Americanismo e Trabalho em Monteiro Lobato
Americanism and Work in Monteiro Lobato
José Geraldo Pedrosa. Doutor em Educação.
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. [email protected]
RESUMO
A abordagem aqui realizada está inserida num programa de pesquisas sobre
americanismo, trabalho e educação. Um dos focos deste programa é de natureza teórica
e sua meta é a identificação e o estudo de autores que escreveram sobre a condição
americana e o americanismo desde o século XIX. O propósito, neste artigo, é refletir
sobre americanismo e trabalho com base no relato de um brasileiro que residiu nos
E.U.A. no final anos 20 e início dos anos 30 do século XX. Esse autor é Monteiro
Lobato cuja obra básica pesquisada é América: os Estados Unidos de 1929. A obra veio
a público em 1932 e é o resultado da permanência do brasileiro nos E.U.A. no período
entre 1927 e 1931, ocasião em que ocupou o posto de adido comercial. O propósito da
abordagem não é realizar comparações entre relatos de diversos viajantes: talvez eles
sejam incomparáveis. O que se busca são referências para se pensar no americanismo
enquanto ciclo civilizatório. Assim, Lobato foi indagado com as seguintes questões:
Qual é a condição civilizatória do novo mundo em relação à Europa: difusão ou
invenção? Quais são os traços do espírito ou do caráter americano? Que lugar ocupa o
trabalho nesse modus vivendi?
PALAVRAS CHAVES: Monteiro Lobato. Americanismo. Trabalho.
ABSTRACT
AMERICANISM AND WORK IN MONTEIRO LOBATO
This approach is into a program of research on americanism, work and education. One
of the focuses of this program is theoretical in nature and its goal is to identify and study
authors who wrote about the American condition and the americanism since the
nineteenth century. The purpose of this paper is to reflect on americanism and work
based on the report of a brazilian who lived in the U.S. in the late 20s and early 30s of
the twentieth century. This author is Monteiro Lobato whose basic research is ‘America:
The United States of 1929’. The work was publish in 1932 and is the result of the
persistence of the Brazilian in the U.S. in the period between 1927 and 1931, when he
held the post of Commercial Attaché. The purpose of the approach is not to make
comparisons among various reports of travelers: maybe they are incomparable. What is
sought are references to think about the Americanism as the cycle of civilization. Thus,
Lobato was asked the following questions: What is the condition of the new world
civilization in relation to Europe: diffusion or invention? What are the features of the
American spirit or character? What place has the work in this modus vivendi?
KEYWORDS: Monteiro Lobato, Americanism, Work.
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Desde o final do século XIX, mas de modo mais intenso a partir dos anos 1920,
intelectuais e homens de negócio brasileiros realizaram viagens mercantis, culturais e
científicas aos E.U.A. Entre os viajantes da cultura e da ciência estão Anísio Teixeira,
Monteiro Lobato ou Vianna Moog. São viajantes diferentes, em suas origens e
formações intelectuais, que passaram alguns anos nos E.U.A.
e que elaboraram
importantes relatos ou comparações entre o modus vivendi yankee e o modus vivendi
tupiniquim.
O propósito, neste, texto, é refletir sobre americanismo e trabalho com base no
relato de Lobato. A obra básica que foi pesquisada é América: os Estados Unidos de
1929 (LOBATO, 1950). A obra foi publicada em 1932 e é o resultado da permanência
do brasileiro nos E.U.A. no período entre 1927 e 1931, ocasião em que ocupou o posto
de adido comercial. A circunstância marcante da época de LOBATO foi a crise de
1929. É nesse contexto que ele captou as singularidades da civilização americana e,
dentro dela, o lugar do trabalho e da mass efficiency.
O propósito aqui não é o de realizar comparações entre os relatos dos diversos
viajantes: talvez eles sejam incomparáveis. O que se busca são referências para pensar
no americanismo enquanto ciclo civilizatório. Assim, LOBATO foi indagado com as
seguintes questões: Qual é a condição civilizatória do novo mundo em relação à Europa:
difusão ou invenção? Quais são os traços do caráter americano? Qual é o lugar do
trabalho nessa estrutura de caráter?
