Artigo Original
Avaliação nutricional e fatores de risco
cardiovascular em motoristas de transporte
coletivo urbano
Nutritional assessment and cardiovascular risk factors of
urban public bus drivers
Geisa Neutzling de Moraes1, Ana Paula Trussardi Fayh2
Resumo
Motoristas de transporte coletivo deveriam gozar de boa saúde e possuir baixo risco para doenças cardiovasculares (DCV)
para transportar passageiros em segurança. O objetivo deste estudo foi avaliar o estado nutricional e o risco para DCV em
motoristas de transporte coletivo de Porto Alegre. Foram avaliados 201 motoristas do sexo masculino, os quais responderam
um questionário semiestruturado com perguntas sobre hábitos de vida, doenças pré-existentes e consumo alimentar. O
estado nutricional foi classificado pelo índice de massa corporal (IMC), e o risco para DCV foi avaliado pela circunferência
abdominal (CA), conforme as recomendações da Sociedade Brasileira de Cardiologia. A amostra apresentou idade média de
40,2±9 anos e 9,5±8,9 anos de profissão. Do total, 44,3% apresentavam sobrepeso, 27,4% eram obesos e 69,7% possuíam
CA representativa de risco para DCV. A maioria não consumia adequadamente frutas (83,6%) e vegetais (82,6%), e 48,8%
tinha alto consumo de frituras. Ainda, 65,2% assumiram sedentarismo e 18,9% eram tabagistas. Conclui-se que os profissionais avaliados apresentaram alta prevalência de excesso de peso, inadequação alimentar e alto risco para DCV.
Palavras-chave: doenças cardiovasculares; dieta para diabéticos; obesidade; exame para habilitação de motoristas.
Abstract
Drivers of public transport should be in good health and have low risk for cardiovascular diseases (CVD) to transport passengers safely. The aim of this study was to evaluate the nutritional status and CVD risk among drivers of public transportation
in Porto Alegre. We evaluated 201 male drivers, who answered a semi-structured questionnaire with questions on lifestyle, preexisting diseases and food intake. Nutritional status was classified by body mass index (BMI), and CVD risk was assessed by
waist circumference (WC) according to the recommendations of the Brazilian Society of Cardiology. The sample had a mean
age of 40.2±9 years and 9.5±8.9 years of occupation. Of the total, 44.3% were overweight, 27.4% were obese and 69.7% had
a WC representative CVD risk. Most do not adequately consumed fruits (83.6%) and vegetables (82.6%), and 48.8% had high
consumption of fried food. Still, 65.2% were sedentary and 18.9% smokers. We conclude that professionals evaluated showed
a high prevalence of overweight, inadequate food and high CVD risk.
Keywords: cardiovascular diseases; diabetic diet; obesity; automobile drivers examination.
Trabalho realizado no Centro Universitário Metodista do Instituto Porto Alegre da Igreja Metodista (IPA) – Porto Alegre (RS), Brasil.
1
Graduanda do Curso de Nutrição do Centro Universitário Metodista do IPA – Porto Alegre (RS), Brasil.
2
Mestre em Ciências do Movimento Humano; Docente do Curso de Nutrição do Centro Universitário Metodista do IPA – Porto Alegre (RS), Brasil.
Endereço para correspondência: Ana Paula Trussardi Fayh – Avenida Coronel Joaquim Pedro Salgado, 80 – Rio Branco – CEP 90420-060 – Porto Alegre (RS),
Brasil – E-mail: [email protected]
Fonte de financiamento: nenhuma
Conflito de interesses: nada a declarar.
334 Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (3): 334-40
Risco cardiovascular em motoristas de ônibus
INTRODUÇÃO
Atualmente, estudos buscam avaliar o estado de saúde1-4,
os fatores psicológicos5-7 e o risco cardiovascular8-13 em motoristas de transporte coletivo, devido ao fato de que esta
profissão possui situações específicas de trabalho, as quais
modificam o estado nutricional, a frequência alimentar14 e
aumentam a exposição a problemas de saúde, como as doenças cardiovasculares (DCV). Entre as doenças identificadas,
citam-se o estresse psicológico, obesidade, dislipidemia,
síndrome metabólica, doenças gastrointestinais e, principalmente, as DCV, como hipertensão arterial sistêmica, aterosclerose e infarto agudo do miocárdio1-15.
