III Encontro da Região Norte da Sociedade Brasileira de Sociologia:
Amazônia e Sociologia: fronteiras do século XXI
GT 06 – Democracia, violência e conflitos sociais.
A Lógica da Ação Coletiva e a Busca pela Cidadania: uma análise de
associações quilombolas de Salvaterra –Marajó/ PA
SANTOS, Suziane Palmeira dos¹ – [email protected]
CARDOSO, Luis Fernando Cardoso e² – [email protected]
VALENTE, Osvaldo Rosa³ – [email protected]
Manaus (AM) – 26 a 28 de Setembro de 2012
______________________________
¹Discente do curso de Ciências Sociais, bolsista do projeto PROEX/ MEC
²Doutor em Antropologia Social e docente da Universidade Federal do Pará
³Mestre em Sociologia e docente da Universidade Federal do Pará
A Lógica da Ação Coletiva e a Busca pela Cidadania: uma análise de associações
quilombolas de Salvaterra-Marajó/ PA
SANTOS, Suziane Palmeira dos
CARDOSO, Luis Fernando Cardoso e
VALENTE, Osvaldo Rosa
Resumo
Este trabalho consiste em uma
análise sobre a organização e atuação de
associações quilombolas localizadas no meio rural do município de SalvaterraMarajó/PA. Metodologicamente usou-se revisão bibliográfica, entrevistas estruturadas e
não estruturadas junto aos lideres e membros das associações, ademais utilizou-se dados
estatístico do CENSO, realizado junto as comunidades quilombolas. Observou-se que
essas organizações coletivas quilombolas contribuem para aprofundar a qualidade do
regime democrático brasileiro, na medida em que facilita a conquista da cidadania pelas
populações remanescentes de quilombo.
Palavras chaves: associações quilombolas; democracia; cidadania.
1. INTRODUÇÃO
A configuração social do Brasil apresenta uma ampla diversidade étnica, racial e
cultural, mas a exclusão social de determinados grupos, principalmente de populações
rurais, a exemplo as comunidades quilombolas, ainda faz parte da nossa realidade
social.
Contabiliza-se que há mais de 2 mil comunidades quilombolas espalhadas pelo territorio
brasileiro, a Amazônia, – onde erroneamente imaginou-se que o processo de escravidão
não apresentou muita implicação; tem se revelado um campo de surgimento de
autodefinição quilombola. Segundo pesquisas, somente no estado do Pará, existe 240
comunidades quilombolas, e ainda há muitos grupos que estão em processo de
reconhecimento enquanto comunidade quilombola.
Ainda assim, ressalta LEITE (2010) esses grupos são marcados pela
invisibilidade. A ordem jurídica hegemônica marcada original e principalmente pelo
reconhecimento do indivíduo como o sujeito universal e básico do direito não encontrou
lugar para os grupos rurais negros no Brasil. Excluídos das leis que ordenam o Estado,
esses grupos tornaram-se invisíveis e, o que é ainda mais grave, quando visíveis apenas
surgiam como “invasores de terras”, “ocupantes ilegais” de propriedades rurais sobre as
quais diziam ter direito, mas que não estavam devidamente reconhecidas. A verdade é
que nem poderaim sê-lo, dado que o a titularidade é sempre individual e não de uma
comunidade. Tal situação é a expressão máxima da desigualdade social e também da
violência simbólica de que tais grupos são vítimas.
Tal situação muda um pouco com o reconhecimento de comunidades quilombolas
pela CF de 88, como veremos mais adiante. E é nesta nova conjuntura, que
analisaremos a organização e atuação de associações quilombolas localizadas no meio
rural do município de Salvaterra- Marajó/PA. O objetivo mais imediato é verificar de
que modo essas associações se formam, se originam e se organizam. Numa perspectiva
mais ampla, nosso objetivo é verificar como elas têm contribuído para eficácia e
estabilidade do governo democrático na configuração política brasileira.
Teóricos da democracia como John Stuart Mill e Robert Dahl asseveram que a
característica primordial de uma democracia é a constante sensibilidade do governo em
relação às preferências de seus cidadãos. Deste modo ajustamos neste trabalho a
perspectiva de Dahl com os conceitos de eficácia e estabilidade propostos por Robert
Putnam, o qual observa que para se obter um adequado desempenho, uma instituição
democrática deve ser simultaneamente sensível e eficaz: sensível às demandas de seu
eleitorado e eficaz na utilização de recursos limitados para atender tais demandas.