1. A Ideia Geral de Americanismo
Americanismo é uma noção multifacetada. Num certo sentido, Aléxis de
TOCQUEVILLE (2005) é o primeiro, já por volta de 1830, a elaborar uma perspectiva
de declínio do europeísmo e de emergência de um novo mundo em terras do além mar,
nos E.U.A./Estados Unidos da América. Max WEBER (1992) também percebera já no
final do século XIX as diferenças culturais entre a Europa e os E.U.A. e as vantagens,
na terra de Benjamin Franklin, para a expansão da ciência e do capital. Mas Tocqueville
e Weber não usaram o termo americanismo em suas abordagens. É que no século XIX o
europeísmo era triunfante e o americanismo era endógeno; era mais americanidade que
americanismo. Quem usou pela primeira vez o termo americanismo para referir-se ao
ethos ou ao caráter estadunidense foi o Vaticano, na passagem do século XIX para o
XX. Na linguagem da Igreja Católica o termo
designava o modo particular de
existência do catolicismo dos E.U.A.. Na filosofia social o termo americanismo foi
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cravado por GRAMSCI (2001), nas décadas de 1920 e 30, para identificar o novo
homem que estava sendo criado pela simbiose americanismo-fordismo. Na mesma
época de Gramsci, se estendendo pelas décadas seguintes, principalmente no pós
Segunda Guerra, os frankfurtianos Max Horkheimer (1985), Herbert MARCUSE (1982)
e Theodor
ADORNO (1985), juntos ou separados,
também se dedicaram ao
entendimento da queda da Europa num estado de neobarbarismo e da afirmação do
modus vivendi compatível com o capitalismo tardio, nos E.U.A..
Em cada uma dessas abordagens há muitas referências para um entendimento do
espírito americano, da relação do americanismo com o europeísmo e de sua condição de
marco civilizatório. Entretanto, cada abordagem tem seu tempo, seu telos e seus
motivos. Além disso, orientadas por diferentes problemas e inspiradas em matrizes
intelectuais muitas vezes rivais, cada qual elaborou ou mobilizou diferentes repertórios
conceituais. Cada qual lançou luzes próprias sobre o fenômeno americano. Tocqueville
associou cultura e política para penar na democracia; Weber associou religião e
economia para pensar no espírito do capitalismo; os frankfurtianos associaram cultura e
sociedade para pensar na indústria cultural e Gramsci associou indústria e sociedade
para identificar a emergência do novo homem.
Aqui nesta abordagem à noção de americanismo serão conferidos dois sentidos
que se articulam. Por um lado ela refere-se ao declínio da Europa e à afirmação dos
E.U.A. no cenário internacional como um divisor de águas, como uma virada
civilizatória ou como o início de um novo ciclo civilizatório. Por outro lado a noção de
americanismo refere-se a esse ato de admiração pelos E.U.A. e sua condição geográfica,
econômica, política, social.
O crescimento e a afirmação dos E.U.A., ao lado da decadência européia no
século XX, o abalo da condição de vitrine exclusiva ou de único modelo de civilização
para o Ocidente e para o mundo, fez com que o pêndulo da balança de atenções deixasse
de pender apenas para o velho mundo, passando a pender continuamente para o novo
mundo. Esse movimento pendular é semelhante a uma virada civilizatória. Os sintomas
ou os desdobramentos dessa mudança de rota são vários.
Ao longo do século XIX, mas de modo bem mais recorrente no século XX, há
um acontecimento relevante, com repercussões no mundo das idéias e na vida prática.
Políticos, empresários ou intelectuais de diferentes lugares do mundo, realizam viagens
científicas aos E.U.A.. São pessoas que para lá se dirigiram para conviverem e para
observarem o modus vivendi estadunidense. Em muitos casos havia um sentido prático
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nessas viagens: era a busca declarada de experiências bem sucedidas, de modelos que
pudessem ser transferidos, imitados ou adaptados. Uma das questões era saber os
segredos do sucesso americano. Outros, principalmente os europeus, queriam saber o
grau de originalidade da cultura yankee: seriam eles mais difusores ou mais inovadores
em relação à herança européia? É nesse sentido que pode ser empregada a expressão
viagens aos E.U.A. ou viajantes aos E.U.A..
Muitas dessas viagens resultaram em obras de interpretação do caráter
americano. Boa parte é de abordagens comparativas. É que as comparações parecem
inevitáveis quando alguém se depara com o novo. Nesse caso, até mesmo os relativistas
acabam comparando. O exercício de alteridade é também o exercício do auto
conhecimento.
