N.º 10/ CC /2014
N/Referência:
PROC.: R. P. 92/2013 STJ-CC
Data de homologação:
03-02-2014
Recorrente:
Maria B…., Notária
Recorrido:
Conservatória do Registo Predial de ……..
Assunto:
Recurso Hierárquico
Palavras-chave:
Inscrições de aquisição de subsolo – Condição resolutiva - Escritura pública de doação – Dúvidas sobre
o objeto transmitido - Recusa.
PARECER
Relatório
1. Sobre o prédio rústico n.º 1050/20000420, freguesia de T….., concelho de A….., incidem inscrições que
configuram a sua situação jurídica da seguinte forma: AP. …2 de 2001/10/12 - Aquisição de 1/2 do Subsolo,
em que é sujeito ativo Paulo A…; AP. ..3 de 2001/10/12 – Aquisição, em que é sujeito ativo o mesmo Paulo
A….; e AP. …3 de 2001/10/12 - Aquisição de 1/2 do Subsolo, em que também é sujeito ativo Paulo A…. Do
extrato da inscrição com a supradita Ap. ..2 consta uma cláusula acessória, especificamente uma condição
resolutiva que se completou assim: Se à morte do pai dos vendedores Fernando V….., não existirem ou vierem a
nascer outros filhos dele além destes três actuais vendedores.
1.1. Em 2013/10/03 foi efetuado por via eletrónica um pedido de registo de aquisição sobre esse e outros três
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prédios pertencente às citadas freguesia e concelho, que foi distribuído através do mecanismo aleatório e
automático Round Robin à Conservatória do Registo Predial de ……, tendo originado a AP. …. desse dia. No
pedido a apresentante efetuou a declaração complementar de que “o prédio inscrito na matriz rústica sob o
número 1540 é parte do descrito sob o número 1050, da referida freguesia, como resulta da escritura anexa ao
presente pedido” e enviou os documentos necessários ao registo, digitalizando-os, a saber, escritura de doação
e declaração de Imposto do Selo.
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2. O registo foi recusado quanto ao prédio n.º 1750, da freguesia de T…., do concelho de A…., a desanexar do
n.º 1050, da mesma freguesia e concelho, e qualificado positivamente quanto aos outros três prédios. A recusa
teve como fundamento a incerteza existente em relação ao objecto concreto do […] registo - artigos 16.º, alínea
c), e 69.º, n.º 1, d), ambos do Código do Registo Predial (CRP), extraindo-se do despacho de qualificação que:
- Na escritura pública de doação […], declara-se a folhas 29: “Que, os mencionados imóveis encontram-se
registados [a favor do doador], ainda no estado de solteiro, (…) o de que faz parte o relacionado sob a verba
quatro, conforme apresentação doze, de doze de Outubro de dois mil e um”.
- Ora, esta Ap…2/20011012 incide apenas sobre 1/2 do subsolo; porém, na escritura declara-se, sem mais, que
o doador Paulo A….. doa a sua irmã Maria G….. o prédio relacionado sob a verba 4.
- Deste modo, com a salvaguarda do devido respeito, não se mostra explícito qual seja o objecto da doação, isto
é, o que se entende por prédio no caso: 1/2 da propriedade do subsolo? A propriedade do solo? A plena
propriedade prédio (solo e subsolo)?
- A referência feita à Ap…2/20011012 permitiria inferir que esse objecto, quanto à verba 4, fosse apenas 1/2 da
propriedade do subsolo, embora não se tenha mencionado esta última de forma expressa na escritura. Seria
esse o objecto, de facto? A sê-lo, haveria que explicitar tal circunstância através do necessário averbamento de
rectificação à escritura apresentada, com referência expressa ao dito 1/2 da propriedade do subsolo.
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- Não sendo esse o caso e, ao invés, transmitindo-se ou a propriedade do solo ou a plena propriedade do prédio
(solo e subsolo), haveria que referir, sempre através do necessário averbamento de rectificação, consoante o
caso, um desses dois possíveis objectos e também respectivamente a Ap…3/20011012 ou as Ap….2/20011012,
Ap….3/20011012 e Ap….3/20011012, aceitando-se, no caso, a invocação de lapso de escrita.