Ressalta-se que um grande desafio ao nosso governo democrático reside em sua
sensibilidade em relação às manifestações cada vez mais freqüente no cenário juridicopolitico dos ditos direitos insurgentes apontados por Silva (1994). O autor observa que
é comum o desempenho de movimentos sociais e a criação de novas figuras legais
determinarem o surgimento de novos sujeitos de interesses, cujos procuram articular
suas ações com o intuito de alcançar determinados fins.
Mancur Olson, um estudioso da ação coletiva afirma que as organizações formais, como
associações contribuem na luta de determinados grupos, por obtenção de benefícios
coletivos. A partir disso empregamos aqui algumas definições e conceitos defendidos
pelo autor. A perspectiva do economista norte-americano assinala que a maioria das
ações praticadas por um determinado grupo, ou até mesmo em nome deste coletivo, se
dá através de uma organização, e tal organização busca a realização de interesses
comuns.
O ponto de vista de Olson inaugurou uma nova corrente interpretativa da ação coletiva,
denominada teoria da Mobilização de Recursos.
Alguns classificam tal perspectiva como utilitarista, na medida em que, conforme o
teórico, as ações coletivas derivam do desejo de concretização de demandas. Portanto
para Olson o provimento de benefícios coletivos é a função fundamental das
organizações em geral.
Deste modo, analisaremos a atuação destas quatro associações quilombolas: Bacabal,
Bairro Alto, Mangueiras e Pau Furado, encontradas em Salvaterra-Marajó/ PA, e assim
demonstraremos a maneira como estes grupos de indivíduos, que se autodefinem
quilombolas, buscam a efetivação de seus interesses dentro de uma configuração social
que legalmente goza de um governo democrático, mas que legitimamente revela-se
excludente. Ademais, de modo que as ações coletivas estão estritamente relacionadas
com o funcionamento das instituições, cabe ressaltar aqui a relevância da perspectiva do
neo-institucionalismo.
Monteiro (2001) aponta que o neo- institucionalismo assume que as instituições
capacitam ou restringem em grande medida as ações individuais ou de grupos de
indivíduos, influenciando os resultados e alterando seus objetivos. Tendo em vista que
as instituições são canais legais de implementação de decisões (Levi, 1990), cabe
investigar aqui em que proporções a atuação de organizações formais de comunidades
quilombolas, implica não somente a busca da realização de seus propósitos, mas
também em que medida esta atuação colabora para o aprimoramento do regime
democrático brasileiro.
2- Comunidades Quilombolas no Brasil: aspectos históricos
Desde 1988 o termo quilombola no Brasil, vem despertando agudas discussões,
pois foi a partir da inclusão do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias da Constituição Federal de 88, que se começou de maneira mais instigada a
inserção das comunidades quilombolas como objeto de estudo.
“Depois do ano de 1988, no entanto, acontecimentos externos aos debates propriamente
acadêmicos irão interferir na produção antropológica voltada para os chamados "estudos raciais", no
sentido de incentivá-la e de alterá-la. Nesse ano, o "Artigo 68" das disposições transitórias criou a
possibilidade de se reconhecer às "comunidades remanescentes de quilombos" o direito sobre as terras
que ocupam e, apesar de ainda não se ter lhe dado uma definição jurídica e institucional, seus efeitos
sociais se fizeram sentir quase que imediatamente, pela mobilização de ONG's, aparelhos de Estado,
profissionais de justiça e setores da área acadêmica, entre outros, nem sempre, todavia, em perfeito
acordo, mesmo quando imbuídos de uma perspectiva política comum. Com isso, o campo de estudos
sobre negros passa a ter de responder a novas demandas originadas da luta política [...].” (ARRUTI,
1997,p.13).
Ademais, corrobora o autor, pode-se dizer que tais comunidades são
cientificamente um objeto indefinido, pois não há como falar deles sem tentar
classificá-los, seja como remanescente, agrícolas, rurais, nômades etc. Entretanto o
importante não é tentar adjetivar as populações quilombolas, pois o que está em
debate não é a existência destas formações sociais e nem a validade de suas
demandas, o importante é pensar o quanto uma classificação seria capaz de fornecer
reconhecimento social a essas populações.
“Está em jogo o quanto de realidade social o conceito será capaz de fazer reconhecer.
