este enfoque capitalista). Essas perspectivas abarcam todas as especificidades
presentes em diferentes períodos da história com relação a sexualidade humana, desde o tempo
primitivo, perpassando pelo desenvolvimento do capitalismo, e das transformações nos modos de
produção, com os avanços tecnológicos contribuindo na constituição do ser humano.
Dentre as perspectivas citadas por Nunes (1996), a mídia participa ativamente no processo
de disseminação de valores e comportamentos à comunidade de massa, contribuindo para as
incorporações de padrões, conforme coloca Melo e Pocovi (2002, p. 33) a respeito da vertente
terapêutico-descompressiva:
Naturaliza-se o sexo como mercadoria, uma vez que ele se apresenta mecânico,
deserotizado. É uma aparente liberalização e descompressão das práticas sexuais. A mídia é
utilizada como uma das maiores formadoras de valores éticos sexuais. Todos são
considerados como tendo a mesma história e a mesma necessidade. O conhecimento sobre
a sexualidade tende a ser superficial e vazio, não a considerando como uma construção
sócio-histórico-cultural.
Nesse sentido, é necessário salientar a importância da presença de mediações para que sejam
críticas, criativas, reflexivas e dialógicas a partir das recepções atribuídas pelas crianças, dentro de
seus diferentes contextos. É preciso pensar na Educação Sexual a partir de um paradigma
emancipatório, que engendra-se com o seguinte princípio:
[...] todos os seres humanos inserem-se no mundo mediante seus corpos sexuados, mundo
que é uma construção sociopolítica, histórica e cultural de seres humanos, dialeticamente
vistos como seres únicos e parte da sociedade ao mesmo tempo, produtores e produzidos
nas e pelas relações sociais, mesmo que a maioria aparentemente assim não se perceba
(MELO e POCOVI, 2002, p. 37).
Desse modo é possível construir uma concepção emancipatória para a educação sexual,
pensando em uma formação integral do educando no ambiente escolar, buscando amparar as
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práticas pedagógicas em reflexões constantes com os educandos de modo crítico e participativo,
como assim coloca Melo e Pocovi (2002, p. 38):
[...] é uma busca da reconstrução consciente e participativa de um saber amplo e universal
sobre a dimensão humana da sexualidade, sem distinção de qualquer ordem, e essa
reconstrução deve começar dentro de cada um, espraiando-se para o coletivo. Não pode ser
apenas uma reprodução acrítica do que está posto na sociedade. Devemos buscar o
despertar da consciência crítica, possibilitando aos indivíduos escolherem seus caminhos
sem amarras, sem medos, e com conhecimento de sua importância nas diversas relações
sociais.
É pensando nesta perspectiva emancipatória, que este artigo apresenta a seguir os nuances
de uma trajetória traçada em uma instituição de educação infantil, no qual buscou-se promover
ações pedagógicas amparadas por de uma práxis libertadora, considerando como ponto de partida o
olhar das crianças pequenas sobre o seu entorno, percebendo em suas manifestações com seus
pares.
Da teoria à prática
―[...] em que medida as informações estão sendo trabalhadas na escola a fim de contribuir
para a interpretação do mundo?‖. (FANTIN, 2006, p. 27).
No intuito de articular as discussões teóricas à realidade que envolve a infância na
contemporaneidade, o presente artigo deriva-se de um projeto de estágio realizado em uma
Instituição de Educação Infantil, no qual buscou-se observar as vivências das crianças de 4 à 6 anos.
Com isso, foi lançada uma observação atenta para as crianças, de modo a perceber as questões que
se faziam presentes nessas cotidianidades, para que estas corroborassem na constituição de ações
pedagógicas emancipatórias, conforme Freire (1996) coloca:
[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção
ou a sua construção. Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo aberto a
indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibições; um ser crítico e
inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não de transferir
conhecimento. (FREIRE, 1996, p. 47).
Durante o período de observação às práticas realizadas pela professora da classe, as crianças
foram mostrando alguns direcionamentos para constituir uma ação docente, pois afinal, é É preciso
considerar o educando como ser de ideias e pensamentos próprios, que participa de diferentes
contextos sociais, que necessitam ser considerados (ROCHA, 1999).
Assim que termina a história Ronan, é o primeiro a desenhar, e começar a pintar o seu
dinossauro e diz: Menina é muito devagar pra desenhar. Menino é mais rápido. (Relato do
dia 06/04/2010). [...] durante as brincadeiras com as crianças e momentos de conversas,
perguntamos as crianças quais seus brinquedos preferidos [...] os meninos falaram que
gostavam de carro de brinquedo, de caminhão, de andar de bicicleta, de luta. As meninas
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gostavam de brincar de boneca, de mamãe e filhinha, de esconde-esconde, de ouvir
histórias e de brincar no parque (Relato do dia 13/04/2010).
Começou-se a perceber uma presença muito explícita da demarcação dos sexos, os
estereótipos presentes e determinantes na constituição das relações das crianças com seus pares,
tanto nas brincadeiras, como em seus comportamentos e nesse sentido sabe-se que ―os brinquedos e
materiais utilizados pelas crianças influenciam, decisivamente, na maneira como interagem e como
brincam entre si‖ (RUBIN, 1985 apud SAGER E SPERB, 1998).