2 O AMERICANISMO DE LOBATO
Americanismo e fenômeno americano são termos equivalentes. Ambos referemse à pujança internacional dos E.U.A. ou a essa relação econômica-cultural assimétrica
(Jameson, 2001) que o país do norte da América mantém com os outros. Segundo
Lobato, a “(...) incompreensão do fenômeno americano pode filiar-se á natural
incompreensão que o carro de trás sempre há de ter da locomotiva” (LOBATO, 1950,
Prefácio). Lobato via o mundo de sua época dividido entre passado e futuro ou num
intervalo civilizatório entre o ontem e o amanhã: “Há muito pouco Hoje no mundo”
(Prefácio). Na Europa o passado atravanca a maior parte dos países e os E.U.A. é
o´”(...) único país onde o Amanhã da humanidade já vai adiantado” (Prefácio). É essa
condição de locomotiva ou de único Amanhã que define o significado de americanismo
em Lobato.
É enfática a idéia de descolamento civilizatório entre um velho e um novo
mundo. A América tem sido mal compreendida pelos que nela buscam encontrar apenas
as clássicas formas da arte, da ciência ou da arquitetura européia. “Esquecem-se os
observadores capengas de notar o mais que a América está dando, o novo, o inédito, na
sua ânsia de arrancar-se ao status-quo da civilização cristalizada na Europa (LOBATO,
1950, p.121). A América foi erguida “(...) de costas voltadas para a Europa e berros
dionisíacos na boca” (p. 122). Lobato não hesita: a Europa é o velho, o Brasil é o
atrasado e os E.U.A. era o que havia de mais avançado. Nos E.U.A., coisas herdadas ou
tomadas de empréstimo da velha cultura européia são assimiladas como exóticas,
antiguidades. Vem daí essa “(...) indignação do europeu contra o americano” (p.121).
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Americanismo é referente a essa condição de mover-se em direção ao centro do
mundo, “(...) posição até bem pouco tempo retida pela Inglaterra”. Nesse sentido é que
o americanismo indica uma virada civilizatória. “O ritmo da vida acelerou-se em excesso
(...) Impossivel, impossivel... Este povo jamais usará roupas velhas, as roupas surradas do
europeu...” (LOBATO, 1950, p.255). Na linguagem de LOBATO, é como se houvesse um
deslocamento do centro do mundo, da Europa para os E.U.A.: “Daí provem esse
interesse tremendo que o mundo mostra hoje pelos Estados Unidos. Todos sentem,
reconhecem, que as possibilidades da América são ilimitadas – note bem: ilimitadas!”
(LOBATO, 1950, p.253).
E toda essa conquista foi efetivada com recursos próprios,
com muito trabalho, afinal, os “(...) dólares não existiam empilhados á flor da terra.
Foram ganhos. A riqueza nacional americana (...) partiu dum zero inicial” (LOBATO,
1950, P.83).
Para LOBATO, o americanismo é um fenômeno tão singular, que sua
compreensão exige linguagem própria. “Tudo é novo hoje na América” (LOBATO,
1950, p.160). LOBATO é enfático: “Não meça as coisas americanas com as medidas de
sua terra. As velhas medidas européias, que são as mesmas da America do Sul, não
medem mais a America do Norte” (LOBATO, 1950, p.96). Coisas novas, medidas
novas: o million é uma dessas medidas. São abundantes na linguagem de LOBATO as
palavras que expressam novidade como referência ao fenômeno americano. Isso
expressa o entendimento que ele tem da cultura americana: ela não é uma continuidade
da cultura européia. “O americanismo mostra sua capacidade de criar, sem as sugestões
do passado europeu. Criticam-no, metem-no a rir os outros povos. Por fim acostumamse às idéias e acabam fazendo o mesmo” (LOBATO, 1950, p.240). O americanismo é
outro ciclo civilizatório: “Medidas americanas. Natural. Terra inedita, civilização
inedita, absurdo inédito. Tinha que ter medidas ineditas” (LOBATO, 1950, p.97).
Não há nada no mundo que se assemelhe ao modus vivendi do povo americano1.