Qual parcela da realidade ganhará, por meio deste reconhecimento, uma nova
realidade, jurídica, política, administrativa e mesmo social” (ARRUTI, 2008, p. 2).
O artigo 68 do ADCT/CF-88 “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que
estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o
Estado emitir-lhes títulos respectivos.” Possibilitou o reconhecimento de comunidades
como remanescente de quilombo, constituindo assim um novo sujeito social, um novo
sujeito político etnicamente diferenciado a partir dos direitos promulgados através do
artigo citado.
Assim como a inclusão do artigo 68 na constituição suscitou discussões acerca da
categoria, os recentes estudos sobre a presença de negros na Amazônia também tem
provocado debates, pois esses estudos vêm revelando cada vez mais a presença de
afrodescendentes na região.
Por um longo período se pensou que a escravatura não teria apresentado implicações
significativas na Amazônia, devido anteriormente, fontes historiográficas relativos à
escravidão africana na região amazônica, registrarem o fracasso da implementação da
agricultura de plantation² no local. Segundo Vicente Salles (1971) diferentemente das
outras regiões da colônia, onde se desenvolveu largamente o sistema de plantation como
nas regiões canavieiras, cafeeiras, algodoeiras e também nas de mineração do ouro, na
Amazônia a economia baseava-se na extração de drogas do sertão e alguns produtos
naturais. No entanto, no Baixo Rio Amazonas, a força de trabalho escrava foi utilizada
nas fazendas de cacau e gado. Ademais Salles aponta para a presença do negro
especificamente no Pará, afirma que até 1820 totalizavam 38.000 escravos africanos no
norte do território brasileiro.
Nesse sentido tem se observado que a Amazônia tem se revelado um campo propício
para o surgimento de uma diversidade de autodefinições, na medida em que a região
abriga um quadro especifico de identidades coletivas, denominadas de povos da
floresta.
“A Amazônia é palco do entrelaçamento de uma pluralidade de autodefinições, denominados “povos e
comunidades tradicionais” ou conforme informações de 1988-92 “povos da floresta,” que compõe um
quadro especifico de identidades coletivas. Seringueiros, indígenas, ribeirinhos, piaçabeiros,
peconheiros, quebradeiras de coco babaçu, quilombolas e pescadores artesanais, antes de estarem
referidos às atividades econômicas, tornaram-se identidades coletivas objetivadas em movimentos
sociais.” (ALMEIDA JUNIOR, 2005,P.1)
2.1 – Ressemantização de um conceito
Recentemente – principalmente após a promulgação do artigo 68 da ADCT/CF 88, o
conceito quilombo tem sido discutido de forma a buscar uma ressemantização.
Há uma literatura especializada, ARRUTI (2008), ALMEIDA (1989), que busca
reconhecer o conceito quilombo como grupos fluidos e heterogêneos que se
autodefinem através de um sentimento de pertencimento. Deste modo o conceito mais
bem empregado e aceito contemporaneamente é o do antropólogo Fredrik Barth (1976).
O autor destaca que o termo quilombo não se refere a resíduos ou resquícios
arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação biológica. Não se trata de
grupos homogêneos e isolados, e nem tão pouco populações constituídas a partir de uma
referência histórica comum, estabelecida a partir de vivencias e valores compartilhados.
Na realidade são grupos étnicos conceitualmente caracterizados pela antropologia como
um tipo organizacional que atribui pertencimento através de normas e meios
empregados para indicar afiliação ou exclusão (ABA, 1994).
“O quilombo continua, portanto a ser o objeto de redefinições sucessivas em numerosos
trabalhos procurando incansavelmente alargar o campo de aplicação do vocábulo, sem
todavia renunciar a conserva-lhe uma especificidade” (BOYER, 2009, P.143)
3- Quilombos no Marajó
Uma considerável parte de africanos trazidos para a Amazônia, na condição de
escravos, aproximadamente no final do século XVII, foi impelida às fazendas da Ilha do
Marajó, com a finalidade de serem “braços fortes” no trabalho com o gado, na
agricultura, pesca e ademais atividades produtivas solicitadas pelos fazendeiros.
Uma das características aplicadas ao surgimento de quilombos é a precedente formação
de agrupamentos de negros que haviam fugido das fazendas onde eram obrigados ao
trabalho em regime de escravidão. De modo que era grande a perseguição a esses
rebelados, muitos dos quais eram novamente presos e punidos pela fuga, os locais
escolhidos para a formação de tais comunidades geralmente eram regiões de difícil
acesso.
