Direito Internacional Privado e Integração Regional
PAINEL PARTICIPATIVO
PORTO ALEGRE, 29 DE OUTUBRO DE 2014
As variáveis que determinam a seleção das técnicas de
harmonização legislativa: a perspectiva do UNIDROIT
José Angelo Estrella Faria 
Introdução
As últimas três décadas assistiram a um contínuo aumento do comércio
internacional em bens e serviços, apoiado pela multiplicação do número de
acordos bilaterais ou multilaterais de liberalização do comércio.
Continente
americano não é exceção a essa regra.
Entretanto, a facilitação aduaneira do comércio não tem sido
sistematicamente acompanhada de uma simplificação do marco jurídico
aplicável à contratação internacional. De fato, apesar de uma intensa
produção de tratados internacionais sobre a matéria, nenhum convênio ou
acordo regional logrou, até o momento, unificar efetivamente as regras de
direito internacional privado no continente americano
1
. Os juízes da
maioria dos países da região continuam, portanto, a aplicar as suas próprias
normas de direito internacional privado, o que torna difícil determinar a

Secretário-Geral, UNIDROIT.
Essa situação é flagrante no caso dos países do Mercosul: o Tratado de Direito Civil
Internacional sancionado pelo Congresso Sul-Americano de Direito Internacional Privado, em
Montevidéu, em 25 de agosto de 1888 (Tratado de Montevidéu I), e revisto pelo Tratado de
Direito Civil Internacional sancionado pelo 2° Congresso Sul-Americano de Direito Internacional
Privado, em Montevidéu, em 19 de março de 1940 (Tratado de Montevidéu II) foi ratificado pela
Argentina, o Paraguai e o Uruguai, mas não pelo Brasil. Já a Convenção de Direito Internacional
Privado, feita na 6ª Conferência Internacional Americana, em Havana, em 20 de fevereiro de 1928
(Código Bustamante), está em vigor no Brasil (Decreto N. 18.871, de 13 de Agosto de 1929), mas
não nos demais países do Mercosul. Da mesma forma, a Convenção Interamericana sobre o
Direito Aplicável aos Contratos, aprovada na 5ª Conferência Especializada Interamericana sobre
Direito Internacional Privado (CIDIP-V), na Cidade do México, em 17 de março de 1994, foi
assinada (mas ainda não ratificada) pelo Brasil e pelo Uruguai, mas ainda não pelos demais
países.
1
priori a lei nacional aplicável aos contratos internacionais no âmbito
americano 2. Além de protelar a resolução dos litígios, a incerteza acerca da
lei aplicável não permite que os agentes econômicos avaliem corretamente
a extensão de suas obrigações recíprocas, antevejam possíveis riscos e
tomem as medidas contratuais cabíveis para deles se resguardarem.
Os esforços internacionais de harmonização do direito material têm
sido consideráveis, sobretudo a partir do pós-guerra, e a produção
combinada de todos os organismos internacionais que de um ou outro
forma contribuem para a harmonização do direito privado é impressionante.
Dentre eles, destacam-se, a nível mundial, o Instituto Internacional para a
Unificação do Direito Privado (UNIDROIT) 3 , a Conferência de Haia sobre
Direito Internacional Privado 4 e
a Comissão das Nações Unidas para o
Direito Comercial Internacional (UNCITRAL) 5 , bem como entidades nãogovernamentais representando setores empresariais 6.
2
Mesmo uma transação comum de compra e venda entre dois países vizinhos, ligados
por tratados de livre comércio, como a Argentina e o Brasil, pode facilmente requerer o exame de
um grande número de textos legais apenas para identificar, nem sempre com alto grau de
certeza, qual seria o direito aplicável (cf. J.A. ESTRELLA FARIA, “O Contrato de Compra e Venda
Internacional no Mercosul: Da Disparidade de Leis a um Regime Uniforme?” in: E. Accioly (coord.),
Direito no Século XXI: Estudos em Homenagem ao Professor Werter R. Faria. Curitiba, Juruá,
2008, pp. 299-348).
3
O UNIDROIT, que tem atualmente 63 países membros, foi criado sob os auspícios da Liga
das Nações em 1926 e restabelecido em 1940, após a extinção daquela predecessora das Nações
Unidas. O UNIDROIT tem atuado em várias áreas, tais como representação comercial, compra e
venda, garantias reais, financiamento de equipamentos móveis, contratos de leasing e factoring,
testamentos internacionais, objetos culturais roubados ou ilegalmente exportados, princípios de
contratos comerciais internacionais (vide <www.Unidroit.org>).
