Fábio Roberto Kampmann et al.
PORTO UNIÃO – SANTA CATARINA
A TEORIA DA CONSTITUIÇÃO NA OBRA DE
CARL SCHMITT1
THE THEORY OF THE CONSTITUTION IN THE WORK OF CARL SCHMITT
Fábio Roberto Kampmann2
Fernando David Perazzoli 3
Orleans Antunes de Oliveira Neto
Elisa Mayara Bostelmann
Cainã Domit Vieira
Sumário: Introdução. Constituição e constituição. Conclusões. Referências.
INTRODUÇÃO
Carl Schmitt não possui seu significado acadêmico apenas por questões
políticas, inevitáveis para alguém que transitou por vias muito próximas àquelas em
que se desenvolvia o nacional-socialismo alemão nos anos da segunda grande
guerra: sua obra constitui um vasto trabalho dissertativo e criativo acerca de pontos
e estruturas jurídicas, filosóficas, éticas e culturais, tendo produzido efeitos concretos
tanto no campo da construção quanto no da compreensão acerca daquilo que é o
direito.
1
2
3
Trata-se de trabalho apresentado pelo Grupo de Estudos no IX Simpósio de Direito Constitucional
da Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst, em Curitiba (PR), nos dias 21, 22 e
23 de maio de 2010.
Professor da Universidade Contestado e Especialista em Direito.
Mestre em Direito pela UFSC e Professor da Universidade Contestado.
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A teoria da constituição na obra de Carl Schmitt
A ideia de Constituição, como se poderia esperar, não aparece de forma
simples e determinada em sua obra, posto que é, acima de tudo, um termo limítrofe:
é lá, onde a política e o direito encontram uma nebulosa indeterminação, que
Schmitt colocará marcos teóricos e, sobretudo, de onde retirará subsídios para
sustentar que várias dentre as terminologias comumente empregadas no mundo
jurídico – entre as quais o próprio conceito de Constituição, por exemplo – teriam
diferentes significados, muito distantes do que pensam as correntes mais
tradicionais e pretensamente científicas do Direito.
De fato, é ao versar sobre temáticas como soberania, exceção, inimigo
e guerra que Schmitt mostra que o próprio Direito não é outra coisa senão um
momento secundário da história de qualquer sociedade, sendo precedido, sempre,
pela decisão primeira que o possibilitou existir. A ideia de um ordenamento jurídico,
portanto, caminha sempre à sombra da obra schmittiana e, mesmo com toda
oposição de Schmitt à limitação trazida por essa questão estritamente normativa,
percebe-se que a teoria que envolve a descrição das tradicionais normas postas
pelo legislador ordinário não é por ele negada, mas tornada diminuta.
Assim, dentro desse contexto é que surge a primeira problemática de estudo:
como saber onde está a teoria da Constituição na obra de Schmitt?
Observe-se que a mera tentativa de resposta a essa questão já demanda
um conhecimento prévio acerca da obra, eis que nela a ideia de Constituição não se
reduz ao campo jurídico e, tampouco, a uma Carta Constitucional. Por essa razão,
procurou-se em primeiro lugar tomar por ponto de ancoragem a obra “Teoria da
Constituição”, a qual foi estudada a partir da tradução espanhola, eis que inexiste
versão em língua portuguesa.
Em segundo lugar, procurou-se sondar a obra de Carl Schmitt atrás de
referências acerca da temática constitucional. Percebeu-se, assim, que é o próprio
Autor quem guia o pesquisador/estudante para os lugares onde o campo do
“constitucional” está descrito, e isto é feito, essencialmente, pela tentativa de
diferenciação entre os campos do político e do jurídico.
Aliás, esses dois temas – político e jurídico – estarão essencialmente ligados
na teoria da Constituição contida na obra de Schmitt, sendo que seus textos podem
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Fábio Roberto Kampmann et al.
tanto se voltar ao direito constitucional dentro de uma temática política quanto, ao
contrário, expressar ideias políticas ao se referirem a temas estritamente jurídiconormativos. Nesse sentido, toma-se como exemplo o Prefácio escrito por Carl
Schmitt à edição de 1963 à obra “O Conceito do Político”, onde está expressamente
consignado:
A publicação sobre o Conceito do Político é uma tentativa de satisfazer às
novas questões e de não subestimar nem ao desafio (challenge) nem a
provocação. Enquanto a exposição sobre Hugo Preuss (1930) e os tratados
O Guardião da Constituição (1931) e Legalität und Legitimität (Legalidade e
Legitimidade) (1932) examinam a nova problemática intra-estatal e de
Direito constitucional, encontram-se, agora, temas relacionados à teoria do
Estado com temas de Direito internacional interestatal; não se trata apenas
da teoria pluralista do Estado – ainda totalmente desconhecida na
Alemanha daquele tempo –, mas também da Liga das Nações de Genebra.
A publicação é uma resposta ao desafio de uma situação intermediária. O
desafio que dela mesma parte, é direcionado, em primeiro lugar, aos
especialistas em Direito constitucional e aos juristas de Direito Internacional
(SCHMITT, 2008. p. 11).
