APELACÃO CÍVEL
DATA: 16/9/1991 FONTE: 012865-0/0 LOCALIDADE: ASSIS
Relator: Onei Raphael
Legislação:
DÚVIDA - DEFINIÇÃO
Procedimento de dúvida: 'Caracteriza-se (...) pelo recurso a uma instância judicial de revisão de
outro juízo de desqualificação, necessariamente pré-existente, a cargo do registrador, isto é,
define-se, o procedimento de dúvida, por uma como que 'lide' administrativa informada por uma
pretensão a registro resistida pelo oficial' (Dr. Aroldo Mendes Viotti, parecer).
Íntegra:
APELAÇÃO CÍVEL N.º 12.865-0/0 – ASSIS
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral:
I. Tratam os autos de Recurso interposto por MARIA RITA DA SILVA ORLANDO, JOANA DE
PAIVA, ERCULANO DE PAIVA e IRACI SEBASTIANA PAIVA PASSONI, intitulando-se “herdeiros
de ANTONIO BAPTISTA DE PAIVA” (fls. 53/61), contra a R. sentença do MM. Juiz Corregedor
Permanente do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de ASSIS, que, em procedimento a
que se denominou de Dúvida inversa, indeferiu pretensão registrária formulada pelos ora apelantes
(fls. 49/51).
O MM. Juiz denegou acesso a uma certidão de partilha apresentada por cópia reprográfica, tirada
de ação de medição e divisão que tramitou pelo Foro da Comarca de Assis, segundo os
recorrentes nos idos de 1.908. Fê-lo porque os subsídios existentes são no sentido de que o
imóvel não mais se localiza na Comarca de Assis, além do que é impossível saber se, após tantos
anos, não existem registros aquisitivos, em nome de terceiros, abrangendo a mesma área, ou
parte dela.
No recurso, os interessados salientam que têm necessidade do registro para fins de abertura do
inventário dos bens deixados por Antonio Baptista de Paiva, criticam a R. sentença por alegada
ausência de fundamentação e por ter sido proferida sem o “saneamento” do feito, e sustentam a
viabilidade do ingresso do título, terminando por pedir “autorização para abertura do registro da
matrícula e transcrição do quinhão hereditário de Antonio Baptista de Paiva”.
Opinam os D. representantes do Ministério Público, em primeiro e em segundo graus, pelo
improvimento do recurso, salientando, ambos, que nem mesmo estaria caracterizado o
pressuposto da dúvida registrária, por não haver prova que o título tenha sido submetido ao Oficial
Imobiliário (fls. 63/66, 71/73).
É, em síntese, o relatório.
II. Passo a opinar.
II.a – Têm razão os Il. Órgãos do Ministério Público, ao observarem que nem mesmo estaria
presente pressuposto necessário à válida instauração de procedimento de dúvida. Caracteriza-se
este último, realmente, pelo recurso a uma instância judicial de revisão de outro juízo de
desqualificação, necessariamente pré-existente, a cargo do registrador, isto é, define-se, o
procedimento de dúvida, por uma como que “lide” administrativa informada por uma pretensão a
registro resistida pelo Oficial. E são os próprios recorrentes que asseveram que não chegaram a
apresentar formalmente o título em Cartório, antes de virem a Juízo (fls. 35). Entretanto, e embora
com alguma abdicação da ortodoxia, é possível talvez arredar-se essa prejudicial, não só porque a
Serventia acabou sendo ouvida nos autos acerta do pedido de registro (fls. 47), como também em
virtude da – venia concessa – patente inconsistência da própria pretensão deduzida, como adiante
se verá, de tal sorte que não a conhecer pelo mérito, mormente após toda a tramitação deduzida
em primeiro grau, significaria protrair indefinida e desnecessariamente a apreciação de
controvérsia singela, que pode ser de logo deslindada.
Essas mesmas considerações permitiriam, a meu ver, passar ao largo de outra clamorosa falha
formal, consistente em se peticionar em nome de indeterminados “herdeiros de Antonio Baptista de
Paiva”. Os titulares da pretensão deduzida em Juízo precisavam ser identificados na inicial, até
porque não há como saber se os interessados que outorgaram os mandatos cujos instrumentos
foram apresentados são os únicos “herdeiros de Antonio Baptista de Paiva”. Todavia, estando-se
em esfera administrativa, e sido ultrapassado a fase de admissibilidade formal da peça vestibular,
não se vê inconveniente em se subentender que os ‘herdeiros” postulantes são aquelas pessoas
que outorgaram, ao subscritor das razões, as procurações trazidas aos autos.
