O novo Programa de Matemática A
Não vou conseguir ter tempo para detalhar sobre um documento com a extensão deste Programa e
Metas. São 103 páginas mais 62+46 páginas de dois cadernos de apoio. Em três semanas de
trabalho escolar intenso, não consigo.
Assim, como a pressa é má conselheira, acho que se deveria exigir de imediato um alargamento do
prazo de discussão. Não fazer isto significa aceitar fazer coisas em cima do joelho. É este o
exemplo que queremos dar aos nossos alunos?
Não tendo tempo para analisar a proposta em detalhe, posso colocar toda a minha experiência em
cima da mesa. Lembro só que, não tendo memória curta, fui aluno de um programa muito menos
ambicioso que este nos idos anos de 1984, 1985 e 1986. O Programa da altura só foi cumprido com
aulas suplementares depois do final oficial da aulas e porque tínhamos um exame a realizar.
Dez anos depois leccionei o 12º ano desse “quase” mesmo Programa, sim “quase” porque pelo
caminho sofreu alguns ajustes e houve temas que desapareceram para o tornar exequível em 5 horas
semanais (incluindo cálculo integral e espaços vetoriais). E com muita dificuldade o cumpri! A taxa
de sucesso foi muito grande, tive cerca de 90% de aproveitamento. É verdade, as anulações de
matrícula não contavam para a estatística, se tal acontecesse eu teria uns míseros 20% de sucesso.
Note-se que já nesta altura este Programa tinha sido substituído por um outro em 1992, mas no
ensino noturno mantinha-se o anterior, daí o ter leccionado.
Este novo Programa que veio a ser introduzido em 1992 revelou-se um autêntico desastre, dada a
quantidade de assuntos que abordava (cónicas, cálculo integral). Apresentava também temas
opcionais (como estruturas algébricas e equações diferenciais), que em raras escolas foram
leccionados. E, a par do aumento exagerado de conteúdos, veio ainda uma redução da carga
horária...
Para remediar a situação foram feitas a partir de 1995 Orientações de Gestão do Programa para que
houvesse, a nível nacional, um currículo mínimo comum para exame, e assim chegamos ao ano de
1997, ano em que entrou em vigor um Bom programa de Matemática. Mas mesmo este foi alvo de
um ajustamento e depois de um reajustamento tendo levado ao aparecimento do Programa de
Matemática A, presentemente em vigor, a prática e o bom senso assim o aconselhavam, os
professores que dão aulas nas salas de aula onde há alunos, que são pessoas, eram ouvidos.
Para poder ser exequível, foi permanentemente acompanhado por cerca de 100 professores que
andavam no terreno a dar todo o apoio necessário para que a Matemática pudesse ser para todos os
alunos. Mesmo assim as dificuldades foram e são muitas, mas os professores começaram a ler o
Programa. O tempo foi passando o acompanhamento morreu, e com ele muito professores ficaram
órfãos, tendo outros nascido já sem acompanhamento, o que levou a que hoje muitos professores
não conheçam o programa e se limitem a “dar” o que vem no manual. A título de exemplo a filha de
um casal amigo, aluna do 10º, esta semana, chamou a atenção da professora dela que estava a
leccionar um conteúdo que não está no Programa, a resposta da Professora envergonha-me: “tens
razão mas os meus colegas estão a leccionar e vem no manual”. Serve este exemplo para referir que
com esta proposta de Programa vamos ter alunos a serem massacrados com uma Matemática
completamente abstracta, sem sentido aparente para eles e que vai acabar com os alunos nos cursos
que tenham matemática.
Acho os conteúdos muito interessantes, para mim que gosto muito de Matemática, que compro
muita literatura da especialidade e sou autor de manuais. Mas isso não chega para ensinar
matemática a todos os alunos. Antevejo um grande desastre em muitos campos: a começar no dos
professores e depois no dos alunos. Também vislumbro um possível campo de muito sucesso: o
mercado das explicações.
Penso que os autores do programa estão completamente alheados da realidade do ensino em
Portugal no Século XXI (um deles até já está reformado se bem percebi), pelo que urge voltar à
realidade enquanto é tempo. Caso contrário vamos adiar várias gerações de estudantes e fazer
regredir a educação matemática muitos e muitos anos.
Tantos conteúdos novos são introduzidos que, com a minha experiência, digo logo com os olhos
fechados que são impossíveis de cobrir, mesmo com aulas suplementares por causa dos exames.
Lógica, teoria de conjuntos, classes de equivalência, partições, método de monte Carlo, fórmula de
Carnot, teoremas de Rolle, Lagrange e Weierstrass, primitivas e integrais, equações diferenciais
lineares de 1ª ordem, inúmeras demonstrações obrigatórias, não pode ser. Nenhum professor de
Matemática vai conseguir leccionar isto numa turma de 30 alunos, como temos hoje em regra.
Pensando alto, o atual Programa necessita de ser revisto, claro que necessita, mas com olhos de
especialistas em Matemática, Educação e demais atores da sala de aula a que se destina, não com
uma imposição pura e simplesmente porque se acha que o atual está mal feito.
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Joaquim Pinto - Associação de Professores de Matemática