Além de ser único, trata-se de um fenômeno consistente, denso, capaz de propagar-se,
difundir-se. LOBATO conjuga o verbo americanizar, enfatiza o processo de
americanização e afirma existir até mesmo uma americanice. Essa americanice já havia
sido identificada por TOCQUEVILLE (2005) por volta de 1830. Ela é a versão
americana do etnocentrismo. Os americanos, afirmava o francês, se consideram o
1
Lobato usa as expressões América e americanos sempre que se refere aos E.U.A.. Ao longo desse texto
as referências aos yankees será feita com os termos E.U.A. e estadunidenses. Entretanto, na abordagem
sobre Lobato serão empregados os termos usados por ele próprio: América e americanos.
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melhor povo do mundo, um povo predestinado, em condição de superioridade ante aos
demais.
1.3 O Espírito Americano: Trabalho e Eficiência
Se o americanismo constitui um fenômeno singular, se o novo mundo caracteriza
um novo ciclo civilizatório que, de costas para a Europa, forma um novo homem, então
quais seriam os traços, apontados por Lobato, da mentalidade, do espírito ou do caráter
americano?
Na interpretação de Lobato esses traços distintivos existem tanto na sociedade
ou na cultura quando no caráter americano. Ou seja, para uma civilização sui generis,
uma mentalidade própria. Mas o que era fascinante para LOBATO era o lugar ocupado
pelo automóvel na vida americana. Já por volta de 1930, nos E.U.A. haviam “Vinte e
seis milhões de autos, um auto para cada cinco habitantes... A mobilidade que isso dá a
essa gente, o tremendo aumento de eficiencia que traz ao americano, são coisas que me
apavoram...” (p.63).
Para Lobato, o americanismo é a sociedade-máquina, que funciona como uma
grande engrenagem social. Interessante, neste aspecto é o modo como a linguagem de
LOBATO concilia a crítica radical com a plena resignação. É que, para LOBATO, a
maquinização equivale à colmeização da sociedade e inviabiliza a independência do
indivíduo. “A independência pessoal (...) está (...) moribunda, graças ao incansável
avanço da maquina. Vai nos ela transformando em abelhas. Presos na sua engrenagem,
o espernear dos individuos se torna pueruil” (p. 259). Há um “(...) sistema de controle
que eliminou praticamente o homem. A maquina faz tudo” (LOBATO, 1950, p.183).
Na linguagem dos franfurtianos que migraram para os E.U.A. no contexto europeu do
holocausto, esse aniquilamento do indivíduo é totalitarismo; é o aumento da pressão
civilizatória sobre o indivíduo, isso que Marcuse (1982) chamou de mais repressão, e
que constitui a origem do mal estar individual (Freud) e da revolta da natureza
(Horkheimer, 2000). E esta seria a tendência, segundo
LOBATO: “(...) todas as
modalidades de emassamento, da coletivização, nesta guerra contra o individuo, tornam
bem claras as tendências do amanhã: corporatividade do mundo. Colmeização” (p.259).
Nesse sentido, maquinização é equivalemente à padronização: “Cada novo invento
significa passo á frente para a vida agregada, para a uniformidade, para o padrão. A
tendência é fortificar os grupos, fundi-los em grupos sempre maiores, integrar o
individuo na massa (...). Criar, em suma, o homem-abelha” (p. 259). O raciocínio de
Lobato parece encaminhar-se para a plena indignação com essa falta de vida individual:
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Vivemos todos sufocados pelo excesso de coisas. Coisas demais, vida intensa
demais, ciência demais a serviço da industria (...). Excesso, excesso, eis o
verdadeiro mal da América, o não sei o que causador do indefinível mal estar que
sentimos (p. 261).
Entretanto, LOBATO não vê alternativa: é o fim da história. Sua palavra derradeira é
sempre de resignação: “Mas temos que nos adaptar ao excesso de coisas. O impulso é
nessa direção” (p. 261). Adaptação: esse é um dos segredos do americanismo. É que na
sociedade-máquina o ritmo é sempre acelerado e nela não há espaço para quem está fora
do movimento. A imagem genial dessa engrenagem que engole o homem foi feita por
Charles CHAPLIN (S/D), em Tempos Modernos, um filme de 1936 no qual o cineasta
denunciou os efeitos negativos que a crescente mecanização da produção e do trabalho
provocam na vida do homem. Charles Chaplin foi genial, mas não foi original: a
relação entre americanismo e maquinismo já estava escrita na obra de Lobato.
Vale destacar, o quanto essa aparência de máquina era forte na imagem que o
estrangeiro tinha dos E.U.A. nos anos 1920 e 1930. Chaplin, Gramsci e Lobato são de
lugares diferentes, são também diferentes em seus modos de olhar para o mundo.