A rotina desses profissionais é bastante desgastante
devido ao estresse do trânsito, aos horários de trabalho,
aos locais e horários inadequados para refeições, às trocas
de turnos de trabalho, à necessidade de cumprir as voltas
no tempo determinado, à relação com os passageiros e ao
sedentarismo da função4,7,16 Em Porto Alegre, os motoristas são responsáveis por transportar diariamente em torno
de um milhão de pessoas17. No ano de 2009, foram registrados 1.915 acidentes de trânsito envolvendo ônibus na
cidade de Porto Alegre, sendo que 36 destes culminaram
em óbito de um ou mais passageiro18. Infelizmente, não
existe um registro oficial para determinar se alguns destes
acidentes foram ocasionados devido a problemas de saúde
do condutor.
Tendo conhecimento da responsabilidade inerente à
profissão de motorista de transporte coletivo, que conduz
diariamente milhares de indivíduos a diversos locais, tornase relevante realizar avaliações periódicas do estado de
saúde e do risco de DCV nesta população. Uma das particularidades desta profissão é o seu ambiente de trabalho, que
é móvel, aberto e sem a proteção de uma construção civil.
Os lugares mais frequentados por estes profissionais durante
suas poucas paradas entre um trajeto e outro, quando estão
dentro do tempo previsto, são bares e lancherias, sendo ali
estabelecidas suas relações interpessoais19. Esses estabelecimentos, por comercializarem habitualmente alimentos não
saudáveis, podem contribuir para o desenvolvimento de
obesidade nestes profissionais. Com isso, o objetivo deste
estudo foi avaliar o estado nutricional e os fatores de risco
para DCV em motoristas de transporte coletivo de Porto
Alegre (RS).
MÉTODOS
O estudo trata-se de uma pesquisa observacional descritiva de caráter transversal. Participaram voluntariamente
desta pesquisa motoristas de transporte coletivo empregados
em duas empresas privadas de Porto Alegre (RS), com idade
entre 20 e 60 anos.
A coleta dos dados foi realizada entre os meses de
novembro de 2009 e fevereiro de 2010. Em um primeiro
momento, os indivíduos responderam a um questionário
semiestruturado com informações referentes ao seu trabalho e ao seu estado de saúde e autorreferiram a presença de
doenças crônicas não transmissíveis (diabetes, hipertensão,
dislipidemia), conforme validação em estudo anterior20.
Em um segundo momento, foi realizada a medida da
pressão arterial desses indivíduos e as medidas antropométricas. A medida da pressão arterial foi realizada com
os indivíduos em repouso de, pelo menos, cinco minutos,
e utilizada apenas para descrição da amostra, não sendo
considerada para o diagnóstico de hipertensão. As variáveis
antropométricas medidas foram: massa corporal, estatura
e circunferência abdominal (CA). O estado nutricional foi
classificado pelo índice de massa corporal (IMC), conforme
os pontos de corte propostos pela Organização Mundial da
Saúde (OMS)21. A CA foi medida com uma trena de fibra
de vidro com trava, da marca Sanny®, entre o último arco
costal e a crista do ílio no quadril. A obesidade abdominal
foi classificada segundo os pontos de corte propostos pela
Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) na IV Diretriz
Brasileira sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose
– Departamento de Aterosclerose22. Os procedimentos para
aferição de peso e altura seguiram as orientações do Sistema
de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN)23.
Para a avaliação do consumo alimentar, utilizou-se um
questionário de frequência alimentar não validado, baseado
no estudo de Vinholes et al.24. A classificação da adequação
nutricional foi realizada utilizando-se as recomendações do
Ministério da Saúde (MS), publicadas no “Guia Alimentar
para a População Brasileira”25, contendo os “Dez Passos para
uma Alimentação Saudável”. Para a classificação do fracionamento das refeições, considerou-se adequado aqueles
indivíduos que realizavam, no mínimo, quatro refeições por
dia, incluindo o desjejum.
