EA722-Laboratório de Controle e Servomecanismos
Notas de Aula: Prof. Paulo Valente
Introdução aos Sistemas de Controle
Os objetivos destas notas de aula são discutir aspectos básicos relacionados ao
controle de servomecanismos e evidenciar as vantagens da realimentação em implementações práticas de sistemas de controle. Representação de sistemas através de
funções de transferência, sistemas em malha aberta, sistemas em malha fechada, estabilidade e sensibilidade de sistemas dinâmicos e projeto de controladores simples a
partir das caracterı́sticas da resposta ao degrau de sistemas de 2a. ordem são alguns
dos principais temas tratados.
1
Funções de transferência
O uso de funções de transferência é intrı́nseco ao estudo de sistemas dinâmicos
representados na forma entrada-saı́da. Seja um sistema fı́sico modelado de acordo
com a equação diferencial linear a coeficientes constantes - sistema linear invariante
no tempo, ou SLIT - de ordem n,
dn−1 y(t)
dn y(t)
+
a
+ · · · + a0 y(t) =
n−1
dtn
dtn−1
dm u(t)
dm−1 u(t)
+
c
+ · · · + c0 u(t),
(1)
m−1
dtm
dtm−1
onde u(t) representa uma entrada independente - variável de controle - e y(t) a
variável objeto de estudo - variável de saı́da. A partir do conhecimento das condições
iniciais do sistema e da entrada u(t), o comportamento de y(t) pode ser determinado
resolvendo-se (1). A transformada de Laplace pode ser usada para resolver (1),
mas sua importância para a área de sistemas de controle está ligada ao conceito
de função de transferência. Tomando-se a transformada de Laplace de (1) com
condições iniciais nulas obtém-se, após simplificações,
= cm
(sn + an−1 sn−1 + · · · + a0 )Y (s) = (cm sm + cm−1 sm−1 + · · · + c0 )U (s),
onde s = σ + jω denota a frequência complexa. Define-se a razão entre a saı́da Y (s)
e a entrada U (s) como a função de transferência do sistema modelado pela equação
diferencial (1):
G(s) =
cm sm + cm−1 sm−1 + · · · + c0
Y (s)
=
.
U (s)
sn + an−1 sn−1 + · · · + a0
(2)
A função de transferência (2) encontra-se na forma expandida. Outras representações úteis em sistemas de controle são a forma compacta
1
G(s) =
kN (s)
Y (s)
=
,
U (s)
D(s)
onde k é o ganho da função e N (s) e D(s) são polinômios mônicos (coeficientes de
maior grau iguais a 1), e a forma fatorada ou forma de zeros e pólos (raı́zes de N (s)
e D(s), respectivamente)
G(s) =
Y (s)
k (s − z1 )(s − z2 ) · · · (s − zm )
=
,
U (s)
(s − p1 )(s − p2 ) · · ·(s − pn )
onde z1 , z2 , . . . , zm e p1 , p2 , . . . , pn são os zeros e pólos de G(s), isto é, as raı́zes de
N (s) e D(s), respectivamente.
A função de transferência G(s) caracteriza completamente o sistema dinâmico,
no sentido de que a partir de (2) pode-se chegar a (1) facilmente. A função de
transferência é dependente apenas das caracterı́sticas próprias do sistema e não da
entrada ao qual está submetido. É claro que a saı́da do sistema depende da entrada:
para qualquer entrada u(t) que possua transformada de Laplace, a transformada da
saı́da será
Y (s) = G(s)U (s),
e a anti-transformada de Y (s) fornecerá y(t). A partir de G(s) pode-se estudar
apenas o comportamento entrada-saı́da do sistema. A descrição interna do sistema
torna-se inacessı́vel quando o sistema é representado pela sua função de transferência.
Exemplo 1.1 - Circuito RLC série.
O comportamento de um circuito RLC série não-autônomo é regido pelas equações
diferenciais de 1a. ordem
di(t)
+ Ri(t) + v(t) = u(t),
dt
dv(t)
= i(t), v(0) = v0 ,
C
dt
L
i(0) = i0 ,
onde i(t) é a corrente que circula no circuito, v(t) é a tensão no capacitor e u(t) é uma
fonte de tensão independente (controle) em série com o circuito (sistema). Diferenciando-se
a segunda equação em relação ao tempo, pode-se evidenciar o comportamento da tensão no
capacitor através da equação diferencial de 2a. ordem
d2 v(t) R dv(t)
1
1
+
+
v(t) =
u(t).