Nota-se, assim, a preocupação de Carl Schmitt em apontar que, na sua
teoria, um livro sobre o “Conceito do Político” é dirigido a especialistas em Direito
Constitucional. Tal especificação, notadamente, atinge o plano central de seu
pensamento: há uma Constituição (neste escrito denominada com letra maiúscula) e
há um constituição (neste escrito denominada com letra minúscula), no sentido de
que a primeira contém o político e é materialmente existente, ao passo que a
segunda pressupõe e depende da primeira, sendo portanto formal e se confundindo
com a tradicional e ainda existente concepção de constituição (escrita, rígida e
produto final de um poder constituinte reconhecido por “originário”).
Dentro desse quadro teórico é que se apontará, com o objetivo de fornecer
ao estudando do direito e, em particular, do direito constitucional, chaves para a
leitura da Teoria da Constituição da obra de Carl Schmitt.
CONSTITUIÇÃO E CONSTITUIÇÃO
As ideias de Constituição e de constituição pensadas por Carl Schmitt
devem ser trabalhadas tendo como norte a existência de um povo em um
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A teoria da constituição na obra de Carl Schmitt
determinado tempo, ou seja, sua existência enquanto coletividade dotada de um
ethos próprio, onde se encontram reunidos princípios, tradições, regras morais e,
sobretudo, um propósito coletivo – são, pois, essencialmente valorativas. Frente a
esse quadro, o direito surgiria, portanto, como a objetivação desses valores e,
sobretudo, da decisão primeira dessa sociedade em se organizar como coletividade.
A Teoria da Constituição, dentro do pensamento schmittiano, é a teoria
daquilo que forma um Estado, isto é, da unidade política de um povo (SCHMITT,
2003, p. 29). Com essa assertiva já é possível perceber que há diferença entre a
ideia material de Constituição4 e o conceito formal de constituição5, o qual a coloca,
neste último caso, como um mero sistema de normas, sem obrigatoriedade de
consonância com a realidade do povo e sem obrigatoriedade de ser ideal
(SCHMITT, 2003, p. 29).
De forma comparativa, se se traçar um paralelo com a teoria normativista
elaborada por Hans Kelsen, verificar-se-á que ideia de constituição como lei de mais
elevado grau (norma) não passaria, nos moldes schmittianos, de uma ideia relativa
da Constituição. Por essa razão, aliás, Schmitt aponta que se poderia tentar
compreender a constituição sob vários prismas, os quais, individualmente, não
seriam suficientes para se alcançar o conceito de Constituição. A título de exemplo,
ao analisar a constituição através de sua maneira de ser, poderia se chegar a três
concepções:
a) a constituição representa a situação de unidade política e ordenação
social de um determinado Estado. A constituição diz o que o Estado, já
organizado, é6.
b) a constituição é a ordem normativa de um Estado, ou seja, diz a forma
de governo e o estatuto da sociedade organizada jurídica e
normativamente. A constituição aponta como o Estado deve-ser7; e
4
5
6
Novamente: tratada adiante com letra maiúscula = Constituição.
Novamente: tratada adiante com letra minúscula = constituição.
[...] la concreta situación de conjunto de la unidad política y ordenación social de um cierto Estado.
[...] El Estado no tiene uma Constitución – según la que – se forma y funciona la voluntad estatal,
sino que el Estado es Constitución, es decir, uma situación presente del ser, um status de unidad y
ordenación. (SCHMITT, 2003, p. 30).
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c) a constituição é o devir histórico e contínuo de um Estado, isto é, algo
em constante mutação8.
Assim, percebe-se que somente pelo prisma normativo não se alcança o
conceito de Constituição, o qual é muito maior do que simples trabalho legislativo 9.
Aliás, não é por outro motivo que Schmitt, ao trabalhar com o conceito de
Constituição, aponta que o nascimento do direito se deve à força da autoridade,
isto é, ao poder da ordem do ser que através de uma vontade unitária e soberana dá
origem a um dever-ser (SCHMITT, 2003, p. 34). Esse é, pois, o fundamento onde se
justifica não só a ordem jurídica, mas também a existência do Estado. E é
precisamente nesse ponto que se enlaçam os conceitos fundamentais da teoria
schmittiana: o político, a guerra, o inimigo e a decisão.
Diz Schmitt (2008, p. 20) que o conceito de Estado pressupõe o conceito
do Político. Ocorre que o político na concepção schmittiana não está vinculado a
um conteúdo. Antes, é pura indeterminação e, por isso, poderá ser qualquer coisa,
bastando que exista a força que o permite se afirmar – uma força, aponte-se,
também sem conteúdo, avalorativa, não organizada, precedente a qualquer
instituição, ou seja, tão radical quanto o velho conceito de maldade da teoria do
hobbesiana do Leviatã10, a qual, por sinal, atravessa a teoria schmittiana.
7
8
9
10
[..] una manera especial de ordenación política y social. [...] Constitución és aqui = forma de
gobierno. Em tal caso, la palavra “forma” designa igualmente algo existente, un Status, y no algo
acomodado a preceptos jurídicos o a lo normativamente debido. [...] Tambíem em este punto sería
lo más exacto decir que el Estado és la Constitución. (SCHMITT, 2003, p. 30-31).
