Ludwig Lachmann – O Capital E Sua Estrutura (Capítulo
II)
Tradutor – Rafael Hotz
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Capítulo II – Sobre Expectativas
A introdução explícita das expectativas nas teorias econômicas dos últimos
trinta anos deu origem a um grupo novo de problemas. Destes o mais
fundamental é a questão de se as expectativas devem ser tratadas como
“dados” independentes ou como resultados dos processos econômicos. Até
então, os economistas parecem discordar quanto à resposta, mostrando o
estado insatisfatório da teoria das expectativas.
Evidentemente expectativas não são resultados econômicos no sentido em que
preços e quantidades o são. Nenhum processo econômico as determina. Um
aumento de 10% no preço das maçãs pode tanto dar origem a uma expectativa
de outro aumento quanto a uma de queda futura. Tudo depende das
circunstâncias que acompanham o aumento, e pessoas diferentes darão a essas
circunstâncias uma interpretação diferente. Disso segue que todas essas teorias
dinâmicas que estão baseadas em “equações em diferença”, “aceleradores”, etc.,
simplesmente contornam nosso problema. No máximo podemos tomá-las
como hipóteses condicionais para serem empregadas enquanto as questões
mais amplas continuam sem resposta.
É, no entanto, igualmente impossível tratar expectativas como dados da mesma
forma que tratamos gostos do consumidor. A partir de qualquer ângulo que as
observemos, as expectativas refletem experiência econômica e são afetadas por
mudanças nesta. Nesse fato reside uma diferença importante entre uma
mudança de gostos e uma mudança de expectativas. Uma mudança de gosto
também, é claro, pode ser devida à experiência, mas não precisa ser. Eu posso
parar de fumar certa marca de cigarros porque eu descobri que ela afeta minha
garganta, mas eu também posso parar porque eu não gosto mais dela e “perdi
meu apreço por ela”. Por trás dos gostos está um substrato irredutível que a
análise racional não é capaz de captar, que pode ser material de interesse para
o psicólogo, mas que desafia as ferramentas analíticas do economista.
As expectativas, por outro lado, sempre incorporam experiência problemática,
isto é, experiência que requer interpretação. É a tarefa da teoria das expectativas
elucidar os problemas que nossa experiência (e a de outros enquanto nos seja
acessível) nos cria ao julgar o futuro incerto, assim como clarificar o modus
interpretandi. É uma tarefa que até então os economistas não parecem ter
lidado.
A experiência é a matéria prima da qual as expectativas são feitas. Mas nem
toda a matéria prima é igualmente útil, nem toda experiência é igualmente
relevante para uma dada situação. Há um elemento subjetivo nas ações da
mente através do qual selecionamos aquelas porções de nossa experiência que
permitimos afetar nosso julgamento do futuro. Mas esse subjetivismo de
interpretação é algo completamente diferente do subjetivismo de desejos que
apóia nossa teoria da utilidade. A primeira fornece julgamentos temporários
que serão confirmados por experiência posterior, conhecimento imperfeito
capaz de ser aperfeiçoado. A última pode não pode nos dar conhecimento
novo: ou temos um desejo ou não temos.
Numa sociedade baseada na divisão do trabalho as pessoas não podem agir
sem saber as necessidades e recursos dos demais. Tal conhecimento não precisa
ser, como alguns acreditaram, “perfeito”, mas deve ser conhecimento relevante,
conhecimento das condições de oferta e demanda nos mercados nos quais se
está negociando. Não há dificuldade em conceber tal conhecimento num
“estado estacionário”, um mundo sem mudanças, uma vez que não precisamos
perguntar como as pessoas adquiriram seu conhecimento mais do que
precisamos perguntar como esse improvável estado de coisas tomou lugar:
ambas pertencem à categoria das, agora irrelevantes, “relíquias” [*1].
Mas também podemos conceber um estado quase estacionário no qual
mudanças são poucas e espaçadas, e cada mudança já teve todas suas
repercussões antes da próxima acontecer. Esse estado quase estacionário é o
pano de fundo da maior parte da economia neoclássica. Nele o método da
estática comparativa me mostra completamente vantajoso. Nesse estado o
conhecimento é guiado pelos preços funcionando como letreiros para a ação.
Aqui é observando mudanças de preço que os consumidores aprendem que
bens substituirão por quais, e os produtores aprendem que linhas de produção
abandonarão e a qual delas se dedicarão. Aqui podemos dizer que o sistema de
preços integra toda a atividade econômica. Podemos tomar o sistema de preços
como uma vasta rede de comunicações através da qual o conhecimento é de
uma só vez transmitido a partir cada mercado até os confins mais remotos da
economia. Toda mudança significante nas necessidades ou recursos se expressa
numa mudança de preço, e cada mudança de preço é um sinal para os
consumidores e produtores modificarem sua conduta. Dessa maneira as
pessoas ganham conhecimento umas sobre as outras ao seguir de perto os
preços de mercado.
Mas no mundo em que vivemos a mudança não segue tal padrão conveniente.
Aqui o conhecimento adquirido de mensagens de preço se torna problemático.
Ele não deixa de ser conhecimento, mas “não conta toda a história”. Muitas
mudanças podem acontecer simultaneamente. Partes de nossa rede de
comunicações podem estar “interferidas” e mensagens atrasadas. Quando um
número de mensagens é recebido não é mais clara a ordem na qual elas foram
“enviadas”. Além disso, mesmo se não houver atraso na transmissão, o
conhecimento de hoje pode ser inútil amanha, não sendo mais então um guia
seguro para a ação. Pior de tudo, num mundo de mudança contínua muito
pode ser ganho por aqueles “especuladores” que preferem antecipar as
mudanças de amanha ao invés de se ajustarem às últimas mensagens recebidas.
Sua ação afetará preços que outros tomam como seu ponto de orientação, e
que, caso esses especuladores estejam errados, poderão direcionar outros para
ações que eles não teriam praticado caso soubessem a causa real da mudança
de preço.
Aqui não é nem necessário nem possível cobrir todas as ramificações do
problema do que constitui conhecimento relevante num mundo de mudança
contínua. Esse tema será revisto no Capítulo IV. Ação baseada em mensagens
de preço que fornecem informação errônea é, como veremos no Capítulo VII,
frequentemente um fator importante no Ciclo de Negócios.
Para nosso propósito atual é suficiente compreender:
Primeiro, que num mundo de mudança contínua os preços não são mais em
todas as circunstancias um guia seguro para a ação;
Segundo, que apesar de tudo ainda aqui mudanças de preço transmitem
informação, apesar de informação incompleta;
Terceiro, que tal informação requer então interpretação (as mensagens
precisam ser “decodificadas”) para que sejam transformadas em conhecimento,
e tal conhecimento está fadado a ser conhecimento imperfeito.
Numa economia de mercado o sucesso depende largamente do grau de
refinamento dos instrumentos de interpretação. Por outro lado, cada ação é
uma fonte de conhecimento para outros.
A formação de expectativas não é nada senão uma fase nesse processo
contínuo de troca e transmissão de conhecimento que efetivamente integra
uma economia de mercado. Uma teoria de expectativas que seja capaz de
explicar alguma coisa tem que começar estudando essa fase no contexto do
processo como um todo. Se falhar, ela não completou nada. Sua primeira tarefa
é descrever a estrutura dos atos mentais que constituem a formação das
expectativas; sua segunda tarefa, descrever o processo de interação de um
número de indivíduos cuja conduta é orientada um em função do outro.
Para qualquer um que tenha que tomar uma decisão em face de um futuro
incerto a formação de uma expectativa é incidental para o esforço de
diagnosticar a situação na qual ele deve agir, um esforço sempre praticado com
conhecimento imperfeito. O empresário que forma uma expectativa está
fazendo precisamente o que um cientista faz quando ele formula uma hipótese
funcional. Ambas, hipóteses empresariais e científicas servem ao mesmo
propósito; ambas refletem uma tentativa de cognição e orientação num mundo
imperfeitamente conhecido, ambas incorporam conhecimento imperfeito que
será testado e aperfeiçoado pela experiência posterior. Cada expectativa não
responde por si só, mas é o resultado cumulativo de uma série de expectativas
antigas que foram revisadas sob a luz da experiência anterior, e essas revisões
passadas são a fonte de qualquer conhecimento presente que possuímos. Por
outro lado, nossa expectativa presente, a ser revisada posteriormente conforme
a experiência flua, não é apenas a base do plano de ação, mas também uma
fonte de um conhecimento futuro ainda mais perfeito. A formação de
expectativas é assim um processo contínuo, um elemento no processo mais
amplo de transmissão de conhecimento. A lógica do método de análise de
processo, como aprenderemos no Capítulo III, é o que nos permite tratar os
“dados” ex ante de ação como hipóteses provisórias a serem revisadas sob a luz
da experiência posterior.
Dissemos que a formação de expectativas é incidental para a diagnose da
situação como um todo na qual se deve agir. Como isso é feito? Nós analisamos
a situação, como a vemos, em termos de forças às quais atribuímos vários graus
de força. Descartamos aquelas que acreditamos serem forças minoritárias e
postulamos nossas expectativas em termos dos resultados que esperamos que
as forças majoritárias tenham. Quais forças tomamos como minoritárias e
majoritárias é certamente uma questão de julgamento. Aqui o elemento
subjetivo de interpretação é visto em operação. Em geral, somos propensos a
tratar forças operando aleatoriamente como forças minoritárias, uma vez que
nada sabemos sobre sua origem e direção, e não somos de forma alguma
capazes de prever o resultado de sua operação. Tratamos como forças
majoritárias aquelas cuja origem e direção achamos que conhecemos alguma
coisa. Isso significa que ao estimar a significância das mudanças de preço
observadas no passado para as mudanças futuras tenderemos a negligenciar
aquelas que acreditamos serem devidas a causas aleatórias, e confinaremos
nossa atenção àquelas que acreditamos ser causas mais “permanentes”.
