A FÍSICA DA AREIA NUMA ACTIVIDADE EXPERIMENTAL MOTIVADORA
Talaia1 M.A.R. e Melo2, E.C.
1
Departamento de Física da Universidade de Aveiro, 3810-193 Aveiro, Portugal
2
Colégio Liceal de Santa Maria de Lamas, Santa Maria de Lamas, Portugal
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RESUMO
Neste trabalho é apresentada uma actividade muito interessante que permite fazer ciência
através da experimentação, da observação e da explicação dos dados registados.
As experiências permitem ao observador compreender como a velocidade superficial de um
gás influência a altura de uma camada ou leito de areia confinada a uma coluna transparente
vertical. A interpretação física do fenómeno observado, ajuda a compreender cabalmente o
que está envolvido na formação dos chamados “olhos de água” que aparecem de uma forma
natural em algumas praias, sendo a “delícia” de brincadeiras por parte de crianças, jovens e
adultos.
O exemplo experimental permite abordar conceitos básicos da Física, nomeadamente peso,
massa, massa volúmica, massa volúmica aparente, pressão, impulsão, viscosidade dinâmica e
força de arrasto.
1. Introdução
A aprendizagem da Física requer motivação e interesse. Como ciência experimental
especialmente ligada ao dia-a-dia, a Física fornece-nos explicações indispensáveis ao
desenrolar do ensino / aprendizagem. De facto, motivação e interesse pela Física pressupõem
curiosidade pelo desenlace de experiências laboratoriais simples e uma certa sensação de
“suspense“ aliada à realização de experiências interessantes e motivadoras. Motivação e
interesse não são satisfeitos plenamente sem o envolvimento e a participação activa do
estudante na realização das experiências. Por sua vez, estes distinguem-se do simples
cumprimento de protocolos experimentais, eventualmente meticuloso e detalhado, mas
certamente anónimo e impessoal. O facto da Física, como ciência, se encontrar ligada à vida
real, torna mais fácil a sua contextualização no ensino recorrendo a fenómenos físicos do diaa-dia. Por outras palavras, o ensino da Física conta, à partida, com a natural receptividade do
estudante, desde que seja orientado com base na experimentação e na contextualização das
matérias leccionadas numa base do quotidiano. O estudante pode ser motivado a desenvolver
um interesse que perdure pela sua vida, ao ponto de despertar eventuais vocações.
1
A análise no novo programa de Física do 12º ano de escolaridade permite reconhecer que o
ensino das Ciências nas escolas deve ter uma ligação às situações do quotidiano.
Apesar de existir uma longa tradição de Trabalho Laboratorial no currículo das Ciências, a
maioria dos professores não tem uma noção clara do seu papel: ou sobreutilizam o Trabalho
Laboratorial usando-o como panaceia para atingir todos os objectivos, ou subutilizam-no,
uma vez que pouca vezes exploram o seu real valor educativo [HODSON (1994), LEITE
(2001)].
Encarar o Trabalho Laboratorial como a solução para atingir todos os objectivos da educação
em Ciência é imprudente e ingénuo. Até porque, o Trabalho Laboratorial é válido para
mostrar como acontece, mas raramente porque acontece [(Wellington (1994) citado em
SILVA (2001)]. Igualmente errada é a visão do Trabalho Laboratorial como algo que deve
prevalecer a todos os aspectos do processo de ensino / aprendizagem, sendo preciso ter bem
presente que funções são exclusivas do Trabalho Laboratorial e qual o seu grau de eficiência
para o desenvolvimento de certas capacidades que também são desenvolvidas por outros
meios [Hodson (1998), Thomaz (1999) citados em SILVA (2001)].
Esta comunicação pretende ilustrar a importância do trabalho laboratorial no ensino de física e
explicar determinados conceitos abordados na unidade temática de Mecânica dos Fluidos do
programa do 12ºano.
1. Teoria / experimentação
Num leito de areia confinada a uma coluna transparente e vertical podem ser criadas
condições experimentais em que a areia se comporte como um fluido (gás ou líquido). Para o
efeito basta alimentar a base da coluna com um caudal de gás ou líquido e instalar, a
diferentes alturas da coluna, tomas de pressão com rede apropriada (de modo a evitar saída da
areia da coluna) que permitem ligar, com tubos flexíveis e transparentes (de aquário), sensores
de pressão, osciloscópio ou manómetros diferenciais de pressão em forma de U (o líquido
manométrico usado foi a água).