[...] el principio del devenir dinámico de la unidad política, del fenómeno de la continuamente
renovada formación y elección de esta unidad desde uma fuerza y energía subyacente u operante
en la base. Aquí se entiende el Estado, no como algo existente, em reposo estático, sino como
algo em devenir, surgiendo sempre de nuevo. (SCHMITT, 2003, p. 31).
Haveria, porém, uma exceção, pela qual através da analise da força regulamentar de uma
constituição (sem fugir do conjunto de regras que ela encarta, portanto), seria possível
compreender o conceito absoluto de Constituição. Essa compreensão do todo pela análise da
parte é possível se o Estado, em suas normas, for igual à Constituição do povo, a qual é
organizada a partir decisão fundamental que a fez existir. Expressamente, diz Schmitt: [...] el
Estado es tratado como un Deber-ser normativo, y se ve em él sólo un sistema de normas, una
ordenación “jurídica”, que no tiene uma existencia del Ser, sino que vale como debe, pero que no
obstante – puesto que aquí se coloca una unidad cerrada, sistemática, de normas y se equipara
com el Estado – sirve para fundar um concepto absoluto de Constitución. (SCHMITT, 2003, p. 33).
Vale apontar que Carl Schmitt não só disserta como, também, encampa algumas ideias
externadas por Thomas Hobbes. Aqui, a título de dar substancialidade à afirmação feita no corpo
do texto, cita-se a passagem da obra “O Leviatã”, supra mencionada: Os desejos e outras paixões
do homem não são em si mesmos um pecado. Nem tampouco o sãs as ações que derivam
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A teoria da constituição na obra de Carl Schmitt
Logicamente, se o campo do político se afirma com base na força, a única relação
que o precede é a relação entre inimigos, ou seja, uma relação de guerra.
E aqui cabe uma indagação: a guerra não se constitui na disputa bélica
entre Estados já organizados para a defesa de seus interesses e de sua soberania?
Segundo a teoria schmittiana não, sendo esse o motivo pelo qual para a
tentativa de compreensão da Teoria da Constituição em sua obra é preciso avançar
além dos próprios limites do campo jurídico e, mais ainda, do político. A guerra, para
Schmitt, é a possibilidade que estabelece, a partir da relação entre amigo-inimigo o
campo político. A guerra, para ele, não seria o acontecimento de combate em si,
mas o estado fático onde a única questão normativa é a possibilidade de dizer, pela
força, qual é o caso decisivo que implicaria em combate e, principalmente, de decidir
se este caso estaria ou não presente na realidade do mundo (SCHMITT, 2008, p.
20). O mundo político, portanto, não poderia ter, aqui, qualquer conteúdo, posto que
se formaria na própria indeterminação da força, no momento crítico. Diz Schmitt:
Também hoje, o caso de guerra ainda é o “caso crítico”. Pode-se dizer que
aqui, como em outros casos, é o caso excepcional que tem um significado
excepcionalmente decisivo e revelador do cerne das coisas, pois é no
combatente real que primeiramente se manifesta a extrema conseqüência
do agrupamento político em amigo e inimigo. É a partir desta mais
extremada possibilidade que a vida do ser humano adquire sua tensão
especificamente política.
Um mundo no qual a possibilidade de semelhante combate estivesse
completamente eliminada e desaparecida, um planeta definitivamente
pacificado, seria um mundo sem a distinção entre amigo e inimigo, por
conseguinte, um mundo sem política (SCHMITT, 2008, p. 20).
Como ponto último dessa questão está, pois, a Constituição, que é esse
agrupamento primeiro entre pessoas que se reconhecem consoante um referencial
(amigos) e que, através da força, decidem como a vida será ordenada. Em outras
palavras, sendo vitoriosas, essas pessoas constituirão um mundo político segundo
aquilo que decidiram – a decisão que os permitiu ser se torna, assim, a decisão
política fundamental.
dessas paixões, até o momento em que se tome conhecimento de uma lei que as proíba, o que
será impossível até o momento em que sejam feitas as leis. Nenhuma lei pode ser feita antes de
se determinar qual pessoa irá fazê-la. (HOBBES, 2003. p. 99).
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Fábio Roberto Kampmann et al.
Esse processo pode assim ser resumido:
1°) a força que funda o política está ligada a relação entre inimigos, ou
seja, é a força que se saiu vitoriosa do confronto primeiro entre seres humanos. A
relação entre seres humanos possuirá uma materialidade, será Constituída de
determinada maneira segundo alguns princípios;
2°) o mundo político é aquele onde os que se reconhecem segundo
alguns princípios passam a se organizar. Dá-se condição de existência ao Estado;
3°) surge o Estado, o qual pressupõe o conceito do político, qualquer que
seja o seu conteúdo;
4°) é elaborada a constituição formal, dependente da existência de um
Estado, podendo-se dizer até mesmo que, a rigor do constitucionalismo moderno,
ambos se fundam a partir do político;
5°) a constituição formal está totalmente vinculada à Constituição
Material, posto que dela depende para continuar existindo.