Conseqüentemente, numa economia de mercado, há algumas mudanças de
preços que transmitem conhecimento e provocam reações, e sempre há outras
que são descartadas, frequentemente de forma errada, e se tornam então
economicamente sem função. Isso é uma distinção importante e que devemos
retornar ao final do capítulo.
Tendo postulado nossas expectativas ao início de um “período”, nós a testamos
ao final comparando os resultados efetivos com os esperados, tentando inferir
disso se nossa diagnose inicial das forças e suas intensidades foi correta. Esse
processo, como toda verificação de hipótese, é indireto e, portanto, muitas
vezes
não
conclusivo.
Novamente,
ela
requer
interpretação
e
gera
conhecimento imperfeito. Podemos ter estado corretos pelas razões erradas.
Ou, apesar de sabermos agora que nossa hipótese original estava errada, nós
não sabemos como poderíamos estar corretos. O mesmo resultado, digamos,
uma mudança de preço, pode ter sido originada por um número diferente de
constelações de forças majoritárias, consequentemente a necessidade de mais
hipótese e testes.
Expectativas são então fases de um processo sem fim, o processo através do
qual as pessoas adquirem conhecimento sobre as necessidades e recursos uns
sobre os outros. Para nosso propósito atual, devemos tirar três conclusões
desse fato:
Primeiro, quando em qualquer ponto no tempo olharmos para trás para nosso
curso anterior de ação, vemos que todas nossas expectativas passadas formam
uma seqüência contínua, tenham sido reveladas corretas ou erradas.
Aprendemos com todas elas.
Segundo,
há
problemas
de
consistência,
tanto
interpessoal
quanto
intertemporal. Pessoas diferentes possuem expectativas diferentes ao mesmo
tempo; a mesma pessoa pode possuir expectativas diferentes em momentos
distintos. Esses são problemas muito insolúveis enquanto tomarmos as
expectativas como independentes entre si. Porque elas deveriam ser
consistentes entre si?
Mas se olharmos para o processo como um todo, o prospecto nos dá mais
esperança; expectativas bem sucedidas, que passam no teste, são, no geral,
mais propensas a refletir “forças reais” do que expectativas mal sucedidas. E
aqueles cujas expectativas nunca são bem sucedidas provavelmente serão
eliminados pelo processo de mercado. Além do mais, como veremos no
Capítulo IV, o mercado também tende a evoluir instituições que atenuam
inconsistência interpessoal e intertemporal.
Terceiro, os resultados de erros passados não existem apenas para fornecer
lições, mas para prover recursos. Ao revisar nossas expectativas nós não só
temos o conhecimento, quase sempre obtido a duras penas, de erros passados
(nossos e dos outros) para aprendermos, mas também sua contrapartida física,
capital mal investido. Capital mal investido ainda é capital que pode ser
adaptado a outros usos. Esse é o principal problema da teoria do capital num
mundo de mudanças inesperadas. Lidaremos com isso no Capítulo III.
Até então tentamos, muito brevemente, indicar ao menos algumas das
fundações sobre as quais, em nossa visão, uma teoria das expectativas que
verdadeiramente reflita processos econômicos que integram uma sociedade
fundada sob a especialização e troca, deve estar baseada. Sob a luz do que
aprendemos então devemos agora nos voltar para um exame crítico de outras
tentativas de apresentar o problema das expectativas de uma forma sistemática.
Até recentemente, a maioria dos estudos do problema das expectativas foi
informada pela visão de que se trata de um campo apropriado para a aplicação
da teoria da probabilidade. Um empreendedor que tem que tomar uma decisão
cujo resultado é desconhecido, é tratado como configurando uma distribuição
de probabilidade dos possíveis resultados quantitativos para cada curso de ação
aberto a ele. O próximo passo é usualmente substituir os preços mais prováveis
atualmente esperados com incerteza por preços equivalentes esperados com
certeza [1]. Dessa forma o intervalo da distribuição de probabilidade é
comprimido a um ponto, um “equivalente certo” [2]. Em 1945 nós objetamos
contra esse procedimento argumentando que ao substituir um intervalo de
preços incertos por expectativas de um único valor nós temos mais a perder do
que a ganhar, porque a reação à mudança de preços irá depender largamente
da localização dos preços afetados dentro da escala de preços esperados [3].
Devemos explicar mais tarde porque mantemos essa visão.
Porém, enquanto isso, toda a abordagem probabilística ao estudo de
expectativas esteve sob fogo cruzado. No capítulo final de seu livro Expectations
In Economics [4], o Professor Shackle sujeitou aquilo que ele chama de “visão
ortodoxa” da formação de expectativas a uma forte e extensa crítica. Seus
argumentos não são novos [5], mas não deixam de ser eficientes. Seu ponto
principal é a irrelevância das estimativas de probabilidade (no sentido de
freqüência relativa) para decisões únicas ou quase únicas [6]. Poucas
empreitadas individuais, por exemplo, mesmo no decorrer de suas vidas
completas, dão origem a um número de ocasiões de tipos tão amplamente
similares do tipo “amplo” requerido pela teoria, ou mesmo de aplicação prática
dos princípios de probabilidade [7]. O argumento é reforçado pela ausência de
“um universo homogêneo de resultados”. Para muitos tipos importantes de
decisão quanto a assuntos humanos que devem ser tomados será impossível
encontrar um número suficiente de exemplos passados que ocorrem sob
condições apropriadamente similares; nenhuma figura bem construída de
probabilidade para diferentes tipos de resultado pode ser estabelecida com
base na experiência [8].
A crítica do Professor Shackle a abordagem probabilística ao problema das
expectativas é sólida o suficiente, apesar de que, em nossa visão, a ênfase
deveria estar na heterogeneidade de situações ao invés da unicidade de
decisões. Parece-nos que o argumento do Professor Shackle pode perder muito
de sua aplicabilidade ao mundo real se a “unicidade de decisões” for levada
muito a sério. Poucas decisões empresariais são únicas no sentido de que são
tomadas apenas uma vez na vida, e o Professor Shackle apenas enfraquece seu
argumento ao confiná-lo a decisões de investimento que envolvem somas
muito grandes [9]. Temos que distinguir entre unicidade de decisões e
unicidade das situações que as decisões devem enfrentar e criar. O número de
decisões empresariais possíveis é quase que certamente menor que o número
de situações possíveis, precisamente porque num mundo incerto cada decisão
pode ter um dos diversos resultados. E os “desfechos” aqui não são, como na
natureza, “eventos externos dados”, mas sim o resultado de um processo
complexo
de
interação
sempre
acompanhado
pela
transmissão
de
conhecimento. Parece então melhor basear nossa rejeição da teoria
probabilística das expectativas com base na inerente heterogeneidade de
situações ao invés da unicidade de decisões.
Se a contribuição positiva do Professor Shackle pode ser de muita ajuda ao
lidarmos com os problemas elaborados anteriormente nesse capítulo é uma
incógnita. O objeto de seu estudo é o processo mental de um indivíduo tem
tomar uma decisão frente a um futuro incerto. Sua teoria é modelada no
equilíbrio do indivíduo isolado (Robinson Crusoé) e para aí. Ela não nos diz nada
sobre processos de mercado e nada sobre a troca e transmissão de
conhecimento. Para termos certeza se um plano faz sentido ele tem que estar
baseado num esquema auto-consistente de expectativas [10]. Mas a criação de
tal esquema apenas marca o começo de nossos problemas. Temos que
perguntar como essas expectativas se formam, como são revisadas caso
desapontadas, e projetadas no futuro caso bem sucedidas. As mudanças de
conhecimento que o Professor Shackle estuda em seu Capítulo III implicam uma
“clarificação de expectativas” num sentido puramente formal. Os eventos que
levam a tal clarificação são “eventos externos”, não transações de mercado. Em
outras palavras, a teoria do Professor Shackle é estática, e mudança aqui é
compreendida como mudança definitiva dentro do pano de fundo da estática
comparativa.
É notável que na única vez que o Professor Shackle menciona um mercado real,
é um mercado que, no tempo considerado, cessou sua operação; um mercado
que não está em operação, mas sim em suspenso. Ao tentar compreender certo
fenômeno de preços no mercado de terras periféricas ele descobre que
“Evidencia descoberta pelo Comitê Uthwatt mostra que, aonde o cinturão de
terra ao redor de uma cidade é parcelado entre um grande número de
propriedades distintas, o valor de mercado de cada pedaço é tal que quando os
valores separados são agregados, o total é muitas vezes maior do que poderia
ser avisado por qualquer estimativa razoável do desenvolvimento agregado das
construções em volta da cidade como um todo. É como se cada dono atual e
potencial de um lote de terras perto da cidade estivesse convencido de que,
graças a uma oferta total mais do que adequada de terra similarmente
localizada, o particular lote em questão com certeza seria selecionado como
parte do loteamento de novas casas que seria requerido digamos, durante os
próximos vinte anos” [11].