A classificação de atividade física seguiu os critérios
do treinamento físico para a prevenção ou a reabilitação
de aterosclerose da SBC proposto na IV Diretriz Brasileira
Sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose – Departamento de Aterosclerose22 e “Guia Alimentar da População
Brasileira”25, que determina a prática de exercícios aeróbios,
como caminhadas, corridas leves, ciclismo e natação, de três
a seis vezes por semana, por 30 a 60 minutos.
Para a análise dos dados, foi utilizada a estatística descritiva, e os resultados foram expressos em frequências
absolutas (médias, desvios-padrão, valores mínimos e máCad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (3): 334-40 335
Geisa Neutzling de Moraes, Ana Paula Trussardi Fayh
ximos) e relativas (percentuais e intervalo de confiança de
95%), com o auxílio do software estatístico SPSS versão 17.0
para Windows.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Metodista do IPA (protocolo
290/2009) e todos os participantes assinaram o Termo de
Consentimento Livre Esclarecido.
RESULTADOS
A amostra foi composta por 201 funcionários pertencentes a duas empresas privadas de transporte coletivo da
cidade. Todos os indivíduos eram do sexo masculino. A
maioria dos indivíduos avaliados (39,6%) referiu ter o ensino fundamental incompleto e 25,2% possuem o ensino
fundamental completo. Ainda, 6,4% referiram possuir o
ensino médio incompleto e 28,2% o ensino médio completo. Apenas um funcionário afirmou estar cursando o ensino
superior. Os dados de caracterização da amostra estão expressos na Tabela 1.
A Tabela 2 mostra os dados do estado nutricional e o
consumo alimentar dos indivíduos avaliados. Mais da metade dos funcionários apresentava excesso de peso (71,7%),
alertando para possível risco cardiovascular para esses indivíduos. A maioria dos indivíduos realizava menos do que
quatro refeições por dia, e o grupo alimentar com melhor
percentual de adequação foi o das carnes. Um achado interessante foi o baixo relato de consumo de guloseimas, aliado
a um baixo fracionamento das refeições diárias. Esses dados
sugerem que os indivíduos possuem risco de apresentar uma
hipoglicemia no seu turno de trabalho. O alto consumo de
frituras, relatado como, pelo menos, uma vez por dia, por
33,4% dos indivíduos, aumenta o risco cardiovascular da
amostra.
Entre os indivíduos com baixo fracionamento das refeições, 43,3% afirmaram não realizar diariamente o desjejum.
Quanto ao consumo de saladas e legumes, 9,5% dos indivíduos informaram nunca consumir esse tipo de alimento, 13,4%
relataram nunca comer produtos lácteos e, ainda, 14,4% dos
indivíduos consomem menos de uma porção diária de carne.
Em relação ao consumo de álcool, três funcionários (1,5%)
admitiram consumir bebidas alcoólicas todos os dias e 17
(8,5%) afirmaram consumir semanalmente.
A prevalência dos fatores de risco para o desenvolvimento
de DCV avaliados no presente estudo está descrita na Tabela
3. A maioria dos funcionários era sedentária e possuía a CA
acima dos valores preconizados para a prevenção de DCV. O
diagnóstico de doenças mais relatadas entre os funcionários
foi hipertensão arterial, seguido de dislipidemia e diabetes.
DISCUSSÃO
Os resultados apontam uma grande prevalência de sobrepeso e obesidade na amostra avaliada, assim como hábitos alimentares inadequados e prevalência de sedentarismo.
Essas características aumentam o risco de desenvolvimento
de DCV nestes indivíduos, sendo que uma pequena parcela
relatou já ter recebido do seu médico o diagnóstico de algumas delas. Mesmo que os dados do presente estudo não
correspondam à totalidade de motoristas da cidade, essa
parcela significativa de indivíduos avaliados alerta para a necessidade de ações de promoção à saúde nessa população.
A média de idade dos condutores do presente estudo foi
bastante semelhante a de outros estudos no Brasil1,10,13 e em
outros países15,26, assim como o tempo médio de serviço1.