4
A Conferência de Haia, que tem atualmente 69 países membros, está em atividade
desde 1893 e recebeu seu estatuto em 1955. Seus trabalhos incluem vários temas, inclusive a
abolição de requisitos de legalização de documentos, citações e colheita de prova no estrangeiro,
acesso à justiça, conflitos de leis relativos à forma de disposições testamentárias, obrigações
alimentares (vide <hcch.e-vision.nl>).
5
A UNCITRAL é um órgão subsidiário da Assembléia Geral da ONU criado em 1966 com
o propósito de promover e fomentar a unificação e a harmonização progressivas do direito do
comércio internacional (resolução da Assembéia Geral n° 2205(XXI), de 17 de dezembro de 1966
(reproduzida em Yearbook of the United Nations Commission on International Trade Law
(“UNCITRAL Yearbook”), vol. I: 1968-1970, part one, chap. II, sect. E). Ela conta com sessenta
membros, eleitos pela Assembléia Geral por um mandato de seis anos, mas suas reuniões são
abertas a todos os demais países do mundo, bem como a organizações internacionais
governamentais e a entidades não-governamentais especialmente convidadas.
6
O evidente interesse do setor privado pela harmonização do direito comercial tem uma
prova eloqüente no extenso trabalho de harmonização e estandardização desenvolvido pela
Câmara de Comércio Internacional (CCI) na formulação, por exemplo, de termos comerciais
uniformes (International Commercial Terms – Incoterm), regras sobre crédito documentário
2
Quando se consideram os instrumentos disponíveis para a harmonização
legislativa, é essencial distinguir entre organizações supranacionais, tais como a
União Européia, e organizações clássicas, sem atributos de supranacionalidade,
o que é o caso praticamente de todas as demais.
O Tratado de
Roma, que Institui a Comunidade Européia, atribui ao
Conselho e à Comissão das Comunidades Européias a competência de adotar
regulamentos e diretivas, tomar decisões e formular recomendações ou
pareceres7. No contexto da harmonização legislativa, os atos mais importantes
são os regulamentos8 e as diretivas9, os quais, uma vez promulgados, vigoram
automaticamente em todo o território da Comunidade, sem necessitar qualquer
ato de recepção pelo legislador nacional. O ordenamento da União Européia
tem, portanto, caráter supranacional, sobrepondo-se à ordem interna, mesmo
de natureza constitucional.
Os instrumentos preparados por organizações internacionais do tipo
clássico, ao contrário, apenas se convertem em direito positivo quando um país
decida adotá-los – através de ratificação ou promulgação interna – mas nenhum
país é obrigado a fazê-lo. Portanto, todo o trabalho de harmonização conduzido
por organismos como o UNIDROIT, a Conferência de Haia sobre Direito
Internacional Privado, a UNCITRAL, a Organização de Estados Americanos
(OEA), para mencionar apenas alguns, é de natureza estritamente voluntária,
com plena submissão à soberania nacional. Essa característica explica a
contínua, e muitas vezes difícil, busca de consenso de parte daqueles
organismos, visto que o êxito na implementação dos instrumentos que
produzem depende exclusivamente do seu grau de compatibilidade com
(Uniform Uses Customs and Practice for Documentary Credit – UCP 600) ou garantias à primeira
demanda (Uniform Rules for Demand Guarantees – URDG).
7
Tratado que institui a Comunidade Européia (versão compilada), Art. 189, caput (Jornal
Oficial C 325, de 24 de dezembro de 2002).
8
Um regulamento baixado pelo Conselho e pelo Parlamento da União Européia tem
“aplicação geral”, é “obrigatório em todos os seus elementos” e “diretamente aplicável em todos
os Estados-Membros” (Tratado que institui a Comunidade Européia (versão compilada), art. 249
(Jornal Oficial C 325, de 24 de dezembro de 2002).
9
A diretiva “vincula o Estado-Membro quanto ao resultado a alcançar, deixando, no
entanto, às instâncias nacionais, a competência quanto à forma e aos meios” (ibid.).
3
diferentes sistemas jurídicos.