(3)
dt2
L dt
LC
LC
Definindo-se a saı́da do circuito como a tensão no capacitor, isto é, y(t) = v(t), a função
de transferência do sistema na forma expandida será
G(s) =
Y (s)
c0
,
= 2
U (s)
s + a1 s + a0
(4)
onde a0 = c0 = 1/(LC) e a1 = R/L. Na forma compacta, k = 1, N (s) = c0 e D(s) =
s2 + a1 s + a0 e na forma de zeros e pólos, k = c0 , não existem zeros e os pólos são as raı́zes
2
de D(s). Observe que G(s) descreve apenas o que ocorre entre u(t) (entrada) e a tensão no
capacitor (saı́da). A descrição interna do circuito (corrente i(t)) torna-se inacessı́vel.
✷
Diz-se que uma função de transferência G(s) = kN (s)/D(s) é própria se o grau
de N (s) é menor ou igual do que o grau de D(s), isto é, se m ≤ n. Uma função
G(s) é estritamente própria se m < n. Qualquer sistema cuja saı́da não responda instantâneamente a uma variação na sua entrada pode ser modelado por uma
função de transferência estritamente própria. Componentes elétricos presentes em
alguns sistemas reagem rapidamente à entrada e podem ser modelados por funções
de transferência próprias (m = n). Funções de transferência imprópias (m > n) não
modelam sistemas fisicamente realizáveis.
2
Diagramas de blocos
Diagramas de blocos são descrições pictóricas de funções de transferência. Um sistema dinâmico mais complexo pode ser modelado através de funções de transferência
que descrevam subsistemas: a saı́da de um subsistema serve de entrada para outro
subsistema. Com o auxı́lio de um diagrama de blocos, pode-se visualizar rapidamente como diferentes subsistemas são interligados para representar um sistema mais
geral.
Exemplo 1.2 - Motor DC controlado por armadura.
O diagrama de blocos deste sistema eletromecânico clássico (Ogata, pp. 142-146) é
representado na figura abaixo.
U
+
−
1
Ls + R
Ia
kT
S. Elétrico
Ec
T
1
Js2 + Bs
Y =Θ
S. Mecânico
kv s
Fig 1.1: Diagrama de blocos do motor DC.
A partir do diagrama da figura 1.1, sabe-se que a tensão (variável) de entrada do motor,
U (s), sofre inicialmente uma queda proporcional à velocidade de rotação do motor (kv sΘ(s),
força contra-eletromotriz). O subsistema elétrico é composto por um circuito RL série, cuja
entrada é a diferença U (s) − Ec (s) e cuja saı́da é a corrente de armadura I(s). O torque
produzido é proporcional à corrente de armadura (T (s) = kT I(s)) e representa a entrada do
subsistema mecânico composto por momento de inércia e atrito viscoso equivalentes (motor
e carga), que por sua vez tem como saı́da o deslocamento angular do eixo do motor, Θ(s),
definido como variável de saı́da do sistema eletromecânico. (Observe que a realimentação
de velocidade presente no diagrama da figura 1.1 faz parte do modelo do motor e não é
3
utilizada para definir U (s). O conceito de realimentação em sistemas de controle está ligado
à definição de U (s) a partir de medidas de variáveis presentes no sistema.)
✷
Um diagrama de blocos representa informações transmitidas num único sentido,
isto é, a saı́da de um bloco responde às variações produzidas na sua entrada, mas
variações na saı́da do bloco não afetam sua entrada pelo caminho inverso. Diagramas
de blocos podem ser manipulados da mesma forma com que se manipulam equações
algébricas. Para obter a função de transferência entre duas variáveis quaisquer
do diagrama, eliminam-se sucessivamente todas as demais variáveis presentes no
diagrama. As simplificações mais frequentes estão ilustradas na figura 1.2.
U
X
G1
U +
G1
Y
G2
Y
U
≡
≡
U
∓
Y
G1 G2
G1
1 ± G1 G2
Y
G2
Fig 1.2: Reduções de blocos em série e paralelo.
Exemplo 1.3 - Função de transferência do motor DC.
A partir das equivalências da figura 1.2, pode-se obter reduções do diagrama de blocos
da figura 1.1 - figuras 1.3 e 1.4, a seguir - até se chegar a função de transferência do motor
DC controlado por armadura.
U
+
(Js2
−
kT
+ Bs)(Ls + R)
kv s
Fig 1.3: Redução dos blocos em série.
4
Y
U
Y
kT
3
JLs + (LB + RJ)s2 + (RB + kv kT )s
Fig 1.4: Função de transferência do motor DC.
Observe que a função de transferência obtida não permite uma análise das variáveis
internas do motor.
✷
3
Sistemas de controle em malha fechada
Sistemas dinâmicos como o representado na figura 1.1 são sistemas em malha aberta: nenhuma informação a respeito de variáveis do sistema é utilizada para definir a
variável de entrada. Um sistema de controle envolve uma planta - função de transferência do sistema a controlar - representada genericamente por Gp(s), e a função
de transferência de um tipo especial de sistema, chamado de controlador, Gc (s),
geralmente implementado através de componentes eletrônicos. Um sistema de controle envolve também a definição da arquitetura de controle, isto é, da maneira como
controlador e planta estão interligados. Na maioria das aplicações de sistemas de
controle, o controlador está em série com a planta, na forma indicada na figura 1.5.