“A constituição de mocambos ou quilombos é um dos fatores característico sistema
escravocrata. Longe de serem uma exceção ou formas pontuais de resistência, as
fugas aconteceram paralelamente e de maneira permanente durante todo o período
escravocrata” (PEREIRA, 2008.p 31).
Ademais, ressalta Cardoso (2012) A deserção não foi a única forma usada pelos
subjugados para constituírem espaços de liberdade e garantirem sua reprodução
sociocultural.
No Oeste do Pará, mais especificamente na Ilha de Marajó, localiza-se a cidade de
Salvaterra – nosso campo de estudo. No município de Salvaterra há 15 comunidades
que hoje se autodefinem como remanescentes de quilombos, buscando retomar os
territórios expropriados por fazendeiros, e também outros direitos sociais.
As comunidades em Salvaterra, certificadas pela Fundação Cultural Palmares são: Deus
Ajude, Bacabal, Bairro Alto, Boa Vista, Mangueiras, Paixão, Pau Furado, Providência,
Salvá, Siricari , Vila União, Caldeirão, Santa Luzia, Rosário e São Benedito da ponta.
Acevedo Marin (2005), ao realizar um levantamento em 11 das 15 comunidades do
município de Salvaterra, mostra que nelas vivem 1.916 habitantes, ou seja, número
igual a 35% da população rural do município. Portanto, uma porcentagem considerável
de indivíduos que apresentam demandas especifica enquanto cidadãos. Daí muitos se
organizarem e usarem uma categoria – quilombola – como meio de alcançar objetivos.
Para Carneiro da Cunha (1986) a identidade étnica deve ser entendida
fundamentalmente como uma organização política. Logo podemos inferir que os
diversos grupos quilombolas podem escolher determinados elementos culturais para
constituir uma identidade quilombola. Esses elementos acrescenta Pereira (2008) podem
ser externos: textos acadêmicos, jurídicos, presença de militantes ou outros que
discursam sobre a questão e esferas de debate político em torno do tema. E ainda
internos, como: historia social do grupo transmitida pelos mais velhos. Ademais estes
elementos irão orientar uma parte da conduta política e social do grupo.
Neste artigo iremos delimitar nosso estudo, analisando exclusivamente a atuação de
quatro associações (Bacabal, Bairro Alto, Mangueiras e Pau Furado) das quinze
comunidades quilombolas formalizadas no município salvaterra.
4- Associações Quilombolas de Salvaterra
Em 2003 as comunidades quilombolas de Bacabal, Bairro Alto, Mangueiras e Pau
Furado em Salvaterra/ Marajó criaram associações para representá-los legalmente, como
define o Decreto Constitucional 4.887/2003, a fim de garantir direitos perante o Estado.
“Nos últimos vinte anos, os descendentes de africanos, chamados negros, em todo território
nacional, organizado em Associações Quilombolas reivindicam o direito a permanência e ao
reconhecimento legal de posse das terras ocupadas e cultivadas para e sustento, bem como o livre
exercício de suas praticas, crenças e valores consideradas em sua especificidade” (LEITE 2000,
p.334).
Uma das características similar a estas associações: Bacabal, Bairro Alto,
Mangueiras e Pau Furado, é a sua antiga luta pela titulação de terras, este sempre foi o
objetivo principal das organizações. Antes da composição das associações as
comunidades se sentiam incapazes de reivindicarem seus direitos territoriais, e nem
tinham conhecimentos de como proceder para tal. Foi então a partir da iniciativa de
pesquisadores da UFPA, os quais levaram equipes para Salvaterra, para a realização de
um levantamento histórico sobre populações quilombolas na região, que se descobriu a
existência desses grupos no município.
Depois de constatada a evidência de quilombos na região, as comunidades foram
alertadas acerca de seus direitos constitucionais, após isto as comunidades se
autodefiniram como remanescente de quilombo e assim se organizaram para constituir
associações utilizando a significação quilombola.