A condição de fluidização incipiente ou condição mínima de fluidização para ocorrer a
fluidização é definida como a transição entre o estado de um leito de partículas fixo e o estado
de um leito fluidizado. Na prática, a condição de fluidização incipiente ou condição mínima
para ocorrer a fluidização têm a ver com a condição em que a diferença de pressão é
suficiente para suportar o peso das partículas do leito por unidade de área.
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Com base na equação da hidrostática pode-se escrever Δp = (ρ − ρ g )(1 − ε mf )gH mf , onde Δp
representa a diferença de pressão entre as tomas de pressão consideradas, ρ a massa
vólumica da partícula ou areia, ρ g a massa volúmica do gás, ε mf a porosidade na condição
mínima de fluidização, g a aceleração devida a gravidade e H mf a altura do leito na condição
mínima de fluidização. É também muito interessante conhecer o regime de escoamento
através do conhecimento do número de Reynolds (mede fisicamente a contribuição das forças
de inércia e viscosas) dado por Re mf =
ρ gU mf d p
, em que U mf corresponde à velocidade
μg
mínima de fluidização, d p o diâmetro das partículas ou areias e μ g a viscosidade dinâmica
do gás [DAVIDSON et al. (1985), GELDART (1986)].
Durante a actividade experimental a observação visual permite avaliar a expansão do leito de
partículas quando se aumenta a velocidade superficial do gás. Quando o aumento da corrente
de gás e a diferença de pressão estabiliza pode-se afirmar que o leito de areia está fluidizado.
Nesta situação cada areia ou partícula torna-se individualmente suspensa e em equilíbrio com
a corrente gasosa, equivale a afirmar que de acordo com a 2ª lei de Newton, o somatório das
forças exteriores é igual a zero.
Nestes termos a velocidade superficial do gás ou líquido, determinada a partir do quociente
entre o caudal injectado na base da coluna e a área da secção recta da coluna, quando aumenta
permite registar diferentes valores para a diferença de pressão do leito entre as tomas que
estão a ser consideradas.
As areias usadas têm um diâmetro equivalente de 205 μm (considerada areia fina) e o leito de
areia uma altura de 1,31 m, com uma massa de 8,59 kg e uma massa volúmica de 2580 kg.m3
. O leito ou camada de areia, contido na coluna vertical transparente com a altura de 3 m e
um diâmetro interno de 78 mm, foi fluidizado com uma corrente gasosa (alimentação de ar a
partir da instalação de ar comprimido, cujas propriedades físicas registadas foram: massa
volúmica de 1,2 kg.m-3 e viscosidade dinâmica de 18×10-6 Pa.s).
Os sinais registados na forma discreta (usando um manómetro diferencial de pressão em
forma de U) ou adquiridos pelos sensores e gravados continuamente num mini computador,
permitiram construir diversos gráficos onde se visualiza o comportamento da diferença de
pressão quando se aumenta a velocidade superficial do gás.
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O ponto de fluidização incipiente, ou seja, o ponto onde ocorre pela primeira vez a velocidade
mínima de fluidização e os espaços vazios entre os grãos da areia são então facilmente
avaliados.
2. Instalação experimental
A Figura 01 mostra uma das instalações usadas. De notar que, nesta instalação, a secção recta
da coluna é rectangular com 10 mm de largura e 100 mm de comprimento. Há algumas
vantagens no uso da figura geométrica rectangular em face da circular. Na rectangular, a
observação do fenómeno está segundo um plano vertical e visualmente pode-se acompanhar a
expansão do leito até se começar a observar a presença de pequenas bolhas de gás. Nesta
situação, a velocidade superficial do gás já é superior à velocidade mínima de fluidização. Se
numa coluna igual e colocada à parte em que o leito de areia fosse substituído por água, a
experiência mostra que se o excesso de gás ou seja, a diferença entre o caudal registado e o
caudal mínimo de fluidização, que condiciona a formação do “espectáculo dinâmico de
diferentes formas de bolhas de ar na areia fluidizada” fosse injectado na base da coluna com
água, as bolhas de ar formadas são de aspecto similar (a situação é análoga ao arejamento da
água contida num aquário). É importante informar que a condição de fluidização incipiente ou
condição mínima de fluidização não depende nem da altura do leito de areia nem da secção
recta da coluna.