II. b – Querem os interessados obter registro de uma certidão de pagamento de quinhão, a que
denominam de “quinhão hereditário”, e que dizem resultar de sucessão ‘causa mortis’ de José
Antonio de Paiva, com origem tabular no registro feito sob n. 87, em 01 de outubro de 1.901, no
antigo Livro de Registro das Terras de Domínio na antiga comarca de Campos Novos do
Paranapanema. A aludida certidão de pagamento descreve uma gleba com 439,6 alqueires (fls.
09/10).
É preciso assinalar, de início, que nem mesmo cabe, na hipótese, questionar sobre a circunstância
de ser o título, em princípio, anterior à vigência do Código Civil, o que tenderia a dispensá-lo da
observância da continuidade. Essa discussão se mostra irrelevante porque o título sob exame não
é de natureza constitutiva, não instrumenta a aquisição de direito real. Trata-se, com efeito, de
uma certidão de pagamento extraída dos autos “da ação de medição e divisão da fazenda São
Mateus” (fls.09); quer dizer, a mutação a que ele se destina é a extinção de pré-existente
condomínio. Nem mesmo se cuida, ao contrário do que dizem os recorrentes, de pagamento de
quinhão hereditário. A divisão, como se sabe, não é causa jurídica de aquisição da propriedade:
eis supõe, como assinalado, a prévia aquisição do domínio, em cotitularidade “pro indiviso”. E
restam inteiramente ignorados o modo e a causa pelos quais foi juridicamente criado o condomínio
de que participava Antonio Baptista de Paiva.
Não se compreende por que, ainda, a certidão de pagamento apresentada estaria vinculada à
aquisição feita por José Antonio de Paiva e por Manuel Pereira Alvim, por escritura lavrada em
1.871: nada há nos autos a prestigiar semelhante conclusão. E não é demasiado recordar que,
ainda que houvesse nítida filiação ao registro feito em 1.901, ela não se prestaria a satisfazer o
requisito da continuidade, por isso que o registro predial, anteriormente ao Código Civil, não era
obrigatório e nem constitutivo; ou, como dizia em seu artigo 235 o Decreto n. 370, de 2 de maio de
1.980, vigente à época do indigitado registro, a transcrição não induzia “a prova do domínio, que
fica salvo a quem for”.
Já por essa razão, portanto, isto é, por não instrumentar a aquisição da propriedade imobiliária, o
título se mostra irregistrável, e inidôneo a inaugurar corrente filiatória.
II. c – Tal não bastasse, o título formal (certidão de pagamento) foi exibido por cópia reprográfica,
nem mesmo autenticada (fls. 09/10). É reiterado o entendimento, na jurisprudência do Colendo
Conselho, segundo o qual os instrumentos a que a lei admite acesso devem ser apresentados em
seu original. A cópia, mesmo, aliás, que se encontrasse autenticada, pode constituir mero
documento, mas não configura o instrumento formal abstratamente previsto em lei como idôneo a
ter acesso ao registro.
Acresce – como acentuou o MM. Juiz sentenciante – que os indícios existentes nos autos, e
produzidos pelos próprios recorrentes (certidão copiada a fls. 18v. e planta apócrifa de fls. 23), dão
realmente a entender que a extensa gleba retratada no título não mais se situaria na Comarca de
Assis, o que retiraria ao Cartório Predial e ao Juízo Corregedor Permanente locais a atribuição
para conhecer da pretensão a registro, nos termos do art. 169 da L.R.P.
O próprio fato de não mais ser determinável com razoável clareza a situação do imóvel descrito no
título constitui outro impedimento a seu ingresso. A par de a especialização objetiva traduzir
requisito legal para a abertura de matrícula (Lei n. 6.015/73, art. 176, parág. primeiro II, 3), a sua
ausência obsta a verificação, pelo registrador, de pressuposto ínsito ao controle da legalidade, vale
dizer, impede-lhe de aferir, como lembrou a decisão de primeiro grau, se há registros válidos,
titulados por terceiros, sobre a mesma gleba ou sobre parte dela, em ordem a evitar a
sobreposição de linhas filiatórias.
II. d – o pedido de registro é, assim, por completo inacolhível.
Para finalizar, não era mesmo de se exigir do magistrado que proferisse “despacho saneador”, ou
que facultasse dilação probatória, ponto contra o qual se insurgem os recorrentes. O procedimento
de dúvida é disciplinado pelos artigos 198 e seguintes da Lei n. 6015/73, tem natureza
administrativa (art. 204) e não comporta dilação instrutória, destinando-se a solver controvérsias
registrais fundadas em títulos pré-constituídos.