Desta forma, o conceito de Constituição é aquele que captura seus
elementos em um lugar além do texto constitucional, qual seja, a efetiva organização
de um povo sob uma vontade unitária, anteriormente decidida e vitoriosa na relação
(de guerra) amigo-inimigo. Por derradeiro, a relativização do conceito de
Constituição, ao seu tempo, é aquele que fica estritamente vinculado a
características formais (SCHMITT, 2008, p. 37), ou seja, algo que compreende
unicamente aqueles dispositivos convertidos em leis constitucionais e que nivela
todas as regras, independente do conteúdo, como hierarquicamente inferiores à
Constituição.
Na teoria de Carl Schmitt, Constituição é fundamento de unidade, ao
passo que lei constitucional é a particularidade da ideia de Constituição convertida
em texto normativo. Importa notar, no entanto, que a constituição formal não adquire
esse status unicamente pelo fato de que alguém colocou algumas prescrições em
um papel e o chamou de constituição. A rigor, é preciso que vários fatores sejam
conjugados para que se tenha aquilo que na tradição constitucional ocidental
comumente se conhece por constituição escrita, tais como (i) documentação; (ii)
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
298
A teoria da constituição na obra de Carl Schmitt
poder competente; (iii) demonstração de conteúdo; (iv) possuir estabilidade (o que
implica também em dificuldade de modificação) e (v) existir um procedimento de
elaboração material (ser convencionada, pactuada, jurada, etc.) (SCHMITT, 2008, p.
38-39)11. Uma constituição formal, portanto, ainda que aparente ser imensamente
inferior e frágil perto da Constituição, só terá esse um documento constitucional se
cumprir com os requisitos necessários à sua emissão (o que já revela que a decisão
política fundamental, pelo menos no mundo jurídico ocidental, é pelo Estado de
Direito).
Dentro desse contexto é que estão os elementos que ligam as duas
constituições: são os elementos de estabilidade que marcam a ponte entre a
Constituição e a constituição formal, pois compõem o núcleo único que representa a
vontade unitária do povo. Especificamente, o artigo 76 da Constituição de Weimar
(objeto de estudo de Carl Schmitt) seria o caso único de uma lei essencialmente
Constitucional e, ainda, demonstraria que todos os outros dispositivos não
passariam de simples formalidades12.
Por isso, a constituição em sentido positivo pressupõe um ato do poder
constituinte, o qual existe pela decisão de um povo em construir um sistema de
11
12
Novamente é possível perceber como Schmitt não nega a teoria normativa e a ideia de
ordenamento jurídico, mas o transforma em questão diminuta.
Article 76 The constitution may be amended by legislation. Constitutional changes become valid
only if at least two thirds of the members are present and at least two thirds of the present
members vote in favour of the amendment.
Decisions of Reichsrat regarding a constitutional amendment also require a two-thirds-majority. If,
requested by referendum petition, a constitutional amendment shall be decided by plebiscite, the
majority of the enfranchised voters is required in order for the amendment to pass.
If Reichstag decided on a constitutional amendment against Reichsrat objection, the Reich
president may not proclaim the amendment, if Reichsrat, within a period of two weeks, demands a
plebiscite to be held.
Tradução livre: Artigo 76 A constituição deve ser emendada pela legislação. Mudanças
constitucionais tornam-se válidas apenas se pelo menos dois terços dos membros estão presentes
e pelo menos dois terços dos membros presentes votam a favor da emenda.
Decisões do Reichrat considerando a emenda constitucional também requerem a maioria de dois
terços. Se, requisitada por referendo, a emenda constitucional deve ser decidida por plebiscito, a
maioria dos votos permitidos é necessária para a aprovação da emenda.
Se o Reichstag decidiu por uma emenda constitucional contra uma objeção do Reichsrat, o
presidente do Reich não deve proclamar a emenda, se o Reichsrat, dentro de um período de duas
semanas, demanda plebiscito para que seja mantido.
Disponível em <http://www.zum.de/psm/weimar/weimar_vve.php>. Acesso em: 11 ago. 2009.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
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Fábio Roberto Kampmann et al.
direito (SCHMITT, 2008, p. 45). Desta forma, a constituição não é algo que se dá a si
mesma, como uma autorização ao seu existir, mas algo que é dado por unidade
política concreta e efetiva (SCHMITT, 2008, p. 46). A ideia de uma constituição
positiva, assim, traz como momento anterior uma decisão. Diz Schmitt:
No fundo de toda normatividade reside uma decisão política do titular do
poder constituinte, é dizer, do Povo na Democracia e do Monarca na
Monarquia autêntica.
Assim, a Constituição francesa de 1791 envolve a decisão política do povo
francês a favor da Monarquia com dois “representantes da Nação”, o Rei e o
Corpo Legislativo. A Constituição belga de 1831 contém a decisão do povo
belga a favor de um Governo monárquico (parlamentar) de base
democrática (Poder constituinte do povo), ao modo do Estado burguês de
Direito. A Constituição prussiana de 1850 contém uma decisão do Rei
(como sujeito do Poder constituinte) a favor de uma Monarquia
constitucional ao modo do Estado burguês de Direito, com o que resta
conservada a Monarquia como forma de Estado (e não apenas como forma
do Poder Executivo). A Constituição francesa de 1852 contém a decisão do
13
povo francês a favor do Império hereditário de Napoleão III, etc. .