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3. Esta decisão de recusa do ato de registo nos termos requeridos foi impugnada através da interposição do
presente recurso hierárquico pela apresentante do registo e no requerimento foram expostos os fundamentos
que se dão por integralmente reproduzidos, evidenciando-se, porém, os seguintes1:
- Que não é fácil descortinar o sentido da fundamentação invocada para a qualificação do registo, pois perguntase: o imóvel não se encontra registado a favor do transmitente e o titular inscrito não declara que doa o imóvel?
- Que dúvida séria pode suscitar-se quanto ao objeto da doação em causa, que no título é identificado como
sendo o prédio identificado na respetiva verba número quatro – se a declaração prestada pelo doador é a de
doar o prédio lá melhor identificado e a do donatário é a de aceitar a doação nos termos exarados?
- Que o titulador não poderia alterar por simples averbamento o sentido das declarações prestadas pelos
outorgantes e tendo sido doado a metade do subsolo, não poderia ser apresentado um pedido único de registo,
nem o mesmo poderia ser efetuado nos termos pedidos, dado o princípio da unidade da inscrição.
- Que da Declaração de Imposto do Selo mostram-se relacionados 4 imóveis e não quaisquer outros direitos e
que da escritura apresentada consta claramente a declaração do primeiro outorgante de que doa os prédios
atrás identificados como verbas Um, Dois, Três e Quatro, pelo que é manifesto a identificação do objeto da
doação.
- Que se concede que por mero lapso de escrita ficou a constar que o registo de aquisição tinha o número doze,
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de doze de Outubro de dois mil e um, quando se pretendia dizer que tinha o número treze da mesma data.
1
Ainda que como nota não podemos deixar de fazer uma referência à alusão feita no requerimento de recurso ao ascendente que poderá
haver sobre o qualificador, nomeadamente no uso do procedimento de suprimento de deficiências e da cobrança do emolumento devido,
alegando-se que a avaliação possa ficar dependente do valor de emolumentos cobrados. Embora nos pareça que o argumento foi
utilizado de forma a pôr em causa a postura do serviço de registo, o que nos interessa salientar é que o procedimento de suprimento de
deficiências tem caráter vinculativo prevendo-se até atualmente que no âmbito da impugnação da decisão de qualificação sejam extraídas
consequências processuais da sua omissão ou irregularidade – cfr. artigos 148.º, n.º 5 e 149.º, n.º 3, ambos do CRP.
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- Finalmente, sendo o registo objeto de qualificação desfavorável deverá sê-lo nos precisos termos do pedido e
não parcialmente, apenas quanto a um dos imóveis como o foi in casu (recusa parcial) porquanto entendemos,
salvo melhor opinião, que o registo só poderá ser objeto de qualificação desfavorável parcial se tal qualificação
(parcial) não acarretar um prejuízo acrescido [em sede emolumentar] para o requerente.
4. Foi proferido despacho de sustentação que reitera a argumentação proferida na decisão de recusa inicial e
que se dá aqui por inteiramente descrito.
5. O processo é o próprio, as partes têm legitimidade e o recurso é tempestivo, pelo que cumpre apreciar.
APRECIAÇÃO DO MÉRITO
1. À delimitação dos prédios em altura e profundidade (limites materiais) dedica-se o artigo 1344.º do Código
Civil (CC) 2. De acordo com este preceito:
“1. A propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com
tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico.
2. O proprietário não pode, todavia, proibir os actos de terceiro que, pela altura ou profundidade a que têm lugar,
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não haja interesse em impedir.”
2
A. MENEZES CORDEIRO (Direitos Reais, Lisboa: Lex, Edições Jurídicas, 1993, Reimpressão de 1979, p. 200) explica porque aborda este
artigo e trata esta matéria a propósito dos prédios: os limites verticais dos prédios não respeitam apenas à propriedade: qualquer outro
direito real terá de se haver com eles; tão-pouco se limitam ao gozo.