Bigert et al.9 verificaram um maior risco de infarto agudo do
miocárdio nos motoristas com mais de 10 anos de profissão
quando comparados a motoristas com menos tempo de atividade. Como o tempo médio de profissão dos condutores
do presente estudo foi muito próximo a esse valor, presumese que estes possam apresentar risco semelhante.
Os achados apontam uma amostra com alta prevalência de sobrepeso e obesidade, com o valor médio de IMC
dos condutores (27,7 kg/m2) apontando para o diagnóstico
de sobrepeso. Esse mesmo resultado foi encontrado em
outros estudos nacionais e internacionais disponíveis na
Tabela 1. Descrição da amostra estudada (n=201)
Descrição
Idade (anos)
Tempo de profissão (anos)
Peso (Kg)
Estatura (m)
Índice de massa corporal (kg/m2)
Circunferência abdominal (cm)
Pressão arterial sistólica (mmHg)*
Pressão arterial adiastólica (mmHg)*
*valores medidos após repouso mínimo do indivíduo
336 Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (3): 334-40
Média
40,45
9,20
83,54
1,74
27,72
98,50
136,19
86,55
Desvio-padrão
9,02
7,75
14,46
0,07
4,39
10,86
17,33
13,55
Valor Mínimo
21
0
53,20
1,60
17,33
69
91
48
Valor Máximo
60
36
136,00
2,00
45,57
136
206
122
Risco cardiovascular em motoristas de ônibus
literatura12,13,15, reforçando a hipótese de que a profissão
favorece o aumento de peso nesses funcionários. Faria et
al.14 verificaram um aumento na prevalência de excesso de
peso autorrelatado (incluindo sobrepeso e obesidade) em
55 condutores de ônibus na cidade de Florianópolis após o
início da profissão. Segundo os autorrelatos dos motoristas
sobre valores de peso e estatura atuais e anteriores ao início da profissão, o excesso de peso passou de 30,9% para
67,3%. Ainda, Cavagioni et al.12 verificaram que motoristas
de caminhão apresentavam maior prevalência de sobrepeso
(46%) e obesidade (36%) do que os encontrados nos estudos
com condutores de transporte coletivo. Esse achado, provavelmente, ocorre porque esses profissionais não possuem
carga horária definida para trabalhar, ao contrário dos
condutores de transporte coletivo. Para obterem maiores
rendimentos financeiros, os motoristas de caminhão dirigem ininterruptamente por mais tempo, fato que aumenta
o sedentarismo desses profissionais e dificulta o acesso
a alimentos saudáveis. Esses dados são relevantes para o
adequado diagnóstico nutricional dessa população, mas é
Tabela 2. Estado nutricional e adequação do hábito alimentar dos
motoristas de transporte coletivo (n=201)
Estado Nutricional
Baixo peso
Eutrófico
Sobrepeso
Obesidade
Hábito Alimentar
Fracionamento das refeições
Consumo de frutas
Consumo de vegetais
Consumo de carnes
Consumo de produtos lácteos
Consumo de frituras
Consumo de doces
Consumo de álcool
% (IC95%)
0,5 (0,2-0,7)
27,9 (26,2-28,9)
44,3 (42,1-46)
27,4 (25,8-29)
Adequação Nutricional
% (IC95%)
16,4 (13,5-19,2)
13,9 (9,0-16,1)
18,4 (16,3-20,8)
85,6 (82,9-88,2)
23,9 (21,5-25,2)
51,2 (48,7-53,4)
80,6 (78,4-82,9)
90 (86,1-93,8)
importante ressaltar que, além destes profissionais, observase um crescente aumento nas taxas de sobrepeso e de obesidade na população em geral. Dados da última Pesquisa de
Orçamento Familiar27 apontam uma prevalência de excesso
de peso para os homens no Brasil de 41% e na região Sul de
46% para o mesmo sexo. Gus et al.28 pesquisaram o excesso
de peso em 1.063 moradores de 19 cidades do Rio Grande
do Su, e constataram uma prevalência de 56,3%.