O Professor Shackle considera isso um “fenômeno curioso”, e tenta uma
explicação em termos de sua “funções de surpresa potencial”. Mas uma
explicação muito mais simples pode ser dada em termos de processo de
mercado, ou ao invés, de sua conspícua ausência nesse caso.
A função do mercado de capitais é alocar recursos escassos de capital entre
vários usos alternativos. Isso é simples quando esses usos são conhecidos, mas
não tão simples quando eles não o são. Para que sejam conhecidos, entretanto,
não é suficiente meramente que a quantidade requerida seja conhecida. Aonde
esses usos são específicos, a menos que usos individuais e suas necessidades
específicas sejam conhecidos, nenhuma alocação pode acontecer.
No caso sob discussão é justamente isso que aconteceu: enquanto a demanda
total pode ser estimada, demandas individuais futuras são desconhecidas. Por
outro lado, a necessidade de terra para desenvolvimento urbano é a
necessidade mais importante. Nessa situação o mercado garante a provisão
futura da necessidade mais importante ao suspender a alocação para outras
necessidades criando um estoque de reserva de terra. Ele faz isso ao igualar o
preço de cada lote ao seu valor em satisfazer a necessidade mais importante,
impossibilitando assim para alguém que queira terra para outros propósitos,
consegui-la. A necessidade de um estoque de reserva irá continuar até que as
necessidades individuais e específicas sejam conhecidas. Lá, e apenas lá, o
processo de mercado de alocação pode começar. “O mercado”, no verdadeiro
sentido econômico, significa um processo de troca e alocação refletindo a
transmissão de conhecimento. Ele não significa simplesmente que preços são
especificados. Os preços especificados podem ser tais para prevenir, e não para
facilitar as negociações. Aonde isso ocorre temos um mercado em suspenso, e
não um mercado em operação. O Professor Shackle, como os experts do Comitê
Uthwatt, foi uma vítima de confusão verbal.
A partir desse exemplo pode ser visto que a teoria das expectativas negligencia
o processo de mercado se arriscando.
Após essa digressão crítica, devemos começar uma tarefa mais construtiva. O
leitor, perante o qual postulamos algumas idéias sobre expectativas na parte
inicial desse capítulo, sem dúvida espera que se dê uma forma concreta a elas
ao incorporá-las no quadro analítico dentro do qual problemas concretos
podem ser resolvidos e processos reais de mercado tornados inteligíveis [12].
Mas há outra razão, intrínseca ao nosso argumento, para que pratiquemos uma
tentativa nessa direção.
Descrevemos uma economia de mercado em movimento como uma rede
imperfeita
de
comunicações.
Há,
no
entanto,
mudanças
econômicas
importantes que não encontram sua expressão em mudanças de preço. Elas
constituem o fenômeno de inflexibilidade de preços sobre a qual diremos algo
no Capítulo IV. Há também mudanças de preço que não refletem mudanças
econômicas importantes. Dissemos acima que numa economia de mercado
existem algumas mudanças de preço que transmitem conhecimento e são
motivo para ação, e há sempre outras que são descartadas, frequentemente de
maneira errada, e se tornam então economicamente “sem função” [13]. Evidente
é de grande importância para nós encontrar uma generalização sob a qual um
critério adequado de distinção entre movimentos de preço “significativos” (com
significado) e “sem função” (sem significado) pode ser baseado. Se tal
generalização não pudesse ser encontrada se tornaria então impossível afirmar
que os preços integram a economia de mercado. Tudo que poderíamos dizer
seria: alguns o fazem e outros não. Há muitas dificuldades é claro ao encontrar
tal generalização, dentre as quais há uma em especial que reflete diretamente o
que chamamos de subjetivismo de interpretação: o mesmo movimento de
preços pode ser significativo para alguns, e sem sentido para outra pessoa.
Entretanto nos parece ser possível construir um quadro analítico no qual:
a. possa ser dado um sentido claro à distinção entre movimentos de preço
significativos e sem sentido, e
b. a distinção possa ser vista como possuindo um significado prático:
movimentos de preço significativos e sem sentido possuem de fato
resultados diferentes.
Pode até ser possível ligar essa distinção com aquela entre forças minoritárias
(“aleatórias”) e majoritárias (“permanentes”). Poderíamos dizer, por exemplo,
que o mercado tende a não levar em conta mudanças de preços tomadas como
sendo devidas a causas aleatórias enquanto dedica atenção especial àquelas
que ele acredita sendo causadas por uma mudança na constelação das forças
fundamentais.
Tal quadro analítico encontramos naquilo que, seguindo o Dr. Lange,
chamamos de “Intervalo Prático” [14].
Vamos supor que num mercado um “conjunto de expectativas autoconsistentes” teve tempo de se cristalizar e criar uma concepção de um
“intervalo normal de preços”. Suponha que qualquer preço entre $95 e $110
fosse assimilado como mais ou menos “normal”, enquanto um intervalo maior
de preços, digamos de $80 até $125, fosse tratado como possível. Temos assim
dois intervalos, um “intervalo interno” de 95 até 110 refletindo a concepção
atual de “normalidade”, e um “intervalo externo”, associado com o que é
compreendido como uma mudança possível de preço. Muitos economistas
começaram seu estudo de expectativas com a noção de “intervalo”, usualmente
na forma de uma distribuição de probabilidade, mas apenas para descartá-lo no
momento seguinte em favor de um ponto, um “equivalente certo”, substituindo
os preços mais prováveis realmente esperados com incerteza por preços
equivalentes esperados com certeza [15]. Em contraste, devemos procurar
mostrar que a localização e movimento dos preços atuais dentro de nossos
intervalos são de importância crucial para a formação de expectativas, e que ao
comprimir o intervalo a um ponto perdemos o próprio quadro de referência
dentro do qual mudanças reais de preços podem ser significantemente
interpretadas e mostradas sendo relevantes para a formação de expectativas.
Qual é a significância de nossos dois intervalos para a formação e revisão de
expectativas?
Enquanto os preços vigentes se moverem dentro do intervalo interno, digamos,
dentre 96 e 109, tais movimentos de preços provavelmente serão tratados
como insignificantes e devidos a causas aleatórias. De fato, onde o conceito de
“normalidade” está fortemente enraizado, será muito difícil o preço ultrapassar
os limites. Isso porque assim que o preço se aproximar dos limites inferior e
superior do intervalo interno, as pessoas irão acreditar que o movimento “não
pode ir mais adiante” e, antecipando um movimento em reverso, irão vender
(perto do limite superior) ou comprar (perto do limite inferior). Em tal situação,
expectativas inelásticas tenderão a “estabilizar” os preços dentro do intervalo
interno.
Mas suponha que apesar da pressão de vendas perto do limite superior, e da
pressão de compras perto do limite inferior, o preço ou vá acima de 110 ou caia
abaixo de 95. Tal evento mais cedo ou mais tarde dará origem a segundos
pensamentos. Enquanto os preços vigentes se movam dentro do intervalo
externo, entre 110 e 125, ou 80 e 95, nada que foi considerado impossível
aconteceu, é verdade. Mas os operadores mais ponderados prestarão atenção.
O mero fato de que apesar da alta pressão “especulativa” encontrada perto dos
limites do intervalo interno e engendrada pelas expectativas inelásticas bem
como pelo senso de “normalidade” do intervalo interno, o preço foi capaz de
ultrapassar esses limites é uma mostra das forças que o devem ter carregado
até ultrapassar esses formidáveis obstáculos. Tal movimento dificilmente pode
ser devido a causas aleatórias.
Mas a força que carregou o preço além de seus limites, apesar de forte, não
precisa ser uma força permanente. Ela pode se esgotar mais cedo ou mais tarde.
O mercado irá então julgar a significância dos movimentos de preços dentro do
intervalo externo através do critério suplementar do fator tempo. Se os preços
cederem rapidamente e voltarem ao intervalo interno isso irá com certeza
confirmar a noção prevalecente de normalidade. Mas se eles ficarem dentro do
intervalo externo, gradualmente a opinião irá se modificar. Primeiro alguns, e
depois outros, irão revisar sua noção de “preço normal”. Tal revisão se
expressará numa nova disposição de comprar a certo preço, digamos, 118, ao
qual anteriormente haveria ocorrido uma venda, ou uma nova disposição de
vender a certo preço, digamos, 88, ao passo que anteriormente haveria ocorrido
uma compra. Isso significa que um movimento de preço, uma vez que foi forte
o suficiente para superar a pressão de resistência nos limites do intervalo
interno, e alcançar o intervalo externo, irá provavelmente mais cedo ou mais
tarde ser levado adiante pelas próprias forças especulativas que anteriormente
resistiam a ele. Isso é facilmente observado se refletirmos que as compras e
vendas perto dos limites devem acontecer à custa de estoques normais, de
forma que um preço de 115 provavelmente encontraria agora o mercado com
estoques baixos, e um preço de 90 com um acúmulo excessivo de estoques que
são agora uma mera relíquia da especulação mal sucedida dos “normalistas”.
Um movimento rápido dentro do intervalo externo pode tanto devido a
mudanças de estoque (positivas ou negativas) como a operação de forças mais
permanentes. Isso porque em tal situação o mercado presta muita atenção nas
variações de estoque [16]. De fato, em condições dinâmicas os movimentos de
preço sempre têm que ser interpretados com um olho na “posição estatística”
do mercado que se torna então um segundo critério suplementar para a
diagnose.