III. Diante do exposto, o parecer é no sentido de se conhecer do recurso, e de se lhe negar
provimento, mantida a denegação ao ato de registro pretendido.
À superior consideração de Vossa Excelência.
São Paulo, 17 de junho de 1.991.
(a) AROLDO MENDES VIOTTI, Juiz Auxiliar da Corregedoria
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N.º 12.865-0/0, da Comarca de
ASSIS, em que é apelante o ESPÓLIO DE ANTONIO BAPTISTA DE PAIVA, apelado o OFICIAL
DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA e interessados MARIA RITA DA
SILVA ORLANDO e OUTROS.
A C O R D A M os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime,
em conhecer do recurso e lhe negar provimento.
Apelação tirada por MARIA RITA DA SILVA ORLANDO, JOANA DE PAIVA, ERCULANO DE
PAIVA e IRACI SEBASTIANA PASSONI contra R. sentença, proferida em procedimento rotulado
como Dúvida inversa, que lhes denegou pedido de registro de uma certidão de partilha extraída de
ação judicial de divisão, a qual, segundo os recorrentes, teria tramitado pela Comarca de Assis em
1908.
O Ministério Público, em ambas as instâncias, é pelo improvimento. No mesmo sentido é o
pronunciamento do M.M. Juiz Auxiliar.
De início, observa-se que os óbices formais que, em análise de estrito rigor, impediriam o
conhecimento do recurso, devem ser afastados. O primeiro deles consiste em que o aludido título
não chegou a ser qualificado em primeiro momento pelo registrador. Ressalvada, a
excepcionalidade da solução, revela-se a ausência desse pressuposto, porque o Oficial acabou se
manifestando nos autos e à vista de singeleza da controvérsia. O segundo diz respeito ao fato de
os interessados, sem identificação completa na inicial, peticionarem em nome de “herdeiros de
Antonio Baptista de Paiva”; se é verdade que a falta poderia ter ensejado oportunidade de
emenda, ou mesmo rejeição da inicial, é possível, nesta fase, subentender-se que os titulares da
pretensão posta neste Juízo administrativo são aquelas pessoas que outorgaram mandato “ad
juditia” ao subscritor das razões.
Quanto ao mérito, há óbice fundamental, de que não cuidou a decisão recorrida, inviabilizando o
recurso. É que a certidão de partilha ao contrário do que dizem os recorrentes, foi extraídas de
juízo divisório ‘inter vivos” entre condôminos, e não de juízo sucessório “causa mortis”. Isto quer
dizer que, ainda a se demonstrar a anterioridade do título à vigência do Código Civil (o que não
chegou a ser cumpridamente feito), ele nunca poderia inaugurar corrente filiatória com dispensa do
“registro do título anterior”, porque a divisão entre condôminos não é causa jurídica de aquisição
da propriedade, e sim causa de extinção de condomínio, supondo a pré-existência de
co-propriedade “pro indiviso”. E não se esclareceu, sequer, qual a origem desse condomínio
pré-existente, extinto pela partilha instrumentada no título.
Além, disso, outras razões impedem o acolhimento da pretensão, a saber:
a) a certidão de partilha foi apresentada mediante cópia reprográfica, nem mesmo autenticada. E,
nos termos de pacífica jurisprudência do Colendo Conselho, as cópias dos títulos formais previstos
em lei não podem ter acesso a registro;
b) há indícios, produzidos pelos próprios recorrentes, de que a extensa gleba retratada no título
não mais se situaria na Comarca de Assis, o que retiraria do Oficial suscitante a competência para
a prática do ato de registro (artº 169 da LRP);
c) o imóvel é identificado, no título, de maneira a obstar, ao Oficial, a determinação de sua situação
geográfica, afrontando-se o requisito da especialização objetiva (artº 176, § 1º, II, n.º 03 da LRP).
Daí porque, conhecido o recurso, nega-se seguimento a ele.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores ANICETO LOPES
ALIENDE, Presidente do Tribunal de Justiça e ODYR JOSÉ PINTO PORTO, Vice-Presidente do
Tribunal de Justiça.
São Paulo, 05 de agosto de 1991.
(a) ONEI RAPHAEL, Corregedor Geral da Justiça e Relator
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APELACÃO CÍVEL DATA: 16/9/1991 FONTE: 012865-0/0