Figura 01 – Coluna com um leito de areia e manómetros diferenciais
3. Resultados e sua análise
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A Figura 02 mostra os valores registados durante diferentes fases da actividade experimental
quando se aumenta o caudal de gás. Na figura cada ponto representa os registos da velocidade
superficial medida, ou por um rotâmetro ou por um medidor de caudal e a correspondente
diferença ou queda de pressão lida no manómetro diferencial ou sensor.
Queda de pressão (cm H2O)
240
200
160
120
Dados experimentais
tendência com r = 0.998
diferença de pressão média (= 173.8 cmH2O)
80
40
0
1
2
3
4
5
U - velocidade do fluido (cm/s)
Figura 02 – Influência da velocidade do fluido na queda de pressão do leito
A Figura 03 mostra entre tomas distanciadas de 100 mm os sinais registadas.
Figura 03 – Sinais registados por um sensor diferencial de pressão
A Figura 03 (a) mostra um registo para uma experiência em leito fixo, a Figura 03 (b) mostra
um registo para uma experiência muito próxima da velocidade mínima de fluidização e a
Figura 03 (c) para uma experiência em que a velocidade superficial do gás é superior à
velocidade mínima de fluidização (a ondulação do gráfico indicia a passagem de bolhas de
ar).
Os dados obtidos, por aplicação da equação da hidrostática na condição de balanço das areias,
permitem obter a porosidade dada por ε mf = 0,544 ± 0,003 , cujo valor está em concordância
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com valores típicos publicados na literatura da especialidade (KUNII and LEVENSPIEL,
1991).
4. Considerações finais
É interessante referir que uma actividade experimental simples em que usa apenas material de
baixo custo, constituída por um medidor de caudal, uma coluna e manómetros diferenciais em
forma de U, permite a abordagem de conceitos básicos fundamentais no ensino das Ciências,
em particular na área de fluidos. Adicionalmente, favorece uma perspectiva de ensino por
pesquisa, em que se regista uma articulação em ciclos de aprendizagem. Segundo
CACHAPUZ (2001) a problematização resulta da inter-relação entre o currículo que engloba
os conhecimentos, capacidades, atitudes e valores que se esperam que os alunos venham a
atingir e os saberes pessoais, académicos, culturais e sociais que os alunos já trazem e
situações problemáticas centradas no quadro CTSA. As metodologias de trabalho, são os
diferentes percursos a seguir para encontrar as respostas às questões problema, previamente
elaboradas. Estas metodologias de trabalho deverão ser diversificadas e assentar em duas
dimensões em permanente equilíbrio dinâmico: o agir e o pensar. As actividades de
desenvolvimento são de vários tipos (neste caso actividade experimental) onde deve envolver
activamente os estudantes, dando-lhes a oportunidade de predizerem o eventual resultado e de
fazerem uma tentativa de explicação numa lógica: previsão / observação / explicação.
Nestas circunstâncias a Física é muito mais atraente para os estudantes, quando as actividades
são desenvolvidas numa perspectiva ou dinâmica CTS.
Referências
CACHAPUZ, A., Perspectivas de Ensino. Colecção Formação de Professores de Ciências Nº1
Porto. Centro de Estudos de Educação em Ciências. 2ª edição, 2001
DAVIDSON, J.F., Clift, R. and Harrison, D., Fluidization. Academic Press, London, 1985.
GELDART, D., Gas Fluidization Tecnology, John and Sons, Ltd., 1986.
KUNII, D. and Levenspiel, Fluidization Engineering, Butterworth-Heinemann series in
chemical engineering, 2nd ed., 1991
HODSON, D. Hacia un enfoque más crítico del trabajo de laboratorio. Enseñanza de las
Ciencias, 12(3), 299-313, 1994
LEITE, L. Contributos para uma utilização mais fundamentada do trabalho laboratorial no
ensino das ciências, Cadernos didácticos de Ciências Ministério da Educação, Departamento
do Ensino Secundário (DES), 2001
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SILVA, J.M.T.A. Concepções e Práticas dos professores relativas ao Trabalho Experimental
no Ensino da Física. Dissertação de Mestrado, Universidade de Aveiro, 2001
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