Também JOSÉ ALBERTO C. VIEIRA (Direitos Reais, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 148) sustenta que “O contexto do art. 1344.º, n.º 1,
deveria ser o Direito das coisas, mais concretamente o regime da coisa imóvel, pois a sua função é a de fixar os limites da coisa imóvel
em altura e profundidade e não a de definir o conteúdo do direito de propriedade. Aliás, no presente enquadramento, o preceito sempre
pecaria por defeito, por estreitar o seu âmbito de aplicação à propriedade, quando é evidente que afecta igualmente todos os direitos reais
sobre imóveis”.
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1.1. Da leitura da norma eduz-se que por regra a alienação de um prédio implica a alienação do subsolo e do
espaço aéreo respetivos3. Para Oliveira Ascensão “o conceito de prédio, tal como no-lo dá a vida social, limita-se
em profundidade àquela porção que for efetivamente ocupada”. O proprietário teria um poder de transformação,
que permitiria a expansão a novas zonas4. Mas o artigo 1344.º, n.º 1, preceitua expressamente que a
propriedade dos imóveis abrange o subsolo e o espaço aéreo com tudo o que neles se contém. Por isso, a coisa
imóvel, além do solo, compreende o espaço aéreo e o subsolo até ao limite da ação humana5.
1.2. Mas, de acordo com a parte final do n.º 1 da norma em análise, algumas parcelas podem ser retiradas
daquele âmbito do imóvel por lei ou por negócio jurídico. Quando tal sucede ocorre um desmembramento do
objeto do domínio6.
1.2.1. Exemplo de desintegração do domínio por lei, com a colocação de áreas do subsolo no domínio público, é
o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 84.º da Constituição. De facto, pertencem ao domínio público os jazigos
minerais, as nascentes de águas mineromedicinais e as cavidades naturais subterrâneas existentes no subsolo,
com exceção das rochas, terras comuns e outros materiais habitualmente usados na construção.
3
Também a constituição de uma hipoteca sobre prédio grava não apenas a superfície, mas o seu subsolo e o seu espaço aéreo - A.
MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais (…), p. 200.
4
Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil - Reais, 5.º Ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 183.
5
Cfr. JOSÉ ALBERTO C. VIEIRA, Direitos Reais (…), p. 154 e 156.
6
No seguimento de ORLANDO DE CARVALHO (Direito das Coisas: do direito das coisas em geral, Coimbra: Fora do Texto, 1994, p. 157-
160). Explicava o Mestre que, em Portugal, mais do que a ideia de desmembramento [da propriedade] subsiste a confusão entre
desmembramento do objeto e desmembramento do direito. Por exemplo, a consideração da superfície como desmembramento, assenta,
por um lado, na confusão da superfície com a propriedade superficiária e, por outro, na confusão entre o desmembramento do objeto, que
a última pode pressupor, e o desmembramento do direito, que ela não pressupõe de forma alguma. “Se a propriedade superficiária resulta
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de obra ou plantação que, pertencendo ao dominus soli, este aliena nos termos do art. 1528.º, é manifesto que o que se verifica é um
desmembramento do objecto puro e simples, uma «alienação de obra ou árvores já existentes, separadamente da propriedade do solo».
E prosseguia o Autor: “Os exemplos das águas e das pedreiras são, porém, ainda mais expressivos porque o que aí se verifica é a todas
as luzes um simples desmembramento do objecto do domínio, tendo o dono de qualquer das partes – o prédio ou o bem dele separado
(idealmente separado) – um domínio tão pleno quanto as relações de vizinhança (e de encravamento), como é óbvio, consentem.”
Diversamente, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1987, p. 97) ao
afirmarem que “na lei são considerados expressamente vários casos de desmembramento do direito de propriedade […], o
direito de superfície (art. 1524.º), as águas (arts. 1389.º e segs.) e ainda as pedreiras (Lei n.º 1979, de 23 de Março de 1940).”