Os tratados sempre foram o veículo por excelência para a formalização
jurídica das relações entre Estados e continuam a ser o instrumento primordial
para a unificação do direito privado no âmbito das organizações internacionais
do tipo clássico. Contudo, as óbvias vantagens de se dispor de um texto
uniforme em vigor em todos os Estados signatários são mitigadas por algumas
notórias limitações, dentre as quais se destacam a lentidão do processo de
ratificação, que atrasa a entrada em vigor das convenções internacionais, e a
dificuldade – inerente ao próprio instrumento – de emendá-lo quando convenha
adaptá-lo a uma nova situação econômica ou um avanço tecnológico10.
Leis-modelo e outras formas de soft law, como guias, recomendações,
princípios ou cláusulas-padrão, são instrumentos que melhor se prestam à
modernização e harmonização do direito privado quando se espera que o
legislador nacional deva ou queira ajustar o texto do modelo internacional a fim
de acomodar as peculiaridades de seu sistema jurídico, ou quando a
uniformidade do texto não seja estritamente necessária. É justamente essa
flexibilidade que torna uma lei-modelo mais fácil de negociar do que um
instrumento de natureza cogente.
Quando ao contexto dentro do qual se processa a harmonização
legislativa, notam-se profundas mudanças ao longo dos anos.
Até a 2ª grande guerra, as atividades de organização como a Conferência
de Haia ou o UNIDROIT, malgrado a sua vocação universal, imitavam-se
10
Como observa A. ROSETT, quando a lei não acompanha as mudanças dos tempos,
“codifications become the enemy of substantive reform. In today’s world, any code that does not
build a process for prompt and sustained reconsideration into its structure becomes part of the
problem, not part of the solution” (“Unification, Harmonization, Restatement, Codification and
Reform in International Commercial Law”, The American Journal of Comparative Law, vol. 40,
1992, pp. 683 et seq. (p. 688)). Além disso, mesmo quando se logra renegociar uma convenção
internacional, permanece o risco de que as emendas adotadas não sejam ratificadas por todos os
países signatários do texto original, gerando-se assim um mosaico complexo de Estados partes de
diferentes versões do mesmo instrumento.
4
essencialmente à Europa, com alguma esporádica participação de países do
continente Americano,
em um “regionalismo disfarçado” .
Seguiu-se um
período de crescente “universalismo”, com a criação de outras organizações,
como a UNCITRAL, em 1966, e vários órgãos especializados das Nações Unidas
e um aumento do número de ratificações a tratados existentes e da adoção de
novos instrumentos. Atualmente, passamos por uma terceira fase, qualificada de
“aurora do inter-regionalismo”, em que organizações regionais de integração,
em especial a União Européia, assumem um papel destacado na harmonização
do direito, ao lado, ou, em alguns casos, em substituição aos seus Estados
membros11.
Paralelamente a essa evolução política, constata-se uma institucionalização
da representação dos interesses econômicos no processo de harmonização. Se
em seus primórdios o processo de harmonização se desenvolvia como um
verdadeiro “discurso acadêmico” 12 entre estudiosos, nota-se hoje uma nítida
tendência ao pragmatismo, com prevalência de interesses econômicos sobre
considerações de pura dogmática jurídica. A prática de recorrer a avaliações de
impacto econômico na fase preliminar de formulação de um novo instrumento13
é claramente indicativa dessa evolução. É bem verdade que a maior presença de
representantes de interesses econômicos tem ocasionalmente suscitado dúvidas
sobre a independência da obra de harmonização14. Ao mesmo tempo, porém, o
envolvimento do setor privado tem a inegável vantagem prática de servir de
medida palpável da necessidade real de harmonização legislativa e de garantir a
utilidade concreta do instrumento na vida dos agentes econômicos. Eventuais
11
J. BASEDOW, “Worldwide Harmonization of Private Law and Regional Economic
Integration – General Report”, Acts of the Congress to Celebrate the 75 th Anniversary of the
Founding of the International Institute for the Unification of Private Law (UNIDROIT), Uniform Law
Review / Revue de droit uniforme, 2003, pp. 31-49 (pp.31-35).
12
H. KRONKE, “Methodical Freedom and Organisational Constraints in the Development of
Transnational Law”, Loyola Law Review, No. 51, 2005, pp. 287 et seq. (pp. 288-289).