A curiosidade das crianças, que possuem entre cinco e seis anos, estava também em formar
―casaizinhos‖ de namorados. Em alguns casos há a presença dos ―triângulos amorosos‖, fato que
resultava em briga com os amigos. Desta forma, Sager e Sperb (1998) afirmam que: ―O gênero das
crianças e o contexto na qual brincam têm grande importância na maneira como elas entram em
conflito‖.
Durante as brincadeiras de roda atrás da professora auxiliar Juliana, percebeu-se uma briga
entre Igor e Gabriel. Nesse momento a professora auxiliar Juliana os separou e perguntou o
que estava ocorrendo. Igor respondeu dizendo que estava batendo em Gabriel, porque ele
queria brincar com Monica. Com isso, Igor não aceita que Monica brinque com eles e diz: Ela só quer brincar de neném, o papai é o Gabriel, a mamãe é ela e o neném sou eu. Igor se
mostra furioso batendo o pé e diz: - Não quero ser o neném, ser o neném é muito chato.
Igor também não aceita que Gabriel deixe de brincar com ele para brincar com Monica.
(Relato dia 13/04/2010).
Andrade (2003) faz referência ao Professor Edvaldo Souza Couto, afirmando que muitas
vezes nós agimos como se pudéssemos separar o corpo da mente, não nos dando conta de que estes
caminham juntos, em constante aprendizado nas relações estabelecidas. Esta relação se faz presente
na interação com o próximo, nas relações amorosas, de amizade e familiar. Este modelo pode estar
concretizado também por meio dos meios de comunicação como: televisão, livros, internet, a mídia
em um contexto geral.
Durante uma atividade presenciamos duas falas que nos chamaram atenção: José dizendo
que vai casar com Sara, e André, então, cita uma frase da propaganda que passa na
televisão: ―- Peitinho você quase foi promovido‖. (Relato do dia 13/04/2010).
Ao falar sobre o papel da mídia, percebe-se a necessidade de transparência da informação,
sua representatividade social e cultural nos diferentes setores da sociedade ―[...] e o estabelecimento
de políticas culturais que possam impulsionar outros tipos de produção midiática, favorecendo o
desenvolvimento de alternativas aos mercados globalizados em função dos interesses públicos e dos
processos educativos e formativos‖ (FANTIN, 2006, p. 27).
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Nesse sentido, as práticas estiveram voltadas para a curiosidade da criança em experimentar
algo ―diferente‖, sendo a partir de perguntas sobre ―o que é namorar‖ até brincadeiras com meninas
e meninos, sem distinção.
Dentre as respostas que foram obtidas a partir das indagações, Sara coloca: - ―namorar é
andar de mão dada‖. E João enfatiza: - ―namorar é tirar a roupa, é ficar pelado‖, ―é que nem na tv e
na internet, que coloca ‗GTA putaria‘ e aparece mulher pelada‖. Com esses relatos, pode-se
perceber a contribuição das mediações presentes nas vivências de cada educando, cada um imerso
por um contexto específico.
Para Martín-Barbero (2008) as mediações - cotidianidade familiar, temporalidade social e
competência cultural - são responsáveis pela produção de cultura, pois são a partir destas que
engendram-se as recepções. Estas mediações estão ligadas as relações de interação geradas entre os
indivíduos, com a influência dos dispositivos midiáticos na constituição ou na ressignificação do
conceito atribuído.
No intuito de promover um processo de ressignificação de conceitos, a primeira proposta
realizada foi um teatro, de autoria do grupo de estágio, baseado no livro ―A princesa sabixona‖.
Este teatro intitulado ―O reino encantado‖ - encenado pelo grupo - objetivou trabalhar o respeito às
diferenças de gênero. A história apresentou o cotidiano de uma princesa chamada Clara, porém,
diferente daquela presente nos contos infantis, pois essa, gostava de brincar de bola, de pipa, de
carrinhos, de pega-pega, e também adorava vestir-se com a cor azul em seus trajes. Ela tinha um
amigo chamado Pedro, com o qual se dava muito bem. Pedro era um pouco diferente dos meninos
que a Clara conhecia, ele gostava de brincar de boneca, de mamãe e filhinho, ao contrário dos
outros meninos do seu reino que só queriam brincar de carrinho. Ele, adorava usar a cor rosa em
suas roupas.
Quando essas características apresentaram-se na encenação durante o teatro, as crianças
riram muito e comentavam: ―- Arram!!!!Di minino‖ ao ver a princesa com capa azul. ―- Mininha,
mininha‖ ao ver o príncipe de capa rosa. ―- Ah... Essa é a minha favorita‖, ao ver a princesa
brincando de carrinho.‖- Beija, beija, beija, vamo pessoal‖, no momento do casamento entre a
princesa e o príncipe.