“E aí a primeira comunidade a ser visitada aqui para trabalhar esse projeto, esse
assunto de quilombolas, foi Mangueiras, por causa daquela professora Zélia Mador,
ela é filha de Mangueiras. Então quando surgiu esse direito para os quilombolas
remanescentes, ela manda uma pessoa direto de Belém, direto pra Mangueiras, foi ate
a Maria do Carmo. Então foi em Mangueiras que começou. Eles acham que os
escravos que vieram fugidos, subiram o rio adentro, esse rio que vem da Bahia do
Guajará ele vai embora até chegar em Mangueiras, eles acham que lá que começou.
De lá que os negros foram procurando terras para fazer suas casas, onde chegaram na
Boa vista onde o rio segue, chegaram em Santa Luzia, chegaram no Bairro Alto e ai
foram adentrando. Aí então eu comecei a frequentar, nós começamos a frequentar, as
comunidades começaram, as comissões vinham de Belém dar palestras, encontro de
mulheres negras e nós começamos a participar e começamos a se interessar e também
nós pudéssemos ser incluídos nesse sistema
“E então a doutora Rosa veio, e então uma comunidade só poderia ser chamada de
quilombola se existisse nas comunidades remanescentes, se depois da pesquisa feita,
fosse encontrado famílias que fossem remanescentes de quilombos, de escravos né. E
aqui quem fez foi a doutora Rosa Acevedo, ela veio aqui com a comissão dela e fez
essa pesquisa, como fez em Bacabal, como fez em Mangueiras, como fez em Boa vista,
Rosário, Paixão, e nós fomos. Ela encontrou pessoas aqui na comunidade que eram
remanescentes, inclusive nós, a nossa família”
(Liderança da associação quilombola de Bairro Alto)
A titulação de terras às comunidades quilombolas é emitida em nome de uma
associação que representa o grupo. Logo a associação deve ser legalmente constituída
assim como previsto no Decreto 4.887/2003, art. 17 parágrafo único.
Bacabal, Bairro Alto, Mangueiras e Pau Furado fundaram suas associações
quilombolas em 2003, mas só tiveram seus respectivos certificados de terra após um
considerável período de lutas. A Fundação Cultural Palmares (FCP) –responsável por
formalizar a existência dessas comunidades, só forneceu o certificado à comunidade de
Bacabal em 2006, Bairro Alto em 2010, Mangueiras (2006) e Pau Furado em 2010.
A princípio as associações surgiram para reivindicar o direito a terra, mas ao longo do
tempo o grupo foi demandando outros direitos, como afirma uma das lideranças do
grupo.
“A associação tinha outros objetivos, mas esse (a titulação de terras) era um deles,
sempre foi um deles, foi o direito a terra. Todas as reuniões que eu ia, todos os
encontros que eu ia. Fui ao encontro da OAB em Belém que a dona Rosa me levou,
sempre eu colocando essa necessidade, sempre foi essa a maior necessidade nossa, foi
terra.”
(Liderança, Associação Quilombola de Bairro Alto).
Segundo a IACOREQ (Instituto de Assessoria as Comunidades Remanescentes de
Quilombos) a luta das comunidades quilombolas do Brasil reside na conquista da
regularização de seus territórios como o primeiro passo para a conquista da cidadania,
mas a conquista da cidadania não é apenas a terra e o território. Junto com estes vem o
reconhecimento de seus direitos, enquanto grupo étnico com especificidades.
Ao longo do seu estabelecimento, as associações quilombolas de Salvaterra além de
buscarem a efetivação seus direitos territoriais, vão também tomando frente a outras
questões sensíveis às suas comunidades.
“Eu diria hoje que tem outras coisas, nosso foco principal é o território, mas tem
outras coisas, pra mim tem a saúde, a educação, a moradia, o território. Nosso direito
em torno de tudo e até mesmo a parte do preconceito, porque muitas das nossas
comunidades já sofreram...”
(Liderança da Associação Quilombola Bacabal)
As comunidades quilombolas de salvaterra já constituíram diversas associações. O
gráfico abaixo apresenta uma pesquisa desenvolvida pelo CENSO 2012, sobre a
existência de associações no município.
Portanto, a associação quilombola não é a única e nem a primeira forma de organização
política constituída legalmente nas comunidades. Conforme Cardoso (2012) várias
associações já a antecederam, principalmente porque as políticas e programas
governamentais direcionados aos grupos rurais sejam camponeses ou pescadores,
solicitam uma instituição jurídica para que possam firmar contrato de concessão de
recursos as atividades dos grupos.