13
Como se fez em preparação à Convenção da Cidade do Cabo (see H.W. FLEISIG, “The
Proposed UNIDROIT Convention on Mobile Equipment: Economic Consequences and Issues”,
Uniform Law Review / Revue de droit uniforme, 1992, pp. 253 et seq.).
14
See P.B. STEPHAN, “Accountability and International Lawmaking: Rules, Rents and
Legitimacy,” Northwestern School of Law Journal of International Law & Business, vol. 17, 1997,
pp. 681 et seq.; see also A. SCHWARTZ / R.E. SCOTT, “The Political Economy of Private Legislatures”,
University of Pennsylvania Law Review, vol. 143, 1995, pp. 9 et seq.
5
riscos de influência indevida de grupos de pressão, comuns em qualquer
processo legislativo – nacional ou internacional – que envolva interesses
econômicos, podem ser controlados por uma maior transparência no processo
de negociação e por uma clara definição dos papéis respectivos do setor privado
e dos representantes do poder público.
A contribuição do UNIDROIT à harmonização do direito privado, em seus
85 anos de atividades, é considerável e não se lhe poderia fazer plena justiça
neste artigo 15 . Limito-me a salientar que o UNIDROIT desenvolveu mais de 70
projetos nas mais diversas áreas do direito privado, sob a forma de convenções
internacionais 16 , guias 17 , leis-modelo 18 ou princípios 19 . Em várias ocasiões,
instrumentos desenvolvidos no âmbito do UNIDROIT vieram a ser adotados
posteriormente como convenções internacionais por outras organizações20.
15
Para uma visão global do trabalho do UNIDROIT, vejam-se Herbert KRONKE, “A bridge out
of the fortress: UNIDROIT’s work on global modernisation of commercial law and its relevance for
Europe”, Zeitschrift für europäisches Privatrecht, 2008, 16, pp. 1-5; F. MESTRE, “L'harmonisation du
droit privé au prisme des dix dernières années d'activité de l'Institut international pour l'unification
du droit privé (UNIDROIT)”, Revue de droit international et de droit comparé, 2001, pp. 78, 371384; L. PETERS, “International Institute for the Unification of Private Law (UNIDROIT)”, monograph in
the volume on Intergovernmental Organizations of the International Encyclopaedia of Laws series,
Kluwer Law International, 2005, 2011; M.J. STANFORD, “Istituto Internazionale per l’Unificazione del
Diritto Privato (UNIDROIT)”, in: Enciclopedia giuridica, aggiornamento 2007, pp. 1-2.
16
Convenção de 1964 sobre uma lei uniforme sobre a formação dos contratos de vente
internacional de bens móveis (Haia); Convenção de 1964 sobre lei uniforme sobre a vente
internacional de bens móveis (Haia); Convenção de 1970 relativa ao contrato de viagem
(Bruxelas); Convenção de 1973 sobre lei uniforme sobre a forme do um testamento internacional
(Washington); Convenção de 1983 sobre a representação em matéria de venda internacional de
mercadorias (Genebra); Convenção do UNIDROIT de 1988 sobre o leasing internacional (Ottawa);
Convenção do UNIDROIT de 1988 sobre o factoring internacional (Ottawa); Convenção do UNIDROIT
de 1995 sobre os bens culturais roubados ou exportados ilicitamente (Roma); Convenção de 2001
relativa às garantias internacionais sobre dos materiais de equipamento móveis e Protocolo de
2001 relativo a questões específicas sobre materiais de equipamento aeronáutico; Protocolo de
Luxemburgo de 2007 sobre questões específicas do material rodante ferroviário à a Convenção
relativa às garantias internacionais sobre materiais de equipamento móveis; Convenção do
UNIDROIT de 2009 sobre regras materiais relativas aos títulos intermediados (Genebra).
17
Guia sobre os acordos internacionais de franquia principal (1998, 2ª ed. 2007).
18
Lei-modelo de 2002 sobre a divulgação dos informações em matéria de franquia; Leimodelo de 2008 sobre a locação e o leasing.
19
Princípios relativos aos contratos comerciais internacionais (1994; nova edição 2004; 3ª
ed. 2010 ampliada); Princípios de procedimento civil transnacional (2004, em cooperação com o
American Law Institute – ALI).