Atualmente o Regime Jurídico da Pesquisa e Exploração de Massas Minerais-Pedreiras encontra-se no Decreto-Lei n.º 270/2001,
de 6 de outubro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 340/2007, de 12 de outubro.
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1.2.2. Mas também por efeito de negócio jurídico determinados elementos do subsolo podem considerar-se
separados da propriedade superficiária: é o caso da alienação de pedreiras (massas minerais) e de árvores.
Pires de Lima e Antunes Varela dão também como exemplo a alienação da própria superfície desacompanhada
do subsolo e a alienação de águas subterrâneas ou superficiárias 7-8.
1.2.3. De facto, todo o subsolo, de que a água é um imediato elemento, é parte integrante do prédio rústico. Tal
é uma manifestação do princípio em análise consagrado no artigo 1344.º de que a propriedade dos solos, salvo
restrições limitadoras, se afere no sentido da horizontalidade e da verticalidade9
1.2.4. Então, e a aquisição do subsolo, em que é que pode consistir (normalmente)?
Nas palavras de Mário Tavarela Lobo, a forma mais radical e mais ampla de conferir a outrem o direito de
exploração das águas subterrâneas existentes num prédio, é, sem dúvida alguma, a alienação do subsolo desse
prédio. Pode então o adquirente desse subsolo proceder livremente à exploração de águas por meio de poços
ordinários ou artesianos, furos, minas ou quaisquer escavações, em toda a extensão e profundidade do prédio. E
continua: Duas ordens de restrições impeditivas da exploração têm que ser, no entanto, rigorosamente
respeitadas:
- Não pode o adquirente do subsolo ultrapassar a linha divisória do respectivo prédio (art. 1394.º), sem,
obviamente, a prévia autorização do vizinho […]; e
7
Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado (…), p. 174.
8
De acordo com o artigo 4.º, al. f), da Lei da Água (Lei n.º 58/2005, de 29-12, republicada pelo Decreto-Lei n.º 130/2012, de 22-06),
águas subterrâneas são todas as águas que se encontram abaixo da superfície do solo, na zona saturada, e em contacto direto com o
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solo ou com o subsolo, e ao abrigo do artigo 1386.º, n.º 1, b), do CC, são particulares as águas subterrâneas existentes em prédios
particulares. Ora, se é lícito ao proprietário procurar águas subterrâneas no seu prédio, por meio de poços ordinários ou artesianos, minas
ou quaisquer escavações, contanto que não prejudique direitos que terceiro haja adquirido por título justo (artigo 1394.º, n.º 1 do CC),
sujeita a autorização prévia (artigo 62.º, n.º 1, c) da Lei da Água), é permitido alienar essas águas subterrâneas (artigo 1395.º, n.º 1 do
CC). Simplesmente, as águas subterrâneas, enquanto não forem desintegradas da propriedade superficiária, por lei ou por negócio
jurídico, constituem uma parte componente do respetivo prédio, nos termos e dentro dos limites fixados pelo artigo 1344.º - Cfr. PIRES DE
LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado (…), p. 319.
Em conclusão, a possibilidade de o proprietário procurar águas subterrâneas no seu prédio é uma emanação do princípio contido no n.º 1,
do artigo 1344.º do C.C. - JOSÉ CÂNDIDO DE PINHO, As Águas no Código Civil, cit., p. 108.
9
V. JOSÉ CÂNDIDO DE PINHO, As Águas no Código Civil, Coimbra: Almedina, 1985, p. 31.
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- Não pode o mesmo interessado prejudicar os direitos que terceiro haja adquirido ao uso da água por título justo
(art. 1389.º).
A inscrição de Aquisição do subsolo deverá traduzir-se afinal numa inscrição do direito real limitado que confere
ao seu titular o direito de exploração das águas subterrâneas existentes no prédio (artigo 1395.º, n.º2, do CC)10.
10
Sugerimos porém que conste da inscrição que se destina à exploração das águas subterrâneas.