Entretanto, conforme alguns representantes do grupo, as associações quilombolas
apresentam algumas especificidades, que concedem mais força às lutas das
comunidades.
Entrevistador: A senhora acha que essa associação Remanescente Quilombo é mais
atuante, é mais forte que essas outras? E por que a senhora pensa que poderia ser
mais?
Liderança:“Acho que poderia ser, mas de acordo com os privilégios que uma
associação quilombola tem, junto ao governo. Então se ela for trabalhada e correr
atrás, muitos benefícios nós vamos ter para a comunidade.
(Comunidade de Bairro Alto)
Ademais acrescentamos:
“Por isso que eu te falo que Mangueiras agente se organizou. Essa organização é pra
isso, pra gente vê se consegue recurso, pra que ele gere renda, emprego pra pessoas
sobreviverem de alguma forma. A associação Quilombola dá mais força sim. Hoje
agente entende que nós quilombolas temos uma grande força... associação quilombola
é o todo. O objetivo mesmo da associação é se organizar pra trazer benefícios.”
(Membro da Associação Quilombola de Mangueiras)
As demais organizações existentes nas comunidades quilombolas de salvaterra
priorizavam somente um grupo (pescadores, agricultores, moradores etc), portanto
apenas uma unidade social, tomava a frente da organização. Havia uma verticalização
na organizão.
As lideranças das associações anteriores foram acusadas de terem usufruído privilégios
em detrimento aos demais sócios.
As lideranças das associações quilombolas de Bacabal, Mangueiras, Pau Furado e
Bairro alto são em grande parte do sexo feminino, são donas de casas, professoras,
lavradouras e agricultoras. Essas mulheres se dedicam aos negocios públicos das
comunidades, são assiduas nas reuniõe, ademais algumas participam de outros
movimentos sociais como, Grupo de Mulheres e partidos politicos.
“As mulheres estão à frente de quase todas as comunidades, da maioria, e os homens
que estão, não estão dando conta do recado, entendeu? O único homem que eu posso
dizer que tá levando à frente, de igual pra igual, é aqui, Caldeirão, e São Benedito, são
as duas lideranças homens que vão ali e lutam igual a gente, mas os outros acabam não
entendendo, não sabem repassar direito, chega na plenária eles ficam calados, do jeito
que eles chegam eles saem, e as mulheres não. Nós somos quatorze comunidades já
identificadas, articuladas, e dez eram lideranças femininas e quatro homens.”
(Liderança da comunidade de Mangueiras)
Nota-se que o estabelecimento das associações quilombolas, criou novas expectativas
para todos, na medida em que os desejos das comunidades se intercruzaram. O objetivo
principal das associações é projeto comum de todos, ou seja, a conquista do território
ancestral e a implementação de políticas públicas, que deveria subsidiar todo o processo
de titulação das terras. Deste modo essas organizações politicas revelam-se uma arena
de debates onde se observa a aglutinação dos interreses de todos os membros das
comunidades quilombolas , e portanto palco de participação politica.
Ressalta-se que a constituição, atuação e organização desses grupos que representam as
comunidades quilombolas de salvaterra está relacionado a um conjunto de experiências
ligadas às suas demandas históricas, expectativas, frustrações e o acirramento de
disputas políticas na conjuntura brasileira.
5- A relevância da Ação coletiva
Os primeiros apontamentos sobre as teorias da ação coletiva sugiram nos Estados
Unidos com teóricos como Charles Tilly e Hebert Mead. Mas foi a teoria da
mobilização de recursos, do economista norte-americano Mancur Olson que inaugurou
uma perspectiva diferenciada as ciências sociais acerca da ação coletiva.
Para o autor o comportamento dos grupos não segue a mesma lógica do comportamento
individual supostamente racional e auto-interessado.
Segundo Olson(1999) algumas vezes, um grupo tem de constituir uma organização
formal para poder lutar pela obtenção de um benefício coletivo. Ademais é
caracteristico da maioria das organizações, e com certeza de praticamente todas as
organizações com um importante aspecto econômico, é a promoção dos interesses de
seus membros.
Os moradores da comunidades quilombolas de salvaterra entendem que para reaverem
seus direitos frente ao Estado é necessario constituir grupos de “pressão,” que se
caracterizam por mobilizar politicamente seus participes e promover direitos sociais à
população quilombola do municipio. Olson (1999) observa que as organizações devem
promover interesses comuns, das organizações rurais espera-se que lutem por uma
legislação favorável a seus membros.