Uma vez que o preço ultrapassa os limites do intervalo externo, sobe acima de
125 ou desce abaixo de 80, nos deparamos com uma situação completamente
nova. O mercado, desprovido de seu senso de normalidade, terá que revisar seu
diagnóstico das forças permanentes governando uma “situação normal”. Pode
estar claro agora para todos que a hipótese sobre a constelação de forças
fundamentais que formavam a base de nossa estrutura de intervalos foi testada
e falhou. Mas enquanto a falha de um experimento pode invalidar uma
hipótese, ela por si só não sugere uma nova. Disso segue que de maneira
alguma as forças realmente em operação serão reconhecidas de uma só vez.
Isso depende do enfoque, vigilância e inteligência do mercado. A experiência
mostra, por exemplo, que uma inflação quase nunca é reconhecida em seus
estágios iniciais, pelo menos numa sociedade que não possua experiência
anterior com o problema. Quase que invariavelmente, em um ponto ou outro
dessa fase inicial, as pessoas irão pensar que os preços já estão “muito altos”,
irão protelar compras e adiar planos de investimento. Dessa forma, elas irão,
graças a sua própria falha ao compreender o modus operandi da força
fundamental, mitigar seu impacto por um tempo ao reduzir a “demanda
efetiva”. E se, como não é impossível, a inflação parar precocemente, elas
podem ter estado corretas afinal! Mas é mais provável que elas estejam erradas.
E enquanto sua ação acarrete a submanutenção do capital, os resultados finais
para a sociedade podem ser desastrosos.
Podemos concluir que movimentos de preço dentro do intervalo interno serão
descartados e dessa forma “sem função”. Mudança de preço além dos limites
do intervalo interno pode ou não ser significativa, mas o julgamento aqui irá
depender dos critérios suplementares tais como o fator tempo e variações
concomitantes no tamanho dos estoques. É apenas quando os preços movem
além
do
intervalo
“significantes”,
e
externo
não
que
podem
eles
mais
se
ser
tornam
inquestionavelmente
descartados,
conferindo
uma
“mensagem”. Mas ao passo que o conteúdo negativo da mensagem seja claro o
suficiente, a saber, a invalidação da hipótese que formava a base da antiga
estrutura de intervalos, seu conteúdo positivo é bem menos claro. A mensagem
ainda requer interpretação, e isso dependerá do enfoque e inteligência dos
homens no mercado.
Nosso conceito da Estrutura de Intervalos, composta de intervalos externo e
interno, parece assim vindicada como uma útil ferramenta de análise, e nossa
recusa de substituí-la por um “equivalente certo” parece estar justificada. Nosso
conceito nos permite fazer uma distinção entre fenômenos de preço que são
consistentes com a estrutura existente de expectativas, caem “dentro dos
intervalos”, e dessa forma não causam desapontamento, e, por outro lado,
fenômenos inconsistentes com a estrutura existente de expectativas, que caem
“fora dos intervalos” e necessitam de uma revisão. Percebemos que enquanto o
movimento de preços está confinado dentro do intervalo interior ele não
fornece nova informação relevante, mas meramente confirma a veracidade do
diagnóstico que encontrou sua expressão na existência desse intervalo, ao
passo que movimentos dentro do intervalo externo fornecem informação de
valor problemático que para ser útil precisa ser suplementada pela observação
de outros fenômenos. Entretanto, assim que os preços se movem além dos
limites do intervalo externo, a inadequação do diagnóstico no qual os intervalos
foram baseados se torna patente. Uma nova situação apareceu a qual requere
um novo diagnóstico e dessa forma um novo esforço mental.
Permanece verdade que, em geral, mudanças de preço integram uma economia
de mercado ao disseminar novo conhecimento. Mas nem toda mudança de
preço é igualmente significativa quanto a esse respeito. Sua significância tem
que ser avaliada com respeito a uma “dada” estrutura de expectativas que
encontra sua expressão num sistema de intervalos. Seu efeito prático irá
depender de quão rapidamente as pessoas no mercado compreenderão o que
aconteceu e revisarão suas expectativas. Impedir mudanças de preço é então
restringir conhecimento do mercado. Por outro lado, é possível que haja
movimentos de preço “enganosos”. Sobre eles mais será dito nos capítulos
posteriores.
Notas do Autor
[1] Oscar Lange: Price Flexibility and Employment, p. 31
[2] G. L. Shackle: Expectations, Investment and Income, 1938, p. 64.
[3] L. M. Lachmann: ‘A Note on the Elasticity of Expectations’, Economica,
Novembro 1945, p. 249.
[4] G. L. Shackle: Expectations in Economics, 1949, p. 249.
[5] Cf. F. H. Knight: Risk, Uncertainty and Profit, Capítulo VII, especialmente pp.
224–32, and L. v. Mises: Ação Humana, Capítulo VI, especialmente pp. 106–15.
[6] G. L. Shackle: Expectations in Economics, 1949, p. 127.
[7] Ibid., p. 110.
[8] Ibid., pp. 109–10.
[9] Nenhum executivo de negócios tem que decider 100 vezes em dez anos se
gasta ou não um milhão de libras numa fábrica – p. 115.
[10] Ibid., p. 111.
[11] G. L. Shackle: Expectations in Economics, 1949, p. 91. (Itálicos dele.)
[12] É verdade que para o propósito principal desse livro, a elucidação de uma
concepção morfológica de capital, isso pode não parecer estritamente
necessário. Mas, como será visto no Capítulo IV, pode ser útil ao nos fazer
compreender a distinção entre mudanças consistentes e inconsistentes de
capital.
[13] Ver acima, p. 24.
[14] Lange, op. cit., p. 30
[15] Ibid., p. 31.
[16] Cf. L. M. Lachmann: ‘Commodity Stocks and Equilibrium’, Review of
Economic Studies, Junho 1996
Notas do Tradutor
[*1] “Bygones”.
Ludwig Lachmann – O Capital E Sua Estrutura (Capítulo
III)
Tradutor – Rafael Hotz
*********************
Capítulo III – Análise de Processo e Teoria do Capital
A teoria do capital tem que partir do fato de que os bens de capital com o qual
os empreendedores operam são heterogêneos. Esses bens de capital
heterogêneos devem ser usados conjuntamente. A heterogeneidade aqui
implica em complementaridade no uso. O modo dessa complementaridade, as
proporções às quais os vários fatores heterogêneos de produção estão sendo
usados para um dado propósito, devem encontrar sua expressão no Plano de
Produção. Tal plano é caracterizado pelos coeficientes de produção de seus
insumos e produtos pretendidos. Mas ao passo que o produto resultante é
meramente planejado, a decisão sobre os coeficientes de produção tem que ser
feitas de uma sé vez; caso contrário não haveria plano.
Se o plano falha ele deve ser revisado. Os coeficientes de produção serão então
afetados [1]. Trabalho será dispensado, outro será contratado. O mesmo
acontece com bens de capital. Alguns são descartados, outros adquiridos. Uma
revisão do plano irá como uma regra envolver reagrupamento de capital, uma
variação no modo de complementaridade dos bens de capital usados.
A teoria do capital deve explicar porque bens de capital estão sendo usados da
maneira que agora o estão. Seu modo de uso depende do padrão de
complementaridade refletido nos vários planos de produção, um padrão que
varia conforme os sucessos e falhas de tais planos. A teoria do capital deve
então se preocupar com a forma pela qual os empreendedores formam
combinações de recursos de capital heterogêneo em seus planos, e com a
forma pela qual eles os reagrupam quando revisam seus planos. Uma teoria que
ignora tal reagrupamento ignora um aspecto altamente significante da
realidade: o padrão mutante do uso de recursos cuja divergência dos resultados
vivenciados
na
realidade
comparado
às
expectativas
se
impõe
aos
empreendedores.
O fato de que para o empreendedor planejador seus recursos de capital são
primeiramente dados em sua heterogeneidade, como construções, máquinas,
ferramentas, etc., pode parecer óbvio para o leitor. Infelizmente, esse fato está
em discordância com a tendência principal da teoria tradicional do capital que
trata o capital como uma magnitude homogênea de valor expressa em termos
monetários. Sem duvida essa noção de capital corresponde em várias maneiras
ao conceito de capital usado na vida empresarial, em particular na sua
contabilidade e aspectos financeiros. Pode parecer então compensador mostrar
que para nossos propósitos nesse capítulo, a descrição da formação e revisão
de combinações de capital nos planos de produção, que os usos comerciais da
palavra “capital” são irrelevantes.
É obviamente verdade que todos os negócios têm que começar com uma soma
de capital monetário homogênea, “capital livre”. Mas o conjunto de capital
monetário dos donos e credores pertence a uma fase a qual logicamente (se
não já no presente: o design técnico já pode ser existente) precede a elaboração
do plano de produção. Como aprenderemos no capítulo VI, é verdade que o
que acontece durante o estágio financeiro de um negócio não é inteiramente
irrelevante para o que acontece depois: a “estrutura de controle” pode
certamente influenciar decisões posteriores, por exemplo, sobre a expansão ou
reconstrução. Mas enquanto estivermos preocupados com a elaboração do
plano de produção e com a construção da combinação de capital sob a qual ele
se baseia tudo isso é irrelevante. Afinal, não se pode auferir lucros sobre o
capital sem “investi-lo”, e isso significa desomogeneizar o capital monetário.