R
Gc (s)
U
Gp (s)
Y
Fig 1.5: Conecção série do controlador.
Na conecção série, a saı́da do controlador Gc (s) é a entrada da planta Gp (s). Na
figura 1.5, R(s) representa a transformada de Laplace de uma entrada de referência
(degrau, rampa, parábola, senóide, ... ). Deve-se então projetar um controlador, isto
é, obter a função de transferência Gc (s) de forma que, por exemplo, a saı́da Y (s)
siga a referência especificada. Ao se formular o problema desta maneira, explicı́ta-se
que o objetivo do sistema de controle é obter um comportamento servo da saı́da da
planta em relação à entrada de referência. O termo servomecanismo deriva desta
propriedade.
Exemplo 1.4 - Controle de temperatura.
A relação entre a temperatura de um fluı́do que circula num tanque para aquecimento termicamente isolado e a taxa de calor fornecida ao tanque através de um sistema de
aquecimento pode ser modelada pela função de transferência de primeira ordem (Ogata, pp.
98-100)
5
Gp (s) =
Y (s)
k
=
,
U (s)
(τ s + 1)
(o C/kcal/seg)
onde k e τ são o ganho e a constante de tempo do sistema, que dependem das dimensões
fı́sicas do tanque e de propriedades térmicas do fluı́do. A resposta do sistema a um degrau
unitário é
Y (s) =
k
1
,
(τ s + 1) s
e o valor de regime da temperatura do tanque obtida através do Teorema do Valor Final
(Ogata, p. 29) é
y(∞) = lim y(t) = lim sY (s) = k. (o C)
t→∞
s→0
A resposta temporal tı́pica da saı́da do sistema é ilustrada na figura 1.6 (curva tracejada).
y(t)
Tr
k
0
t
Fig 1.6: Resposta ao degrau do tanque.
Suponha que se deseja operar o tanque a uma temperatura final Tr . A forma mais
simples para conseguir y(∞) = Tr é projetar um controlador proporcional Gc(s) = kp , onde
kp é o ganho proporcional do controlador, em série com Gp (s), para fazer com que a saı́da
da planta siga o degrau R(s) = Tr /s. A saı́da da planta será
Y (s) = Gc(s)Gp (s)R(s) =
kp k Tr
,
(τ s + 1) s
e y(∞) = Tr se kp = 1/k. A resposta obtida com o controlador proporcional seria como
representada pela curva cheia da figura 1.6.
✷
O procedimento adotado no exemplo anterior para obter o comportamento servo
da planta pode ser estendido da seguinte forma: determina-se Gc (s) tal que a função
de transferência entre Y (s) e R(s) possua ganho DC (isto é, ganho em s = 0)
unitário. No caso da conecção em série da figura 1.5, Gc (0)Gp(0) = 1.
A estrutura de controle descrita na figura 1.5 é do tipo malha aberta. A entrada
de controle é obtida sem medidas da saı́da da planta, embora em geral dependa do
modelo da planta. No Exemplo 1.4, o ganho do controlador depende do ganho da
6
planta (kp = 1/k), e um dos problemas com estruturas em malha aberta fica bem
caracterizado: se por alguma razão ocorrerem variações em parâmetros do tanque
(planta) gerando um ganho k diferente de k, então kp k = (1/k)k = 1, e a saı́da
não mais seguirá a entrada. Este e vários outros problemas ligados ao estudo de
sistemas de controle podem ser contornados através da realimentação da variável de
saı́da - sistema em malha fechada - representada na figura 1.7 a seguir.
R
+
E
U
Gc (s)
Y
Gp (s)
−
Fig 1.7: Sistema em malha fechada.
Na figura 1.7 adota-se uma realimentação unitária da variável de saı́da. Representações mais detalhadas podem incluir a função de transferência de um sensor
para a variável de saı́da. Como sensores são normalmente construı́dos com componentes eletrônicos, a ausência de elementos dinâmicos na realimentação pode ser
justificada em muitas situações práticas. De acordo com a figura 1.7, a entrada da
planta (saı́da do controlador) é função do erro entre a referência a saı́da da planta: U (s) = Gc (s)E(s) = Gc (s)(R(s) − Y (s)). Esta propriedade possui implicações
importantes.