A questão da natureza do “Direito de terceiro à exploração de águas” é discutida na Doutrina. Reconhece-se que é um direito real
imobiliário, mas será um direito de propriedade? Na alienação de águas subterrâneas (que existem no prédio) existindo um objeto certo,
transfere-se o direito de propriedade. Quanto ao direito de exploração de águas (que porventura existam), saber se o direito concedido
visa a propriedade, servidão ou qualquer outra afetação é questão que só na presença do título se resolve. Na falta de clarividência do
texto contratual, a dúvida resolve-se a favor de proprietário da água. - V. JOSÉ CÂNDIDO DE PINHO, As Águas no Código Civil, cit., p. 120 e
ss.
V. também MÁRIO TAVARELA LOBO, Manual do Direito de Águas, Vol. II, 2.ª Ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 475 e ss. O Autor faz
uma distinção entre Inscrição do direito de propriedade sobre águas e Inscrição das servidões de águas. Nas primeiras insere (i) os casos
de direito à água já explorada (fontes e nascentes e obras complementares) e (ii) o direito de exploração de águas (alienação do subsolo,
direito de explorar águas subterrâneas, exploração de águas em certa zona ou até certa profundidade). Ao contrário do registo do direito
de propriedade sobre águas a favor da pessoa do titular respetivo, na inscrição das servidões de águas, o registo faz-se a favor do próprio
prédio dominante, onerando o prédio serviente. Os princípios relativos ao registo do direito à exploração de águas em prédio alheio com
vista à aquisição do direito de propriedade, são, grosso modo, aplicáveis ao registo da exploração tendo por objeto a constituição de uma
servidão de águas e, por isso, só em benefício de um ou mais prédios e para determinado fim. A diferença é a de que no mais amplo
direito de propriedade pode o titular da água explorada aplicá-la em quaisquer prédios e para quaisquer fins (domésticos, irrigativos,
industriais, etc.) e dela dispor livremente, alienando-a. No caso da servidão de águas está o titular vinculado, pelo menos em princípio, a
utilizar a água no ou nos prédios dominantes e na prossecução dos fins para que a mesma servidão foi constituída.
Também MANUEL HENRIQUE MESQUITA (Direitos Reais, Sumários das Lições ao curso de 1966-1967, Coimbra, p. 221) refere: “Noutros
casos – de verificação frequente - o proprietário atribuiu a terceiro o direito de exploração das águas subterrâneas. No respetivo negócio
tanto pode declarar-se que o dono do prédio conserva a faculdade de, também ele, proceder a explorações, como estabelecer-se que tal
faculdade fica a pertencer exclusivamente àquele terceiro. Em qualquer das hipóteses tratar-se-á de um direito real limitado, que será de
servidão quando estabelecido em benefício de determinado prédio.”
Para TAVARELA LOBO, embora se integrem os direitos (direito a águas já exploradas e direito de exploração) no amplo direito de
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propriedade, a diferença reside no facto de que no direito de exploração (1395.º, n.º 2, do CC) se tratar de atribuição a terceiro do direito
de explorar águas porventura existentes num prédio, águas portanto ainda não exploradas e nem sequer individualizadas; enquanto na
alienação de águas (das fontes e nascentes - artigo 1390.º, n.º 1 do CC, ou subterrâneas – artigo 1395.º, n.º 1, do CC) existe um objeto
certo constituído pelas águas já exploradas. É que, para o reconhecimento da titularidade ou disponibilidade jurídica das águas, para a
sua existência como bem em sentido jurídico, é indispensável que sejam descobertas e individualizadas. Na falta de concreta
individualização, as águas subterrâneas são parte integrante do subsolo e não constituem objecto de independente consideração
normativa, o que se traduz na impossibilidade de desintegração dominial e alienação antes das águas se encontrarem descobertas e
individualizadas. Em consequência, se incorretamente se alienarem águas subterrâneas não descobertas e individualizadas no
pressuposto da sua existência, o negócio jurídico efectuado não tendo um objecto certo é inquinado de nulidade - MÁRIO TAVARELA LOBO,
Manual, cit., p. 87-88.