É verdade também que sempre existirá uma conta capital na qual os vários
recursos de capital aparecem como valores agregados homogêneos. Mas a
conta capital em cuja vizinhança reduzimos nossos recursos de capital a um
denominador comum é meramente um artifício institucional para testar o
sucesso ou falha. A usamos para testar o resultado do plano, não para operá-lo.
Mudanças no valor total dos ativos, para sermos precisos, são nossa medida de
sucesso, mas não nos podem informar o que aconteceu ou porque, mais do que
um termômetro nos pode dizer se o paciente sofre de malária ou gripe.
O caminho do progresso econômico é disseminado com as ruínas das falhas.
Todo empresário sabe disso, mas poucos economistas parecem ter tomado
nota. Na maioria das teorias em voga atualmente o progresso econômico é
aparentemente tratado como um resultado mais ou menos automático do
investimento de capital, “autônomo” ou de outro tipo. Talvez não devêssemos
nos surpreender com esse fato: teorias mecanicistas são propensas a produzir
resultados que parecem automáticos.
A visão que ao estabelecer uma relação funcional entre elas, praticamente
identifica o progresso com a acumulação de capital, se baseia ao menos em três
falácias. Em primeiro lugar, a acumulação de capital não é a única força
engendrando progresso; a divisão do trabalho e mudanças no conhecimento
técnico são outras. Às vezes essas três forças se reforçam, mas frequentemente
se compensam, como por exemplo, quando mudanças no conhecimento
tecnológico tornam habilidades específicas ou equipamento específico
redundante. Segundo, como aprenderemos no capítulo V, mesmo onde a
acumulação de capital parece engendrar um aumento no produto, isso é muitas
vezes não o resultado direto de mudança quantitativa, mas seu resultado
indireto, e o resultado direto de uma mudança concomitante na composição do
capital.
Mas a mais egrégia falácia da visão que identifica acumulação de capital com o
progresso é certamente sua completa negligencia dos fatos do mau
investimento. O fato de que em paises industriais modernos o progresso é
acompanhado do um investimento líquido anual não nos deve fazer esquecer
que boa parte do novo valor do capital será perdida antes de seu período
planejado de depreciação termine. Uma teoria realista do capital deve
perguntar por que é dessa forma, e que processos na esfera da produção e
planejamento a mudança no valor do capital reflete.
A perda em valor claramente reflete o fato de que os instrumentos de capital,
particularmente aqueles que são duráveis, têm que ser usados de maneiras
distintas daquelas as quais foram planejados. Nesses novos usos os
instrumentos podem ser ou mais ou menos lucrativos do que em seus usos
planejados. No primeiro caso haverá um ganho, no último uma perda de valor,
isto é, seu valor de mercado diferirá de seu custo de produção. A causa do
fenômeno é a mudança inesperada. Consequentemente, bens duráveis de
capital são mais propensos a serem afetados do que bens de vida mais curta.
No caso de construções nosso fenômeno ocorre frequentemente pela simples
razão de que elas duram por períodos maiores do que possivelmente entrariam
no “horizonte” do planejador. Frequentemente, enquanto caminhamos nas ruas
de uma cidade antiga, os palácios dos mercadores se transformaram em hotéis,
os antigos estábulos em garagens, e os antigos armazéns se tornaram
modernas oficinas, e isso nos lembra da impossibilidade de planejar para o
futuro remoto. Nesse caso nosso fenômeno, em outras palavras, o fato de que
os bens de capital não são usados de acordo com os planos originalmente
feitos para eles, são o mero resultado da passagem do tempo. Aqui apenas os
bens mais duráveis serão afetados.
Nas modernas economias industriais, contudo, o rápido progresso técnico e a
crescente predominância do equipamento de capital durável têm trazido uma
grande proporção de recursos de capital ao escopo de nosso fenômeno. Em tal
mundo pode haver apenas poucos bens fixos de capital que são usados ano a
ano da mesma forma. O Dr. Terborgh ilustrou esse fato através
da história de vida de uma locomotiva de carga da década digamos, de
1890. Ela começou no serviço de linha principal. Após alguns anos, a
melhora nas locomotivas disponíveis e o desenvolvimento na arte de
construção de ferrovias tornaram a unidade obsoleta para tal serviço, que
foi ocupado por um poder mais moderno. Ela foi então relegada aos
serviços de linha secundária onde os trens eram menores, mais lentos, e a
milhagem anual muito mais reduzida. Após alguns anos ela serviu nessa
capacidade, mas aparelhagem melhor era continuamente deslocada da
linha principal e “jogada” nas linhas secundárias, e eventualmente nossa
locomotiva foi colocada no pior posto, se tornando uma desviadora
numa das estações ao longo da linha***. Mas a marcha do progresso não
se importava, e, ao final, graças a combinação de obsolência e
deterioração física, ela foi parar na lista inativa. Por mais alguns anos ela
esteve por aí, na maioria das vezes parada, mas colocada em circulação
durante picos sazonais de tráfico e emergências especiais. Finalmente, o
sino tocou e ela terminou na pilha de sucata [2].
Se, então, sempre temos que esperar encontrar bens de capital usados em
formas distintas daquelas originalmente planejadas, uma teoria realista do
capital não pode ignorar completamente esses fatos. Devemos tentar investigar
o processo pelo qual essas mudanças no capital tomam forma, e por
“investigar” queremos dizer mostrar como a causa de torna efeito e o efeito
uma nova causa. É prontamente visto que para tal propósito que o método de
análise de equilíbrio é muito pouco útil. A analise de equilíbrio pode nos dizer
se os cursos de ação são ou não consistentes uns com os outros. Ela não pode,
exceto em circunstancias muito especiais, explicar como as inconsistências são
removidas. Essas circunstâncias especiais iriam requerer que todas as formas
possíveis de ação pudessem ser descritas na forma de funções contínuas que
não variam conforme as inconsistências são descobertas e resultam em falhas.
Elas requerem, em outras palavras, curvas de oferta cada vez mais inclinadas e
um ponto de intersecção entre elas. Como veremos, não há motivos para
acreditar que tais funções contínuas possam existir no mercado para bens de
capital. Para investigarmos o processo de mudança de uso do capital devemos
aplicar o método de Análise de Processo ao uso dos recursos de capital.
A maioria dos economistas está familiarizada com o método de Análise de
Processo como exposto nos escritos de Hicks [3], Lindahl [4] e Lundberg [5]. É
um método genético-causal de estudar mudanças econômicas, investigando os
efeitos de decisões tomadas independentemente umas das outras por certo
número de indivíduos no tempo, e mostrar como a incompatibilidade dessas
decisões após certo tempo necessita de revisão. Para apreciar seus méritos
devemos contrastá-lo com o método de estudo que ele deve suplantar, ou ao
menos suplementar, a análise de equilíbrio.
Na analise de equilíbrio nosso interesse está restrito a planos consistentes uns
com os outros. Supomos que os consumidores, produtores, investidores, etc.,
possuem um grande numero de planos alternativos, número tão grande que
esses planos podem ser analiticamente descritos em termos de funções
contínuas, ou graficamente caracterizados como curvas ou superfícies. Desses
planos selecionamos aqueles que são consistentes entre si, descartando os
demais. De fato, o sistema completo da ação humana é descrito aqui não em
termos da rede de planos operacionais dos quais ela é na realidade o resultado
final, mas em termos de um pequeno corte transversal de planos que calha de
se disponibilizar para tratamento matemático. A justificativa para esse
procedimento é buscada no fato de que planos inconsistentes de indivíduos
que se relacionam uns com os outros não podem ser bens sucedidos, e que as
falhas resultantes necessitarão de revisão contínua de planos, até que um
conjunto consistente de planos tenha sido descoberto. Nessa visão, logo, a
atividade econômica consiste largamente no teste de planos para consistência
mútua. Como isso leva tempo, temos que supor que durante o “período de
ajuste” nada que possa perturbar os dados originais expressos como planos
alternativos aconteça. Apesar da falha de cada plano sucessivo conferir
conhecimento adicional significativo para os indivíduos afetados, ela não afeta a
forma das curvas de oferta e demanda. Ela meramente induz os indivíduos a
escolher outros pontos nelas para teste. É usualmente suposto que como um
resultado da experiência acumulada no tempo ganhada de uma série de testes
mal sucedidos, uma solução consistente certamente será encontrada no final,
em outras palavras, que no “mundo real” existe uma “tendência ao equilíbrio”.
Na analise de processo, por outro lado, não precisamos de tal suposição.
Mesmo mantendo o postulado de ações consistentes para cada agente, não
mais supomos que as ações de grande quantidade de pessoas serão
consistentes umas com as outras. Pelo contrario, tomamos inconsistência
interpessoal como dada e estudamos seus efeitos. A análise de processo,
podemos dizer, combina o equilíbrio da unidade decisória, firma ou família, com
o desequilíbrio do mercado. Há uma boa razão para essa suposição: a mente
humana é um instrumento para reduzir o caos à ordem. Todos aqueles atos
inspirados pela mesma mente são então improváveis de mostrar inconsistência
caótica. Seja lá qual for o numero de ações que uma mente possa controlar ela
também os pode trazer à consistência, e como consistência de ações é uma
condição necessária, porem, é claro, não suficiente de sucesso, ela terá que
fazê-lo. Mas além dessa esfera de manifestações da mente individual, fora da
firma e família, não existe tal agente. É obviamente verdade que o mercado
opera para produzir consistência interpessoal, mas ele o faz indiretamente ao
modificar as condições de ação dos indivíduos. O mercado não é um substituto
para a unidade decisória. Precisamente para explicar como os fenômenos de
mercado afetam decisões necessitamos daquela interpretação da experiência,
constituída de ações da mente, que discutimos no Capítulo II.