A decisão primeira – bem como os dispositivos constitucionais que
refletem – são mais que a constituição positivada e que as leis. São, antes, as
decisões fundamentais, políticas e concretas. Por essa razão é que teoria do direito
pensada por Carl Schmitt a partir da teoria da Constituição é chamada de
decisionista: o direito só existe por uma decisão que o permitiu existir, independente
do que foi decidido ou da maneira pela qual ele venha a se materializar. Em outras
palavras, a Constituição é intangível, enquanto que as leis constitucionais podem ser
suspensas durante o estado de exceção, e violadas pelas medidas do estado de
exceção14.
13
14
Tradução livre a partir de: En el fondo de toda normación reside una decisión política del titular del
poder constituyente, es decir, del Pueblo em la Democracia y del Monarca en la Monarquía
auténtica. Así, la Constitución francesa de 1791 envuelve la decisión política del pueblo francés a
favor de la Monarquía con dos “representantes de la Nación”, el Rey y el Cuerpo legislativo. La
Constitución belga de 1831 contiene la decisión del pueblo belga a favor de un Gobierno
monárquico (parlamentário) de base democrática (Poder constituyente del pueblo), al modo del
Estado burguês de Derecho. La Constitución prusiana de 1850 contiene una decisión del Rey
(como sujeto del Poder constituyente) a favor de uma Monarquía constitucional al modo del
Estado burguês de Derecho, con lo que queda conservada la Monarquía como forma del Estado (y
no sólo como forma del Ejecutivo). La Constitución francesa de 1852 contiene la decisión del
pueblo francés a favor del Império hereditário de Napoleón III, etc. (SCHMITT, 2008, p. 47).
Tradução livre a partir de: La Constitution es Intangible, mientras que las leyes constitucionais
pueden ser suspendidas durante el estado de excepción, y violadas por las medidas del estado de
excepción. (SCHMITT, 2008, p. 50).
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
300
A teoria da constituição na obra de Carl Schmitt
De qualquer forma, frente a esse quadro é mister consignar que mesmo sendo a
constituição algo inferior e posterior à Constituição, o texto da lei constitucional não
poderá sofrer ataques reiterados e, tampouco, ser vilipendiado ou ter sua vigência
negada pelos poderes constituídos. Visto por outro ângulo, a constituição não
poderá ser modificada pelo Poder Legislativo, Executivo ou Judiciário. Por essa
razão, quando da obra “O Guardião da Constituição”, Schmitt dissertou sobre a
necessidade de um Poder “Neutro” que, a exemplo do que foi o Poder Moderador na
constituição brasileira de 1824, estaria acima de todos os outros poderes e serviria
para a defesa da decisão política fundamental.
Vale destacar: o decisionismo na teoria de Carl Schmitt não é o
decisionismo político e, tampouco, judiciário. Tanto o mundo jurídico, como a divisão
dos poderes e o próprio campo do político pressupõe uma decisão. O Guardião da
Constituição, ao seu turno, é aquele que poderá, inclusive, suspender a constituição
formal e a atividade de todos os poderes instituídos para proteger a decisão política.
E é aqui que, retomando o conceito schmittiano de guerra e caso crítico, pode-se
entender a complexa sentença que abre uma das mais impactantes obras por ele
escrita (Teologia Política): soberano é aquele que decide sobre o estado de exceção
(SCHMITT, 2006, p. 07). Ou seja, soberano é aquele que decide qual é o caso que
poderá (re)determinar a decisão fundamental e, portanto, é também aquele que
poderá, ao sentir que esse estado novamente se aproxima (a eminência do
combate), suspender in totum a constituição formal para assegurar a Constituição
Material – assegurar, portanto, que os amigos continuem como amigos e que os
inimigos não vençam.
A par dessas considerações, resta ainda o conceito ideal de constituição
e de direito, o que é construído por Schmitt com base na análise dos efeitos
provocados pelo advento do mundo liberal burguês e na organização do mundo
europeu pós-revolução francesa. Perante esses fatos, o ideal de constituição seria a
elaboração político-jurídica que contemple um sistema de garantias da liberdade
burguesa (SCHMITT, 2006, p. 59), a divisão dos poderes (SCHMITT, 2006, p. 60) e
que seja escrita. (SCHMITT, 2006, p. 61). De qualquer sorte, ainda que ideal, essa
forma de constituição contemplaria uma divisão: de um lado estariam todos esses
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
301
Fábio Roberto Kampmann et al.
elementos constitucionais reunidos, formando o direito. De outro, a decisão que
permitiu a esses elementos existir.