Entretanto, quase ao mesmo tempo, associaram a sociedade americana a uma máquina
ou a uma engrenagem social que impõe o ritmo da vida. A diferença entre os três é que
Chaplin e Gramsci fazem a crítica e Lobato se conforma.
A sociedade-máquina impõe adaptação constante: “A América impõe rapidez de
julgamento e trote largo. Quem for lerdo de cabeça ou de movimentos, que emigre, para
não ser esmagado” (LOBATO, p. 72). Exemplar é o esforço de adaptação exigido de
quem vai a New York: “(...) aumento da respiração, tensão muscular fora do comum e
muitas vezes perturbações cardíacas” (p. 180). É nesse ponto que a crítica latente em
LOBATO torna-se apologia ao americanismo: “Há que sacrificar o individuo como o
tivemos até aqui. Em seu lugar surgirá a unidade coletiva. Daí a frase do grande John
Dewey: ‘O indivíduo morreu’” (p.260)
Weber (1992) já havia afirmado que a América é a terra do dinheiro e LOBATO,
que certamente não leu Weber, também afirma que a lógica do lucro impera da
mentalidade americana: espírito do lucro, do acúmulo e do consumo. “O americano
produz como povo nenhum ainda produziu; consome e esbanja como jamais foi
consumido ou esbanjado; mas nunca deixa de acumular” (LOBATO, 1950, p. 251).
Aqui, mais uma vez, LOBATO flerta com a crítica: “O que estamos assistindo na
América (...) é uma verdadeira bacanal de consumo. Pura orgia” (p. 263). A
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consequência é inevitável: “O mal estar por excesso de coisas, que você sente, todos
acabarão sentindo” (p. 263).
A América de 1929 relatada por Lobato é a terra do trabalho, do trabalho
mercantil ou do trabalho abstrato. Mas LOBATO deixa claro: não há um ímpeto
americano para o trabalho e o trabalho também não tem um valor-em-si no espírito
americano. A meta é o lucro, o consumo e o acúmulo; o trabalho é o meio:
“(...) o
americano jamais deixou de acumular trabalho. Riqueza é trabalho acumulado. Em vez
da aguia eu poria como símbolo da America a Formiga. A águia depreda. A formiga
enceleira” (LOBATO, 1950, P.84). Portanto, na lógica de LOBATO, dois fatores
alimentam a disposição para o trabalho dos americanos, o inverno rigoroso e o dinheiro.
LOBATO afirma que há na América uma “(...) mania de ganhar tempo (...) Time is
money – isto é uma das realidades da América. O tempo realmente vale ouro aqui.
Matar o tempo constitui crime” (LOBATO, 1950, p.207).
O espírito americano é o da eficiência: “Seu eu fosse resumir num vocabulário
esta America que juntos andamos a ‘conversar’, não vacilaria um segundo na escolha da
palavra certa: ‘eficiencia’” (p. 279). A eficiência é um dos segredos do americanismo:
“Quem diz sistema americano, métodos americanos, está ipso fato, referindo-se ao
sistema ou metodos os quais a característica fundamental nasce da preocupação da
eficiencia” (p.281). A rigor, a expressão correta para designar esse estado da alma
americana seria mass efficiency, algo que equivale à eficiência no ritmo da máquina,
portanto, eficiência padronizada. É que a mass production exige mass efficiency: “Tudo
é mass production, tudo é produto da maquina, sem outra assinatura além dum nome de
companhia e dum numero patente. Estandardização” (p. 223).
Mas tanta aceleração, tanta disciplina, tanto trabalho e tanto esforço de
adaptação tem suas consequências para a vida individual: o “(...) americano é um Creso
em dinheiro mas uma bancarrota em amor” (Lobato, 1950, p. 225). É no entendimento
dessa vida assexuada que Lobato faz um raro elogio à velha e decadente cultura
européia: “(...) a preocupação excessiva do negócio – do grande negócio – de fato
impropriava o americano para o cultivo do amor ao modo da velha Europa” (p. 225). É
que amor e negócio exigem muitas energias vitais e energia tem limite: “Quem
despende demais dum lado, vê-se em déficit do outro” (p. 225). A opção do americano é
pelos negócios, é para lá que vai sua libido. Segundo LOBATO, é dessa impotência
sexual feminina que vem a regalia das mulheres na América: quem não tem amor para
dar, dá luxo. “Esse gigante do business durante o dia, no seu escritório, onde lança as
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redes por sobre o mundo inteiro, está á noite cansado – e o amor é noturno” (p. 231). É
assim que a mulher é bajulada: “O trabalho ciclopico feito durante o dia reverte todo
para o luxo com que ele aninha a companheira” (p.231). O americano é um recalcado,
afirma LOBATO, mas tudo em nome do consumo, do luxo e da acumulação.