Será lembrado que os economistas clássicos, que claramente estavam
preocupados apenas com firmas e não com famílias, tinham uma proteção
institucional adicional para garantir consistência interpessoal: o tribunal da
bancarrota. Todos aqueles incapazes de igualar custo médio e preço são
esperados a desaparecer mais cedo ou mais tarde da cena da ação econômica.
Apenas aqueles capazes de se ajustar às condições existentes continuariam a
agir. Mas a extensão da teoria da firma para casos diferentes daqueles de
competição, e em geral a extensão da análise econômica para a família, e isso
significa para todos, privou esse argumento de sua antiga significância.
O método de análise de processo que se disponibiliza para o tratamento de
problemas tanto micro quanto macroeconômicos, foi aplicado até então
principalmente para a explicação de preços, produção e decisões de gastopoupança-investimento. No que se segue o usaremos para elucidar as
implicações dinâmicas das decisões sobre o uso dos recursos de capital.
Cada recurso possui um número de usos possíveis. O melhor uso ira, em cada
caso, depender de um número de circunstâncias, por exemplo, os preços
relativos de insumos e produto. O dono de um recurso de capital irá dessa
forma, ao chegar a uma decisão quanto ao seu uso, ter que comparar os preços,
presente e esperados, dos vários tipos de produto que ele poderia produzir,
com os salários, presente e esperados, dos vários tipos de trabalho que
poderiam produzi-los. Porém, um recurso de capital sozinho não possui
produto. Cada decisão sobre seu uso irá então implicar decisões sobre o uso de
outros recursos complementares a ele.
Frequentemente, é claro, será possível produzir diferentes tipos de produto com
a mesma combinação de capital (planta, maquinário, mão de obra, etc.), por
exemplo, ao variar o insumo trabalho. Assim será produzido o produto que
maximiza os lucros, e qualquer experiência calculada que induza à crença de
que o plano atual de produção não o faz levará a uma revisão do plano. Mas o
leque de produtos que poderiam ser produzidos sempre aumenta se variações
possíveis da combinação de capital existente são levadas em conta. Numa
economia de mercado uma firma pode sempre variar sua combinação de capital
ao comprar e vender bens de capital. Consequentemente, cada firma irá usar
esporadicamente o mercado para adquirir aqueles instrumentos de capital os
quais, quando operados pelo trabalho disponível aos salários vigentes,
maximizarão os lucros. A firma pagará por suas compras descartando aqueles
bens de capital que nas novas combinações não são mais necessários.
No se segue suporemos que cada firma possui apenas uma planta que durante
o período sob investigação ela não vende nem expande [6]. Em conjunto com
sua planta ela usa equipamento de capital de vários tipos. As proporções nos
quais os vários tipos de equipamento são combinados com a planta, que
chamaremos de “coeficientes de capital”, estão incorporadas no plano de
produção. Um plano não pode ser mudado durante um período, ao passo que
ele pode e provavelmente será revisado ao seu final. Os coeficientes de capital
são assim fixados rigidamente para cada plano, mas flexíveis para períodos mais
distantes. Mesmo assim, entretanto, iremos supor que o numero de
combinações de capital as quais a firma deve escolher é limitada. Enquanto o
modo de complementaridade pode mudar de período a período, a relação
entre
a
maioria
dos
recursos
de
capital
é
usualmente
uma
de
complementaridade.
Há, no entanto, uma importante exceção à essa regra.
Cada plano tem que fazer uma provisão para contingências imprevistas. Certos
fatores devem ser mantidos em reserva (partes avulsas, estoques, etc.) para
serem lançados em ação se e quando necessário. Quanto eles serão usados não
se sabe de antemão; consequentemente, essas quantidades não estão entre os
coeficientes fixos de produção no plano. Na verdade sua variabilidade (dos
coeficientes – N.T.) é a própria razão de sua existência. Quanto eles se tornarão
complementares aos fatores de produção atualmente em operação dependerá
do acaso. Pode ser melhor então falar em bens de capital suplementares para
distingui-los dos componentes das combinações de capital.
Esses recursos suplementares possuem uma propriedade interessante: o
registro de sua mudança quantitativa pode ser usado como um teste primário
de sucesso ou falha. Exaustão das reservas é uma marca clara de falha. Mesmo
em casos menos extremos a necessidade de usar reservas ira aumentar custos e
reduzir o lucro líquido.
Dentre os recursos da firma o uso dos quais está designado no plano, o capital
monetário possui um papel peculiar. Aquele capital monetário que será usado
durante o período do plano para pagar salários, comprar matérias primas, etc.,
não deve ser contado como capital para nossos propósitos, caso contrário
deveríamos ser culpados de dupla-contagem. Se pensarmos no carvão usado
para a produção durante nosso período de plano como um bem de capital, cuja
quantidade é um coeficiente de capital, não podemos ao mesmo tempo chamar
o dinheiro pago por ele de “capital”. Se o trabalho é um fator de produção e um
elemento componente do plano, o dinheiro separado para pagar por ele não
pode simultaneamente ser capital. No máximo podemos dizer que ao inicio do
plano o capital monetário é uma “proxy” daqueles fatores de produção que são
parte do plano mas agendados para aparecer no estagio posterior.
Mas nem todo o dinheiro a disposição da firma é alocado para tais usos
específicos. Parte dele não é planejado para ser usado. Ele compõe a reserva de
caixa que possui a mesma função geral de todas as reservas: ser posta em ação
no caso de contingências imprevistas. A reserva de caixa é então capital da
mesma forma, e pela mesma razão, que partes avulsas o são. Enquanto o
dinheiro é “ocioso”, sua ociosidade é uma condição para a ação bem sucedida.
Todos esses bens suplementares têm que ser substitutos mais ou menos
perfeitos para aqueles bens vigentemente em operação que, caso necessário,
eles substituirão. Esse fato deu origem à necessidade de padronização do
equipamento, um artifício para manter o tamanho de tais estoques
suplementares dentro de proporções manejáveis. Nisso o dinheiro, o substituto
universal, é superior à quase todos os outros uma vez que, se necessário, ele
pode ser trocado por qualquer outro bem atualmente no mercado.
Variações não planejadas no estoque de dinheiro são testes primários
altamente significantes do sucesso ou falha dos planos de negócio. A medida
final do sucesso do negócio é, é claro, a contabilidade como um todo. Mas
como o lucro irá como uma regra vir na forma monetária, e uma vez que a
reserva de caixa é principalmente a reserva central que nenhuma falha séria
pode deixar inafetada, sucesso e falha provavelmente serão registradas através
de mudanças na reserva de caixa antes de serem registradas em outro lugar.
Enquanto para o período do plano a maioria dos coeficientes é fixa, cada plano
deve permitir alguma flexibilidade. Variações dos fatores variáveis conferem
assim informação atual sobre como o plano está indo. Se todos os fatores
fossem rigidamente fixos não haveria elemento variável disponível para registrar
sucesso ou falha.
Vamos supor que durante um período t1 uma firma possui uma combinação de
capital da forma
kA + lB + mC ... (1)
onde A, B, C ... são tipos diferentes de equipamento e k, l, m ... são constantes.
Ao final do período t1, sob a luz da experiência adquirida durante o período se
decide alterar a combinação. Parte dessa experiência pode ser “conhecimento
puramente técnico” da capacidade de nossa combinação atingir, com a ajuda
da força de trabalho atribuída a ela, no plano de produção para t1, os “produtos
alvo” designados para ela no plano. Nesse caso a significância econômica do
conhecimento técnico adquirido não é nada ambígua e seu significado para
planos de produção futuros é obvio. Mas parte da experiência do período t1 é
experiência de marketing, que não pode ser usada para planejamento futuro
sem a interpretação do tipo discutida no Capítulo II.
Vamos supor agora que sob a luz das circunstancias consideradas como
relevantes para o planejamento do futuro, decide-se no período t2 mudar a
combinação (1) para outra combinação
l’B + m’C + nD ... (2)
onde l é menor que l’ e m maior que m’, e D um tipo de equipamento não
usado até então pela firma. Ela terá então que vender kA e (m-m’)C e comprar
(l’-l)B e nD. Supondo que não haja investimento líquido nem desinvestimento,
podemos supor que
kA + (m-m’)C = nD + (l’-l) B ... (3)
Vamos supor que ao final do período t1 cada empreendedor revise seu plano
de produção para t2 e sua combinação de capital. De uma só vez temos que
perguntar o que determina os preços dos bens de capital que foram
descartados e adquiridos. Numa primeira visão pode parecer que o problema
pode ser resolvido dentro do esquema tradicional da análise de equilíbrio. Para
cada empreendedor, parece, haverá preços mínimos abaixo dos quais ele não
venderá, por exemplo, porque ele espera que se ele esperar até t3 ele
conseguirá um preço melhor. E haverá preços máximos de bens de capital
acima dos quais ele não comprará, pois à preços superiores (2) não será uma
combinação ótima. Em algum lugar entre esse máximo e mínimo pode parecer
que a interação do mercado estabeleceria preços para cada categoria de
equipamento de capital. Assim podemos ser levados a crer que no “dia de
mercado” que marca o início de t2 um “equilíbrio temporário” do mercado de
bens de capital se estabelecerá.