O consumo alimentar dos condutores, de uma forma geral, foi considerado inadequado devido ao baixo consumo de
frutas, vegetais e produtos lácteos, além de um fracionamento diário de refeições abaixo do recomendado. A qualidade
e a quantidade dos alimentos interferem significativamente
no desenvolvimento de DCV10. A SBC22 recomenda uma
dieta rica em frutas e verduras, que são fontes de antioxidantes, para prevenção e tratamento de DCV. Em uma meta
análise de nove estudos de coorte sobre o consumo de frutas
e/ou vegetais em diferentes populações, seis indicaram uma
associação estatística entre um maior consumo desses alimentos com a diminuição do risco para DCV29. Nothlings
et al.30 cruzaram informações sobre o consumo dos mesmos
alimentos em uma grande população diabética de dez países
da Europa, com a incidência de DCV. Ficou evidente que os
indivíduos que consumiram mais frutas, legumes e vegetais
sofreram menos eventos cardiovasculares.
Outros estudos que avaliaram o consumo alimentar de
motoristas trazem resultados controversos. French et al.31
analisaram a frequência alimentar de 1.092 funcionários de
cinco empresas da área de transporte coletivo, sendo 72%
motoristas de ônibus. Dos participantes, 42% ingeriam cinco
ou mais porções de frutas e vegetais ao dia, consumo maior
do que o observado no presente estudo. Já Chaves et al.13,
observaram um consumo elevado de alimentos ricos em lipídios e sal, porém, relataram satisfatória a ingestão de frutas
(70,0%) e vegetais (60,5%). Outro estudo, com o objetivo de
avaliar os hábitos alimentares de uma amostra de 700 indivíduos do sexo masculino, observou uma dieta aterogênica
Tabela 3. Presença de fatores de risco cardiovascular dos motoristas de transporte coletivo (n=201)
Fatores de risco cardiovascular
Sedentários
Tabagistas
IMC Obesos*
CA elevada**
Diagnóstico informado
Hipertensos***
Diabéticos***
Dislipidêmicos***
Sim
15,9(14,7-17,1)
3(2,6-3,3)
8(6,9-9,2)
% (IC95%)
65,2(63,5-66,9)
18,9(17,1-20,3)
27,4(25,0-29,2)
69,7(68,2-70,9)
Não
81,1(80,0-82,3)
95(93,9-96,1)
85(83,2-86,7)
Desconhece
3(2,5-3,6)
2(1,6-2,4)
7(5,8-8,1)
*ÍMC: índice de massa corporal ≥30 kg/m2;**CA: circunferência abdominal ≥80cm para mulheres e ≥94cm para homens; ***diagnóstico informado pelo
paciente, sem confirmação por diagnóstico médico
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Geisa Neutzling de Moraes, Ana Paula Trussardi Fayh
nesses indivíduos, com alto consumo de feijoada, carnes
gordas, ovos, bebidas alcoólicas e sal, consequentemente,
apresentando baixo consumo de frutas e vegetais32. Como
a amostra do presente estudo foi composta exclusivamente
por homens, o padrão alimentar observado foi bastante semelhante ao do estudo anteriormente citado, mesmo com
atividades diferentes.
Foi verificado um baixo consumo de guloseimas, mas
é conhecido que os indivíduos podem subestimar o seu
consumo de doces e frituras33,34. Um baixo consumo de
guloseimas, associado a um baixo fracionamento da dieta,
poderia aumentar o risco de hipoglicemia durante o turno
de trabalho desses condutores. Embora não se tenha investigado o local das refeições da amostra neste estudo, sabe-se
que, na maioria das vezes, este não é adequado. Dependendo
do trânsito e de outros imprevistos, o tempo disponível para
intervalo das refeições pode variar, levando-os a comer em
lanchonetes ou no próprio ônibus16.
Embora o etanol, em pequenas quantidades, tenha efeito
protetor para DCV22,35,36, o consumo relatado de bebidas
alcoólicas pelos condutores do presente estudo deve ser analisado com cautela. Não foi questionado em que momento
do dia esses indivíduos ingeriam estas bebidas, mas ressaltase a informação de que o consumo destas bebidas em alta
quantidade pode aumentar os níveis pressóricos36 , e caso
seja ingerida durante o horário de trabalho, é considerada
infração de lei e aumenta a exposição dos passageiros a acidentes de trânsito.