A organização e atuação das associações quilombolas de Bacabal, Mangueiras, Pau
Furado e Bairro alto, não apresentam a mesma dinâmica, mas o movimento em sí se
caracteriza pela busca de interesses.
“Porque sempre é diferente, sempre tem alguma coisa que impera, mas os direitos são
os mesmo, eles seguem o mesmo critério e seguem a mesma lei, o que é pra uma é pra
todas, né.”
(liderança da Associação Quilombola de Pau furado)
Outro teórico que dá sua contribuição à análise da teoria da ação coletiva é Robert
Putnam, segundo o autor, as instituições governamentais recebem subsídios do meio
social e geram reações a esse meio.
A perspectiva de Putnam é denominada de culturalista, pois entende que o sucesso dos
espaços democráticos dependem das características da sociedade civil.
Para o autor em todas as sociedades o dilema da ação coletiva dificulta as tentativas de
cooperação para benefícios mútuos. A cooperação voluntaria dependeria do capital
social, que diz respeito a características da organização social, como confiança, normas
e sistemas que contribuem para aumentar a eficiência de um sistema democrático.
Segundo Putnam (2006) a comunidade cívica se caracteriza por cidadãos atuantes e
imbuídos de espírito publico, por relações políticas igualitárias, por uma estrutura social
firmada na confiança e na colaboração.
Nesse sentido nota-se que as comunidades quilombolas de Salvaterra apresentam certas
características de uma comunidade cívica, como confiança e colaboração.
“Aqui agente ainda tem o costume dos antigos, que é confiar. Apesar de que já fomos
alertados pelo CEGEN, que agente não se... na expressão da palavra não se abra
assim, contar tudo, né[...]agente acredita que pessoas saem de suas propriedades com
a boa vontade de ajudar, esclarecer alguma coisa que nós também não sabemos, que
agente precisa saber.Vocês sabem que agente mora em comunidade distante, pouco ler
o jornal, né? Agora que agente tem uma televisão, que já vê um pouco as coisas que
acontecem, e agente gosta quando pessoas vêm trazer, porque ai agente vendo um com
outro, agente entende melhor”.
(Liderança da Associação quilombola de Bacabal)
Deste modo, podemos asseverar que em parte o êxito das associações quilombolas de
Salvaterra se dá pelo fato da organização possuir características que despertam em seus
membros qualidades como confiança e colaboração.
Outra abordagem dada à ação coletiva é a neo-institucionalista, proposta por autores
como James Marche (1989) e Johan Olsen (1989). O pressuposto da teoria
institucionalista é que o desenho e as características das instituições explicariam os
resultados do processo de democratização.
“A organização da vida política é importante, e as instituições influenciam o fluxo da história (...) as
decisões tomadas no âmbito das instituições políticas modificam a distribuição de interesses, recursos e
preceitos políticos, na medida em que criam novos atores e identidades, incutem nos atores as noções
de êxito e fracasso, formulam regras de conduta apropriada e conferem a certos indivíduos, e não a
outros, autoridade e outros tipos de recursos. As instituições influenciam a maneira pela qual
indivíduos e grupos se tornam atuantes dentro e fora das instituições estabelecidas, o grau de confiança
entre cidadãos e lideres, as aspirações comuns da comunidade política, o idioma, os critérios e os
preceitos partilhados pela comunidade, e o significado de conceitos como democracia, justiça,
liberdade e igualdade.” (OLSEN;MARCH apud PUTNAM, 2006,p.33)
A partir da constituição das associações quilombolas de Bacabal, Mangueiras, Pau
furado e Bairro alto os seu participes foram influenciados a participarem dos negócios
públicos da comunidade.
“Eu digo assim, que com a nossa associação quilombola agente não tamo cem
porcento ainda né, na parte da organização política, mas tamo setenta porcento
melhor.”
(membro da Associação quilombola de bacabal)
A partir do exposto lembramos que não tomamos partido exclusivamente de nenhuma
das duas perspectivas (culturalista e institucionalista) acerca da ação coletiva; antes
ressaltamos que neste estudo sobre as organizações quilombolas de Salvaterra,
observamos que nas associações analisadas, emergi um diálogo entre ambas
abordagens.