20
Os trabalhos do UNIDROIT serviram de base para diversos instrumentos adotados sob os
auspício de outras organizações internacionais, dentre os quais cabe mencionar os seguintes
tratados internacionais atualmente em vigor: Convenção de 1954 para a proteção dos bens
culturais em caso de conflito armado (UNESCO); Convenção européia sobre o estabelecimento de
1955 (Conselho da Europa); Tratado Benelux de 1955 relativo ao seguro obrigatório de
6
Tão importante quanto a escolha dos temas de trabalho, é a
determinação do método de trabalho adequado, levando-se em conta tanto as
necessidades práticas da atividade econômica ou social relevante, quando a
viabilidade do instrumento.
Por exemplo, a escolha da forma do projeto que culminou na adoção dos
Princípios do UNIDROIT relativos aos Contratos do Comércio Internacional,
jogaram um papel importante considerações negativas e positivas acerca do
interesse pelo instrumento.
A constatação positiva foi a demanda real por maior harmonia no vasto
domínio do direito das obrigações contratuais, cuja disparidade representa um
óbice considerável ao bom funcionamento do comércio internacional.
A
constatação negativa foi o reconhecimento de que a imensa dificuldade
encontrado no longo, lento e árduo processo de unificação do direito aplicável a
um único e corriqueiro contrato – a compra e venda mercantil, finalmente
harmonizada, em 1980, através da Convenção dos Nações Unidas sobre
os
contratos de venta internacional de mercadorias, após quase 60 anos de
esforços desde os primeiros estudos feitos pelo próprio UNIDROIT nos anos 1920
– fazia da idéia de uma unificação global do direito das obrigações contratuais
um anseio claramente inalcançável, verdadeira quimera de juristas bemintencionados.
A escolha finalmente feita pelo UNIDROIT em favor de um instrumento de
soft law provou ter sido justa sob todos os aspectos. Em sua forma atual, os
responsabilidade civil em matéria de veículos automotores; Convenção de 1956 relativa ao
contrato de transporte internacional de mercadorias por estradas - CMR (CEE/ONU); Convenção
de 1958 relativa ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria do obrigações de
alimentos em proveito de menores (Conferência de Haia de direito internacional privado);
Convenção européia de 1959 relativa ao seguro obrigatório de responsabilidade civil em matéria
de veículos automotores (Conselho da Europa); Convenção européia de 1962 sobre a
responsabilidade dos hoteleiros quanto aos objetos portados pelos viajantes (Conselho da
Europa); Protocolo n° 1 relativo aos direitos reais sobre os navios de navegação interior, e
Protocole n° 2 relativo ao arresto e à execução forçada dos navios de navegação interior, anexos à
Convenção de 1965 relativa à matrícula dos navios de navegação interior (CEE/ONU); Convenção
dos Nações Unidas de 1980 sobre os contratos de venta internacional de mercadorias
(UNCITRAL).
7
Princípios podem ser úteis em diferentes contextos e para diversos propósitos:
como regras passíveis de incorporação para reger contratos internacionais;
como expressão de um denominador jurídico comum (um “restatement “
internacional de princípios gerais do direito dos contratos aos quais os tribunais
nacionais ou arbitrais podem recorrer para fundamentar suas decisões); como
conjunto de normas às quais as partes podem submeter-se voluntariamente;
como
subsídio
para a
interpretação ou
a integração de
convenções
internacionais; ou como modelo a inspirar o legislador nacional na modernização
do direito interno aplicável aos contratos internacionais.
Já no caso da Convenção sobre Garantias Internacionais Incidentes sobre
Equipamentos Móveis e de seu Protocolo Relativo a Questões Específicas ao
Equipamento Aeronáutico (concluídos na Cidade do Cabo, em 16 de novembro
de 2001 21), a forma de tratado internacional se impunha por outras razões.
A Convenção da Cidade do Cabo visa a facilitar as operações de crédito
para o financiamento de equipamentos móveis de alto valor, oferecendo maior
segurança aos credores e permitindo, assim, a diminuição do custo das taxas de
risco aplicadas. A Convenção, que tem como ponto central as operações de
crédito garantidas pelo próprio equipamento financiado, disciplina a prelação dos
direitos reais de garantia assim constituídos e consignando regras que dão aos
credores maior certeza no recebimento das somas emprestadas em caso de
inadimplência do devedor.