Essa apresentação convidou as crianças a participarem da peça, bem como, iniciar um
processo de reflexão a respeito das figuras esteriotipadas bem marcadas no grupo. Depois da
história, as crianças construíram suas coroas e então foram convidadas a encenar com o príncipe e a
princesa. Vestiram e brincaram com todos os brinquedos da peça, apesar do estranhamento e
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algumas recusas iniciais que não fizeram desistir do objetivo estipulado, pois ―A ciência [...] longe
de mecanizar o artista ou o profissional, arma a sua imaginação com os instrumentos e recursos
necessários para os seus maiores vôos e audácias‖ (TEIXEIRA, 1977, p.51).
Todo o processo de construção dos objetos para a história foi mediando, momentos de
conversa sobre ―o porque de usar o rosa, o azul‖ foram estabelecidos para que os esteriótipos e as
brigas pudessem ser trabalhadas de maneira a melhorar o convívio entre eles.
Furlani (2008) afirma que a cultura estabelece brinquedos para meninas e meninos
específicos e muitos pais, mães, professores e professoras acreditam que esta definição pode definir,
por exemplo, a sexualidade futura da criança.
Eis assim, a importância da mediação, do conversar, do olhar no olho, do sentir e de se
aproximar daquele que em algumas vezes reproduz o que o adulto faz sem perceber seu envoltório e
consequências.
Mídia-educação como prática emancipatória
Na contemporaneidade as crianças deparam-se com inúmeras possibilidades de acesso a
informação cotidianamente, com isso, o papel do educador torna-se cada vez mais importante, em
mediar essa bagagem de informações, no sentido de significá-las e ressignificá-las quando
necessário (CHARLOT, 2005).
Ao amparar-se na mídia-educação como concepção teórico-metodológica enraizada nas
práticas constituídas neste Projeto de Estágio na Educação Infantil, é importante abordar sobre a sua
definição como sendo este ―um campo interdisciplinar em construção, na fronteira entre a
Educação, a Comunicação, a Cultura e a Arte, voltado à reflexão, à pesquisa e à intervenção no
sentido da apropriação crítica e criativa das mídias e da construção de cidadania‖ (Carta de
Florianópolis para Mídia-Educação, 2009).
Desta forma, buscou-se desconstruir os pré-conceitos existentes com relação aos
estereótipos, estes constituídos nas vivências sociais, e também, transmitidos pela mídia, no intuito
de melhorar as relações entre as crianças com seus pares e com a comunidade social que envolve o
seu contexto.
Nesse contexto, torna-se essencial destacar o papel do mídia-educador no processo de
formação da criança, em que este contribui no desenvolvimento de conhecimentos e aprendizagens
no espaço escolar, pois ―O mídia-educador é fundamentalmente um mediador cultural entre as
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culturas dos meios e as culturas dos meninos e a sua própria também, a cultura da escola e da
tradição cultural‖(RIVOLTELLA, apud FANTIN, 2010).
Pela perspectiva da mídia-educação, buscou-se construir ações pedagógicas que consideram
a mídia como dispositivo de criação, de participação e de expressão social, como assim colocam
Bévort e Belloni (2009) que percebem a mídia como ferramenta constitutiva dos processos de
ensino e aprendizagem.
Nesse sentido, com o intuito de amparar a prática dos mídia-educadores no cenário da
infância, Buckingham (2007) contribui afirmando que a educação precisa estar pautada em
promover a provisão, proteção e participação da criança, inclusive em relação ao uso das mídias nas
vivências da comunidade social. É necessário que a escola desenvolva ações pedagógicas no intuito
de preparar a criança para a cultura digital, de modo a participar de modo ativo nas produções
midiáticas, além de corroborar na seleção dos conteúdos que por ela são recepcionados.
Portanto, espera-se que outras propostas sejam despertadas e que esse artigo seja encarado
como o trabalho do beija-flor, que além de contemplar com sua beleza, visita diversas flores
deixando um pouco de si e levando um pouco de cada um. Que novas inspirações possam emergir e
que a educação infantil possa ser contemplada com mais propostas pedagógicas emancipatórias.
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Media and Sexuality: articulating pedagogical proposals for early childhood education
emancipator
Abstract: To each day new information are presented the infants and from them significances are
constituted and presented in her different spaces of company. In this way, experiencing
contemporary situations of an infancy connected with the medias, this article - derivative of a
project of period of training - is going to present accounts of pedagogical experiences carried out in
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the context of the childlike education, being this, full of resulting speeches of the media with the
outstanding presence of the stereotypes represented in the childlike experiences. The period of
developed this project was in 2010, in a municipal institution located in Saint José/SC, with infants
of 4 to the 6 years. From the observations planned be established pedagogical actions that led the
infants it reflect about the stereotypes and questions of sexuality that presented, creating like this,
moments of resignifications about his speaks, as by example: "That joke is of girl", "boy is more
quick than girl", "court is walk of given hand", "court is that neither in the tv and in the internet".
Therefore, the educational strategies and constant mediations did itself presents in these practical,
providing moments that planned a formation for the integral emancipation of the infants.
Keywords: Media. Sexuality. Childhood education. Pedagogical Proposals.
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X
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mídia e sexualidade: articulando propostas pedagógicas para uma