4
Efeitos da realimentação
Existem inúmeras vantagens no emprego de sistemas de controle realimentados. As
principais são:
1. Redução de sensibilidade aos parâmetros da planta;
2. Redução de sensibilidade a perturbações na saı́da;
3. Controle da largura de banda do sistema;
4. Estabilização de sistemas instáveis;
5. Controle da resposta temporal do sistema.
4.1
Redução de sensibilidade aos parâmetros da planta
Para efeito de exposição, considere as implementações em malha aberta e malha
fechada das figuras 1.5 e 1.7. Por questões de simplicidade, suponha que Gc (s) e
Gp (s) são relativamente independentes da frequência e podem ser aproximados por
ganhos positivos. Para estabelecer uma analogia com o caso geral (dependente da
frequência), os ganhos serão representados por Gc e Gp, respectivamente. As funções
de transferência em malha aberta e em malha fechada são
7
Ga (s) = Gc (s)Gp(s) = Gc Gp = Ga
Gf (s) =
Gc Gp
Gc (s)Gp(s)
=
= Gf
1 + Gc (s)Gp(s)
1 + Gc Gp
A quantidade Gf representa o ganho de malha fechada do sistema. Assuma que
o ganho do controlador assume valores grandes. Neste caso,
Gf =
Gp
,
(1/Gc ) + Gp
e como Gc é muito grande,
Gf ≈ 1,
e o ganho de malha fechada torna-se insensı́vel aos parâmetros da planta (no limite,
à planta !). Para reduzir sensibilidade à variação de parâmetros em malha fechada,
deve-se escolher um ganho para o controlador tal que Gp (1/Gc ) ou Gc Gp 1.
A quantidade Gc Gp é chamada de ganho de malha do sistema.
Pode-se chegar à mesma conclusão acima através do conceito de função de sensibilidade. A função de sensibilidade entre quantidades quaisquer Q e α presentes
no sistema é definida em termos percentuais como
SαQ =
dQ/Q
α dQ
% variação em Q
=
=
.
% variação em α
dα/α
Q dα
Se Q = Ga (ganho de malha aberta) e α = Gp, então
Ga
=
SG
p
Gp dGa
1
=
Gc = 1,
Ga dGp
Gc
e a sensibilidade do sistema em malha aberta a pequenas variações na planta é
máxima e independe do controlador utilizado. Para o sistema em malha fechada,
G
SGpf =
Gp dGf
1
=
.
Gf dGp
1 + Gc Gp
A sensibilidade em malha fechada é menor do que em malha aberta e pode ser
reduzida aumentando-se o ganho de malha Gc Gp .
Os resultados e as conclusões desta subseção são válidos no caso mais geral de
funções dependentes da frequência. Em particular, a sensibilidade do sistema em
malha fechada em relação à planta é dada por
G (s)
SGpf(s) =
1
.
1 + Gc (s)Gp(s)
A quantidade 1+Gc (s)Gp(s) é chamada de diferênça de retorno. A sensibilidade
do sistema à planta é minimizada sempre que Gc (s) for tal que | 1+Gc (s)Gp(s) | 1.
8
4.2
Redução de sensibilidade a perturbações na saı́da
Uma segunda vantagem do emprego de sistemas realimentados é a possibilidade de
se reduzir a sensibilidade do sistema à distúrbios que possam atingir a saı́da. Um
exemplo tı́pico é o controle de posição de uma antena. Rajadas de ventos podem
perturbar a posição da antena e neste caso o sistema de controle deve ser capaz de
minimizar os efeitos das perturbações e restaurar sua posição original. A situação é
representada no diagrama de blocos da figura 1.8.
P
R
+
E
+
U
Gc (s)
Gp (s)
−
Y
+
Fig 1.8: Saı́da sujeita a perturbações.
Na figura 1.8, P (s) representa a transformada de Laplace da perturbação que
atinge a saı́da do sistema. Assuma que um controlador Gc (s) foi inicialmente projetado para fornecer o comportamento servo desejado. O controlador Gc (s) deve
também garantir o comportamento regulador do sistema: em regime, o controlador
deve ser capaz de eliminar qualquer desvio da saı́da em relação à sua posição de
referência. O princı́pio da superposição pode ser utilizado para expressar Y (s) em
termos das entradas independentes R(s) e P (s). Fazendo-se inicialmente P (s) = 0,
obtém-se a função de transferência Gry (s), de R(s) para Y (s). Em seguida, fazendose R(s) = 0, obtém-se a função de transferência Gpy (s), de P (s) para Y (s), a partir
do diagrama de blocos equivalente apresentado na figura 1.9.
P
+
Y
−
Gc (s)Gp (s)
Fig 1.9: Função de transferência Gpy (s).
A saı́da pode ser expressa então como
Y (s) = Gry (s)R(s) + Gpy (s)P (s)
9
=
1
Gc (s)Gp(s)
R(s) +
P (s),
1 + Gc (s)Gp(s)
1 + Gc (s)Gp(s)
e para que a influência da perturbação P (s) sobre a saı́da seja pequena, deve-se
projetar Gc (s) para garantir | 1 + Gc (s)Gp (s) | 1 na faixa de frequências da
perturbação P (s).