Num exame mais detalhado, contudo, percebe-se que essa posição não é
determinada e uma análise de equilíbrio não é aplicável.
Em primeiro lugar, a suposição de que cada firma será capaz de financiar a
recombinação de suas combinações de capital sem ter que descontar de sua
reserva de caixa ou fontes externas parece muito fora da realidade. Parece não
haver motivos para acreditar que a receita da venda dos instrumentos
descartados
sempre
se
justificará
suficiente
para
comprar
os
novos
instrumentos. Caso aconteça, (3) não é válida. Devemos supor que as firmas
contam com o fato de que a venda do novo equipamento não cobrirá o preço
de compra do novo equipamento, e planejam cobrir a diferença descontando
de suas reservas de caixa. Assim temos
kA + (m-m’)C + z = nD + (l’-l)B ... (4)
onde z é a diminuição da reserva de caixa. Em geral, a nova combinação de
capital será escolhida de tal forma que se a for o lucro médio esperado dela,
a / kA+ (m-m’)C + z
é maximizado.
Se n firmas refazem suas combinações de capital, então, enquanto elas vendam
seu equipamento descartado umas para as outras, ou seja, enquanto nenhum
novo equipamento seja comprado nem equipamento velho vendido como
sucata, deveríamos ter
z1 + z2 + z3 + z4 + ... + zn = 0 (5)
onde z1 é a redução de caixa da firma, 1, z2 da firma 2, etc. nesse caso
claramente alguns dos z terão que ser negativos. Algumas firmas se observarão
com um verdadeiro excesso de caixa após ter completado a operação.
Agora, a dificuldade fundamental que torna impossível aplicar análise de
equilíbrio para nosso caso, está no fato de que as decisões de reagrupamento
não precisam ser consistentes umas com as outras. Se elas não são, algumas
delas não poderão ser levadas a diante. Esse dilema se expressa no fato de que,
por um lado, as decisões de reagrupamento estão baseadas na suposição de
certos preços para novo equipamento comprado e equipamento antigo
vendido, enquanto, por outro lado, esses preços não podem ser conhecidos
antes que o processo de troca esteja completo. Em outras palavras, nossas
firmas não sabem de antemão o que elas conseguirão ou terão que pagar, mas
mesmo assim elas têm que elaborar seus planos que envolvem atos de troca
antes da verdadeira execução desses planos. Preços esperados podem não se
realizar, e preços realizados podem não ser aqueles que tornem um
reagrupamento em particular lucrativo.
Não é uma forma de fugir de nosso dilema postular que cada firma começa
com um numero de planos alternativos dependendo dos preços de compra e
venda no mercado. Em primeiro lugar, ainda não há motivos para que dentre
esse grande número de planos provavelmente inconsistentes haja ao menos um
conjunto de planos (um para cada firma recombinadora) que seja consistente.
Além do mais, mesmo se isso acontecesse, mesmo se pudéssemos desenhar
curvas de oferta e demanda e conseguir “pontos de intersecção”, há o fato de
que não possuímos um mercado mas um número deles, na verdade tantos
mercados quanto haja tipos de bens a serem trocados. Essas curvas de oferta e
demanda, mesmo se fossem contínuas, não seriam independentes umas das
outras já que os preços nos quais os bens são oferecidos ou demandados não
são independentes uns dos outros. Se os bens-A, por exemplo, atingem preços
mais altos, maiores ofertas podem ser feitas por bens-D, e vice versa. Sabemos
da teoria do equilíbrio geral que tais circunstâncias são suficientes para tornar
os preços em cada mercado indeterminados a menos que assumamos tanto
que todos os preços são corrigidos simultaneamente ou que permitamos
recontratação Edgeworthiana. Para termos realismo não podemos admitir
nenhuma das duas condições. Consequentemente, os resultados das transações
anteriores influenciarão preços nas transações posteriores. Os preços
dependerão então da ordem cronológica das transações, e essa ordem é
claramente um tanto arbitrária. Por outro lado, deve haver tal ordem. Como não
pode haver vendas sem compras, não podemos assumir, por exemplo, que
todas as firmas vendem suas maquinas antigas primeiro e depois formam as
novas combinações com base nos preços realizados.
Existe um escape de nosso dilema que permite as firmas a levarem adiante suas
decisões de reagrupamento “de acordo com o plano”. Mas se o escolhermos
possivelmente não poderemos chamar a posição atingida ao final da operação
de “posição de equilíbrio”. Assumamos que existam preços “dados” para novo
equipamento e preços “dados” de sucata para equipamentos antigos, preços os
quais não seriam afetados pelas negociações no mercado de segunda mão.
Vamos ainda supor que cada firma reagrupadora baseia sua política no que o
Professor Neisser chamou de “Estratégia de Esperar o Pior”: ela espera que não
consiga mais que o preço de sucata para o equipamento que ela descarta e
nem será capaz de comprar mais equipamento no mercado de segunda mão,
mas que terá que comprar novo equipamento ao preço vigente. Dessa forma o
“teto” do preço para o novo equipamento e o “piso” do preço para o antigo
formam a base de seus planos. E se supormos que o preço de sucata não será
afetado por nosso reagrupamento (uma suposição duvidosa) e que os (ex)
preços (de fábrica) dos novos equipamentos são suficientemente rígidos para
não serem afetados pela demanda crescente do reagrupamento (uma suposição
um pouco mais realista do mundo da indústria moderna), esses planos podem
ser plausíveis.
Mas a “estratégia de esperar o pior”, ao mesmo tempo em que pode ser a mais
segura, não é necessariamente a “melhor” política. A posição atingida como um
resultado de levar a diante esses planos não pode ser chamada de ótima para a
firma. Certamente, se todas as firmas baseiam seus planos na “pior
possibilidade”, quase todas elas conseguirão “ganhos”. Caso o mercado as
ofereça termos mais favoráveis do que aqueles imaginados em seus planos, seu
desconto atual z das reservas de caixa realmente vivenciado será menor que o z
planejado. De fato para algumas delas seu z vigente pode se tornar negativo se
elas descobrirem que podem vender suas maquinas antigas a preços muito
maiores do que os de sucata e comprar máquinas no mercado de segunda mão
a preços muito menores que o “novo” [*1]. Mas permanece o fato de que, se
elas tivessem sabido de antemão sob quais termos elas seriam capazes de
negociar no mercado de segunda mão, elas teriam tomado decisões de
reagrupamento distintas daquelas tomadas.
Duas conclusões, uma negativa e uma positiva, emergem do que foi dito.
Primeiro, a análise de equilíbrio não pode ser aplicada ao reagrupamento de
capital. Decisões de reagrupamento dificilmente serão consistentes umas com
as outras, e mesmo se assim o forem, as firmas ainda podem se encontrar,
quando a operação estiver finalizada, numa posição em que elas não teriam
escolhido caso tivessem sabido quais alternativas estavam abertas a elas. A
reconfiguração das combinações de capital, seja lá quais seus motivos e
conseqüências, não é um “retorno ao equilíbrio”. Os próprios atos que ela
implica possivelmente terão novos efeitos desequilibradores.
Segundo, e essa é nossa conclusão positiva, o reagrupamento de capital deve
ser tratado como um fenômeno dinâmico similar aos processos que lhe deram
origem. Nele, assim como em todo o resto, as firmas podem ser bem sucedidas
ou falharem. Sua força relativa em seus novos projetos será afetada pela medida
de sucesso que tiverem atingido no reagrupamento. Um “z” negativo, por
exemplo, irá significar maior força financeira. Um equipamento pode ter sido
comprado tão barato que ele pode ser usado lucrativamente para propósitos
distintos daqueles delineados no plano de reagrupamento. Caso seja assim, isso
pode levar a mais compras de equipamento de capital complementar. De
qualquer forma, o que acontece no período t2 não é o mero resultado do que
aconteceu em t1, nem o resultado do que aconteceu em t1 mais as decisões
tomadas em seu final. Ele será o resultado combinado dos eventos durante t1,
revisões de plano ao seu final, e o sucesso com o qual essas decisões se
encaixaram antes mesmo de t2 começar.
Agora devemos levar em conta algumas das repercussões que nosso processo
terá. A existência de preços máximos significa é claro que neles novos bens de
capital serão introduzidos em nossas combinações de capital, e se preços
mínimos são ditados pelos valores de sucata, alguns de nossos bens de capital
antigos serão transformados em sucata ao invés de mudarem de mãos. Mas
agora haverá também bens mantidos em existência física, embora não em uso
produtivo, na esperança de preços mais altos no futuro, da mesma forma que
preços de equilíbrio não impedem a existência de bens não vendidos que
seriam ofertados a preços mais altos. Enquanto a “estratégia de esperar o pior”
requer um preço de “piso”, ele não precisa ser o preço de sucata.
Ao olhar as novas combinações devemos então encontrar em meio a elas
alguns bens de capital cuja venda não é resultado de erros passados, mas o
resultado do fato que os preços de bens similares existentes atingiram seu
limite superior. Opostamente encontraremos, mas não como parte de nossas
novas combinações, algum equipamento não usado que não é transformado
em sucata uma vez que seus donos esperam que seu valor futuro exceda os
preços atuais de sucata, talvez porque eles esperam que os preços de sucata
subam, talvez porque eles são capazes de prever condições mais favoráveis para
uso futuro. Essa é a “capacidade ociosa” que nos anos 30 deu a luz a muitos mal
entendidos e cuja importância para a teoria dinâmica foi agora descoberta pela
Sra. Robinson [7], e outros. É usualmente considerada como o resultado de
“falta de demanda efetiva”. Mas essa é apenas metade de uma explicação. O
que precisamos saber não é meramente porque o capital não está sendo usado
da forma que foi planejado, mas porque nenhum uso alternativo foi encontrado
para ele.