6- Associações: uma contribuição à democracia
O teórico da democracia Giovanni Sartori aponta que usualmente o regime democrático
é compreendido como o governo do povo, mas o autor ressalta que na medida em que o
principio da maioria pode incorrer na exclusão das minorias, é problemático entender a
o regime democrático como o governo do povo. A partir disso ele propõe que a
categoria povo seja entendida como a maioria e mais a minoria. A finalidade desse
principio é evitar a concessão de todo o poder seja às maiorias ou às minorias.
Na perspectiva de Sartori a democracia evidência (e não evidência) diversas
unidades formadoras da teia de processos de tomada de decisão. Deste modo há uma
fragmentação do poder. O autor adverte que essas unidades de decisão, são pequenos
grupos que apresentam certa durabilidade e são institucionalizados. Ademais são
coletivos de interação face a face que tomam decisões em relação ao fluxo de
resoluções. O cientista político denomina esses grupos por comitês.
Conforme Sartori (1994) todas as decisões tomadas por qualquer sociedade política são
antes examinadas, discutidas e propostas por um comitê, o governo é um comitê.
Somente nos grupos pequenos a participação implica num tomar parte significativo e os
comitês representam a parcela da população participativa. Ademais os comitês, ou seja,
os pequenos grupos organizados e institucionalizados são propensos a se proliferar no
regime democrático, possibilitando a construção de um ambiente político plural e
competitivo.
Isso nos leva asseverar que as associações quilombolas de Bacabal, Bairro Alto,
Mangueiras e Pau Furado (na medida em que se apresentam como um canal onde há
grandes probabilidades das reivindicações mais intensamente demandadas por essa
minoria serem atendidas), têm contribuído para eficácia e estabilidade do governo
democrático brasileiro.
“Diz-se que as associações civis contribuem para a eficácia e a estabilidade do governo
democrático, não só por causa de seus efeitos “internos” sobre o indivíduo, mas também
por causa de seus efeitos “externos” sobre a sociedade.” (PUTNAM; 1999 P.103).
É relevante ressaltar aqui a teoria democrática defendida por Robert Dahl (1997), pois o
autor aponta que o regime democrático se caracteriza por ser inclusivo e aberto à
contestação pública. O termo democracia é entendido como um sistema político que
tem, em suas características, a qualidade de ser inteiramente ou quase inteiramente
responsivo a todos os seus cidadãos. Um governo responsivo segundo Dahl é aquele
que atende as demandas de seus cidadãos. A característica primordial de uma
democracia é a constante sensibilidade do governo em relação às preferências de seus
cidadãos.
Nesse sentido podemos afirmar que num país plurietnico como o Brasil é necessário a
existência de associações que permitam a inclusão de diversos grupos na vida política.
São viáveis a constituição de organizações que permitam aos seus membros um
posicionamento diante da atuação Estado.
A forma como o governo trata as demandas dos seus cidadãos ainda é muito precário,
um adequado governo democrático, que defendemos aqui, caracteriza-se por ser
simultaneamente sensível e eficaz: sensível às demandas de seu eleitorado e eficaz na
utilização de recursos limitados para atender tais demandas.
6- Conclusão
Entender a relevância da criação, organização e atuação dessas associações quilombolas
(Bacabal, Bairro Alto, Mangueiras e Pau Furado) é um procedimento complexo, pois
envolve uma serie de conjunturas. Mas, sobretudo a dificuldade dos quilombolas serem
reconhecidos enquanto grupo étnico detentor de demandas especificas e igualmente
cidadãos brasileiros. Entretanto cabe ressaltar que o papel dessas organizações é
imprescindível para a realização de suas demandas territoriais, econômicas e culturais.
O teórico Robert Michels décadas atrás assegurou em seu clássico estudo que a
democracia é inconcebível sem organizações.
Portanto podemos sustentar que essas associações quilombolas de Salvaterra são
suportes da democracia, na medida em que possibilitam o envolvimento de seus
partícipes com as principais questões políticas do grupo, promovendo a cidadania
(direitos e deveres iguais para todos) na medida em que esses indivíduos são
impulsionados a participarem dos negócios públicos e assim se apropriam de bens
sociais por eles mesmos criados. Nessas associações são reforçados laços de confiança e
cooperação, ademais são locais de (re) produção de percepções acerca de (in)justiça,
liberdade e direitos. É a partir dessas percepções que o grupo se organiza e luta pela
conquista de suas demandas frente a atual conjuntura política brasileira.
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