4.3
Controle da largura de banda
A largura de banda (’bandwidth’) de um sistema é definida em termos da resposta do
sistema a entradas senoidais. Assume-se que a curva de magnitude do sistema considerado apresenta valores maiores em frequências mais baixas e valores decrescentes a
medida que a frequência aumenta, caracterı́sticas de um sistema passa-baixas. Largura de banda é definida
como a frequência na qual o valor da curva de magnitude
√
do sistema vale 1/ 2 ≈ 0.707 (cerca de -3 dB) do valor assumido em frequências
muito baixas (valor DC).
Exemplo 1.5 - Sistema de primeira ordem.
Considere o sistema em malha fechada da figura 1.7, e assuma que
Gp (s) =
1
,
s+1
e que o controlador é do tipo proporcional: Gc(s) = kp. A magnitude da planta na frequência
s = jω = j1 é
| Gp (j1) | =
1
1
= √ .
| j1 + 1 |
2
√
Como | Gp (j1) | vale 1/ 2 do valor | Gp (j0) | = 1, a largura de banda da planta é ωbw = 1
rd/seg, isto é, a planta responde adequadamente às componentes da entrada com frequências
de até 1 rd/seg. A função de malha fechada é
Gf (s) =
Gc (s)Gp (s)
kp
=
.
1 + Gc(s)Gp (s)
s + (1 + kp )
Em s = j0, tem-se | Gf (j0) | = kp /(1 + kp ) e em s = j(1 + kp ), a magnitude de Gf (s)
vale
kp
kp
√ .
=
| j(1 + kp ) + (1 + kp ) |
(1 + kp ) 2
√
A magnitude em ω = (1 + kp ) vale 1/ 2 do valor DC. Observe que a largura de banda
do sistema em malha fechada, ωbw = (1 + kp ) rd/seg, pode ser controlada através do ganho
kp . A largura de banda aumenta com o aumento do ganho do controlador, o que permite
ao sistema em malha fechada responder a frequências mais elevadas em relação ao sistema
em malha aberta.
✷
| Gf (j(1 + kp )) | =
Maior largura de banda se traduz em menor tempo de resposta do sistema à
entrada, em geral. Entretanto, a realimentação tende a reduzir o ganho DC do
sistema (no Exemplo 1.5, de 1 para kp /(1 + kp)), o que pode comprometer outros
objetivos envolvidos no projeto do controlador.
10
4.4
Estabilização de sistemas instáveis
Um dos principais usos da realimentação é a estabilização de sistemas instáveis. O
uso da realimentação para estabilizar um sistema instável é prioritário, no sentido de
que todas as demais especificações para o sistema, como rastreamento da referência,
baixa sensibilidade à variação de parâmetros e largura de banda, devem ser atingidas através de um controlador que estabilize o sistema em malha fechada. Em
geral, dada uma planta instável Gp (s), existem infinitos controladores Gc (s) que a
estabilizam, mas a estrutura de Gc (s) (por exemplo, um controlador proporcional) e
as caracterı́sticas de Gp(s) podem impor sérias limitações às demais especificações.
O conceito de estabilidade para sistemas representados através de funções de
transferência está associado à caracterı́stica entrada-saı́da da representação: um
sistema é bibo-estável (do inglês, ’bounded input-bounded output’) se para qualquer
entrada limitada (isto é, se u(t) ≤ umax , ∀ t ≥ 0), a saı́da do sistema também é
limitada (y(t) ≤ ymax , ∀ t ≥ 0).
Do estudo de estabilidade ligado à representação entrada-saı́da, sabe-se que um
sistema G(s) é bibo-estável se e somente se todos os pólos de G(s) possuem partes reais estritamente negativas. O critério de Routh-Hurwitz para se determinar
o número de raı́zes de um polinômio (por exemplo, o denominador de G(s)) com
partes reais maiores ou iguais a zero é tradicionalmente adotado como critério de
estabilidade.
Exemplo 1.6 - Duplo integrador.
Muitos sistemas dinâmicos de 2a. ordem com baixo amortecimento podem ser modelados
como duplos integradores:
k
,
s2
onde k é um ganho associado ao sistema. Os pólos de Gp(s) são p1 = p2 = 0, e como a parte
real dos pólos é nula, Gp (s) não é bibo-estável. De fato, para uma entrada limitada do tipo
degrau unitário (u(t) ≤ 1, ∀ t ≥ 0), a saı́da do sistema seria parabólica, como ilustrado na
figura 1.10 (k = 1).