Em relação ao diagnóstico prévio de DCV, os condutores
relataram uma baixa prevalência dessas doenças. No entanto,
pode-se perceber, durante esse questionamento, pela própria
expressão dos indivíduos e não incluídas no protocolo de
estudo, um grande desconhecimento sobre essas doenças e
uma baixa adesão a exames preventivos de doenças crônicas.
A doença mais relatada pelos condutores foi a hipertensão
arterial sistêmica (15,8%), mas ainda pode ser considerada
baixa quando comparado com o estudo como o de Benvegnú et al.11, que observaram uma prevalência de 22,4% de
hipertensão em 214 motoristas de Santa Maria. Da mesma
maneira, Matos et al.37 observaram uma maior prevalência
(18,2%) em 970 trabalhadores da Petrobrás. É importante
salientar que a medida de pressão arterial realizada no presente estudo não teve como objetivo realizar diagnóstico
de hipertensão arterial sistêmica, mas apenas descrever os
níveis pressóricos desses indivíduos em uma situação casual,
ou seja, sem observar as recomendações da SBC36.
A CA é um parâmetro recomendado para avaliar o risco
de DCV devido ao baixo investimento e fácil manejo21. Além
disso, o risco de infarto do miocárdio e acidente vascular
338 Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (3): 334-40
cerebral (AVC) está mais associado com o acúmulo de gordura na região do abdômen do que com o IMC10. Os dados
do presente estudo mostram que mais da metade dos condutores apresentaram CA acima dos valores preconizados.
Tal achado também foi observado no estudo de Cavagioni
et al.12, que avaliaram 258 caminhoneiros e observaram que
58% apresentaram CA acima do preconizado. Mais recentemente, Chen et al.15 observaram menores valores de CA
para 184 motoristas de ônibus em Taiwan, com média de
90 cm. No entanto, vale ressaltar que a cultura asiática, com
hábitos de vida mais saudáveis, poderia contribuir para esse
resultado.
O elevado percentual de sedentarismo do presente estudo, importante fator de risco para doenças crônicas como as
DCV, pode ser associado com a atividade profissional. Esses
funcionários permanecem em posição sentada durante várias horas, possuem horários irregulares e turnos diferenciados de trabalho, prejudicando a pratica de atividade física
em locais ao ar livre ou em academias. Outras pesquisas
corroboram os resultados do presente estudo, que apontaram uma prevalência de sedentarismo em mais da metade
dos motoristas avaliados nas cidades de Santa Maria11, Belo
Horizonte e São Paulo1 e Fortaleza13. No estudo que avaliou
motoristas de ônibus de Taiwan15, 66,8% dos avaliados alegaram realizar exercícios em periodicidade inferior a uma
vez por semana. No entanto, em uma amostra dos Estados
Unidos, 90% dos motoristas afirmaram praticar atividade
física regularmente31.
O presente estudo demonstrou a menor prevalência
de tabagismo quando comparado com outros estudos disponíveis na literatura1,9,10,12. Quanto mais os trabalhadores
se informaram sobre nutrição, atividade física e hábitos
saudáveis, melhor é a prevenção das DCV3. A alimentação
saudável, a redução do tabagismo e do etilismo, aliados à
prática de exercícios, diminui os indicadores de doenças
crônicas25,38. Ainda, o exercício possui a capacidade de diminuir os níveis de glicose e lipídios plasmáticos, assim como
os níveis pressóricos21.
Em conclusão, observou-se uma alta prevalência de
excesso de peso entre os condutores avaliados, assim como
hábitos alimentares inadequados e diversos fatores de risco
para DCV. Esses dados apontam para a necessidade de traçar estratégias para a promoção da saúde e a prevenção de
doenças crônicas nessa população, visando a uma melhoria
na qualidade de vida e à diminuição do risco de acidentes
de trânsito envolvendo a saúde desses profissionais. A modificação do estilo de vida, incluindo a redução do peso e a
prática de exercícios, seriam orientações importantes para a
redução do risco de DCV dessa população.
Risco cardiovascular em motoristas de ônibus
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Recebido em: 19/08/2010
Aprovado em: 09/09/2011
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Avaliação nutricional e fatores de risco cardiovascular