Outra importante demarcação feita na teoria pensada por Carl Schmitt é a
necessidade de compreensão do que significa Lei Fundamental, haja vista que
somente desta forma se poderá compreender o que é o direito constitucional na obra
estudada. Lei Fundamental, segundo Schmitt, pode ser compreendida segundo nove
acepções15, observe-se:
a) todas as leis ou disposições que aparentem ser de singular
importância política a pessoas ou grupos politicamente influentes em
um momento dado;
b) uma norma absolutamente inviolável, que não pode ser reformada ou
transgredida/transposta;
c) toda norma relativamente invulnerável, que somente pode ser
reformada e transposta em hipóteses rígidas (processo dificultoso);
d) o último princípio da unidade política e da ordenação de conjunto;
e) qualquer princípio da organização estatal (direito fundamentais, divisão
dos
poderes,
princípio
monárquico,
o
chamado
princípio
representativo);
f) a norma última para um sistema de imputações normativas. Nesse
sentido, destaca-se o caráter normativo da lei fundamental, na qual se
acentua sua característica de lei;
15
Tradução livre a partir de: a) [...] todas las leyes o disposiciones que parecen de singular
importância política a las personas o grupos politicamente influyentes em um momento dado; b)
[...] una norma absolutamente inviolable, que no puede ser, ni reformada, ni quebrantada; c) [...]
toda norma relativamente invulnerable, que sólo puede ser reformada o quebrantada bajo
supuestos dificultados; d) [...] el ultimo principio unitario de la unidad política y de la ordenación de
conjunto; e) [...] cualquier principio particular de la organización estatal (derechos fundamentales,
división de poderes; principio monárquico, el llamado principio representtivo); f) [...] la norma ultima
para un sistema de imputaciones normativas. Aquí se destaca el carácter normativo, y em ley
fundamental se acentua ante todo el elemento “ley”; g) [...] toda regulación orgánica de
competência y procedimiento para las actividades estatales políticamente más importantes; y
tambíen, en una Federación, la delimitación de los derechos de ésta respecto de los de los
Estados miembros; h) [...] toda limitación normada de las facultades o actividades estatales; i) [...]
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302
A teoria da constituição na obra de Carl Schmitt
g) toda regulação orgânica de competência e procedimento para as
atividades estatais politicamente mais importantes. Dentro de uma
Federação, trata-se da delimitação dos direitos desta em relação aos
direitos dos demais entes federativos;
h) toda limitação normativa das faculdades ou atividades do poder
estatal; e
i) a constituição em sentido positivo.
Essas considerações, no entanto, mesmo sendo importantes para uma
compreensão o direito, a título teórico, caracterizam a fragmentação do conceito total
de Constituição e dissolveriam a consciência da existência política (SCHMITT, 2006,
p. 65). Constituição e constituição, portanto, não se confundem, embora esta esteja
contida naquela, que é, como visto, absoluta.
Feitos esses apontamentos, cabe demonstrar, afinal, quando é que a
Constituição nasce, haja vista que é dela, dentro das várias concepções apontadas
por Schmitt, que se desenvolverá a representatividade formal (constituição). Tem-se,
nesse sentido, que uma Constituição poderá nascer de duas formas:
a) mediante decisão política unilateral do sujeito de Poder constituinte; e
b) mediante convenção plurilateral dos vários sujeitos que compõe o
poder constituinte (SCHMITT, 2006, p. 66).
Aliás, é justamente por força dessas categorias que Schmitt diz ser a
Constituição um elemento posterior ao pacto social. O poder constituinte, portanto,
demanda uma unidade de poder, ou seja, que a pluralidade de sujeitos
(potencialmente constituintes) acordem na existência de um só poder constituinte
(SCHMITT, 2006, p. 86). Isso representa, também, que os pactos internacionais não
formam uma Constituição Internacional, posto que não estabelecem que haverá um
só poder constituinte – são, portanto, meras situações de conciliação (SCHMITT,
2006, p. 89). Para Schmitt, poder constituinte é
Constitución em sentido positivo, de donde la llamada ley fundamental no tiene por contenido
esencial una normación legal, sino la decisión política. (SCHMITT, 2006, 62-63).
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
303
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[...] a vontade política cuja força ou autoridade é capaz de adotar a concreta
decisão de conjunto sobre modo e forma da própria existência política,
determinando, assim, a existência da unidade política como um todo
16
(SCHMITT, 2006, p. 94) .
Também importante é o fato de que, logicamente, Schmitt não visualiza na
elaboração da constituição formal o encerramento da possibilidade de (re)decidir
(cujo sujeito da decisão é representado historicamente pela figura do Poder
Constituinte), o que significa que, mesmo com a existência de um documento escrito
e materializado chamado constituição, a possibilidade de uma nova decisão
fundamental, totalmente diferente da tomada por uma sociedade, está mantida
(SCHMITT, 2006, p. 94). Pensar de outra forma, dentro da ideia schmitttiana,
implicaria reconhecer que a constituição formal teria mais força que a Constituição
Material – o que seria a total inversão das categorias. A força e a autoridade do
Poder Constituinte (independente de quem o constitua) sempre serão, assim, os
fundamentos do direito, da constituição positiva e, por consequência, das leis
constitucionais (SCHMITT, 2006, p. 104).