Gp (s) =
u
x
y
t
U
t
1
s
X
t
1
s
Y
Fig 1.10: Resposta ao degrau do duplo integrador.
Um controlador proporcional não é capaz de estabilizar este tipo de planta, pois com
Gc(s) = kp, os pólos do sistema em malha fechada
Gf (s) =
kp k
s2 + kp k
11
seriam p1 = +j kpk e p2 = −j kp k, exibindo partes reais nulas para qualquer valor de
kp . Como a instabilidade está ligada à falta de amortecimento da planta, pode-se pensar
em introduzir amortecimento aos pólos de malha fechada através do controlador. Suponha
que Gc (s) = kp + kd s, onde kd é o ganho derivativo do controlador. O sistema em malha
fechada
Gf (s) =
(kp + kd s)k
s2 + kkd s + kkp
será estável se kp > 0 e kd > 0, pois neste caso os pólos de malha fechada terão partes reais
estritamente negativas.
✷
4.5
Controle da resposta temporal
Para efeito de exposição, considere o problema de se controlar a posição angular de
uma carga através de um motor DC (Exemplo 1.2). Assume-se que a indutância
de armadura (L) pode ser desprezada, o que permite representar a parte elétrica do
motor através de um ganho e o modelo do motor por uma função de transferência
de 2a. ordem. O sistema de controle (proporcional) em malha fechada é ilustrado
na figura 1.11.
R
E
+
Y
kp km
s(Js + Be )
−
Fig 1.11: Sistema de controle em malha fechada.
Na figura 1.11, J e Be = B +kv kT /R são, respectivamente, o momento de inércia
e o coeficiente de atrito viscoso equivalentes do conjunto motor-carga, km = kT /R é
o ganho equivalente do motor e kp é o ganho proporcional. A função de transferência
de malha fechada é
Gf (s) =
k
,
Js2 + Be s + k
onde k = kp km . A forma fatorada de Gf (s) é
Gf (s) = s + (Be /2J) +
(k/J)
(Be
/2J)2
− (k/J)
s + (Be /2J) −
(Be /2J)2 − (k/J)
Os pólos de malha fechada serão complexos se Be −4Jk < 0 e reais de Be −4Jk ≥
0. Em estudos de resposta temporal é comum convencionar que
σ = ξωn =
Be
,
2J
12
ωn2 =
k
,
J
.
onde σ é a atenuação, ωn é a frequência natural não-amortecida e ξ é o fator de
amortecimento dos pólos de malha fechada. Observe que ξ pode ser expresso como
Be
ξ= √ .
2 Jk
Note ainda que ξ e ωn são funções dos parâmetros do motor e do ganho proporcional kp (k = kpkm ). O fator de amortecimento é diretamente proporcional ao
amortecimento natural do motor e inversamente proporcional à inércia e ao ganho; a
frequência natural é diretamente proporcional ao ganho e inversamente proporcional
à inércia. A função de transferência Gf (s) em termos de ξ e ωn é
Gf (s) =
s2
ωn2
.
+ 2ξωn s + ωn2
O comportamento dinâmico de qualquer sistema de 2a. ordem pode ser descrito
em termos dos parâmetros ξ e ωn . Se 0 < ξ < 1, os pólos de malha fechada
são complexos conjulgados e situam-se no semi-plano esquerdo do plano complexo
s. Diz-se que este tipo de sistema é sub-amortecido e a sua resposta transitória é
oscilatória. Se ξ ≥ 1, os pólos são reais e o sistema não oscila, sendo então classificado
como criticamente amortecido se ξ = 1 e sobre-amortecido se ξ > 1. A resposta de
um sistema de 2a. ordem a uma entrada degrau unitário varia de acordo com o valor
de ξ. Os três casos discutidos estão ilustrados na figura 1.12.
y(t)
(a)
1
(b)
(a) 0 < ξ < 1
(c)
(b) ξ = 1
(c) ξ > 1
0
t
Fig 1.12: Respostas transitórias em função de ξ.
No caso mais geral, os pólos de malha fechada serão complexos conjulgados. A
função de transferência é expressa como
Gf (s) =
=
ωn2
,
s2 + 2ξωn s + ωn2
ωn2
,
(s + ξωn + jωd)(s + ξωn − jωd )
onde ωd = ωn 1 − ξ 2 é chamada de frequência de oscilação forçada. Para uma
entrada degrau unitário,
13
Y (s) =
ωn2
.
s(s2 + 2ξωn s + ωn2 )
A anti-transformada de Laplace de Y (s) fornece o comportamento temporal da
saı́da do sistema para a entrada degrau unitário:
−1
y(t) = L
−ξωn t
[Y (s)] = 1 − e
ξ
cos ωd t + sin ωd t ,
1 − ξ2
e−ξωn t
sin ωd t + tan−1
= 1− 2
1−ξ
1 − ξ2
ξ
, t ≥ 0.