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1.2.5. Ora, no caso em apreço, temos registadas aquisições do subsolo, resultantes de título de doação11, e,
consequentemente, se nenhuma outra especificação resultar do título, teríamos desmembramento do objeto do
domínio. Admitimos todavia que se trate do direito à exploração de águas subterrâneas, como normalmente
acontece, sobretudo na região a que o prédio pertence.
1.2.6. E, se a dado momento, o titular do direito de propriedade do prédio é o mesmo que o titular do direito de
exploração de águas subterrâneas e aliena o prédio, transmite a propriedade plena do imóvel, tal como é
definida no artigo 1344.º do CC 12.
1.2.7. Isto porque, como vimos, a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície,
bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio
jurídico. Então, o direito de exploração de águas subterrâneas (expresso pela «aquisição do subsolo»), se e
quando já não pertença a terceiros, está abrangido, como objeto, na propriedade do imóvel, ou seja, no respetivo
direito de propriedade. Ao transmitir-se o prédio, transmite-se o direito de propriedade que tem por objeto o solo,
o subsolo e o que nele se contém13.
1.2.8. Mas, no caso, existe uma condição resolutiva na primeira inscrição de aquisição de ½ do subsolo. Se,
como sabemos, por um lado, na pendência da condição resolutiva são possíveis os atos dispositivos, e tal ato
dispositivo é considerado de igual modo condicionado, a não ser que haja disposição em contrário (274.º, n.º1,
do CC), por outro lado, a existência desta condição (com os efeitos previstos no artigo 276.º do CC) inviabiliza a
V. ainda PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, Vol. III, cit., p. 326-327): O único direito, pois, que o proprietário pode
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atribuir a terceiro sobre as águas subterrâneas, antes da sua exploração ou individualização, é o referido no n.º 2 do artigo 1395.º [direito
de explorar águas subterrâneas].
V., por último, a distinção entre fontes e nascentes, feita por JOSÉ CÂNDIDO DE PINHO, As Águas no Código Civil, cit., p. 60.
11
Pelas cópias dos Livros consultados julgamos que o desmembramento do objeto ocorreu por escritura de doação de 30 de julho de
1968, na qual a doadora procedeu às doações das duas ½ do subsolo, à constituição de usufruto daquelas ½ do subsolo e à doação do
prédio (solo).
12
E transferindo-se os efeitos daquelas novas inscrições mediante o novo registo de aquisição, as inscrições de aquisição do subsolo e a
inscrição de aquisição deveriam passar a publicitar que a informação deixou de estar em vigor, i. é, deveriam ser passadas a histórico –
artigo 79.º, n.º 4 do CRP.
13
V. DURVAL FERREIRA, Águas Subterrâneas e de Nascentes, Coimbra: Almedina, 2006, p. 43.
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confusão atrás referida, pelo que na esfera jurídica do transmitente continuarão a coincidir ½ do direito à
exploração das águas subterrâneas com a propriedade sobre o prédio.
1.2.9. Pode acontecer que essa confusão já tenha ocorrido, pela certeza da não verificação da condição
resolutiva (artigo 275.º, do CC), por ser já falecido Fernando Viana de Vasconcelos Lencastre e não existirem ou
terem vindo a nascer mais filhos, para além dos vendedores, mas nesse caso, importava que se tivesse
atualizado a inscrição, por exemplo, com recurso à respetiva habilitação de herdeiros.
1.2.10. Simplesmente, se no título de transmissão (doação) se declara que o imóvel se encontra registado
conforme apresentação doze, de doze de Outubro de dois mil e um, que é a apresentação da Aquisição de 1/2
do Subsolo, e seguidamente se declara que o doador doa a sua irmã o prédio identificado como Verba Quatro,
surgem dúvidas sobre o objeto da transmissão.
1.2.11. Ora, é precisamente esta dúvida sobre o que se pretendeu transmitir, se apenas o prédio (após a
confusão) ou o prédio e ½ do direito à exploração de águas subterrâneas (que corresponderá à indicada
inscrição da Ap. …2), que extraímos como motivação de facto da qualificação desfavorável e que o deficiente
cumprimento do princípio da legitimação dos direitos também não permite esclarecer.