Ao contrário do que pensa Hans Kelsen, Carl Schmitt não pressupõe uma
norma hipotética como fundamento do direito. O direito, a constituição e a ordem
jurídica, a seu ver, nascem de um poder de fato, o que implica dizer que ela não
depende de nenhum precedente jurídico (SCHMITT, 2006, p. 104-105). O Poder
Constituinte está, nesse sentido, acima de toda determinação legal-constitucional, o
que tem como efeito direto uma solução de continuidade da constituição mesmo em
tempos de crise (SCHMITT, 2006, p. 109-110).
Resta, logicamente, que a mudança do sujeito detentor do Poder
Constituinte seria o momento em que haveria a completa destruição da constituição
e da ordem jurídica (SCHMITT, 2006, p. 110), o que implica no reconhecimento de
que essa destruição não se confunde:
a) com a destruição do texto constitucional formal;
16
Tradução livre a partir de: [...] poder constituyente es la vonluntad política cuya fuerza o autoridad
es capaz de adoptar la concreta decisión de conjunto sobre modo y forma de la propria existencia
política, determinando así la existencia de la unidad política como um todo. (SCHMITT, 2006, p.
94).
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
304
A teoria da constituição na obra de Carl Schmitt
b) com o poder de Reforma Constitucional (revisão), pois esse apenas
representa a alteração de alguns dispositivos constitucionais e é feito
dentro dos limites do próprio texto constitucional; (SCHMITT, 2006, p.
116-126)
c) com a violação das prescrições legais;
d) com suspensão das normas constitucionais em casos especiais (o que
sequer a faz perder a vigência),
e) com a suspensão das normas constitucionais com perda provisória da
vigência (estado de exceção); (SCHMITT, 2006, p. 115-116)
f) com o Conflito Constitucional (que irá versar sobre as possibilidades
de arguição e petição contra o desvio fático a respeito de um comando
constitucional) (SCHMITT, 2006, p. 126-134); e
g) com a ideia de Alta Traição (ataque à constituição no sentido apenas
positivo) (SCHMITT, 2006, p. 134).
Portanto, para Schmitt, uma vez que se decidiu por uma forma de Estado, no
qual se reconhece a liberdade burguesa – consubstanciada em liberdade pessoal,
propriedade privada, liberdade de contratação, liberdade de indústria e comércio,
entre outras – o Poder Constituinte somente mudaria se essa decisão mudasse
(SCHMITT, 2006, p. 137). A decisão fundamental, na história constitucional ocidental
– como já citado alhures – corresponde atualmente à decisão pelo Estado Liberal de
Direito.
A decisão, portanto, é parte do próprio conceito de Estado de Direito, o que
implica dizer que este é apenas uma parte de toda a Constituição Moderna (tomada
em um sentido total) (SCHMITT, 2006, p. 137). E é pela própria ideia decisionista
que o conceito tradicional pelo Estado de Direito (todo Estado que respeite sem
condições o Direito objetivo e vigente e os direitos subjetivos que existem) se
mostraria equivocada (SCHMITT, 2006, p. 141), pois sua formulação colocaria aquilo
que é decidido ordinariamente acima daquilo que se decidiu fundamentalmente
(existência política e segurança do Estado) (SCHMITT, 2006, p. 141).
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
305
Fábio Roberto Kampmann et al.
É somente com essas pontuações que o conceito de lei, dentro do Estado
Burguês de Direito, pode ser entendido. Afinal, considerar apenas o legislador ou
uma norma hipotética como o elemento pelo qual a lei (objeto supremo do Estado do
Direito) nasce, torna-se válida e passa a comandar o Estado, é insuficiente. Aliás, se
assim fosse, o Estado Soviético e o Estado Monárquico, diz Schmitt, seriam
exemplos claros de Estado de Direito (SCHMITT, 2006, p. 149). Fala-se, pois, em
Império da Lei (SCHMITT, 2006, p. 150) – pela qual o próprio Legislador estaria
vinculado e limitado pela lei – como o primeiro elemento fundante do Estado de
Direito (SCHMITT, 2006, p. 153). Ao seu lado, porém, reside o conceito político e a
Constituição Material, pela qual a vontade de uma sociedade se converte em norma
através de um ato de soberania (SCHMITT, 2006, p. 155). Descaracterizar a face
política da lei teria sido a aposta do Estado de Direito Burguês, para o qual a decisão
soberana apareceria como um conceito marginal ao texto legal, sem ser, contudo,
devidamente explicitada17.
Em síntese, a constituição e a lei, aos olhos da teoria decisionista, não são
somente os instrumentos estatais para intervenção ou limitação da vida, mas um
meio pelo qual será executada a vontade soberana, ou seja, são formas jurídiconormativas de parte da Constituição Material. Em outras palavras, a constituição, as
leis e o direito demarcam o limite e estabelecem o que formalmente se pode fazer
(SCHMITT, 2006, p. 160-161), mas junto a eles reside, silenciosamente, a decisão
que os permite existir.
CONCLUSÕES
Frente às pontuações anteriormente expostas e na linha de trabalho do
Grupo de Estudos, cabem duas conclusões ao presente trabalho: uma encontrada
na própria teoria schmittiana e outra formulada pelo próprio Grupo de Estudos.
