Núcleo de Estudos Linguísticos e Literários do IFFarroupilha - SVS posiciona-se
acerca da polêmica do livro didático lançado pelo MEC.
Nos últimos dias, temos observado, nos diferentes meios de comunicação, uma
ênfase exagerada em torno de um material didático destinado exclusivamente a educandos
jovens e adultos. Como professoras de língua materna do ensino básico, técnico e
tecnológico e formadoras de professores de educação básica, não poderíamos deixar de vir a
público para manifestarmos nossa análise e opinião de tão polêmica situação.
É, no mínimo, espantosa tamanha turbulência nos meios de comunicação sobre algo
que nós, professores, linguistas e educadores, em geral, já fazemos há mais de uma década: a
consideração do contexto do aluno quando do ensino da língua portuguesa em sala de aula.
Tal contextualização depende do reconhecimento daquilo que o aluno traz para a sala de
aula, e isso inclui seu conhecimento de mundo e sua variante linguística também (a língua
varia de um contexto a outro, de uma cultura a outra). Não é isso que pregam os documentos
oficiais que guiam o trabalho do professor desde o final dos anos 1990? Referimo-nos aos
PCNs.
Conforme análise realizada por inúmeros linguistas de renome nacional e
internacional, mas que, curiosamente, não foram chamados a dar sua opinião na TV sobre o
assunto, o livro didático “Por uma vida melhor”, mais especificamente, seu capítulo I, para
sermos ainda mais precisas, cinco ou seis linhas do referido capítulo, fazem referência a uma
gramática popular, de uso falado (e não escrito) que existe e faz parte da vida de milhões de
brasileiros. Em nenhum momento, o material defende essa gramática popular em
detrimento da gramática culta, da norma padrão. O objetivo da obra, destinada a jovens e
adultos que, por motivos diversos, afastaram-se dos bancos escolares em idade própria, é o
de reconhecer os saberes desses sujeitos e, a partir desse reconhecimento, ensiná-los, guiálos para o mundo letrado e suas múltiplas formas de manifestação.
Mas isso não foi dito. Isso foi silenciado. Por quê? Podem estar se perguntando
aqueles leitores que possuem um senso de criticidade mais aprofundado, mais refinado. Por
que linguistas não foram chamados a fazer a sua avaliação da obra? Por que alguns
economistas e jornalistas fizeram a vez do especialista em estudos linguísticos e realizaram,
livremente, e de forma bastante limitada e distorcida, diríamos, essa análise?
As respostas não são tão simples. Estamos falando de uma questão de ensino. E
ensino, em nosso país, infelizmente, ainda não goza da necessária valorização. Em geral,
culpam-se os educadores pela baixíssima qualidade do ensino e pelo péssimo desempenho
de nossos jovens nas avaliações nacionais e internacionais. Apaga-se todo o processo
histórico que fomentou e construiu esse cenário. Não se falam dos baixos salários dos
professores (a não ser no discurso do conformismo: ‘pois é... o salário não está bom, mas
sabia disso quando optou por ser professor’), não se fala da baixa qualidade de muitos
cursos de formação de professores, mal se lembra que há milhões de mestres realizando
jornada tripla todos os dias para complementar sua renda, entre outros fatores. O professor
ainda é visto, conforme o desabafo da professora Amanda Gurgel, do RN (vale a pena assistir
ao vídeo postado no You Tube com mais de um milhão de acessos), como o redentor, o
salvador da pátria.
Que não se pode acreditar em tudo o que se vê e ouve é uma verdade. Isso tem nome,
chama-se criticidade, ou seja, avaliar de forma crítica aquilo que entra em nossas casas
diariamente, seja pela TV e rádio, seja pelo jornal ou revista. É preciso, no mínimo, analisar
essas questões mais profundamente, ou corremos o risco de sermos manipulados, de
ficarmos apenas com uma versão dos fatos.
Para o Núcleo de Estudos Linguísticos e Literários (NELL) do campus São Vicente do Sul, tal
polêmica não encontra justificativas práticas, mas baseia-se em um desconhecimento total
sobre questões linguísticas e de ensino de linguagens. O livro didático em questão não faz
mais do que orientam os documentos oficiais pedagógicos. A norma culta da língua
portuguesa está longe de ser ameaçada. Infelizmente, ameaçados estão o bom senso e a
leitura crítica.
Marcos Bagno, renomado linguista brasileiro e professor da Universidade de Brasília
afirmou, em sua home page, que “nenhum linguista sério, brasileiro ou estrangeiro, jamais
disse ou escreveu que os estudantes usuários de variedades linguísticas mais distantes das
normas urbanas de prestígio deveriam permanecer ali, fechados em sua comunidade, em
sua cultura e em sua língua. O que esses profissionais vêm tentando é fazer as pessoas
entenderem que defender uma coisa não significa automaticamente combater a outra.
Defender o respeito à variedade linguística dos estudantes não significa que não cabe à
escola introduzi-los ao mundo da cultura letrada e aos discursos que ela aciona. Cabe à
escola ensinar aos alunos o que eles não sabem! Parece óbvio, mas é preciso repetir isso a
todo momento.”
Para finalizarmos, trazemos uma constatação realizada pelo também linguista, da
Universidade de Campinas, professor Sírio Possenti, publicada no dia 19, sobre essa
questão: “todos os comentaristas (colunistas de jornais, de blogs e de TVs) que eu ouvi e li
leram errado uma página (sim, era só UMA página!) do livro que deu origem à celeuma na
semana passada. Minha pergunta é: se eles defendem a língua culta como meio de
comunicação, como explicam que leram tão mal um texto escrito em língua culta? É na
avaliação do PISA que o Brasil tem fracassado, não é? Pois é, este foi um teste de leitura.
Nosso jornalismo seria reprovado.”
NELL (Núcleo de Estudos Linguísticos e Literários)
Professoras:
Cândida Martins Pinto
Evanir Piccolo Carvalho
Josete Cardoso Berni
Lísica Vencatto Lorenzoni
Raquel Bevilaqua
Silvânia Faccin Colaço
Fontes:
BAGNO, M. POLÊMICA OU IGNORÂNCIA? DISCUSSÃO SOBRE LIVRO DIDÁTICO SÓ REVELA IGNORÂNCIA DA GRANDE
IMPRENSA.
Disponível em
<http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=745> Acesso em 20 de maio de 2011.
POSSENTI, S. Aceitam tudo. disponível em:
<http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5137669-EI8425,00-Aceitam+tudo.html>
Acesso em 22 de maio de 2011.
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Texto escrito pelas professoras do NELL sobre a polêmica