1.2.12. Mas, segundo nos parece, esta motivação não poderá deixar de conduzir à recusa, embora a nosso ver,
nos termos do n.º 2 do artigo 69.º do CRP e não nos termos da alínea d) do mesmo artigo.
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2. Quanto à afirmação da recorrente de que se o que se pretendesse doar fosse a metade do subsolo, não
poderia ser apresentado um pedido único de registo, dado o princípio da unidade da inscrição14, temos a dizer
que:
14
Porém, o recorrido, no Despacho de Sustentação, salienta o seguinte: “Não vislumbramos por que motivo, a ser transmitida apenas a
propriedade do subsolo ou a propriedade do solo, isso buliria com o princípio da unidade da inscrição consagrado no artigo 99.º do
Código do Registo Predial, já que o facto registado continuaria a ser sempre um só: a aquisição por doação, da plena propriedade de três
prédios e da propriedade do subsolo ou do solo de mais um prédio.”
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2.1. No CRP não está consignado diretamente, em qualquer norma, o princípio da unidade da inscrição,
segundo o qual, a cada facto deve corresponder uma única inscrição. Decorre de algumas das suas normas
(como os artigos 60.º, n.º 5 e 91.º, n.ºs 1 e 3) e não de uma norma direta e individual. É porém correto que
exceções a este princípio estão afirmadas no artigo 99.º15.
2.2. Ora, na situação exposta, havendo doação de três prédios e de ½ do subsolo de outro prédio não existiria
pluralidade de factos para efeitos de registo a que devessem corresponder duas inscrições autónomas (uma
para a aquisição dos 3 prédios e outra para a aquisição de ½ do subsolo de outro prédio) porquanto o facto
jurídico era só um e também eram os mesmos sujeito ativo e passivo16.
3. Entende finalmente a recorrente que o registo não deveria ser recusado parcialmente17. Que o registo
efetuado definitivamente apenas quanto a três dos quatro prédios requeridos mostra-se em desconformidade
com o pedido, o que também se impugna18.
15
V. J. A. MOUTEIRA GUERREIRO, Noções de Direito Registal (Predial e Comercial), Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p. 233 e ss.
Em anotação ao artigo 187.º do Código do Registo Predial (Edição Atualizada e Anotada) da Direção-Geral dos Registos e do Notariado,
Lisboa, 1970, p. 207, podem ler-se os seguintes exemplos:
- O interessado que, pela mesma escritura, adquiriu vários prédios ao mesmo vendedor, pode requerer a inscrição de aquisição a seu
favor de algum ou alguns deles, mas se pretender requisitar a aquisição de todos os prédios, esse facto terá que ser registado mediante
uma só inscrição;
- É de admitir que se cumulem na mesma inscrição ou averbamento as diversas alterações na titularidade de uma universalidade
(herança ou comunhão conjugal), consequente de sucessivas transmissões da posição dos originais titulares, de modo que o registo
requerido traduza a realidade no momento em que é efetuada;
- Não pode lavrar-se numa só inscrição o registo de aquisições feitas a alienantes diferentes, de prédios também diferentes, embora o
IMP.IRN.Z00.07 • Revisão: 01 • Data: 22-01-2014
adquirente seja o mesmo e única a escritura de compra e venda. A cada um desses negócios jurídicos deve corresponder uma inscrição
própria;
- A inscrição de determinado negócio jurídico que tem por objeto um prédio, considerado na sua totalidade, não pode limitar-se, a pedido
do apresentante, a uma quota-parte desse prédio.
Sobre a unidade da inscrição trataram ainda os Proc. N.º R.P. 49/98 DSJ-CT, BRN 11/98 e Proc. N.º R.P. 108/97 DSJ-CT, BRN 3/98, II
Caderno, in http://www.irn.mj.pt/IRN/sections/irn/legislacao/publicacao-de-brn/.
16
Parece-nos que a ilação será a mesma se o facto jurídico abranger 3 prédios e as águas já exploradas de outro prédio.