Considerações finais
Lobato estava convicto de que o mundo de sua época estava em acelerada
transformação. Tinha idéia clara sobre a Europa e o europeísmo: decadência. A
condição de adido comercial o fez preocupar-se com a cratera entre a autoimagem do
Brasil e a imagem do Brasil nos E.U.A.. Na auto-imagem, o Brasil era um país
abençoado por Deus e bonito por natureza. A maravilha das maravilhas só tinha um
defeito: não era conhecida lá fora. Assim, o defeito era dos estrangeiros e não do Brasil.
Mas a questão para LOBATO não era imagem caricata que o Brasil tinha lá fora. O
problema era de fato o que o Brasil efetivamente produzia e exportava, era um problema
de PIB/Produto Interno Bruto. Isso inquietava Lobato, para quem, o caminho a ser
seguido já estava dado: a via americana, o crescimento, a industrialização.
Para Lobato, era admirável nos E.U.A. a abundância herdada da natureza e
conquistada com o trabalho e a eficiência. A impressão de LOBATO é de que não existe
território no mundo mais rico: extensas terras de planícies de cultura, ajeitadas para o
trabalho mecânico e não mais feito a unha ou caso de boi. Além disso, ótimas reservas
de petróleo, cobre, carvão e ferro. Tudo isso ao lado de um clima favorável, com quatro
estações bem definidas ao longo do ano. Mas, em termos de acúmulo e riquezas quase
nada valeria a exuberância da natureza se faltasse aos yankees a criatividade e a
disposição para o trabalho. Mas até nisso a natureza foi generosa com o americanismo.
Trata-se “do grande estimulante do trabalho, que é o inverno” (p. 85). Para LOBATO,
é o “(...) frio o supremo criador. Dele saiu a economia, a previdência, a cooperação” (p.
85).
Mas Lobato insiste num ponto: não há uma causa única para qualquer fenômeno
e sim, feixes de causas concorrentes. Vem daí, nesse feixe de causas, a importância
atribuída aos colonizadores ou aos pioneiros, na linguagem de Viana MOOG (2.000).
Lobato estava convencido de que as alavancas do crescimento e do enriquecimento de
um país são o ferro, a máquina, o trabalho e a indústria. Daí a diferença dos pioneiros
no novo mundo: “(...) têm eles nas vísceras, herdada do inglês, a intuição do que é o
9
ferro. Têm diante dos olhos o esplendor duma civilização saída inteirinha do ferro” (p.
275).
Referências
CHAPLIN, Charles. (S/D). Tempos Modernos. (Fita de vídeo, duração: 85min.)
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere, volume iv. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2001.
HORKHEIMER, Max, ADORNO, Theodor W.. Dialética do esclarecimento:
fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
HORKHEIMER, Max. Eclípse da Razão. São Paulo: Centauro, 2000.
JAMESON, Frederic. Notas sobre a globalização como questão filosófica. In: PRADO,
José Luiz Aidair. SOVIK, Liv. (Orgs.). Lugar global e lugar nenhum: ensaio sobre
democracia e globalização. São Paulo: Hacker, 2001.
MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional.
Rio de Janeiro: Zahar, 1982. 6ª edição.
MOOG, Vianna. Bandeirantes e Pioneiros: paralelo entre duas culturas. Rio de Janeiro:
Graphia, 2000.
TOCQUEVILLE, Aléxis. A democracia na América: Sentimentos e Opiniões. De uma
profusão de sentimentos e opiniões que o estado social democráticos fez nascer entre os
americanos. Livro II. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
TOCQUEVILLE, Alexis. A democracia na América: lei e costumes. De certas leis e
certos costumes políticos que foram naturalmente sugeridos aos americanos por seu
estado social democrático. Livro I. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
WEBER, Max. A ética protestante e o espirito do capitalismo. São Paulo: Pioneira. 7ª
edição. 1992.
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