17
El esfuerzo de um consecuente y cerrado Estado de Derecho va en el sentido de desplazar el
concepto político de Ley para colocar una “soberania de la Ley” em el lugar de una soberanía
existente concreta, es decir, y en realidad, dejar sin respuesta la cuestión de la soberanía, y por
determinar la vonluntad política que hace de la norma adecuada un mandato positivo vigente.
(SCHMITT, 2006, p. 155).
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A teoria da constituição na obra de Carl Schmitt
Em primeiro lugar, Schmitt encerra seus postulados sobre a ideia de
Constituição de uma forma bastante problemática: ali, onde a decisão política
fundamental deveria estar regendo a práxis político-jurídica haveria, atualmente18,
uma névoa encobridora.
Schmitt, para quem o mundo se organizaria através da tomada e da divisão
do espaço (em especial do solo), colaciona na sua obra Nomos da Terra que o
declínio do Jus Publicum Europaeum, somado aos modernos meios de guerra e à
aproximação do poder estatal com o mundo econômico, teria ocasionado uma nova
forma de divisão do mundo, sem, contudo, ser possível conhecer quais seriam as
decisões que estariam efetivamente regendo – portanto como Constituição Material
– tanto referida divisão como as regra do jogo político-jurídico mundial.
Especificamente, viu-se na época contemporânea a Europa empregar sem
pudor algum esforços para a utilização dos mares e do ar em uma rodada
imperialista de divisão do espaço mundial (realização do combate entre amigoinimigo). Essa empreitada, que ao longo de décadas produziu efeitos no mundo
todo, teria se encerrado com a implosão dos Estados-nação e com o advento das
duas grandes guerras, gerando uma divisão indescritível do espaço geopolítico
mundial e impossibilitando aos dirigentes políticos uma atuação condizente com
suas próprias diretrizes, ideais, programas de governo, princípios e decisões
fundamentais. Trata-se, em outras palavras, de um mundo político onde não seria
mais possível reconhecer o que é, de fato, a Constituição Material de um Estado.
Nesse contexto é que a problemática deixada por Schmitt se externaria: quem seria,
atualmente, o soberano?
A partir dessa indagação é que expõe a segunda conclusão, consoante
discussões encetadas durante os trabalhos do Grupo de Estudos: se um véu hoje
encobre o cenário político, não permitindo aos diversos atores sociais atuar segundo
uma decisão política fundamental (qualquer que seja), o mundo do direito – pelo
menos naquilo que forma o ordenamento jurídico-normativo – está destituído de um
18
Carl Schmitt escreve tendo em mira a bipolaridade do mundo no pós segunda guerra, mas uma
leitura de seus textos nos permite, sem sombra de dúvida, trazer muitas de suas assertivas sobre
o que está acontecendo, para o nosso tempo.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
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Fábio Roberto Kampmann et al.
sentido fundante, eis que a norma vigeria se remeter a um sistema axiológico de
referência pré-definido e conhecido.
Em outras palavras, os marcos teóricos deixados por Schmitt e a
possibilidade de leitura do mundo que ele oferece permitem pensar que o direito –
em especial no campo prático de sua aplicação – é pensado e conduzido por
decisões que não chegam a ser conhecidas (tampouco influenciadas) pela grande
massa de destinatários das normas. O problema, nesse contexto, não seria tanto a
da falta de respeito com a democracia, a inanição ideológica dos partidos políticos, a
dificuldade de organização e articulação social, a inexistência de pensamento na
configuração da atual Sociedade de Massa ou qualquer outro dentre os inúmeros
motivos sobre os quais diariamente se disserta na literatura jurídica – para estes
assuntos existem sempre mãos dispostas a escrever, uma gama de editoras
dispostas a publicar e, sobretudo, um grande contingente disposto a ler. A questão a
que se chega quando se pretende ler o mundo atual a partir da Teoria da
Constituição pensada Schmitt é muito mais profunda, e permite até mesmo colocar
em xeque vários dentre aqueles que há muito tentam dizer o direito. Trata-se, enfim,
de reconhecer: a guarda da constituição e a tentativa de concretização de suas
normas são hoje trabalhos que se realizam sem se saber o porquê.
Essas conclusões – que não são nem um pouco otimistas – devem ser
vistas não como convites ao menosprezo do direito e da academia jurídica, mas
como pontos sobre os quais os olhos dos juristas devem ao menos passar, isto
porque, malgrado os usos que fizeram da teoria schmittiana, os propósitos de sua
escrita e o tom totalitário de suas assertivas, ela nos permite perceber que no limiar
século XXI o direito que se estuda e que diariamente se aplica é algo muito diferente
daquilo que materialmente ele é.
REFERÊNCIAS
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Disponível em: <http://www.zum.de/psm/weimar/weimar_
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SCHMITT, Carl. Teologia Política. Trad. Elisete Antoniuk. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
SCHMITT, Carl. Teoría de La Constitución. Presentación de Francisco Ayala. Primera edición em
“Alianza Universidad Textos” 1982. Cuarta reimpresión em “Alianza Universidad Textos”. Madrid.
España. 2003.
HOBBES, Thomas. O Leviatã: ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico civil. São Paulo:
Martin Claret, 2003.
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