Observe que a resposta y(t) é parcialmente determinada pelo ganho do controlador (pois ξ e ω são funções de kp). No projeto de controladores, a saı́da y(t) é
um dado do problema, isto é, a partir da resposta desejada para a saı́da do sistema
à uma entrada de referência, procura-se determinar um controlador que a produza.
Existem especificações de desempenho consolidadas para caracterizar a resposta de
sistemas dinãmicos. As especificações de desempenho referem-se às resposta transitória (t < ∞) e em regime (t = ∞) do sistema.
4.5.1
Resposta transitória
Em muitas aplicações, as caracterı́sticas desejadas para a saı́da da planta são definidas através de quantidades relacionadas à resposta do sistema de controle ao
degrau unitário. Entradas do tipo degrau são fáceis de gerar e fornecem informações
importantes sobre o sistema. Assume-se que o sistema está inicialmente em repouso
(a saı́da e todas as suas derivadas são nulas), de tal forma que seja possı́vel comparar respostas de diferentes sistemas. Algumas especificações bastante comuns no
domı́nio do tempo são:
y(t)
Mp
1
0
tr tp
0.05
ts
t
Fig 1.13: Especificações sobre a resposta ao degrau.
Tempo de subida, tr : tempo necessário para que a resposta vá de 10% a 90%, de
5% a 95% ou de 0% a 100% do seu valor final. Para sistemas sub-amortecidos,
14
costuma-se usar o critério de 0% a 100%. Para sistemas sobre-amortecidos, o
critério de 10% a 90% é mais comum;
Tempo de pico, tp : tempo necessário para que a resposta alcance o primeiro pico
de sobre-elevação;
Máxima sobre-elevação, Mp : máximo valor percentual da resposta medida a partir da unidade. Se o valor de regime da resposta difere da unidade, usa-se o
percentual de máxima sobre-elevação, definido como
y(tp) − y(∞)
× 100%;
y(∞)
Tempo de estabelecimento, ts : tempo necessário para que a resposta alcance e
permaneça dentro de uma faixa definida em termos de percentual do valor de
regime (normalmente 2% ou 5%). O tempo de estabelecimento está relacionado
com a maior constante de tempo do sistema.
Exceto em certas aplicações (por exemplo, robótica) em que oscilações não podem ser toleradas, pode-se trabalhar com respostas sub-amortecidas, desde que a
resposta transitória do sistema seja suficientemente rápida e amortecida. Isso implica em fatores de amortecimento na faixa de 0.4 a 0.8: valores menores do que
0.4 provocam sobre-elevações excessivas, enquanto que valores maiores do que 0.8
tornam o sistema muito lento. Um sistema de 2a. ordem com ξ entre 0.5 e 0.8
chega próximo ao valor de regime mais rapidamente do que sistemas criticamente
amortecidos e sobre-amortecidos. Dentre os sistemas que respondem sem oscilações,
sistemas criticamente amortecidos são os que respondem mais rápido.
Para sistemas de 2a. ordem, as especificações acima podem ser caracterizadas
em termos de ξ e ωn . As expressões a seguir são obtidas aplicando-se as definições
correspondentes à resposta sub-amortecida
e−ξωn t
sin ωd t + tan−1
y(t) = 1 − 2
1−ξ
1 − ξ2
ξ
, t≥0
do sistema de 2a. ordem.
Tempo de subida: o tempo de subida é caracterizado pelo menor valor de t tal
que y(t) = 1. Obtém-se
tr =
π−β
,
ωd
onde β é o ângulo em radianos definido na figura 1.14;
15
jω
jωd
ωn
ωn 1 − ξ 2
β
−σ
σ
0
ξωn
Fig 1.14: Especificação dos pólos através de ξ e ωn .
Tempo de pico: o tempo de pico é encontrado tomando-se o menor valor de t que
satisfaz a equação algébrica ẏ(t) = 0 (pontos de derivada nula). Obtém-se
tp =
π
,
ωd
isto é, meio ciclo da frequência de oscilação forçada;
Máxima sobre-elevação: a máxima sobre-elevação ocorre no tempo t = tp =
π/ωd e é dada por
Mp = [y(tp ) − 1] × 100%
= e−(σ/ωd )π × 100%
√
2
= e−(ξπ/ 1−ξ ) × 100%
Note que a sobre-elevação máxima só depende do fator de amortecimento ξ;
Tempo de estabelecimento: as curvas 1 ± (e−ξωn t / 1 − ξ 2 ) são as envoltórias
da resposta transitória do sistema de 2a. ordem para uma entrada degrau
unitário. O tempo de estabelecimento correspondente a 2% ou 5% pode ser
caracterizado em termos da constante de tempo T = 1/ξωn das envoltórias. É
comum definir-se
ts = 4T =
4
ξωn
critério 2%,
ts = 3T =
3
ξωn
critério 5%.
ou
Como ξ é normalmente determinado através da especificação de sobre-elevação
máxima, o tempo de estabelecimento é uma função direta da frequência natural
ωn . Em outras palavras, a duração da resposta transitória pode ser ajustada
sem afetar a máxima sobre-elevação do sistema.