Para tanto, a Convenção do Cabo cria a noção de “garantia
internacional” incidente sobre o equipamento móvel e prescreve os seus efeitos
e força executória. O art. 2° da Convenção, combinado com seu art. 7°, regulam
a constituição e efeitos de uma garantia internacional sobre equipamentos
móveis. O art. 8º prevê medidas disponíveis ao credor em caso de
21
Negociados sob os auspícios conjuntos da UNIDROIT e da Organização para a Aviação
Civil Internacional (OACI), a Convenção e o Protocolo foram redigidos cada um em um único
original em árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo. Seus textos se encontram disponíveis
em <www.unidroit.org/dynasite.cfm?dsmid=84211>. As listas das Partes Contratantes em
<www.unidroit.org/english/implement/i-main.htm>.
8
inadimplemento, quais sejam (i) posse ou controle do bem gravado como
garantia real; (ii) venda ou arrendamento desse bem; e (iii) recebimento ou
recolhimento de renda ou lucro derivado da gestão ou utilização do bem. A
adjudicação da propriedade para satisfazer a obrigação garantida também está
prevista (art. 9°), bem como a possibilidade de um Estado Contratante obter de
um tribunal a concessão de medidas cautelares (art. 13). O art. 16 e seguintes
disciplinam o registro internacional de (i) garantias internacionais; (ii) cessões e
aquisições de garantias internacionais; (iii) notificações sobre garantias
nacionais; e (iv) subordinação de garantias.
É evidente que um instrumento que reja direitos reais, determine a sua
prioridade em relação a outros direitos e introduza exceções ao regime geral de
pagamento de credores na falência só produziria efeitos se adotado como
instrumento de força vinculante, capaz de revogar as disposições legais em
contrário.
A Convenção da Cidade do Cabo é um instrumento particularmente
inovador por tratar-se do primeiro instrumento de harmonização do direito
privado – desde as convenções internacionais sobre registro de direitos de
propriedade industrial – a ser acompanhado por uma infra-estrutura operacional
para assegurar o seu funcionamento prático: o Registro das Garantias
Internacionais Incidentes sobre Bens Aeronáuticos.
Com sede em Dublin
(Irlanda) e gerido por uma empresa privada selecionada mediante licitação
pública internacional e sujeita à supervisão da Organização da Aviação Civil
Internacional (OACI), o registro opera exclusivamente por meios eletrônicos,
aplicando os mais rígidos critérios de proteção de dados e de rapidez de
comunicações, e já conta com mais de 500,000 averbações desde a entrada em
vigor da Convenção, em 2006.
A estrutura flexível, consistente de uma convenção-marco e de
protocolos tratando de tipos específicos de equipamento, permite melhor tomar
em conta as particularidades de materiais e indústrias diversas, que se vão
então agregando aos poucos ao arcabouço de regras do “sistema” de
9
Convenção do Cabo, sem a necessidade de alterar-lhe o texto original 22 . O
segundo protocolo, referente ao material rolante ferroviário foi adotado em
Luxemburgo, em 23 de fevereiro de 2007. Um terceiro protocolo, dedicado à
questões específicas relativas a objetos espaciais (em primeira linha, mas não
exclusivamente, os satélites), foi adotado em Berlim, em 9 de março de 2012.
Conclusão
A escolhas da forma dos instrumentos de harmonização de direito privado
depende de vários fatores, ente eles a natureza do tema, a probabilidade de
consenso sobre conteúdo das normas a formular, o propósito final do
instrumento e a idoneidade da forma para alcançar os objetivos desejados.
A crescente complexidade tanto do mundo dos negócios quanto do
processo decisório interno levam a uma clara reticência da parte dos organismos
internacionais em formular instrumentos cogentes, e uma preferência crescente
ao uso de instrumentos “brandos” e flexíveis (leis modelos, princípios,
recomendações).
A harmonização regional não é incompatível com a harmonização a nível
global, desde que ambas se coordenem adequadamente. Num mundo de
crescente interdependência, porém, é importante que os blocos regionais não
propiciem uma maior fragmentação do direito dos negócios. Projetos regionais
de harmonização devem, portanto, dar atenção à eventual existência de um
marco multilateral adequado para reger a matéria em pauta.
22
Em caso de conflito entre as disposições de um protocolo e as da própria convenção,
prevalecem as do protocolo, conforme previsto no artigo 6(2) da Convenção.
10
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The object of my communication is the relationship between