17
Pensamos que a reflexão da recorrente é seguinte: na recusa do ato de registo (quanto a todos os prédios) somente se cobraria o valor
relativo à recusa, devolvendo-se o restante do valor pago a título de preparo; diversamente, havendo recusa quanto a um prédio, o
preparo inicial seria todo cobrado. Mas se é certo que a recusa quanto a todos os prédios implica apenas a cobrança do valor previsto no
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3.1. A existência de unicidade da inscrição que resulta do facto jurídico que abrange quatro prédios não implica
que o registo obtenha igual qualificação relativamente a todos os prédios, pois essa consequência ira contrariar
o princípio da legalidade e as exigências que o mesmo encerra19.
3.2. Com efeito, os fundamentos de recusa são exclusivamente os previstos no artigo 69.º do CRP, devendo o
registo ser feito como provisório por dúvidas quando existam motivos que, não sendo fundamento de recusa,
obstem ao registo do ato tal como é pedido (artigo 70.º do CRP) ou provisório por natureza nos casos
expressamente previstos no artigo 92.º do CRP. Por conseguinte, não existindo fundamento de recusa ou de
provisoriedade, o registo quanto àqueles três prédios deveria ser efetuado definitivamente.
3.3. Ora, sendo o registo pedido quanto a quatro prédios e recusado quanto a um deles, como se propõe, a
solução correta face à lei emolumentar vinculante é a de a conservatória arrecadar o emolumento devido pelo
ato de registo.
*******
Em conformidade, propomos a improcedência do recurso e formulamos as seguintes
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artigo 21.º, n.º 12 do RERN, o pedido de registo que se circunscreva a três prédios só quanto aos mesmos pode ser cobrado – artigo 21.º,
nºs 1.2 e 2.12 do RERN.
18
Embora haja menção de que não é indiferente para o requerente, nomeadamente em sede emolumentar, que o mesmo seja efetuado
parcialmente, pensamos que não se pretende uma impugnação da conta do ato de registo (à qual se aplicaria o artigo 147.º-C do CRP,
na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 125/2013, de 30 de agosto, até à entrada em vigor do diploma que procede à revisão do modelo de
contabilidade dos serviços de registo). Apenas se constata que sendo o registo objeto de qualificação desfavorável o deverá ser nos
precisos termos do pedido, i. é, quanto a todos os prédios.
19
Questão debatida é a de saber qual o número de prédios que devem mencionar-se como abrangidos pela inscrição, na hipótese de
esta ser recusada, ou feita provisória, quanto a alguns deles – V., quanto a essa querela, ISABEL PEREIRA MENDES, Código do registo
Predial (Anotado e Comentado com Formulário), 14.ª Ed., Coimbra: Almedina, 2004, p. 338 (em anotação ao artigo 93.º).
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CONCLUSÕES
I – A alienação de um prédio implica a alienação do subsolo e do espaço aéreo respetivos, com tudo o
que neles se contém e não esteja desintegrado da superfície por lei ou negócio jurídico.
II – Existindo registo de aquisição do subsolo, passível de ser interpretado como direito de exploração
de águas subterrâneas, mas subordinado a condição resolutiva, e registo de aquisição do prédio a favor
do mesmo sujeito, no título de transmissão do imóvel a favor de terceiro deve ficar suficientemente claro
se no objeto da alienação se contém ou não aquele direito de exploração.
III – O facto que titule aquisição de três prédios e aquisição de outro direito sujeito a registo pode ser
registado mediante uma única inscrição.
IV – A existência de unicidade da inscrição que resulta do facto jurídico que abrange quatro prédios não
implica que o registo obtenha igual qualificação relativamente a todos os prédios, podendo a inscrição
ser recusada, ou feita provisória, quanto a um ou alguns deles.
Parecer aprovado em sessão do Conselho Consultivo de 31 de janeiro 2014.
Blandina Maria da Silva Soares, relatora, António Manuel Fernandes Lopes, Luís Manuel Nunes Martins,
Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, Maria Madalena Rodrigues Teixeira.
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Este parecer foi homologado pelo Senhor Presidente do Conselho Diretivo em 03.02.2014.
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