16
4.5.2
Resposta em regime
O desempenho de um sistema de controle também é medido pela sua capacidade
de seguir degraus, rampas, parábolas, .. . Referências mais gerais podem ser vistas
como combinações destas referências mais simples. Nenhum sistema fı́sico pode
passar a seguir instantâneamente uma dada referência; o máximo que se pode esperar
do sistema de controle e que seja capaz de seguir a referência desejada em regime
ou em estado estacionário. Para medir a abilidade do sistema de controle neste
aspecto, utiliza-se o conceito de erro de regime. O erro de regime entre a uma dada
referência e a saı́da do sistema é
ess = lim sE(s)
s→0
= lim s(R(s) − Y (s))
s→0
= lim sR(s)(1 − Gf (s))
s→0
= lim
s→0
(pois Y (s) = Gf (s)R(s))
sR(s)
.
1 + Gc (s)Gp(s)
O erro de regime dependerá do tipo de referência e, fundamentalmente, do tipo
da função G(s) = Gc (s)Gp (s) envolvida na malha de controle. O tipo de G(s) é
igual ao número de pólos de G(s) na origem.
Se a entrada é do tipo degrau unitário (R(s) = 1/s) e o tipo de G(s) é zero,
então o erro de regime é
ess =
1
.
1 + G(0)
Em malha aberta, Y (s) = G(s)R(s) e se G(0) = 1, a saı́da segue a entrada
com erro de regime nulo. Ao se fechar a malha de controle, o erro passa a valer
ess = 0.5, e neste caso a realimentação introduz erro de regime. Entretanto, se o
tipo de G(s) for maior ou igual a 1, então G(0) = ∞ e o erro de regime será infinito
em malha aberta e nulo em malha fechada . Assim, caso a planta Gp(s) não possua
pólos na origem e se deseje seguir um degrau com erro nulo, a solução é utilizar um
controlador Gc (s) com ação integral, ou seja, com um pólo na origem. Raciocı́nio
análogo pode ser feito para analisar erros de regime devidos aos demais tipos de
entradas. Para se obter erros de regime nulos em malha fechada, o tipo de G(s)
deve ser pelo menos igual ao tipo da entrada R(s).
5
Sistemas com dois graus de liberdade
O sistema de controle em malha fechada da figura 1.7 é conhecido como sistema
de controle com um grau de liberdade (1-DOF), porque fixada qualquer função de
transferência presente no diagrama, todas as demais podem ser obtidas a partir da
função fixada, mais Gc (s) e Gp(s). Além disso, todas as funções de transferência
terão 1 + Gc (s)Gp(s) (a diferença de retorno) como denominador comum. Grande
parte das dificuldades enfrentadas ao se projetar controladores para sistemas do
tipo 1-DOF advêm desta propriedade, pois certas especificações de projeto exigem
aumento do ganho de malha Gc (s)Gp(s), enquanto que outras exigem sua redução.
17
Maior flexibilidade é obtida com outras arquiteturas de sistemas de controle.
A figura 1.15 ilustra um sistema de controle com dois graus de liberdade (2-DOF).
Além do controlador Gc2 (s) em série com a planta, o sistema da figura 1.15 utiliza
um controlador adicional Gc1 (s), também chamado de pré-filtro.
R
Gc1 (s)
+
Gc2 (s)
U
Gp (s)
Y
–
Fig 1.15: Sistema de controle 2-DOF.
A função de transferência entre Y (s) e R(s) para o sistema 2-DOF é
G2D (s) = Gc1 (s)Gf (s) =
Gc1 (s)Gc2 (s)Gp(s)
.
1 + Gc2 (s)Gp (s)
Observe que agora o projetista possui dois graus de liberdade para atender às especificações. Exemplo: o controlador Gc2 (s) forneceria o comportamento transitório
desejado para a saı́da do sistema, enquanto Gc1 (s) poderia ser empregado para garantir outras especificações, como erro de regime nulo. Neste caso, bastaria escolher
Gc1 (s) tal que G2D (0) = 1. Além disso, se Gc2 (s) estabiliza a planta e Gc1 (s) é uma
função de transferência estável, o sistema de controle 2-DOF também será estável.
Outra finalidade de Gc1 (s) é cancelar pólos indesejáveis de Gf (s) que não possam
ser afetados pelo controlador Gc2 (s).
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Texto do Prof. Paulo Valente