Considerando o assunto da forma que o vimos fazendo também nos abre uma
nova vista para o problema do “incentivo para investir”. Novos bens de capital
estão sendo usados em combinação com bens já existentes. Essa forma de
complementaridade significa que quanto menor o preço de bens de capital
existentes maior a lucratividade dos novos bens. Na teoria do investimento
correntemente na moda, na verdade, a complementaridade nunca é
mencionada. Os economistas, ao tornarem uma virtude econômica de
necessidade contábil, adotaram sem críticas a convenção contábil que trata
todo capital como homogêneo.
No mundo real, entretanto, os empreendedores tem que combinar construções,
plantas, equipamento, etc., e o sucesso dos planos de produção que incorporam
essas combinações determina até quando elas serão mantidas. Todo esse
conjunto de problemas precisa ficar protegido de uma teoria que trata todo
capital como homogêneo. O investimento então se torna meramente uma
questão de mudar a quantidade absoluta desse estoque homogêneo de capital.
Sua composição não interessa aos economistas cuja teoria do investimento está
condenada a ser um tanto quanto incompleta.
Mesmo assim está bem claro que, assim como a lucratividade dos bens de
capital em combinação depende inter alia (dentre outras coisas – N.T.) dos
salários do trabalho co-operante, a taxa de lucro sobre cada bem de capital
depende do custo ao qual bens de capital complementares podem ser
garantidos. A “eficiência marginal do investimento”, ou seja, a lucratividade
esperada dos novos bens de capital, depende inter alia dos preços aos quais
bens existentes de capital podem ser obtidos no mercado. Quanto menores os
últimos, maior aquela.
Keynes, na verdade, não negligenciou o efeito dos preços de bens de capital
existentes sobre novos investimentos, mas, ao tratar de ao tratar de uma forma
característica todo capital como homogêneo, apenas viu a possibilidade de
substituição. Assim ele manteve que os preços dos bens existentes de capital
abaixo do custo de reprodução iriam enfraquecer o incentivo para investir. Mas
na realidade o capital como uma regra é heterogêneo e complementar. Exceto
no caso que Keynes considerou como especial, no qual bens de capital
existentes e novos calham de serem substitutos, preços baixos daqueles terão
um
efeito
favorável
sobre
o incentivo
para
investir.
Negligenciar
heterogeneidade do capital corrompe assim a teoria do investimento [8].
a
O que foi dito até então nesse capítulo também lança alguma luz sobre certos
problemas na teoria monetária. Esse não é o lugar de discutir complemente o
papel do dinheiro na Teoria dos Ativos. Já aprendemos algo sobre a função da
reserva de caixa na execução do plano de produção; e mais será dito sobre o
dinheiro como um ativo no Capítulo VI. Mas enquanto isso podemos considerar
a relevância da reagrupação de capital para a distinção entre dinheiro “ativo” e
“ocioso” que é tão fundamental para a teoria monetária Keynesiana.
Quando firmas têm que descontar de suas reservas de caixa ou emprestar de
fontes externas para financiar o reagrupamento, pode parecer em primeira
instância que dinheiro “ocioso” é trazido para circulação e “ativado”. Agora,
enquanto novos bens de capital são comprados ou equipamento antigo
vendido para sucata, isso é válido. Tal dinheiro agora está “ativo”. Mas ao passo
que esse dinheiro é gasto em bens de capital existentes para financiar a perda
de capital advinda do reagrupamento, tal dinheiro é, na terminologia
Keynesiana, “ocioso”: seu gasto não cria nem produto nem emprego, ele
meramente facilita a troca de ativos existentes. Tal dinheiro é então em todas as
circunstâncias similar a dinheiro na circulação financeira. Mas se seguirmos
terminologia Keynesiana, a demanda por dinheiro ocioso é governada pela
Preferência Pela Liquidez. Em nosso caso, entretanto, dizer isso seria absurdo. O
tamanho do “z” de cada firma, como vimos, depende não de sua preferência
pela liquidez, mas largamente do que acontece durante o processo de troca.
Vimos que para algumas firmas o “z” pode até vir a ser negativo. A raiz do
problema é que a teoria Keynesiana da preferência pela liquidez é uma teoria
típica de equilíbrio com todas as suas limitações, e dessa forma pouco útil em
casos de desequilíbrio. Ela nos diz que uma situação é concebível na qual a
significância marginal relativa de cada tipo de ativo mantido seria igual. Ela
demonstra que tal situação iria, dada nossas preferências por vários ativos, ser
preferível a qualquer outra. Mas ela falha completamente em nos dizer como tal
situação poderia ser atingida. Num mundo dinâmico, onde a troca de ativos que
poderia levar a uma posição ótima ainda está acontecendo, outras causas irão
vir à tona que mudarão drasticamente a situação. Em nosso caso, por exemplo,
todas as tentativas de chegar a uma “distribuição ótima” de ativos foram
vencidas pelos ganhos e perdas inesperados que acompanhavam o
reagrupamento das combinações de capital, como um resultado de algumas
firmas terem se encontrado com mais, outras com menos dinheiro do que elas
teriam “preferido”. Qualquer tentativa de recombinação de ativos em direção a
uma “distribuição ótima” engendrará esse próprio processo cujos resultados,
caso tivessem sido previstos, teriam incluído a escolha de outra distribuição.
Podemos agora sumarizar brevemente as conclusões a que chegamos nesse
capítulo.
Em primeiro lugar, mudanças inesperadas, esse carro chefe de todos os
principais processos econômicos, torna freqüentes revisões de planos
necessárias. Tais revisões de plano envolvem mudanças nas combinações de
capital existentes, isto é, decisões de reagrupamento.
Segundo, decisões de reagrupar combinações de capital, assim como qualquer
outra revisão de plano, envolvem a elaboração de novos planos. A decisão de
reagrupar está sujeita aos mesmos perigos que outros planos: a reagrupação
pode falhar.
Terceiro, tal falha do plano de reagrupamento irá inter alia resultar numa
mudança da posse monetária em várias firmas. Consequentemente, tais
mudanças não devem ser tratadas como refletindo necessariamente “mudanças
na preferência pela liquidez”. Algumas dessas mudanças estão entre as
conseqüências indesejadas de revisões de planos, decisões não feitas por livre
escolha. A visão de que todas as mudanças na posse de dinheiro refletem
mudanças na preferência pela liquidez mostra simplesmente outro caso no qual
as características de um processo dinâmico são descartadas por suposições
estáticas [9]. Preferência pela liquidez é vista como sendo essencialmente um
conceito estático, inaplicável a um mundo dinâmico.
Finalmente, vimos que Novos Investimentos e Capacidade Ociosa também tem
que ser interpretadas como resultados incidentais de processos dinâmicos.
Novos investimentos dependem primariamente da disponibilidade de recursos
baratos complementares de trabalho e capital. Sua abundancia é na maioria das
vezes o resultado de processos dinâmicos do passado. Capacidade ociosa é
economicamente uma forma de sucata mantida em existência física graças a
expectativas otimistas quanto ao valor futuro que podem ou não serem
realizadas. Para compreender porque essa capacidade é mantida em existência
precisamos entender, não meramente porque os planos originais falharam, mas
porque nenhum uso alternativo foi encontrado.
Toda mudança inesperada causa ganhos e perdas de capital. Isso, mais do que
“produtos”, “rendas”, ou mesmo lucros, são o motor real de uma economia de
mercado dinâmica. Elas são principalmente o resultado de falhas dos planos de
produção;
mas
reagrupamento
frequentemente
em
se
o
resultado
materializarem
de
da
falha
acordo
de
com
planos
um
de
padrão
predeterminado.
Notas do Autor
[1] O critério de sucesso ou falha, como mostramos no último capítulo, tem que
ser encontrado em meio a estrutura expectacional do plano.
[2] Com permissão de Dynamic Equipment Policy, by George Terborgh. Copyright 1949. McGraw-Hill Book Company, Inc., p. 17
[3] J. R. Hicks: Value and Capital, 1939.
[4] Erik Lindahl: Studies in the Theory of Money and Capital, 1939, em particular
Part One, pp. 21–138.
[5] Erik Lundberg: Studies in the Theory of Economic Expansion, Stockholm and
London, 1937, especially Chapter IX.
[6] Essa suposição será abandonada no capítulo VI.
[7] Joan Robinson: The Rate of Interest and Other Essays, 1952, especialmente
pp.77–80.
[8] Para que um investimento complementar seja lucrativo, seu custo deve ser
menor que o aumento no valor da antiga planta devido ao investimento
complementar, isto é, menor que o valor da planta modernizada ou expandida
menos o valor da antiga planta. Assim, quanto mais esse último valor declina,
mais provável será que o investimento complementar valerá a pena. (Tord
palander: 'On the Concepts and Methods of the "Stockholm School"',
International Economic Papers, vol. 3, p. 32).
[9] F. A. Hayek: Individualism and Economic Order, p. 94.
Notas do Tradutor
[*1] Lembrando que no modelo de Lachmann um z negativo significa um
aumento de reservas de caixa.
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Ludwig Lachmann – O Capital E Sua Estrutura (Capítulo II) Tradutor